Bem vindo

bandeira-portugal-imagem-animada-0007 bandeira-mocambique-imagem-animada-0006

Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


domingo, 22 de dezembro de 2024

GRANDES OPERAÇÕES DA GUERRA COLONIAL "OPERAÇÃO ZETA"

Duas centenas de pára-quedistas saltam, em 7 de Julho de 1969, na margem esquerda do rio Rovuma com o objectivo de atacarem e destruírem a base Limpopo - a mais importante posição da guerrilha da FRELIMO no Planalto dos Macondes, distrito de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Esta arriscada acção militar -- recebeu o nome de código de OPERAÇÃO ZETA -- é um marco na história dos pára-quedistas; foi o primeiro lançamento de "páras" em larga escala e um dos raros de toda a Guerra Colonial.Mas a operação esteve à beira de se transformar numa tragédia,


Clik aqui para aceder a outra visão sobre a Operação Zeta

Em meados de 1969 , pouco mais de quatro anos após o início da guerra em Moçambique, o comandante-chefe general António Augusto dos Santos, tinha conseguido confinar a guerrilha às regiões fronteiriças do Norte. Um dos santuários dos guerrilheiros era o mítico Planalto dos Macondes, onde a FRELIMO instalara pelo menos quatro bases de apoio. A mais importante destas posições era a Base Limpopo - que funcionava como um grande paiol de material de guerra.
As bases da guerrilha estavam instaladas numa região de acesso muito difícil. O terreno acidentado, entrecortado por escarpas e ladeiras a pique, tornava as posições inimigas praticamente inexpugnável. Os únicos locais de passagem estavam defendidos por pontos altos donde os guerrilheiros flagelavam sem piedade qualquer aproximação. Várias unidades já tinham tentado sem êxito atravessar esta autêntica zona de morte.
Além dos incontornáveis caprichos da natureza, as tropas portuguesas contaram ainda com outra dificuldade sempre que atacaram esta zona do planalto. A longa distância que tinham de percorrer - desde os aquartelamentos até ao local de acção - impedia os ataques de surpresa. As deslocações das unidades, necessariamente por território pejado de guerrilheiros, não podiam deixar de ser detectadas - o que dava toda a vantagem ao inimigo. Nada jogava a favor das forças atacantes. De todas as vezes retrocederam debaixo de violento fogo de metralhadoras e morteiros.

Pântanos mortais
O povo maconde conhecia cada palmo do seu planalto -- e os macondes constituíam ali a espinha dorsal da guerrilha. A FRELIMO soube assim erguer o santuário numa zona perfeita cujas defesas naturais condenavam ao fracasso qualquer golpe executado por terra. A última esperança.
Só não havia escarpas a norte, na margem esquerda do Rovuma a escassos quilómetros da fronteira com a Tânzania. Mas também aí a paisagem pantanosa é uma fiel aliada dos guerrilheiros.
Os pântanos prolongam-se ao longo do rio e fecham-se em forma de meia lua ao redor das posições do inimigo. É uma proibida aos pára-quedistas. Largá-los sobre pântanos profundos seria condená-los à morte por afogamento. Ainda chegam ao quartel-general em Nampula mais informações desanimadoras.
É quase certo que a guerrilha em baterias anti-aéreas montadas para lá do rio Rovuma. Os aviões seriam facilmente atingidos durante o lançamento dos "páras"

O ataque à base Limpopo foi executado a partir dos pântanos Malambuange

Reconhecimento aéreo
A Força Aérea faz o levantamento fotográfico  da zona pantanosa. As fotografias são minuciosamente examinados. O Capitão Moura Calheiros, oficial de operações Batalhão de Caçadores Pára- Quedista 32, descobre um torrão de terra firme no meio do pântano. É um rectângulo irregular com cerca de 90 metros de comprimento por 200 de largura - um alvo pequeno para colocar duas centenas de "páras" a partir dos aviões.
Os pára-quedistas correm menos riscos se soltarem de mais alto; caso haja problemas com a abertura do pára-quedas principal, ainda há tempo para accionar o de reserva. Mas os aviões não podiam voar muito alto naquela zona -- a fim de evitarem as baterias anti-aéreas inimigas instaladas  mesmo ali no outro lado da fronteira. O salto teria que ser baixo, a 90 metros de altura, apenas o suficiente para a abertura completa do pára-quedas principal. Ninguém teria tempo para abrir o de reserva. O risco era considerável.

Operação em marcha
As primeiras horas da manhã do dia 6 de Junho de 1969, sexta feira o capitão Calheiros e um pelotão de "páras" são colocados de helicóptero naquela leira de terra batida. Têm a missão de balizar a zona de salto, São os percursores. Não têm tempo a perder. Um avião Nord Atlas e três Dakotas  já deslocaram de Nacala com os "páras" a bordo rumo ao objectivo.
Os aviões de transporte voam para o Norte numa linha paralela  à costa. O comandante da operação , tenente - coronel Curado Ribeiro, também está no ar  a bordo de um monomotor Dornier 27. Nos pântanos, o precursores marcam a zona do salto. Estendem no solo grandes tiras avermelhadas de lona que formam um "tê" maiúsculo; a perna maior da letra  está virada para 
Este -- donde devem surgir os aviões de transporte.

O "T" a vermelho era o local indicado para os "páras" poisarem

Além dos pára-quedistas, participam na operação duas companhias de cavalaria - a 2375, sediada em Mocímboa do Rovuma, comandada pelo capitão Saraiva, e a 2376, de Nangade, comandada pelo capitão Júdice da Costa -- e a 10ª companhia de comandos. O ataque à guerrilha no Planalto dos Macondes é  levado a cabo pelos "páras" -- enquanto as companhias de cavalaria e comandos ocupam posições a Sul e a Oeste da zona de combate.

À beira do desastre

Antes do lançamento dos pára-quedistas, o planalto foi sacudido por tremendo bombardeamento aéreo executado por dois aviões PV-2 e oito T6. O alferes Fernando Ferrão, da Companhia de Cavalaria 2375, lembra de assistir `aproximação da esquadrilha. "O ataque foi muito intenso", recorda.
Quando os bombardeiros acabaram de largar as bombas os aviões de transporte dos pára-quedistas surgiram vindos do lado do mar; deslocaram de Nacala, voaram ao longo da costa até poucas milhas antes da foz do Rovuma - e só então, a escassos 90 metros de altura, tomaram o rumo da zona de salto.
O capitão Calheiros e os seus homens já têm a marca estendida em  terra. Os quatro aviões vêm enfileirados. A visibilidade é boa e as lonas vermelhas em forma de T são facilmente observáveis do ar. Os pilotos já acenderam a luz verde no interior - sinal de que estão sobre o alvo. A bordo de cada avião segue um pára-quedista graduado com a missão de comandar a largada; às suas ordens, um atrás do outro, com intervalos de 10 segundos, os "páras" precipitam-se no vazio. Mas só dá a ordem se vir a marca lá em baixo. Se o T não for avistado, ninguém salta.
O primeiro avião larga os pára-quedistas antes do tempo. O capitão Calheiros, cá em baixo, vê horrorizado que os homens vão cair no pântano. É morte certa. Receia que os aviões de trás, levados pelo erro do da frente, se precipitem a largar os "páras". Moura Calheiros prevê uma tragédia. Agarra-se ao rádio e, com dificuldade, consegue alertar os pilotos. Mas os primeiros 40 pára-quedistas caem em zona de pantanosa. Aterram, por milagre, onde o pântano, onde o pântano é menos profundo. Carregam 30 quilos de equipamento - espingarda munições, granadas. Afundam-se até aos joelhos e conseguem chegar a terra firme.

