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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 22 de abril de 2024

2ª PARTE (5º CAPÍTULO) DO LIVRO: O FIM DA LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL EM MOÇAMBIQUE. "OPERAÇÃO OMAR" 1 DE AGOSTO DE 1974 . LIVRO DE ATANÁSIO SALVADOR TUMUKE

8.3. Negociações Centrais e Locais

A partir dos finais do primeiro semestre de 1974, desfilaram várias negociações , em Lisboa, Lusaka, Dar-es-Salaam, Amesterdão, Mueda e Montepuez, estas duas últimas  em Moçambique. Estas conversações visavam a aproximação dos beligerantes, relativamente ao fim da guerra. Portanto, existiram negociações encabeçadas pelo MFA  Central, isto é, por emissários vindos ou representantes directos de Lisboa e as que eram da iniciativa dos comandos locais, entre interlocutores regionais e dos próprios quartéis coloniais.

8.3. Negociações Centrais

No que concerne às negociações, as primeiras movimentações neste sentido, tiveram lugar em Lusaka. Com efeito, a postura pouco clara manifestada por alguns membros integrantes da Junta de Salvação Nacional,foi considerada propensa às manobras de agentes  internacionais atentos, ao conflito entre Portugal e as colónias, dispostos a tirar partido, à primeira oportunidade. Recorde-se o contexto da Guerra Fria, em que a nossa Luta decorria e os novos desenvolvimentos políticos na Áfrca Austral. Aqui destaca-se o  regime do Apartheid, na África do Sul, e a DUI no Zimbabwe, em que seus agentes viam a nossa independência uma ameaça, cujos objectivos eram contrários ao racismo,tribalismo e todas as formas de segregação social, política,económica, cultural  e religiosa, em voga naqueles países.

foi na sequência desta leitura que, antecipando a muitos países africanos, a Zâmbia manifestou a sua disponibilidade para a mediação das negociações entre  FRELIMO  e o Governo português e,, tomou as devidas diligências, directamente junto do Governo americano e indirectamente, através deste, junto do Governo Luso. Para o efeito, o Presidente Kaunda mandatou ao seu conselheiro Mark Choa, contactar a  embaixadora americana na Zâmbia. A administração americana deveria advogar junto de António de Spínola, para este aceitar negociar com as colónias portuguesas. 

Abrindo parêntesis, cabe aqui uma questão: por que os acordos viriam a ser assinados em Lusaka? Na Tanzânia havia refugiados e combatentes da FRELIMO, ANC, MPLA; SWAPO, ZANU, ZAPU. Por razões de segurança, entre outras, não era salutar levar o inimigo para o bastião de acolhimento dos movimentos de libertação!

Em Lusaka realizaram-se dois encontros, um, a 3 de Maio de 1974 e outro a 27, do mesmo mês. estas acções iam sendo coordenadas entre os Presidentes Kaunda e Nyerere com o Presidente Samora Machel que, entretanto, não tinha ainda feito diligências junto do novo Governo Português.~

Presidente Samora Machel, ladeado pelos presidentes Nyerere e Kenneth Kaunda

A iniciativa negocial com a FRELIMO viria de Portugal, ao que parece, atravessando a ponte estabelecida  pelos Governos zambiano e tanzaniano, alicerçado pela administração americana. Com efeito, o Secretário-Geral do Partido socialista Português, Mário Soares, teria endereçado um convite à FRELIMO, para um encontro em Bruxelas, no dia 6 de Maio de 1974. Porém, este seria rejeitado pela FRELIMO, por alegada falta de transparência do dirigente português . Ou seja, para a FRELIMO, não estava claro se Soares formulava o convite na sua qualidade de dirigente político ou de membro do Governo, ao que se lhe pediu, inclusivamente,que clarificasse a agenda do encontro.  Sérgio Vieira resume a resposta da FRELIMO, do seguinte modo:

1. Que aceitamos com agrado um encontro com Mário doares

2. Que ignoramos a qualidade em que deseja encontrar-se connosco, se como:                                    a. Secretário Geral do Partido Comunista Português, partido com quem mantemos relações amistosas?                                                                                                                                                      b. Ministro dos Negócios Estrangeiros, de uma potência com quem nos encontramos em guerra?

3. Que mesmo entre partidos amigos, para se reunirem,  normalmente estabelece-se, por comum acordo, a agenda e igualmente, a data e o local do encontro.

