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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 9 de agosto de 2021

MUSTAFHA DAHDA: WIRIAMU E A GUERRA COLONIAL DE PORTUGAL. COMENTÁRIO DE ANTÓNIO CARLOS AUGUSTO

 

60 ANOS DA GUERRA COLONIAL

Wiriamu apresenta uma característica única: os mortos e os seus assassinos tinham uma história para contar. Quantos outros Wiriamus continuam a esconder-se por trás desses números nos arquivos de operações do Exército colonial? Podemos facilmente descobris. Tudo o que é necessário é uma comissão de verdade e reconciliação.

Mustafah Dahda

Eu era um jovem quando Wiriamu chegou às capas dos jornais, a 10 de Julho de 1973. Aos 22 anos, com um passaporte português se apelido, eu tinha chegado a Londres a 16 de Agosto de 1972, pobre e sabendo falar pouco inglês, talvez até mais pobre que Salazar quando este deixara o Vimieiro para ir para Coimbra no  início do século XX. Mas eu estava determinado a ter sucesso. O meu objectivo era a Universidade de Oxford, o dele era sufocar Portugal com burocracia e terror!
Nos 38 anos seguintes acompanhei esta história e forma intermitente. Cataloguei os papeis do padre Hastings; mergulhei em  arquivos; fotocopiei recordações da guerra de libertação; acumulei  fotografias, vídeos e gravações de áudio; tive formação em historiografia oral; aprendi a retirar dados de propaganda dos movimentos de libertação; e desenvolvi capacidades para usar as experiências de vida para orientar o meu trabalho.
Em 1984, estava pronto para ir para Lisboa. Mas havia um obstáculo no caminho para um apátrida . Eu era um súbdito colonial e um império enterrado. Portugal estava a cortejar as pós-colonialidades. Até esta questão de ser apátrida ser resolvida, eu tinha que aguardar.
Cheguei a Lisboa em medaos dos anos 90 e dirigi-me  para a Torre do Tombo, o edifício projectado pelo arquitecto Arsénio Cordeiro e construído em betão e calcário. Janelas que mais parecem escotilhas náuticas lançam lágrimas de luz solar para dentro do arquivo. Austero mas também acolhedor el alguns locais, guardava no seu interior aquilo que eu procurava: documentos da PIDE.
As gárgulas de Arsénio Cordeiro miraram-me enquanto eu caminhava para a esnão significa que Wcuridão lá dentro. As fontes primárias não se conseguiam localizar, excepto 48 relatórios da Direcção Geral de Segurança (DGS), alguns dos quais baseados em informações obtidas por padres e acólitos. A ausência de dados não significa que Wiriamu tenha sido uma ficção, ou que eventos relatados eram mentira. Se alguns desses pressupostos fosse verdade, mais concretamente que apenas arquivos escritos validam  arumentos acerca do passado, estaríamos todos a espetar facas nas costas uns dos outros acerca das narrativas sobre a morte de Catarina Eufémia em 1954. Mas não estamos. Em vez disso, aceitamos os relatos de memórias acerca dela como sendo historia História verídica, suficientemente sólida para a tornar um ícone e a face da resistência.
Eu sabia que tinha que escavar as vozes que tinham visto, e sobrevivido ao massacre, algo que a polícia política e o Exército não tinham feito, para bem da nação. Depois passei anos a enrevistar pessoas em vários continentes, identificando os mortos, ivestigando os cinco campos de morte de Wiriamu, fotografando os restos de ossos, quando tal era permitido, e recriando os acontecimentos no palco onde haviam decorrido.
"Viu com os seus próprios olhos? Estava lá quando isso aconteceu? Se não se importa, mostre-me as ferdas. Posso fotografá-las?

