O Destacamento de Fuzileiros Especais 8 (DFE 8), comandado pelo primeiro-tenente João Pereira Bastos, chegou a Lourenço Marques, a bordo do navio "Império" , em 26 de Dezembro de 1966, um sábado. Nos 32 meses que seguiram, combateu, alternadamente, nos Distritos do Niassa e de Cabo Delgado - zonas onde a guerra, iniciada dois anos ante, iam mais brava. Manteve-se operacional até 31 de Outubro de 1968; embarcou para a Metrópole em 26 de Novembro - e desembarcou em Lisboa no dia 16 de Dezembro de 1968, uma quarta-feira.
Em tronco nu, o Primeiro-Tenente Pereira Bastos, comandante do Fuzileiros Especiais 8 |
O DFE 8fez história em Moçambique. Os habituais relatórios das operações não se limitavam ao relato seco e à descrição dos acontecimentos. Iam muito mais longe. O comandante primeiro-tenente Pereira Bastos, militar de apurado sentido crítico, recolhia ensinamentos de cada experiência de combate- e nos relatórios, além da simples narração, fazia recomendações que foram aproveitadas na instrução e nos cursos de fuzileiros especiais. As operações executadas pelo
DFE 8 serviram como exemplos para futuras acções em campanha.Pereira Bastos não deixava nada ao acaso. Definiu quatro princípios que deviam
ser seguidos pela unidade.
Primeiro: Segurança
Segundo: decisão
Terceira: não subestimar o inimigo
Quarto: não bestializar a guerra
A importância que dava à segurança mereceu-lhe a alcunha posta pelos seus homens: ficou conhecido como o "Ponham-se a pau" - frase que não se cansava de repetir. No final da comissão, o primeiro- tenente - condecorado com a mais alta insígnia por feitos em combate, a Medalha de Ouro de Valor Militar com Palma, e duas cruzes de Guerra - deixou escrito, o que não era hábito naquele tempo, um autêntico "manual" de política operacional (ver texto "A bíblia do DFE 8 em combate)
OPERAÇÃO INICIAÇÃO
A primeira acção do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 foi executada entre 4 e 6 de Janeiro de 1967, no Niassa. Participaram três grupos de combate sob o comando do Primeiro-Tenente Pereira Bastos. Objectivo: Aniquilar ou aprisionar grupos inimigos que se revelem e destruir os seus meios de subsistência; capturar populações dispersas na área. Diz o relatório da Operação:
"O DFE 8 embarcou às 06h00 na LDM (Lancha de Desembarque Média) 408 que largou com destino à Ponta Lucefa onde se planeara fazer o desembarque. Porém, como a visibilidade era fraca devido ao forte aguaceiro que começou a cair logo de madrugada, e como o patrão da lancha conhecia mal aquela praia, perigosa segundo o comandante da Esquadria de Lanchas, foi decidido desembarcar na praia de Meluluca, um pouco a Norte".
"Cerca das 11h00 ouvimos vozes de mulheres. Encontrávamo-nos perto do rio Lucefa e o guia avisou-nos que ali havia muitas machambas. Resolve fazer um envolvimento à posição onse se ouviam as vozes e atravessei com o 1º Grupo de combate para a margem oposta ao rio;
em seguida, o 2º Grupo, comandado pelo imediato (segundo tenente Ferreira Serra) aproximou-se do rio e conseguiu estar a uns 20 metros de um grupo de mulheres e crianças. Quando tentaram agarrá-las, fugiram aproveitando a superioridade do terreno. Aí foram destruídas 15 palhotas. Foram ainda vistos ao longe dois homens de caqui azul. Resolvi então afastar o destacamento da posição para não alertar mais as vizinhanças, pois mais para o interior é que se deveriam encontrar posições mais importantes. É de salientar que este acampamento se estende ao longo do rio e deve ter cerca de 80 habitações, além de dispor de boas machambas. Prosseguimos para sueste e foi feito um estacionamento em regime de emboscada, entre as 14h00 e as 15h00, durante o qual nada houve a assinalar.