Os "páras a serem "largados" sobre o pântano de Malambuange


Os "Páres" no pãntano de Malambuange

Guerrilheiros em fuga
A operação foi um êxito total. O lançamento de pára-quedistas apanhou de surpresa os guerrilheiros - que acabaram por abandonar a  Base Limpopo com toneladas de material de guerra. Os"pára" não chegaram a travar grandes combates. As forças de cerco, formadas por duas companhias de Cavalaria e uma de Comandos, abateram uma dezena de guerrilheiros em fuga.
A base tinha uma boa centena de palhotas. As tropas de assalto não encontram viva alma. A zona fora abandonada à pressa. Encontram grandes quantidades de arroz, mapira e folhas de tabaco. 
É tudo queimado. O comandante da base tinha na cubata maços de cigarros lusos e lâminas de barbear fabricadas n Checoslováquia. Os depósitos subterrâneos de material de guerra, estavam dispersos por uma vasta zona de mato denso e tinham portas de alçapão camufladas. Esta posição da guerrilha era demasiado importante para os guerrilheiros; o material de guerra vinha da Tanzânia e daqui era distribuído para as outras bases na região do Planalto dos Macondes. A Operação Zeta foi um duro golpe na guerrilha. Não tanto pela destruição da Base Limpopo - mas pela quantidade de material de armamento apreendido; um morteiro 82, 179 espingardas Simonov, 59 pistolas-metralhadoras Spragin; 64 granadas de mão, 20 armadilhas; 1716 granadas de morteiro; 200 mil cartuchos











domingo, 8 de dezembro de 2024

COMBATES NO PLANALTO DOS MACONDES

 As Grandes Operações da Guerra Colonial

COMBATES NO PLANALTO DOS MACONDES

Pára-Quedistas na Operação Zeta
Em finais de Junho de 1965, menos de um ano após os primeiros ataques da FRELIMO, a guerra já vai acesa nos Distritos de Cabo Delgado e do Niassa, no extremo norte de Moçambique, O comando militar lança a primeira grande operação na entre 2 de província - a Operação Águia, executada entre 2 de Julho e 6 de Setembro de 1965, com o objectivo de eliminar a guerrilha no Planalto dos Macondes. Os resultado são modestos. Quatro anos depois, os guerrilheiros já têm pelo menos quatro bases no coração do planalto. É leado a cabo uma segunda operação - Operação Zeta. Duas centenas de párquedistas saltam, em 7 de Junho de 1969, sobre a região de Malambuage, a sul do Rio Rovuma. Os guerrilheiros - preparados para se defenderem de forças que se aproximassem por terra, são surpreendidos pelo ataque dos "páras" largados dos aviões - fogem e abandonam toneladas de material de guerra.

Batalhão de Caçadores 598, na zona de Cobué, Niassa

O comandante - chefe de Moçambique general João Carrasco, estava confiante que conseguia, de uma penada, acabar com a guerrilha no Planalto dos Macondes. Põe em marcha a Operação Águia. As unidades envolvidas - Batalhão de Caçadores 558, batalhão de Caçadores de Nampula e Batalhão de Caçadores 729 - cumpriram as ordens. Mas os objectivos com que sonhava o quartel general, instalado em Lourenço Marques, não foram alcançados. o planalto continuou como santuário dos guerrilheiros da FRELIMO.

Major Costa Matos Governador o Niassa, acompanhado por Régulos

Os guerrilheiros entraram pela primeira vez no norte de Moçambique em Agosto de 1964.Vieram das bases de Mtaware e de Nachingwea, na vizinha Tanzânia,e atravessaram o rio Rovuma em direcção ao planalto dos Macondes, no Distrito de Cabo Delgado. Os comandos militares não deram por isso. O comandante-chefe general, João Carrasco, desmantelara um serviço de informações posto em prática pelo capitão Costa Matos - que fora à Argélia, juntamente com mais cinco oficiais, em 1959, aprender com os franceses alguma coisa sobre a guerra subversiva. Os ataques levados a cabo pela guerrilha foram, por isso, uma surpresa total.
A experiência francesa no norte de África de nada serviu à elite política e militar de Lisboa. a revolta estalou na Argélia em Novembro de 1954. O governo francês , com a mesma  imprudência que o levara à derrota na Indochina, imaginou que em menos de um fósforo esmagava a rebelião, Não foi assim. Um exército imenso tentou, sem êxito, dominar os guerrilheiros do Fronte de Liberation Nationale.  Meio milhão de homens, equipados com todo o material moderno, carros de combate e aviação, não chegaram para cantar vitória sobre uns escassos milhares de guerrilheiros mal armados. A França aprendeu uma dura lição; não há solução militar para uma guerra de guerrilha.

Em Setembro de 1964, já os combates iam sonhados em Angola e na Guiné, estala a guerra em Moçambique, Salazar e os seus generais, insensíveis aos tormentos por que passaram os franceses na Indochina e na Argélia, só confiaram na pólvora para acabar com os movimentos da guerrilha. O comandante - chefe nomeado para Moçambique, general Carrasco, era um fiel adepto da estratégia do mata e esfola.
Costa Matos, um dos oficiais enviados à Argélia, é mandado para Moçambique, ainda em 1959, com a missão de criar um serviço de  informações. Monta um eficaz esquema de vigilância das zonas fronteiriças. Mas  as patrulhas não se limitavam a acções estritamente militares. Levavam médicos e enfermeiros. Tinham especial atenção para com as populações. Tratavam doentes doentes e alimentavam aldeias inteiras. Costa Matos deitou a mão a outro truque. Criou as chamadas brigadas de caça - uma em Cabo Delgado e duas no Niassa - formadas por militares à paisana com identidades falsas.
Este grupo, cada um constituído por uma dúzia de homens, movimentavam-se ao longo de toda a fronteira com a Tanzânia. Gozavam de total liberdade de movimentos e não custavam um centavo aos cofres públicos; caçavam e vendiam carne, tinham acampamentos, recebiam turistas americanos e europeus endinheiradas dispostos a pagar muito dinheiro por uns dias de emoção, traficavam marfim. Mas a verdadeira missão destes caçadores, que falavam os dialecos do Norte de Moçambique e alguns deles casados com as filhas dos régulos, era a recolha de informações - tão necessárias quanto a água para peixe. O general João Carrasco acabou com as brigadas de caça mal chegou a Moçambique. Quando os primeiros guerrilheiros passaram a fronteira e se instalaram e se instalaram numa aldeia do Planalto dos Macondes ninguém soube,

General João Carrasco

Primeiros ataques

A noite de 24 de Setembro, quinta-feira. caiu na região de Porto Amélia (Pemba), no Distrito de Cabo Delgado, Norte de Moçambique, com uma inclemente bátega de água. Era o início da época das chuvas. Às primeira horas da manhã de sexta-feira, o capitão José Verdasca, comandante de uma das companhias do Batalhão de Porto Amélia, formado por tropa nativa, é chamado ao gabinete  do comandante . O tenente-coronel dá-lhe uma missão;"Reúna metade da companhia junte-lhe os serviços necessários e siga para Chai, onde o posto administrativo foi atacado por terroristas". E acrescenta: "O nosso general quer a situação resolvida em 15 dias",  Verdasca já andava desconfiado com a preparação dos altos comandos militares para a guerra de guerrilha que ia em brasa em Angola e Guiné e acabara de eclodir em Moçambique. Depois de ouvir do seu tente-coronel as ordens do comandante-chefe, general João Carrasco, ficou esclarecido.
O capitão serviu no Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas, em Tancos, e fez um curso de guerra subversiva, no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego.