4. Que, materialmente, e dada a distância a que  nos encontrávamos de um aeroporto não podíamos estar em Bruxelas dois dias depois.

Após essa celeuma, o encontro entre as partes (FRELIMO Governo Português), teria lugar em Lusaka, um mês depois, a 6 de Junho de 1974, preparado para Zâmbia e a Tanzânia. Há indicações de ter havido outros contactos prévios, estabelecidos por Soares com alguns movimentos de libertação e líderes africanos, tais como:

1) PAIGC, em Conackri;                                                                                                                              2) PAIGC, na pessoa de Aristides Pereira                                                                                                  3) Agostinho Neto, em Bruxelas                                                                                                                  4) Comité de Libertação de África, em Londres                                                                                      5) Comité de Libertação de África, na Holanda

As delegações a Lusaka eram encabeçadas, do lado da FRELIMO, por Samora Machel, integrando Joaquim Alberto Chissano, Mariano Matsinha, Óscar Monteiro, Saúl Mbaze, Jacinto Veloso, Guideon Ndobe, Fernando Honwana, Isabel Martins, Sérgio Vieira e Alberto Chipande. Do lado de Portugal, chefiava Mário Soares, acompanhado por Otelo Saraiva de Portugal e Casanova Ferreira. A delegação moçambicana tinha preparado as conversações, observando todos os pormenores protocolares, desde as saudações às intervenções, passando pela postura. Porém, tais procedimentos acabaram por não se observar, pois o chefe da delegação portuguesa quebrou o protocolo começando o encontro com um abraço ao Presidente Samora Machel. Para todos os efeitos, o gesto foi entendido como de  criação de um bom ambiente para o início das negociações.

No que diz respeito aos aspectos essenciais desta ronda negocial, é de se destacar o facto de ter sido antecedida por uma orientação militar do Presidente Samora, que consistia na intensificação de acções combativas, até que viessem ordens de cessar-fogo, uma clara intenção de buscas de vantagens políticas. Recorde-se que neste período eu já tinha recebido a missão de preparar o assalto ao Quartel de Omar.                                                                                                                      A outra questão consistiu na clarificação de posições, em que a delegação moçambicana declarou que a discussão do cessar-fogo não podia nunca, se separar da resolução da causa que implicara o início da guerra. Tratava-se de uma posição inequívoca da FRELIMO, face às manobras da delegação portuguesa que, apesar de reconhecer a acusação que lhe era imputada, de que não vinha devidamente preparada para estas negociações, insistia em não aceitar a FRELIMO como o único e legítimo representante da luta do povo moçambicano pela sua independência.

Por sua vez, vendo-se incapaz de satisfazer este ponto, a posição da delegação portuguesa consistia no pedido de adiamento das negociações, para a realização de consultas junto do seu Governo. No entanto, mostrou-se preocupada com outros aspectos, entre eles, a continuidade da guerra, face às declarações de Samora. Refira-se que para o Governo Português, este encontro não significava " negociações de facto, mas ensaio de um balão de oxigénio. Na verdade, estava empenhado na montagem de armadilhas políticas em que esperava que a FRELIMO caísse - aceitando um Referendo. A este respeito, em 1979, volvidos 5 anos da ronda negocial, Melo Antunes concedeu uma entrevista ao Jornal Expresso, em que consta o seguinte:

Spínola ao enviar Mário Soares a Lusaka não tinha feito mais do que tentar ganhar tempo, como um manobra dilatória (...) um compasso de espera necessário à organização de reformas plíticas em Moçambique que apareceriam oportunamente no tabuleiro, a reclamar a representatividade no diálogo com Portugal; e simultaneamente, ao enfraquecimento do ardor combativo das forças guerrilheiras, naturalmente desejosas também de uma paz rápida.

Do ponto de vista político, estas conversações foram consideradas um autêntico fracasso. Realmente, não tinham sido criadas as bases profundas para um diálogo profícuo entre as partes. Reconhecendo este aspecto, a FRELIMO tomou medidas estratégicas, procurando no seio do novo Governo Português saído do golpe do 25 de Abril, personalidades capazes de agilizar o processo negocial, ora em curso.                                                                                                                                 No que concerne a esta questão, Sérgio Vieira sublinhou que:

Na análise levada a cabo pela FRELIMO, sob a direcção de Samora Machel, após o fracasso das conversações de Junho de 1974, Lusaka I, deduziu-se que haveria em Portugal vários centros de poder e que importava detectar quem efectivamente, podia decidir sobre a questão da paz ou da guerra.