Ressurreição

Vê o Vídeo para ouvires alguns interlocutores desta história
 Eis aqui uma versão resumida do que descobri nesses dois conjuntos de fontes: 28 entrevistas gravadas; 96 notas de campo assinadas; 102 fontes de dados assinalados em fragmentos anotados; e 24 inquiridos adicionais que foram apurados por uma série de confirmadores de factos que trabalharam de perto com 216 famílias afectadas. Destes inquiridos, 107 eram de Chaworha, 30 de Wiriamu, 30 de Juawu, 14 de Riachu e 35 de Djemusse
16 de Dezembro de 1972, um jovem oficial recebeu ordens para se apresentar no quartel-general do Exército português da região do Tete.  Chegou às 06h30 e disseram-lhe para pegar na sua unidade e ir expulsar os terroristas infiltrados no triângulo de Wirriamu. Três coordenadas definiam este triângulo: a estrada principal que ligava Tete e Changara, o rio Zambeze a sudeste, e o rio Luenha, affluente do Zambeze, a sul. Dentro deste triângulo estavam cinco aldeias: Chaworha, Juawu,Wiriamu, Djemusse e Riachu.

A Força Aérea Portuguesas bombardeou o perímetro do triângulo para facilitar os alvos para as forças terrestres. Foi deixada uma abertura para apanhar quem escapasse. Cinco helicópteros aterraram dentro do triângulo. Três destes, sabe-se onde: um deles, perto de Chaworha, desembarcou agentes secretos uniformizados, liderados por Chico Cachavi e Johnny Kongorhogondo. Dois helicópteros mantiveram-se perto, um ao pé de Juawu e o outro nas cercanias de Djemusse, mas nenhum deles
aterrou -- os tocos de árvores cortadas, com cerca de um metro de altura, impediam-no.
Chico e Johnny reuniram toda a gente perto do quintal do chefe da aldeia. Dada a confusão que se instalou de seguida, é difícil estabelecer a exacta sequência dos acontecimentos após esta ordem. As pessoas da aldeia reuniram-se no local indicado, vigiadas por soldados uniformizados, enquanto elementos da unidade de Comandos levaram à força os que se tinham escondido. Chico disse a um visitante da aldeia de Djemusse para regressar à aldeia central de Wiriamu com uma mensagem para os seus habitantes: "Fiquem aí quietos"
Em Chaworha , a multidão aumentava. Johnny manteve-se ao lado de  Chico, enquanto o Exército colonial isolava o perímetro.Porque razão se tinham recusado a mudar para Mpharhamadwe, como lhes tinha sido indicado? O chefe de Chaworha respondeu que estavam à espera de uma garantia de que teriam acesso a água e terra fértil para os seus animais. Os aldeamentos estratégicos estavam claramente mal preparados para a vida pastoral -- até as autoridades portuguesas os viam como "abrigos de cabras".
Chico manteve-se em frente a uma grande árvore de mopane. E foi então que Consobera, amante da antiga mulher de Johnny, foi visto a caminhar em direcção a Chico.Uma densa área de boas casas atrás dele pertenciam às sete famílias mais abastadas, nas margens do ribeiro seco  junto ao campo de futebol de Chaworha. Parece que Consobera não tinha noção do terror que ia enfrentar.Johnny reconheceu-o logo ematou-o a tiro. Não se sabe se terá feito isto por despeito pessoal ou para assinalar aos restantes que iniciassem o assassínio das pessoas reunidas.
E assim começou o apagamento de Chaworha. Nos minutos que se seguiram, 53 aldeãos sucumbiram às rajadas. Enquanto os restantes tentavam escapar, Chico gritava: "Aphni wense! Aphaniwense! Matem-nos a todos. Não deixem ninguém vivo. Nada de testemunhas". Por essa altura os soldados coloniais tinha tinham-se dividido em dois grupos. Um recolheu os corpos e colocou-os num monte, a que depois pegaram fogo. O outro grupo formou em semicírculo, para matar quem quer que tentasse escapar.. António Mixone, que foi testemunha ocular, estava no fundo do monte de corpos, tal como o seu irmão.
António Mixone um dos sobreviventes
Ambos tinham tombado, desmaiadosmas sem ferimentos.António recuperou a consciência quando o calor começou a golpear a sua pele. Desatou a correr, tal como fez o seu irmão mais novo, Domingos, de quatro  anos. Quatro outras pessoas escaparam da pira: Serina de 13 anos, filha de Irisone, Tembo, de cinco anos, filho  de  Batista, Manuel, de 13 anos, filho de Mantrujaree Podista mulher de MChenga, Os solados portugueses despejaram então mais uma rajada de balas na pira. Uma das balas atingiu Mixone num ombro, ignora ndo o ferimento, correu até fixar a salvo..