Capitão Verdasca, a sua companhia foi a primeira Unidade a responder a um ataque da FRELIMO

Uma centena de militares, sob o sob o comando do capitão Verdasca, iniciaram então uma viagem de duas centenas de quilómetros a caminho do Planalto dos Macondes. Além dele, apenas dois alferes milicianos, oito sargentos e oito cabos eram europeus - o resto da coluna era formado por nativos de várias etnias. Tinha 15 dias, de acordo com as ordens do general Carrasco, para aprisionar ou eliminar os guerrilheiros,pacificar a região e impedir novos ataques.
O ataque ao posto administrativo de Chai, junto ao Rio Messalo, levado a cabo na madrugada de 25 de Setembro de 1964, está inscrito na história da FRELIMO como a "primeira acção da guerra de libertação nacional".
Mas outros ataques já tinham ocorrido. Em 21 de Agosto, também no distrito de Cabo Delgado, segundo um relatório do Batalhão de Caçadores 558, um carro civil ocupado por colonos brancos é atacado na estrada, entre Mueda e Mocímboa da Praia, a tiros de canhangulo. Não há vítimas. Três dias depois, é atacada a missão protestante de Nangololo; um padre holandês cai assassinado a tiro. A FRELIMO nunca reivindicou estas duas acções; são atribuídas a grupos rebeldes dos dois partidos, a MANU e a UDENAMO, que deram origem àquele movimento independentista.
O ataque em Chai, no dia 25 foi precedido por três acções;corte de estradas nas zonas de Miteda, Nangololo, Muatide e Muindumbe; destruição de pontes em Mocímboa da Praia, Esposende (Sagal), Mueda, Nangade e Machoma; e sabotagem de linhas telefónicas.

Rio Massalo, na região de Chai, distrito de Cabo Delgado

A coluna do capitão Verdasca sai de Porto Amélia e chega à região ao final do dia 26, sábado.As primeiras informações são recolhidas em Macomia. Os cipaios, polícias recrutados entre nativos que serviram na tropa, conhecem a aldeia onde estão abrigados os guerrilheiros que atacaram Chai. O capitão Verdasca toma a povoação de assalto. Faz 39 prisioneiros sem disparar um único tiro; prende um chefe da guerrilha com dois anos de treino na China, um outro que fora graduado no Exército do Tanganica, meia dúzia de operacionais - e os restantes são moradores na aldeia que ajudaram os guerrilheiros.
Os prisioneiros conduzidos ao batalhão, em Porto Amélia, não chegaram a ser interrogados. Os altos comandos, convencidos que acabavam com a guerrilha pela força, nem sequer foram ao local fazer uma avaliação dos acontecimentos. O capitão Verdasca sabia que era necessário, a par da força, conquistar as populações para retirar apoio aos guerrilheiros.
"Apercebi-me da incompetência dos comandos, optei por uma actuação independente e desobedeci a ordens que me pareciam estúpidas" - recorda Verdasca. É punido com cinco dias de prisão. Recorde da pena. O processo arrasta-se. É colocado no quartel-general, em Lourenço Marques. Toma a decisão de pedir a demissão do quadro permanente.

Guerra alastra

A guerrilha tinha duas bases importantes para lá do rio Rovuma, na Tanzânia - em Mtwara e Nachingwea. Os guerrilheiros estabeleceram  uma primeira linha de infiltração a Mueda, coração do Planalto dos Macondes, na província de Cabo Delgado. Quando a guerra estala, em 1964, o comandante-chefe é o general João Carrasco. Fica conhecido por querer ganhar a guerra com      fósforos. Estava convencido de que se queimasse as aldeias indígenas as populações dispersavam e os guerrilheiros ficavam sem apoios.
A guerra tratava-se no extremo nordeste de Moçambique, mas o quartel general continuava alegremente instalado em Lourenço Marques, no outro extremo da colónia. O general Carrasco nunca chegou a perceber a mais importante manobra da contra-subversão; conquistar o apoio das populações. As acções violentas contra as aldeias indígenas tiveram o efeito contrário.A destruição concitou o ódio do povo maconde - que acabou por constituir a espinha dorsal da guerrilha.
Os primeiros guerrilheiros que entraram em Moçambique, em Agosto de 1964, vindos das bases de Mtawara e Nachingwea, não seriam mais que 50 homens. Tinham recebido treino na Argélia. Estavam divididos em três grupos . Um, comandado por Alberto Chipande, actuava entre Macomia e Porto Amélia. Outro,sob as ordens de Raimundo, instalou-se na região de Mueda. O terceiro, destinado a Montepuez, era comandado por António Saide.
Num instante a guerra alastra de Cabo Delgado à vizinha província do Niassa. Os guerrilheiros cavam então uma segunda linha de infiltração no Norte de Moçambique a partir da Tanzânia- na zona de Cóbué, em direcção a Sul. Em breve, entram na província de Tete, em Capoche, a partir da Zâmbia.

A partir de 1965, a guerra já era intensa por todo o Norte de Moçambique

Comandante- Chefe, general Carrasco, no Batalhão de Caçadores de Porto Amélia

Operação no planalto

A primeira mina anti pessoal rebenta no dia 14 de Junho de 1965, na zona de Cóbué, no distrito do Niassa. Esta região, de resto, há-de ficar conhecida entre os combatentes portugueses como o "o estado de minas gerais". Que o diga o alferes António Gomes, sapador do Batalhão de  Caçadores 598. Em dois anos de comissão detectou 460 minas.
As companhias que actuavam no Niassa temiam sobretudo as minas - antipessoais e anticarro. As bermas das picadas eram depósito de sucata retorcida.

O alferes António Gomes do BCAÇ 598


No Planalto dos Macondes, no vizinho distrito de Cabo Delgado, as emboscadas eram o perigo que mais receava. O comandante-chefe de Moçambique, general Carrasco, lança nesta região a primeira grande acção militar em Moçambique - a Operação Águia, entre 2 de Junho e 6 de Setembro. Participam o Batalhão de Caçadores 588, o Batalhão de Caçadores de Nampula, o 
Batalhão de Caçadores 729 e uma bateria de Artilharia.
A operação executada entre os rios Rovuma, na fronteira com a Tanzânia, e Messalo, tem como principal objectivo esmagar a guerrilha no Planalto dos Macondes. A ordem de operações manda" desenvolver uma actividade destinada simultaneamente a exercer uma acção de presença junto das populações, destruir os elementos armados que entre elas se acoitam, destruir instalações caracteristicamente terroristas., furtando assim aos bandos inimigos todo o apoio por parte das populações comprometidas ou não"
O dispositivo militar em Cabo Delgado estava centrado em Mueda. Foi a partir desta zona no coração do Planalto dos Macondes, onde se cruzam as estradas mais importantes do distrito de 
Cabo Delgado, que a operação se desenvolveu.
As tropas movimentaram-se de início em três eixos de ataque sobre outros tantos objectivos; um sobre Nangololo; o outro em direcção a Mutamba; o terceiro sobre Mocímboa do Rovuma. Esta manobra foi executada pelo Batalhão de Caçadores 558 com o apoio de uma bateria de Artilharia. O Batalhão de Nampula parte de Namaúa com o objectivo de ocupar uma linha em direcção ao mar que passava por Esposende, Diaca e Malembe.Uma companhia do 558 marcha de Mutamba sobre Nangade, aonde ocorre o Batalhão de Caçadores 729 vindo de Pundanhar