Foi na sequência desta compreensão que o Presidente Samora Machel enviou a Lisboa, o seu conselheiro Tomaz Aquino Messias de Bragança, mais conhecido por Aquino de Bragança.  Constituíram seus facilitadores, alguns moçambicanos que residiam em Portugal, entre eles Prakash Ratilal, Hermenegildo Gamito, Murade Ali e Leite Vasconcelos. Terá sido este último quem, através da amizade que tinha com um jornalista português , augusto Carvalho, conduziu Aquino de Bragança a Melo Antunes.Com efeito, as diligências deste mandatado académico e político reconhecido internacionalmente, revelar-se-iam frutuosos.pois, Ernesto de Melo Antunes e Almeida Santos, viriam ser preponderantes, em todos os processos negociais subsequentes.

TomazAquino de Bragança

Em decorrência dos contactos  encetados por Bragança, no mês de Julho de 1974, houve negociações de carácter secreto, em Amesterdão, envolvendo José Óscar Monteiro, em representação da FRELIMO. Do lado de Portugal participaram alguns membros da Comissão Central do MFA , chefiados por Ernesto Melo Antunes, cuja delegação integrava Almeida Santos  e o Embaixador Cunha Rego.                                                                                                                     A questão de fundo desta reunião foi a busca de consenso para a necessidade de se preparar cuidadosa e minuciosamente os encontros oficiais. Pretendia-se deste modo, criar maior transparência nos pontos de agenda, ultrapassando a situação que acontecera na reunião de Lusaka.

Matusse traz um excerto sobre os objectivos deste encontro, retirados da entrevista concedida por Melo Antunes, ao Expresso, a 17 de Fevereiro de 1979:

(...) tinha vista, em face do relativo malogro das conversações de Lusaka, assentar com a FRELIMO a metodologia mais conveniente para manutenção dos contactos, tendo-se chegado a conclusão que deveriam evitar-se mais  encontros formais do tipo do "encontro de Lusaka", enquanto não se tivesse avançado na remoção dos obstáculos que permaneciam após aquele encontro.

Os meses de Julho e Agosto de 1974 foram caracterizados por negociações simultânea, entre a FRELIMO e o Governo Português, porém envolvendo separadamente, a Comissão Central do MFA, por um lado e, comandantes de alguns quartéis portugueses, em Moçambique, por outro. Ao nível do MFA realizaram-se três reuniões, em que a primeira aconteceu a 31 de Julho a 2 de Agosto, em Dar-es- Sallam, chefiada pelo capitão Melo Antunes. A segunda , foi de carácter secreto, chefiada igualmente por Antunes e, a terceira, teve lugar a 15 de Agosto, liderada por Mário Soares.                                                                                                                                               Refira-se que Melo Antunes, acompanhado por Victor Crespo e Almeida Santos, chegou a Dar-es-Sallam, na tarde de 31 de Julho de 1974.  No mesmo dia a delegação da FRELIMO, chefiada por Samora Machel, integrando Marcelino dos Santos, Joaquim Chissano, Jorge Rebelo, Óscar Monteiro e Armando Panguene, concentrava-se na capital tanzaniana. Na mesma data decorreu a primeira sessão de trabalho, das 19h30 minutos às 21h15 minutos.

A essa hora tínhamos cercado o quartel de Omar, aguardando pela madrugada do dia 1 de Agosto para o ataque, assalto e ocupação. É  motivo para dizer que estávamos a cruzar duas frentes, por um lado a militar e, por, a político-diplomática, esta última que não era do meu conhecimento.

De acordo com Almeida Santos, paraaspectos,  que colocariam este  reunião, Melo Antunes tinha sido recomendado por Spínola a fazer uma série de concessões, mas salvaguardando dois aspectos que colocariam os moçambicanos numa condição de contínua dependência política de Portugal. De acordo com a proposta, deveria existir um período de transição de 4 a 5  anos e que o respectivo governo seria composto por três quartos de membros nomeados por Portugal e um quarto, designado pela FRELIMO.

A segunda reunião revestiu-se de um carácter secreto. O capitão Melo Antunes, acompanhado por Victor Crespo, encontrou-se com o Presidente Samora Machel, em Dar-es-Sallam, de quem recebeu a proposta do texto dos Acordos de Lusaka. Deste encontro depreendem-se duas leituras, complementares entre si. Uma, que evidencia o postulado português plasmado no Comunicado do MFA, pós golpe de 5 de Abril, o qual defendia claramente que o cessar-fogo dependia de uma solução política e não militar. A outra, indica que a FRELIMO tinha encontrado, de facto, as pessoas certas para um processo negocial frutuoso. Neste aspecto, o mérito vai, particularmente para o conselheiro Aquino de Bragança e em geral para todos os guerrilheiros.