Noutros locais dentro do triângulo, os soldados estamm a toda a força. A limpeza em Juawu começou quando o helicóptero se elevou para partir..
Há poucas provas concretas de como decorreram as mortes. Uma testemunha, escondida por trás de um molho de juncos altos numa ravina próxima, viu soldados da primeira unidade da 6ª Companhia de Comandos de Moçambique a despoletar granadas e atirá-las para dentro de cabanas pejadas de gente, enquanto outros atiravam sobre  quem tentasse escapar. Por outras palavras, a limpeza em Juawu foi rápida e eficaz. Um fugitivo escapou antes da da carnificina. Colocou uma cabra Ás costas e dois bebés em cada lado e atravessou e atravessou a estrada que levava ao Cruzamento 18. Então ouviu o som de rorores a segui-lo. manteve-se agachado para "evitar as pás", mas continuou a correr até cair. Como uma lébula, o helicóptero por cima dele também parou, quase imóvel. Viu o piloto a dirigi-lo para a estratégica aldeia de MPpharmadwe. Levantou-se e correu e parou, desta feita para beber água de um ribeiro. Por fim o helicóptero deixou-o em paz e partiu. de fazer, pois as pessoas tinham-se lá reunido
A limpeza de Wiriamu foi igualmente rápida e eficaz. O Exército colonial encheu de gente a maior cabana da aldeia, o que foi fácil de fazer, pois as pessoas tinham-se lá reunido para uma festa. Várias granadas foram deixadas  lá dentro, depois a cabana foi fechada, após o que  as granadas explodiram e rebentaram com o tecto de palha. Terminou aí  maior matança de Wiriamu.  Com esta limpeza determinada antes do pôr do sol, as unidades dos comandos portugueses foram montar acampamento a alguma distância da aldeia, apanhando pelo caminho alguns fugitivos 
A limpeza de Djemusse demorou mais tempo. Chico e Johnny participaram nos violentos interrogatórios que se seguiram. Onde estavam a esconder membros da Frelimo? Sabiam eles onde as bases deles? "Revela o que sabes ou então morres", disseram-lhes. A certa altura um helicóptero pairou por cima e à esquerda do baobá que marcava a entrada de Djemusse, para apanhar um punhado de "delatores"para irem para interrogatórios mais intensos no quartel-general da polícia. Um informador sob tortura gritava: "Não, por favor, chega! Por favor, pára! Eu pensei nãosei nada! Pára, pára, Chico, pelo amor de Deus"
Ao cair da noite, os interrogatório já tinham dado o que tinham a dar. Já não havia mais "confissões" para extrair. Os homens de uniforme armados dividiram-se em dois grupos. Um formou um longo cordão, enquanto o outro se manteve em semicírculo, para reunir fugitivos para a matança final. Seguindo instruções, os habitantes de Djemusse formaram em fila em frente às suas casas ainda a fumegar. Chico estava encostado ao baobá.Os homens armados deram ordens para fugirem se quisessem manter-se vivos, o que fizeram. Não se sabe exactamente quantos escaparam. Um informador recorda-se de ter corrido aos zigzagues para dentro de uma cabana cheia de fumo.
O helicóptero partiu, levando suspeito para interrogatório. Os soldados, por sua vez, juntaram-se aos comandantes de unidade, preparando a caça aos fugitivos nos três dias seguintes. Informações acerca da perseguição nesses três dias são virtualmente inexistentes, excepto alguns fragmentos que sugerem a existência de baixas.
Dos 385 mortos, 118 morreram em Chaworha, 55 em Juawu, 41 em Wiriamu, 104 em Djemusse e um em Riachu. Setenta homens, 46 mulheres e dois bébés ainda dentro das barrigas das mães morreram em Chaworha. Trinta e dos homens e 33 mulheres morreram morreram em Juawu. Wiriamu perdeu 16 homens e 25 mulheres. Djemusse perdeu 45 homens e 50 mulheres. Em Riachu, apenas se conseguiu identificar uma mulher, nos meus dois textos mais recentes identfico pelo nome e características particulares cada um dos 385 mortos. O massacre eliminou um pouco mais de 28 por cento da população total das cinco aldeias afectadas. Em termos proporcionais, embora evidentemente não em magnitude total, seria o equivalente a matar 2.461.276 habitantes de Portugal em 1972.
Sobreviventes do massacre visitam a zona do terror,muitos anos após a guerra colonial