Dez mortos

As forças portuguesas encontraram sérias dificuldades desde o início da ofensiva. Foram surpreendidas , segundo o relatório da operação, pelo "elevado número de emboscadas e de acções de flagelação". "Nos primeiros seis dias, as acções da guerrilha fizeram quatro mortos e 18 feridos".
A Força Aérea entra em acção no dia 8 de Julho - e descarrega bombas sobre Miteda, Nangololo e Muatide. Nem assim os guerrilheiros abrandam. Entre os dias 14 e 30 de Julho, as emboscadas sucedem-se um pouco por toda a zona de operação. Tombam em combate mais seis militares portugueses e 27 são evacuados com ferimentos graves.
As notícias que chegam ao quartel-general em Lourenço Marques, não são nada animadoras. Os relatórios enviados pelo comando da operação dão conta de "um inimigo numeroso, fortemente mentalizado, bem armado, que se habituara a actuar com relativa à-vontade na zona".
Ao contrário do que planeara o comandante-chefe, general carrasco, já não era possível desalojar os guerrilheiros do Planalto dos Macondes. Os portugueses tinham perdido a batalha da conquista da população - que prestava o inestimável apoio de que a guerrilha tanto necessitava; o povo do planalto era para os guerrilheiros como água para o peixe.
A partir do final de Julho, a Operação Águia foi perdendo intensidade. As unidades instalam aquartelamentos e passam a fazer batidas - até que a operação é dada como terminada em 6 de Setembro. Os resultados finais são modestos em comparação com os objectivos inicialmente pretendidos. JÁ então o Planalto dos Macondes é uma das mais duras zonas de toda a Guerra Colonial; os guerrilheiros são numerosos, estão bem armados e dispõem de bases importantes.





segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

FUZILEIROS ESPECIAIS NO NORTE DE MOÇAMBIQUE - NIASSA - MOÇAMBIQUE. MISSÃO LOUVADA

Segundo Sargento Candeias (em primeiro plano na foto) chefe do 3º Grupo
                                
O ataque à base da FRELIMO executado pelo 3º grupo de combate mereceu rasgados elogios da parte do comandante do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8. Assim:
"No dia 23 de Março de 1967, e code combate, comandado pelo 2º Tenente Raul Patrício Leitãomo missão da Operação Antares, foi ordenado ao 3º grupo de combate, comandado pelo segundo-tenente Raul Patrício Leitão, efectuar um reconhecimento na área de Chigwa. No decorrer da operação e explorando oportunamente informações fornecidas por dois rapazes aprisionados, foi atacada a base de Chigowa, cujos efectivos, avaliados em cerca de 40 guerrilheiros, eram superiores ao escasso efectivo das nossas forças (21 homens). O acampamento encontrava-se fortemente armadilhado à volta e numa posição muito difícil de de atingir, no fundo de um vale com cerca de 200 metros de profundidade. Do ataque levado a cabo por este grupo resultaram 25 baixas (alem de feridos cujo número impossível de comprovar, foi elevado) para o inimigo e entre os quais se contam 3 chefes das mais importantes bases da área; foram também apreendidas 19 armas, muitas munições, documentos importantíssimos e diverso material.
"No decorrer da acção, junto seria de salientar em primeiro lugar o valor do comandante do 3º grupo de combate (Segundo-Tenente Raúl Patrício Leitão) e logo de seguida o do conjunto, pois todos se comportaram de maneira altamente corajosa, evidenciando grande decisão e espírito combativo, qualidades que muito prestigiam a classe de Fuzileiros Especiais e da Marinha. Executando em primeiro lugar uma manobra táctica perfeita de ataque simultâneo aos acampamentos militar e de população - 10 homens apenas para cada - conseguindo de tal forma surpresa que os primeiros tiros foram desferidos a cerca de 10 metros, e depois travando imenso duelo de fogo contra um inimigo superior em número e bem armado, de tal modo que lhe causou pesadas baixas e acabou por o pôr em debandada abandonando a sua base e todos os mortos e material, mostrou o pessoal do 3º Grupo de combate, sob o comando do segundo-tenente Raúl Patrício Leitão, ser altamente merecedor do apreço deste Comando e da admiração de toda a restante Unidade pelo magnífico êxito alcançado em combate.

Segundo - Tenente Raúl Patrício Leitão

LOUVO:
"O  segundo-tenente Raúl Patrício Leitão pela maneira muito eficiente com que dirigiu o seu pessoal no golpe de mão à base de Chigowa. Em primeiro lugar, soube muito bem explorar as informações prestadas. Depois, demonstrando bom senso, sentido de oportunidade e grande iniciativa, efectuando uma manobra táctica perfeita, fazendo um ataque simultâneo a dois objectivos relativamente próximos. Finalmente, com grande coragem e decisão, conduziu o seu pessoal com muita eficiência no ataque a um inimigo numericamente superior e bem armado, empolgando de tal modo os seus subordinados que os conduziu a uma brilhante vitória (...) É pois justo tributar a este jovem oficial da minha Unidade o meu mais elevado apreço pela sua acção no decorrer desta operação, na qual demonstrou possuir em alto grau coragem, decisão, sangue-frio, sentido do dever e serena energia debaixo de fogo.

O segundo-sargento Salustiano da Silva Candeias pela forma altamente corajosa e abnegada com que no decorrer do ataque à base de Chigowa perseguiu quatro inimigos armados entre os quais se encontrava o cheef de uma das bases da região. Com grande decisão e valentia travou forte duelo contra eles, aniquilando o chefe e um outro, acabando por levar um tiro no carregador da própria arma e ficar com esta encravada, valendo-lhe então o auxílio que lhe foi prestado pelo equipa marinheiro João Torres Piaçab, que acabou por aniquilar os outros dois. É pois com muito gosto que quero demonstrar a este jovem sargento o meu mais elevado apreço pelas qualidades de decisão, coragem, abnegação, espírito combativo e serena energia debaixo de fogo que demonstrou possuir em combate no decorrer desta acção.


"O marinheiro João Torres Piaçab pela maneira altamente eficiente e corajosa com que conduziu a sua equipa debaixo de fogo inimigo, no ataque à base inimiga de Chigowa. Eliminando em primeiro lugar cerca de sete inimigos que se encontravam na população civil, tendo no entanto o cuidado e a calma suficiente para poupar a população em debandada, e depois socorrendo o segundo-sargento Candeias que se encontrava coma arma encravada e a ser fortemente alvejado por dois inimigos, de modo que os acabou por os eliminar, demonstrou possuir um elevado grau de qualidades de chefia, decisão, sangue-frio, coragem e serena energia debaixo de fogo, qualidades estas que arrastaram os corajosos elementos da sua equipa a ter um papel altamente importante na vitória alcançada.

O marinheiro António Ribeiro Pais pela maneira altamente eficiente e abnegada com que  conduziu a sua equipa no ataque à base inimiga de Chigowa, conseguindo sempre manter o seu pessoal unido e causando pesadas baixas ao inimigo, entre os quaiso chefe da base Chitope. Em confirmação da acção que vem tendo já em combates anteriores, mostrou ser um corajoso combatente, com grande sentido de oportunidade e das evoluções tácticas no terreno, serena energia debaixo de fogo, abnegação e sangue frio que muito o dognificam como homem e militar.