Ao fim de pouco maia de uma hora de marcha foram avistadas mulheres e crianças que andavam perto de uma machamba. Ao verem-se descobertas tentaram fugir, sendo capturada uma mulher e um rapaz com 10 anos. Como se fazia tarde resolvi marcha na direcção de um monte elevado para fazer estacionamento nocturno. Entretanto, resolvi abandonar a mulher por considerar que, devido à sua idade só nos atrasava o andamento; o miúdo seguiu connosco. O estacionamento foi feito num monte,logo a seguir à passagem dum braço do rio Lucefa. Nessa noite foi impossível prosseguir devido ao mau tempo e à escuridão. Entretanto, o miúdo interrogado disse conhecer um acampamento.
Equipa do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 na região do Niassa |
Às 04h30 do dia 5 pusemo-nos em marcha guiados pelo miúdo e pouco depois começámos a seguir uma picada muito bem vincada que conduzia ao interior, Às 07h15 estávamos já perto e resolvi fazer um estacionamento em regime de emboscada, a cerca de 20 metros da picada, para dar descanso ao pessoal antes da acção que se avizinhava (...) Devido à falta de sentinelas ou de quaisquer dispositivo de segurança à aproximação do estreito vale onde se encontrava o acampamento deduz-se que o inimigo não desconfiava de uma possível acção das nossas forças naquela área. Resolvi de seguida fazer o cerco e limpeza, mais propriamente que golpe de mão, ao acampamento. Este encontrava-se dividido em dois agrupamentos; um de 16 casas de aspecto normal e outra de 35 casas com um aspecto mais cuidado. Os acampamentos estavam separados por 200 metros. O miúdo disse que só conhecia o mais pequeno e que no outro nunca o tinham deixado ir e que só o vira de passagem (,,,)
"Após a destruição do acampamento resolvi retirar rapidamente em direcção ao alto de um morro sobranceiro. Quando o meio da coluna ia a retirar, um dos nossos homens observou que havia um grupo inimigo emboscado e que se preparava para nos flagelar; com grande calma e de pé o marinheiro Fernando Tardão e o cabo Horácio Pereira atiraram rapidamente sobre eles atingido um inimigo; logo em seguida fomos flagelados com grande volume de fogo de armas automáticas mas, devido à pronta resposta do nosso fogo, o inimigo pôs-se em debandada. Após esta acção, subimos ao morro e estabelecemos um auto para repouso em regime de emboscada. É de assinalar que deste ponto, o mais longe da costa durante este patrulhamento, se conseguiu comunicar pelo rádio com a lancha de apoio (...)
"Às 15h30 foi levantado o estacionamento e iniciámos o regresso à costa. Às 16h30 foi avistado um grupo de 4 homens e 4 mulheres em fuga, possivelmente por terem detectado a nossa aproximação. Um homem foi abatido e foi capturada uma mulher uma criança. Transportavam grandes quantidades de peixe seco, milho e mandioca que abandonaram no local. Logo de seguida e guiados pela mulher dirigismo-nos ao seu acampamento que foi revistado e destruído; tinha 12 palhotas em estado de recente construção. Retirámo-nos rapidamente do local e cerca das 18h45 foi estabelecido o alto nocturno; novamente o mau tempo e a escuridão impossibilitaram qualquer acção nocturna.
"Às 06h30 do dia 6 é iniciado o regresso à costa que se fez sem novidade. O reembarque foi feito na praia de Meluluca às 11h00. É de assinalar que a mulher que por nós foi aprisionada evitou sempre durante o deslocamento de pisar as picadas que cruzámos e que, mesmo na praia, repreendeu o miúdo que a acompanhava porque ele ia a pôr os pés fora dos trilhos de reembarque para a lancha - o que leva a supor que talvez haja já algumas minas colocadas na região (...)
"Ensinamentos; Verifica-se o estacionamento na zona de uma série de pontos de apoio para a passagem do inimigo vindo do Norte ou do interior.
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