Verdade e salvação
Até hoje, o Exército colonial considera a obliteração de  Wiriamu como um dano colateral, o resultao inevitável de uma operação de limpeza denominada Marosca, uma de muitas levadas a cabo numa área de terroristas. Quando foi pressionado a confirmar o massacre de Wiriamu, o falecido general Kaúlza de Arriaga negou qualquer culpabilidade, em parte para evitar inquéritos em casos semelhantes noutros locais.  Ao que sei, ainda está por elaborar uma lista exaustiva dessas limpezas. Antes da revolução de 25 de Abril de 1974 tais investigações teriam implicado oficiais do Exército, o que teria implicações e reflexos na liderança política em Lisboa.
Reflecti profundamente desde a publicação dos meus trabalhos acerca de Wiriamu, como que para escutar os melhores anjos da nossa natureza .. A Guerra Colonia há um vasto teatro de conflito entre duas certezas políticas, a liberdade e a intransigência, lideradas por dois adversários simétricos. Um militarizava os seus objectivos para enganar e suplantar artilharia pesada. O outro utilizou tudo oque tinha no seu arsenal, desde napalm até armas fornecidas pela NATO, tanto contra guerrilheiros como contra civis. As verdadeiras vítimas eram assassinos vestidos com uniformes e que esqueceram a sua consciência, serviram e continuam a servir no Exército colonial, e os seus alvos. Os que conseguiram evitar a morte ficaram marcados pela experiência nos campos da morte portugueses na África colonial.
Wiriamu apresenta uma característica única: os mortos e os seus assassinos tinham uma história para contar. Quantos outros Wiriamu continuam a esconder-se por trás desses números nos arquivos de operações do Ex´rcito colonial? Podemos facilmente descobrir. Tudo o que é necessário é uma comissão de verdade e reconciliação, baseada numa amnistia para todos os contarem a verdade. Pergunto-me se já estaremos prontos para que uma comissão desse tipo escave as vozes por trás dos números silenciosos. Acredito que estamos. Se conseguimos produzir um vencedor do Prémio Nobel e um secretário-geral da ONU, seguramente podemos estabelecer uma comissão nacional. É o único passo lógico para nos dirigirmos em direcção ao esclarecimento pós-colonial. Devemos isto tanto à história quanto Às gárgulas de Arsénio Cordeiro, que esperam que retiremos as verdades dos arquivos da monocromática Torre do Tombo. A alternativo é continuara criar paisagens imaginárias com certezas sentimentais acerca do império e a nossa conduta em sua defesa durante a Guerra Colonial.


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Biografia
Mustafah Dhada é professor de História  na Universidade Estadual da Califórnia em Bakerfield (CSUB) e investigador associado no Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Duas vezes bbolseiro pelo programa Fulbright dos Estados Unidos, o seu mais recente trabalho sobre Wiriamu venceu o prestigiado Prémio Martin A. Klein, da Associação Histórica Americana, em 2017. Recebeu do senado universitário  o galardão de Melhor Professor de Investigação e Criatividade no ano lectivo de 2020-2021, Actualmente, está a trabalhar numa edição revista da sua monografia de  1993 Warriors at Work, How Guiness Was Really See Free (Guerreiros em Acção: Como a Guiné Foi Realmente Libertada). 
A oscilante biblioteca na casa de Dahda não tem g´rgulas 


A respeito de um artigo publicado no Jornal Público em 29 de Julho de 2021 de Mustafah Dhada

 Mustafa Dhada é autor de um livro segundo o próprio, sobre História de Moçambique pré-independência. Apesar de aqui e ali surgirem algumas referências não é uma obra muito mencionada no meio historiográfico, e pelo resumo que o autor desta fez em jeito de artigo para o Jornal português “Público”, percebe-se porquê.

A História é uma Ciência, e como tal tem método, não é uma manifestação de cultura geral, nem uma sucessão de impressões e menos ainda opiniões, do autor. O artigo revela-se desastroso neste capítulo, desrespeitando regras básicas. Ficamos a saber qual a posição pessoal do autor sobre o tema, o que não é relevante nem deveria acontecer, e ficamos com muitas dúvidas de qual o método e o caminho que o levou até essas conclusões – sendo estas apenas a parte final de qualquer método científico.