O Grumete Mário Guerreiro pela maneira altamente corajosa como se comportou durante o ataque à base de Chigowa. Como grande decisão aniquilou vários elementos do inimigo, entre os quais se encontrava o comissário político e chefe da base Mecondece, o elemento mais importante presente na base atacada. Em confirmação da acção já desenvolvida em combates anteriores, demonstrou nesta acção possuir um elevado grau espírito de sacrifício, coragem, decisão, de sangue-frio e serena energia debaixo de fogo.








segunda-feira, 25 de novembro de 2024

FUZILEIROS ESPECIAIS NO NORTE DE MOÇAMBIQUE - NIASSA - MOÇAMBIQUE. OPERAÇÃO ANTARES

 
Entre 23 e 26 de Março de 1967, o Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 levou a cabo a Operação Antares. Participaram dois grupos de combate - o 2º, so segundo - tenente Ferreira Serra, e o 3º. do segundo - tenente Raúl Patrício Leitão - sob o comando de Ferreira Serra, imediato do Destacamento.

Operação Antares

Objectivo da Operação Antares; "Nomadizar a área da baía de Chigowa com os seguintes limites; a norte, o rio Melindano, a leste a picada para Olivença; a sul, o rio Cóbué; e a oeste, o Lago Niassa.
O grupo de combate a sair primeiro deverá operar para sul de Chicane, onde se suspeita que exista uma base de passagem e apoio para os indivíduos que se deslocam à Ilha de Likoma (Malawi), tentando ao mesmo tempo descobrir o caminho até à margem do Lago,donde partem as casquinhas (pirogas). O grupo de combate a sair em segundo lugar deverá bater a faixa a norte de Chicane e, sobretudo, as nascentes do rio Melindano, onde em tempos foi destruída a base de Ngofi; deverá também bater as nascentes do rio Magache, por onde passa uma das penetrantes d infiltração para sul, segundo informações"
O 3º grupo de combate, comandado pelo segundo-tenente Raúl Patrício Leitão , acabou por atacar uma base da FRELIMO - onde decorria uma importante reunião dos comandantes da guerrilha na região do Niassa. Eis a descrição do ataque de acordo com o relatório elaborado por Patrício Leitão;  Fornecidos pela administração, seguiram connosco dois carregadores da povoação de Ngoo e um cipaio que, infelizmente, falava mal o português e tinha apenas um muito vago conhecimento da região.

Segundo-Tenente Patrício Leitão, Primeiro-Tenente Pereira Bastos,
Orlando Cristina e Segundo - Tenente Ferreira Serra (da esqª para a Dirª)
"O 3º grupo de combate (do segundo-tenente Patrício Leitão) embarcou em Cóbué na Lanche de de Desembarque Pequena 204, às 04h00 do dia 23 de Março e largou com rumo à baía de Chigowa (...). O desembarque veio a efectuar-se na zona de Chitege cerca das 05h30.
"Progredimos perpendicularmente à margem do Lago durante quase duas horas, ao fim das quais encontrámos uma picada bem vincada   na qual se resolveu fazer uma emboscada. Como não se visse qualquer vantagem em prolongar o tempo da emboscada e, por outro lado, a missão atribuída indicava que me deveria deslocar mais para sul e interior, largámos do local (...) Ao cabo de pouco tempo foram detectados dois rapazes que avançavam pela picada ao nosso encontro; rapidamente emboscámos e, à sua passagem, agarrámos-los de surpresa (...) O cipaio traduziu mal tanto o que eu perguntava aos rapazes como o que eles respondiam. Apercebi-me que estava perto de uma base com cerca de 6 inimigos armados e muita população civil. Fui também informado que havia armadilhas à volta do acampamento e que havia uma sentinela que rendia ao meio dia. Resolvi avançar para o objectivo tentando lá chegar à hora da rendição da sentinela (...) já perto do acampamento os rapazes indicaram-nos o local onde se encontrava uma armadilha, a qual estava extraordinariamente bem situada, de tal modo que haveria muitas probabilidades de cair nela se os miúdos não seguissem connosco. Comecei então a ouvir vozes e até cantos (...) Havia um acampamento de população à direita e o acampamento militar à esquerda, ambos metidos no fundo do profundo vale que se desenhava transversalmente à nossa frente, todo ele ensombrado denso arvoredo (...)

ORLANDO CRISTINA

"A fim de poder actuar com o pouco pessoal de que dispunha com a máxima eficiência, deixámos os equipamentos no local guardados pelo enfermeiro, telegrafista e apontador de morteiro (...) Duas equipas (10 homens) avançaram em linha sobre a povoação civil enquanto o comandante do grupo com restante pessoal (10 homens) avançaram também em linha para a base militar. A descida foi de cerca de 200 metros e de tal modo se actuou com a surpresa  que rompemos fogo à queima-roupa a cerca de 10 metros dos primeiros inimigos. O ataque pelos dois grupos foi quase simultâneo e tivemos que dar a ilusão de que éramos mais pois logo de início nos apercebemos de que o nosso efectivo era era inferior ao do inimigo.
"Gritando, lançando granadas e perseguindo tenazmente o inimigo, lançamos-nos a explorar ao máximo o efeito surpresa alcançado inicialmente. O inimigo debandou em todas as direcções à medida que os nossos os perseguiam e abatiam. A maior parte dos mortos foi feita logo no início (...) Houve cenas de bravura e de intrepidez da parte de todo o pessoal que só vêm confirmar a boa preparação dos fuzileiros especiais (...) A pouco e pouco começaram a ser capturadas armas ao inimigo que íamos abatendo, assim como documentos. Não havia muito tempo a perder para recolher tudo, mas foi revistado todo o acampamento e capturado todo o material importante. De assinalar  a existência de muito material de saúde numa das palhotas.
"O acampamento militar era do tipo quartel, com sete habitações colectivas, e o civil tinha cerca de 40 casas, estando os dois dispostos ao logo de um rio seco e separados cerca de 100 metros.
"Após o choque sofrido, os inimigos que conseguiram escapar começaram a responder  violentamente ao nosso fogo aproveitando a superioridade de terreno, pois refugiaram-se na encosta contrária àquela pela qual tínhamos descido. O seu volume de fogo era grande (...) O golpe de mão estava completo. As mínimas normas de segurança aconselhavam retirada para a reorganização.


Sempre debaixo de fogo inimigo, mas sempre respondendo a ele, voltámos ao ponto de irradiação carregados com o muito material capturado. Chegados ao cima mandei bater a área onde o inimigo se acoitara com o tiro de morteiro. Após o lançamento de dois projecteis , os quais enquadraram bem o alvo, o inimigo calou-se definitivamente e debandou.
A acção durara quase meia hora e o pessoal encontrava-se sob uma tensão que não era  aconselhável o prosseguimento. Tínhamos sidos surpreendidos ao encontrar um objectivo imprevistamente tão forte e ainda por cima minado a toda a volta. Perseguir o inimigo disperso sujeitando-nos a rebentar alguma mina ou armadilha ou a sofrer uma emboscada após tal êxito seria dar "armas" para o inimigo se recompor moralmente da derrota sofrida. Além disso, o estado de excitação em que o pessoal ficara, o qual necessitava de tempo  para para se recompor, e ainda a configuração do terreno e o facto de termos ficado bastante carregados com as armas e restante material apreendido, levaram-me a dar por terminada a acção. O regresso foi feito em passo acelerado (...) O grupo chegou à praia ao anoitecer e reembarcou tendo chegado ao posto do Cóbué pelas 19H30".













 20~~~21
22-24







segunda-feira, 18 de novembro de 2024

FUZILEIROS ESPECIAIS NO NORTE DE MOÇAMBIQUE

 

O Destacamento de Fuzileiros Especais 8 (DFE 8), comandado pelo primeiro-tenente João Pereira Bastos, chegou a Lourenço Marques, a bordo do navio "Império" , em 26 de  Dezembro de 1966, um sábado. Nos 32 meses que seguiram, combateu, alternadamente, nos Distritos do Niassa e de Cabo Delgado - zonas onde a guerra, iniciada dois anos ante, iam mais brava. Manteve-se operacional até 31 de Outubro de 1968; embarcou para a Metrópole em 26 de Novembro - e desembarcou em Lisboa no dia 16 de Dezembro de 1968, uma quarta-feira.