O tema do resumo da sua obra é o acontecimento que passou à História como “Massacre de Wiryamu”. Na realidade, do ponto de vista historiográfico, o nome correcto deveria ser “Operação Marosca”, e é esta operação que teremos de escalpelizar, sempre dentro do que é a análise historiográfica, (antecedentes/razões; eventos/sucessão de acontecimentos em enquadramento histórico-geográfico; consequências). Vamos, resumidamente, analisar o texto do autor à luz desta perspectiva.

Começa o autor por se queixar em estilo algo lírico, da dificuldade de acesso a arquivos. Vertendo um conjunto de dados biográficos e académicos, (que nem se justificaria um vez que o texto está acompanhado de um pequeno resumo do currículo do autor), não se percebe porque não foi possível a consulta dos tais arquivos que refere Mustafah. Aliás nem se percebe quais os arquivos que queria consultar, (fala na Torre do Tombo mas afirma procurar relatórios militares. O arquivo militar não está na Torre do Tombo … ).

Como o autor afirma ter conhecimento, (não referindo de onde vem esta informação), de vários casos, (que não especifica), de acontecimentos militares, em que a prática revelou comportamentos condenáveis à luz de uma subentendida moralidade, (vulgo direito internacional), esperaria o autor tão experiente, que esses acontecimentos originassem relatórios em que se esmiuçasse aquilo foi feito? Será que o autor, de currículo tão largo, portanto experiente em História Militar, encontrou ao largo da sua carreira tantos arquivos em que se mencionem atrocidades, perpetradas por quem escreve os relatórios que procura nos tais arquivos?  No relatório da Operação “Basco” que originou o bombardeamento a Guernica em 26 de Abril de 1937, no decorrer da Guerra Civil Espanhola, não se menciona, por exemplo, que a operação foi um ensaio de novas aeronaves alemãs, (Junkers), nem de novas táticas militares, (bombardeamentos em voo picado e em extensão vulgo carpete), nem tão pouco que os pilotos alemães tivessem tido ordens para deixar intacta a principal Igreja da cidade, para que posteriormente o lado franquista pudesse atribuir a esse facto um pretenso milagre e ali realizasse com a cidade ainda fumegante, o Te Deum. Isso nós sabemos através de entrevistas a antigos combatentes, a sobreviventes, a posteriores análises das cargas necessárias para provocar a destruição que foi feita, comparação com a prática posterior da II Guerra Mundial, e finalmente, confissão de alguns participantes no pós-Guerra.

A par do assunto principal, o autor vai deixando afirmações que dificilmente se percebe a razão de ser, e qual o enquadramento na análise histórica. Por exemplo afirma que se encontrava em dado período da sua vida mais pobre do que Salazar quando este deixou o Vimieiro para ir para Coimbra, estudar; ou que em 1984 era um apátrida, (então não é Moçambicano?), que vivia em Inglaterra, (pelo menos teve sorte, lá os apátridas são expulsos …), e só em meados dos anos 90 logrou chegar a Portugal. Mas que fenómeno é este de alguém que estuda em Inglaterra sendo apátrida, mas não consegue entrar em Portugal, onde bastaria o passaporte Moçambicano …. E que relação tem isto tudo com o tema? É que em ciência não podemos escrever o que nos passa pela cabeça, temos de seguir um método! A cereja no topo o bolo, é a frase “as facas sobre a morte de Catarina Eufémia”.

Certamente desolado pelo tempo de espera para entrar em Portugal, acicatado pelo facto de não ter podido encontrar arquivos, ou nestes não encontrar o que procurava, resolve ir a Moçambique, onde “aceitamos [quem?] os relatos de memórias como sendo História verídica”. Honestamente, poucas vezes ouvi ou li, uma coisa tão disparatada em História. Sem arquivos, sem interrogar os participantes na operação, sem nenhuma espécie de peritagem, nomeadamente das reais capacidades do grupo militar da operação em desencadear, ou não, as acções que afirma de seguida, sem estatísticas para aferir da razoabilidade dos números que apresenta, quer de baixas, quer de habitantes, sem nada do que as boas prática aconselham em investigação, assume depois de dois ou três parágrafos de queixumes, a veracidade pelas memorias de sobreviventes, [alguns], nem se vislumbrando uma análise crítica acerca da problemática da memória em acontecimentos traumáticos, como a moderna Psicologia aconselha. Já há poucos menos de um século Febvre aconselhava aos Historiadores, para serem sociólogos, antropólogos e psicólogos. A interdisciplinaridade é algo assumido há mais de 100 anos …

Só que o problema não acaba aqui, por mais breve que queira ser nesta minha análise.

O autor apresenta dados novos, que nenhuma análise, (e digo análise porque investigação historiográfica é coisa que não se conhece ainda), tinha ainda referido, apesar de todas elas se rodearem de viagens a Tete e de conversas/entrevistas com sobreviventes. Riachu e Djemune, são aldeias, ou são parte de Wiryamu? Nunca ninguém referiu estes nomes. Se são dados novos, era imperativo um esclarecimento da zona geográfica de que falamos. Aliás fica até a sensação a dada altura que a Wiryamu não foi ninguém. Esta questão tem mais contornos que não apresento aqui. Agentes secretos? Agentes da PIDE/DGS certo? Não são agentes secretos, a sua missão estava enquadrada na missão militar, não eram secretos, nem é costume um agente secreto andar aos gritos a interrogar e a disparar … um deles, apresentado como Johnny Kongorhogondo, é também em si mesmo um nome novo! Este sujeito vinha da delegação de Tete, como o Kachavi? Depois as novelas no meio do relato, com motivações passionais e tudo, de quem se vinga de alguém que roubou a amada.

Até que a dada altura entramos na clara esfera da inverosimilhança. O que não é nada que não suceda a quem está habituado a entrevistar actores deste tipo de acontecimentos. Por isso mesmo é que o cuidado com as fontes, e a sua pluralidade, tem de existir. Ora temos alguém que do alto de uma ravina, observa tudo, o cerco de dezenas de militares, os helicópteros, e sempre sem ser detectado regista na sua memória os soldados da 1ª unidade da 6ª Cmds. O autor devia saber que a 1ª unidade era o 1º grupo de combate… mesmo que do alto da colina se não visse bem se seriam do 1º grupo ou de um dos outros 5 … Mais à frente há um “informador” que é levado para interrogatório de helicóptero, por elementos da PIDE/DGS. Não se refere o que lhe sucedeu e porque diabo se afirma que foi levado para interrogatório. Refere 385 mortos no total. Como não há dados estatísticos, nem entrevistas a quem tenha conhecido antes as 3 aldeias, ficamos sem saber se este número é ou não verosímil. O que já é mais fácil de se perceber que é resultado de mais um erro de análise, é a afirmação que as baixas corresponderiam a 28% da população total, ou seja, as 3 aldeias, (agora alargadas a 5 sem se saber se são 5 aldeias ou famílias dentro das 3, a dada altura um elemento autóctone “foi à aldeia central para dizer que estivessem quietos” portanto os militares contaram com a preciosa ajuda das supostas vitimas!), tinham uma população de aproximadamente 1375 pessoas, o que faz com que existam pouco menos de 1000 sobreviventes … Acreditar nisto é passar um atestado de incompetência aos homens que realizaram a operação ! Apesar de se afirmar que a lista “exaustiva das limpezas” está por apurar, creio que não faltará imaginação para essa empreitada.

Já no final refere-se a “campos da morte portugueses na África Colonial”. Este tipo de afirmações sem mais dados a justificar  sua razão de ser, num texto histórico, eu diria até num que pretendesse apenas ser sério, coloca um ponto final na credibilidade do autor e do texto. Ou talvez não, porque a dada altura conta-se o caso de um sobrevivente, que no meio da tragédia, e debaixo das supostas execuções, logrou fugir “com uma cabra às costas, e dois bebés em cada braço (…) mantendo-se agachado continuou a correr”.

Nesta altura o que está em causa é já o respeito pelo leitor, pela sua inteligência.

Finaliza o texto, com uma proposta. Coisa inaudita, (mais uma), numa análise histórica – uma amnistia para os que contarem a verdade. De quem está Musthafa a falar?

Ao fim de 26 anos a estudar a Operação Marosca, ainda não é desta que consigo um diálogo sério e construtivo sobre a mesma !

 


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