Em tronco nu, o Primeiro-Tenente Pereira Bastos, comandante do Fuzileiros Especiais  8

O DFE 8fez história em Moçambique. Os habituais relatórios das operações não se limitavam ao relato seco e à descrição dos acontecimentos. Iam muito mais longe. O comandante primeiro-tenente Pereira Bastos, militar de apurado sentido crítico, recolhia ensinamentos  de cada experiência de combate- e nos relatórios, além da simples narração, fazia recomendações que foram aproveitadas na instrução e nos cursos de fuzileiros especiais. As operações executadas pelo 
DFE 8 serviram como exemplos para futuras acções em campanha.
Pereira Bastos não deixava nada ao acaso. Definiu quatro princípios que deviam
ser seguidos pela unidade.
Primeiro: Segurança
Segundo: decisão
Terceira: não subestimar o inimigo
Quarto: não bestializar a guerra
A importância que dava à segurança mereceu-lhe a alcunha posta pelos seus homens: ficou conhecido como o "Ponham-se a pau" - frase que não se cansava de repetir. No final da comissão, o primeiro- tenente - condecorado com a mais alta insígnia por feitos em combate, a Medalha de Ouro de Valor Militar com Palma, e duas cruzes de Guerra - deixou escrito, o que não era hábito naquele tempo, um autêntico "manual" de política operacional (ver texto "A bíblia do DFE 8 em combate)

OPERAÇÃO INICIAÇÃO 

A primeira acção do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 foi executada entre 4 e 6 de Janeiro de 1967, no Niassa. Participaram três grupos de combate sob  o comando do Primeiro-Tenente Pereira Bastos. Objectivo: Aniquilar ou aprisionar grupos inimigos que se revelem e destruir os seus meios de subsistência; capturar populações dispersas na área. Diz o relatório da Operação:

"O DFE 8 embarcou às 06h00 na LDM (Lancha de Desembarque Média) 408 que largou com destino à Ponta Lucefa onde se planeara fazer o desembarque. Porém, como a visibilidade era fraca devido  ao forte aguaceiro que começou a cair logo de madrugada, e como o patrão da lancha conhecia mal aquela praia, perigosa segundo o comandante da Esquadria de Lanchas, foi decidido desembarcar na praia de Meluluca, um pouco a Norte".


"O desembarque foi feito cavando três trilhos com o auxílio de ferramentas de sapa. Foi iniciada a progressão para o interior às 08h30.  Logo após o desembarque vimos umas pegadas frescas numa picada e num pântano, o que me levou a supor que a aproximação da lancha fora detectada. Ao fim de uma hora e meia de marcha resolvi fazer o primeiro auto, em regime de emboscada, para descanso e também prevendo a hipótese de também estarmos a ser seguidos. Realmente esta hipótese verificou-se depois.passados uns minutos, o 3º oficial o segundo-tenente Patrício Leitão), que seguia com o seu grupo de combate na rectaguarda da coluna avisou que eram avistados, a cerca de 200 metros, dois homens vestidos de caqui azul e armados e cujo rumo era paralelo ao nosso. Como iam muito longe, resolvi deixá-los passar e mudar de direcção pois não convinha alertar as vizinhanças. Retomando a marcha prosseguimos com o rumo a sul a fim de tentar encontrar a picada que parte do rio Lucefa para o interior"
"Cerca das 11h00 ouvimos vozes de mulheres. Encontrávamo-nos perto do rio Lucefa e o guia avisou-nos que ali havia muitas machambas. Resolve fazer um envolvimento à posição onse se ouviam as vozes e atravessei com o 1º Grupo de combate para a margem oposta ao rio;
em seguida, o 2º Grupo, comandado pelo imediato (segundo tenente Ferreira Serra) aproximou-se do rio e conseguiu estar a uns 20 metros de um grupo de mulheres e crianças. Quando tentaram agarrá-las, fugiram aproveitando a superioridade do terreno. Aí foram destruídas 15 palhotas. Foram ainda vistos ao longe dois homens de caqui azul. Resolvi então afastar o destacamento da posição para não alertar mais as vizinhanças, pois mais para o interior é que se deveriam encontrar posições mais importantes. É de salientar que este acampamento se estende ao longo do rio e deve ter cerca de 80 habitações, além de dispor de boas machambas. Prosseguimos para sueste e foi feito um estacionamento em regime de emboscada, entre as 14h00 e as 15h00, durante o qual nada houve a assinalar. 
Ao fim de pouco maia de uma hora de marcha foram avistadas mulheres e crianças que andavam perto de uma machamba. Ao verem-se descobertas tentaram fugir, sendo capturada uma mulher e um rapaz com 10 anos. Como se fazia tarde resolvi marcha na direcção de um monte elevado para fazer estacionamento nocturno. Entretanto, resolvi abandonar a mulher por considerar que, devido à sua idade só nos atrasava o andamento; o miúdo seguiu connosco. O estacionamento foi feito num monte,logo a seguir à passagem dum braço do rio Lucefa. Nessa noite foi impossível prosseguir devido ao mau tempo e à escuridão. Entretanto, o miúdo interrogado disse conhecer um acampamento.

Equipa do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 na região do Niassa

Às 04h30 do dia 5 pusemo-nos em marcha guiados pelo miúdo e pouco depois começámos a seguir uma picada muito bem vincada que conduzia ao interior, Às 07h15 estávamos já perto e resolvi fazer um estacionamento em regime de emboscada, a cerca de 20 metros da picada, para dar descanso ao pessoal antes da acção que se avizinhava (...) Devido à falta de sentinelas ou de quaisquer dispositivo de segurança à aproximação do estreito vale onde se encontrava o acampamento deduz-se que o inimigo não desconfiava de uma possível acção das nossas forças naquela área. Resolvi de seguida fazer o cerco e limpeza, mais propriamente que golpe de mão, ao acampamento. Este encontrava-se dividido em dois agrupamentos; um de 16 casas de aspecto normal e outra de 35 casas com um aspecto mais cuidado. Os acampamentos estavam separados por 200 metros. O miúdo disse que só conhecia o mais pequeno e que no outro nunca o tinham deixado ir e que só o vira de passagem (,,,)


Equipado Cabo João Torres. À frente de óculos o guia Orlando Cristina

"Após a destruição do acampamento resolvi retirar rapidamente em direcção ao alto de um morro sobranceiro. Quando o meio da coluna ia a retirar, um dos nossos homens observou que havia um grupo inimigo emboscado e que se preparava para nos flagelar; com grande calma e de pé o marinheiro Fernando Tardão e o cabo Horácio Pereira atiraram rapidamente sobre eles atingido um inimigo; logo em seguida fomos flagelados com grande volume de fogo de armas automáticas mas, devido à pronta resposta do nosso fogo, o inimigo pôs-se em debandada. Após esta acção, subimos ao morro e estabelecemos um auto para repouso em regime de emboscada. É de assinalar que deste ponto, o mais longe da costa durante este patrulhamento, se conseguiu comunicar pelo rádio com a lancha de apoio (...)
"Às 15h30 foi levantado o estacionamento e iniciámos o regresso à costa. Às 16h30 foi avistado um grupo de 4 homens e 4 mulheres em fuga, possivelmente por terem detectado a nossa aproximação. Um homem foi abatido e foi capturada uma mulher uma criança. Transportavam grandes quantidades de peixe seco, milho e mandioca que abandonaram no local. Logo de seguida e guiados pela mulher dirigismo-nos ao seu acampamento que foi revistado e destruído; tinha 12 palhotas em estado de recente construção. Retirámo-nos rapidamente do local e cerca das 18h45 foi estabelecido o alto nocturno; novamente o mau tempo e a escuridão impossibilitaram qualquer acção nocturna.
"Às 06h30 do dia 6 é iniciado o regresso à costa que se fez sem novidade. O reembarque foi feito na praia de Meluluca às 11h00. É de assinalar que a mulher que  por nós foi aprisionada evitou sempre durante o deslocamento de pisar as picadas que cruzámos e que, mesmo na praia, repreendeu o miúdo que a acompanhava porque ele ia a pôr os pés fora dos trilhos de reembarque para a lancha - o que leva a supor que talvez haja já algumas minas colocadas na região (...) 
"Ensinamentos; Verifica-se o estacionamento na zona de uma série de pontos de apoio para a passagem do inimigo vindo do Norte ou do interior. A falta de vigias e de quaisquer outros dispositivos de alarmeou segurança perto dos acampamentos leva a crer que não era de esperar uma acção das nossas forças. Pelo estado dos trilhos por nós seguidos verifica-se que deve haver grande trânsito na zona. O facto de o acampamento inimigo destruído estar ainda em construção e ser de grandes dimensões leva a crer que o local não é só de trânsito para o sul mas também propício ao estabelecimento de bases do inimigo.
"Verifica-se que  o equipamento e armamento, acrescentado de rações para três dias, se tornam demasiado pesados para efectuar acções de reacção a emboscadas ou do tipo golpe de mão. Por isso, sempre que se desenrolam acções deste tipo, tem que o pessoal largar todo o equipamento onde está e efectuar a acção só com a arma e dois carregadores nos bolsos do camuflado. Os equipamentos, entretanto,são guardados pela parte da força, que se encontra de reserva.
"É de salientar o espírito de sacrifício e consciência profissional do segundo-sargento enfermeiro Valdemar que, queixando-se de fortes dores de rins, por vezes urinando sangue, e em estado de saúde débil, sempre fez um visível esforço para não prejudicar o andamento da operação. Embora por vezes tenha sido necessário parar por sua causa e por outras tenha sido necessário o seu equipamento ser transportado por outros homens, sempre insistiu em prosseguir levantando o mínimo de problemas".

Segundo-Sargento enfermeiro Valdemar Rodrigues






segunda-feira, 11 de novembro de 2024

ENFERMEIRAS - ANJOS NA GUERRA

 


A SOLIDÃO DE MUEDA

    "A guerra não é só a troca de tiros, as minas , os feridos ... Tudo é guerra. A violência, o isolamento, a monotonia alimentar, os ataques de dia e de noite à unidade em que estamos. Mas, sobretudo, o isolamento! Tive noção disto quando fui para Mueda" Rosa Serra faz parte do pequeno grupo de enfermeiras que viveu no aeródromo de Mueda, no Norte de Moçambique. A área de um quilómetro de comprimento e 500 metros de largura - "a terra da guerra", como lhe chamavam os militares - não tinha espaços para famílias nem para outros civis. Rosa Serra não tem dúvidas: "Muitos colegasminhas falava da Guiné como o pior sítio onde estiveram. Para mim, Mueda era bem pior".

MUEDA

Rosa Serra foi das enfermeiras que mais tempo passou em unidades paraquedistas. Ainda na recruta, acabou por ficar mais tempo em Tancos, enquanto recuperava de uma fractura. Depois de estar em Luanda, voltou a Tancos, onde deu um curso de primeiros socorros aos soldados paraquedistas e, ainda no Ribatejo, fez o curso de instrutores e monitores - que, das enfermeiras, só ela e Manuela Flores França fizeram - e ainda teve uma missão nos Açores. Chegou a Mueda, outra base aérea, em Fevereiro de 1973, para substituir a enfermeira Cristina Justino da Silva, que tinha sido atingida com um tiro na cabeça. "Não a fui substituir porque ela levou o tiro. Já estava assim programado porque ela ia sair da Força Aérea. Foi ferida na véspera de vir embora", esclarece  Rosa Serra,

"Foi o sítio pior onde estive. Nem na Guiné era assim!" desabafa a enfermeira. O tipo de conflito era o mesmo, mas na Guiné, como estavam cinco enfermeiras em Bissau, não tinham de estar todas no"ar" constantemente.  "Além disso, Bissau não era atacada; ouvíamos rebentamentos como se fosse em Almada e estivéssemos em Lisboa. Mas era uma cidade segura,onde erapossível ir tomar café, conviver comas famílias e os miúdos das famílias, com a população local, ir ao restaurante se não queríamos ir à messe,,, " explica Rosa.

Em Mueda, no norte de Moçambique, o cenário era totalmente diferente. "Nem as famílias podiam estar presentes! A base, que nem era uma base, era um aeródromo, era atacada - passávamos muitas noites dentro de abrigos", explica. Além do mais, estavam ali colocadas apenas três enfermeiras, uma das quais acabava por estar frequentemente em Nampula ou a voar para Lisboa, a acompanhar feridos..

A Enfermeira paraquedista Alferes Rosa Serra

Recorda Rosa Serra: "Nós estávamos num hospital da frente, os feridos vinham directamente para ali. Ao fim de 48 horas, dependendo do estado, passavam para Nampula e de Nampula para Lisboa". Em Mueda, as enfermeiras e os médicos não ficavam dentro do quartel, mas numa casa a 300 metros, onde havia um quarto oara as três enfermeiras. De acordo com as memórias de Rosa Serra, era tudo muito pequeno e, inicialmente, o abrigo ficava no quartel. "Depois aquilo começou a ser de tal maneira atacado - com bombas, bazucas, morteiros - que, em 73, fizeram-nos um abrigo mesmo à saída da casa. Se houvesse ataque, nós e os médicos tínhamos ordem de ir imediatamente para ali, " recorda.

Mueda, A enfermaria do BCAÇ 15. 

Mais do que nunca, Rosa precisava de manter uma certa normalidade para suportar aquela comissão. "Não podíamos fazer evacuações nocturnas. E eu era a única das enfermeiras que, mal terminavam as evacuações e chegava a casa, tirava o camuflado, tomava um banho e vestia-me de gente", revela Rosa. Vestir-se "de gente", à civil, era o equivalente a vestir uma mini saia. Consciente do sítio onde estava, Rosa abstinha-se de ir até ao quartel, mas passava os serões em casa, vestida da mesma forma que a encontrariam em Lisboa ou em Vila Nova de Famalicão. As duas colegas, Maria Ana e a Aurelina, preferiam manter o camuflado até à hora de tomar banho e dormir. "Nas fotografias vê-se: elas estavam de camuflado e eu estava sempre vestido à civil. Eu precisava de manter uma certa normalidade ... Não me  lembro de alguma vez jantar de camuflado, ", conta.

Com o agudizar do conflito, os ataques ao aeródromo militar de Mueda passaram a ser uma constante. "Por  vezes até íamos de camisa de noite para o abrigo. Em certas alturas, ainda dava tempo para enfiar umas calças de camuflado ... era para sair pela porta e entrar no abrigo! A gente metia-se até lá até a "fogachada" terminar, saíamos e íamos para a cama para no outro dia voar outra vez. Nunca emagreci tanto como quando estive em Mueda", assegura a enfermeira.

Foi exactamente a partir de 1973 que os ataques no Norte de Moçambique se tornaram mais intensos. A zona de Tete precisava de um grupo de enfermeiras paraquedistas para dar apoio aos militares que estavam naquela região "Mas na altura não havia enfermeiras quando me mandaram para lá", conta Rosa Serra. "A confirmação de que os militares morriam mais em Tete do que em Mueda foi-me dada por um médico, o Drº Alemão, que quando chegou a Mueda, vindo de lá, me dizia passado algum tempo: "Agora é que vejo a diferença ... Safa-se muito mais gente do que eu salvei em Tete, porque aqui eu consigo anestesiá-los, porque vêm em condições estáveis." Em Tete, chegavam de tal forma descompensados que não aguentavam a anestesia e morriam", recorda. Ainda hoje Rosa Serra garante que foi esta a época que mais feridos atingidos por minas socorreu.

Mueda,  Resultado do ataque da FRELIMO 20 de Janeiro de 1974.

Nestas circunstâncias, qualquer possibilidade de convívio com as famílias dos militares era bem-vinda, Rosa sempre manteve uma boa relação com as mulheres dos militares, o que nem sempre acontecia. "Havia mulheres ainda muito novas, mais inseguras, e recorda com um sorriso. Uma das mulheres com quem Rosa Serra se cruzou em Moçambique foi a escritora Lídia Jorge de        A Costa dos Murmúrio, cuja acção se desenrola em Moçambique durante a guerra, chegou mesmo a acolher Rosa num dia em que esta chegou à Beira e  não tinha lugar na messe. "Desta vez, saí de Mueda e entreguei doentes no hospital da retaguarda em Nampula. No dia seguinte, apanhei doentes que levei até à Beira para depois seguir para Lisboa com outros tantos. As viagens eram muito desgastantes e as piores eram as de Moçambique ... Cheguei à messe e não havia lugar para mim, estava tudo cheio. A Lídia Jorge esta por ali e ofereceu-se para me acolher em casa naquela noite", conta Rosa."Nunca tive problemas por ser mulher: nem ciúmes das mulheres, nem assédio dos homens, só uma ou outra declaração de amor, mas nada de relevante. Talvez pela naturalidade com que lidava com todos ... ou então não tinha interesse nenhum!", brinca.

 CONVIVER COM A MEMÓRIA

"As memórias que tenho não constituem fantasmas São coisas que nos ficam gravadas e que, por muito que que não as transformemos em obstáculos para a nossa vida, continuam a cá estar", assumiu Rosa Serra com simplicidade.

Mais que a violência das cenas que assistiu, são os sentimentos que lhe provocaram na época que deixaram marcas até hoje. "Na altura, o que me espantava é que muitos não ficavam revoltados!", revela a enfermeira, que dá como exemplo a história de um homem que trouxe da Guiné para Lisboa. "Era alentejano, já não me lembro de que cidade. Tinha perdido um dos membros e, salvo erra, apresentava um problema ocular. Se não estava cego, para lá  caminhava. E o optimismo dele era comovente: dizia que já tinha contado à família e que estava ansioso por chegar à terra, onde os pais lhe tinham conseguido um emprego na câmara municipal . Ele dizia: "Vou começar a minha vida toda de novo! Chego lá, e  vou-me empenhar em ser um bom funcionário". Quando Rosa lhe lembrou que também tinha sido um bom militar,  a resposta foi lacónica: "Ah...fiz o que pude!"

Em Mueda, foi um animal um pouco maior a deixara sua marca num militar português. "Fui fazer uma evacuação zero horas - que não podia esperar - a  uma zona de mato, logo às seis da manhã.. Como sempre, nem sabia o que ia buscar. Chego e vejo um rapaz jovem, que se aproximava a coxear.  Pensei que tivesse levado um tiro de raspão na perna. O rapaz entrou no helicóptero pelo pé dele e eu não vi nada. "Fui mordido por um leãozinho, disse-me ele" conta Rosa.

Quando os militares dormiam no mato, colocavam-se em círculo, ficando alguns alerta, de armas na mão, enquanto o resto do grupo descansava no interior do círculo. Quem precisasse de abandonar o local por algum motivo, deveria avisar os sentinelas no máximo silêncio. "Ele precisou de ir ao mato e avisou que ia abandonar  o círculo. Mal arriou as calças, o rabinho deve ter ficado branquinho,despertou a atenção de um leão bebé, e ele só sentiu uma nádega abocanhada!", continuou a enfermeira. No início,Rosa ainda pensou que o militar estivesse a gozar com ela. Até que lhe mostrou a nádega, onde eram visíveis as marcas de uma dentada: "E lá veio o evacuado zero horas! Foi das evacuações mais engraçadas".

 REGRESSO À VIDA CIVIL

Assistir à destruição de vidas tão jovens tornava a missão as enfermeiras altamente desgastante. Rosa garante que, hoje, algumas das suas antigas colegas confessavam que, por esse mototivo não teriam continuado como enfermeiras paraquedistas muito mais  

No seu caso, não foi esse o motivo que a conduziu de novo à vida civil, "Saí em Março de 1974. Nessa altura namorava um militar que estava a fazer uma comissão em Angola. Nunca estivemos juntos em zonas de guerra, conheci-o em Lisboa", explica. Depois de um namoro feito à distância ou em breves encontros, quando ela aterrava em Luanda e ele a ia ver ao aeroporto - "Fazíamos continência, eu não lhe dava um beijo porque  estava fardada, e estávamos um bocado a conversar" - tinham decidido casar em Fevereiro de 1974, Rosa, que já tinha estado em angola e na Guiné, e regressava de Moçambique, pediu para ficar em Angola até ao mês de Outubro, altura em que terminava a comissão do marido."Eu tencionava ficar n Força Aérea. Depois seguiria para onde me mandassem, independentemente de ficarmos ou não juntos", afirma. A autorização foi-me recusada e Rosa acabou por pedir demissão. Ainda teve de regressar a Moçambique, onde descobriu que iria ser promovida a tenente, mas recusou. Saiu a 1 de Março de 1974, com o mesmo posto que tinha entrado: alferes.

Mal os recém-casados chegaram a Luanda, o marido de Rosa foi enviado numa operação para o mato. "Nem lua de mel tivemos!", recorda. Poco depois, deu-se o 25 de Abril, mas Rosa optou por não pedir a reintegração nos quadros da Força Aérea. Ficou em Luanda, a trabalhar num clínica, até Outubro desse ano e regressou depois, já gravida, a Lisboa.

O projecto inicial era ficar em casa uns tempos, esperar que a bebé nascesse e crescesse um pouco. Mas, entretanto, surgiu o convite para trabalhar na clínica de  uma seguradora, onde Rosa Serra trabalharia nos 20 anos seguintes,

Rosa Serra e Celeste Costa, num festival aéreo no Lobito
                                       
Ao longo desse tempo, teve sempre como preocupação manter-se actualizada. Assim,  no ano em que se reformou, concluiu a licenciatura em Enfermagem. "Tinha 58 anos e era a mais velha do curso. Quando cheguei e comecei a fazer a ouvir a apresentação, pensei, pela primeira vez na vida: vou desistir, que não sou capaz!". A decisão foi sendo adiada e, por fim, terminou a licenciatura.  "Foi o que mais me custou na via!", desabafa. Licenciou-se em 2003 e passou à reforma em 2004.

Quanto ao seu passado militar, resume-o rapidamente:
"Não fomos grandes heroínas. Fomos mulheres normalíssimas, que apenas fizeram o seu trabalho num contexto diferente. Medos, com certeza que tivemos. Mas cada uma deu o que  melhor  que pôde e soube"










Páginas

Páginas

Armamento e comunicações

Clique em play-in memories dos camaradas falecidos.