A terceira reunião, chefiada por Mário Soares , integrando Melo Antunes e Almeida Santos, teve lugar no dia 15 de gosto de 1974, na mesma cidade. O Presidente português, António de Spínola, tinha dado outra recomendação à sua delegação - que a FRELIMO pedisse desculpa a Portugal, pelos distúrbios causados, em alusão ao assalto ao Quartel de Omar. Parece que a condição fundamental para a retomada das negociações. À semelhança dos encontros anteriores, este não chegou a nenhum consenso, porque a FRELIMO voltou a embadeirar-se no "Efeito Omar", não só para se contrapor ao Spinola, como também para reiterar o esclarecimento da Lei 7!74, de 27 de Julho acima referida.

Na verdade neste encontro, o "Efeito-Omar" colocou a delegação da FRELIMO numa posição vantajosa face à delegação portuguesa, que não tinha produzido qualquer resultado palpável, desde o início das negociações. Pelo contrario, ganhámos pelo "finca pé" na exigência do reconhecimento do direito do povo moçambicano à sua independência e na situação do princípio de transferência do poder â FRELMO . A adicionar a estas exigências ou ganhos contínuos, a FRELIMO mencionou que nas rondas negociais seguintes  deveria constar a data da Independência,  que seria fixada no dia 25 de Junho de 1975, coincidindo com o dia da sua criação, em 1962. Invertendo a proposta trazida pela delegação portuguesas, a FRELIMO exigiu que o governo de transição a ser estabelecido, fosse composto por três quartos dos membbros nomeados por si, e um quarto, por Portugal.

Refira-se que existe um debate ainda candente em torno de uma cassete respeitante à rendição  da Companhia do Quartel de Omar, havendo duas versões a respeito desta "encomenda". A primeira, sustenta que Antunes teria entregue a Spínola, que, no entanto recusou-se a escutá-la. A outra indica que o capitão, reflectindo sobre a gravidade da situação que encontrara nas negociações, sobretudo o conteúdo da gravação, alegadamente, em nome da disciplina militar, não terá tido a coragem suficiente para transmitir o sucedido ao seu superior hierárquico. Tudo fez para evitar trespassar-lhe aquela informação bastante pesada. A este respeito, Almeida Santos em entrevista ao Expresso, de 17 de Fevereiro de 1979, teceu o seguinte comentário:

Ele era .... Intelectualmente superior, corajoso e muito inteligente. Melo Antunes era também militar. E mesmo Ministro sem Pasta, não deixava de ser um Capitão que, naquela ocasião, se prepara para ir falar com um general.

Ernesto de Melo Antunes, junto a um helicóptero Alluet III, em Angola

Sobre este assunto,Almeida Santos concedeu uma entrevista, na qual destacou três aspectos relativos às negociações de 15 de Agosto, nomeadamente, a falta de apresentação de desculpas conforme a orientação presidencial, a reeixibição da gravação pelo Presidente Samora e a angústia e o desespero de António de Spínola, devido à humilhação do seu Exército. Referindo-se ao pedido de indulgência, assim se pronunciou:

Assim, fizemos. Mas com surpresa nossa, Samora Machel  começou por pretender desconhecer do que estávamos a falar.
Emboscada de Omar? Uma Companhia aprisionada?
Por fim fez-se luz no seu espírito:
O quê? Aquela entrega dos vossos soldados'
E voltando-se para um assessor da sua delegação:
Traz a cassete... 
Cassete? Íamos de surpresa em surpresa. Mas a verdade é que a misteriosa cassete veio, foi por nós ouvida e, ao ouvi-la ficou a constituir a maiores humilhações por que terá passado a delegação de um paés. É claro que não havia lugar à existência de desculpas. Limitámo-nos a pedir uma cópia da cassete para em Lisboa documentarmos isso mesmo. Mal chegados, a primeira coisa que o Presidente Spínola quis sa ber de nós foi se a FRELIMO tinha ou não apresentado desculpas.

Lamentamos informar que não era caso disso. Trazemos aqui uma cassete ...

Uma cassete? 
É verdade! Una cassete!

Logo se pediu um leitor de cassetes, Mas pouco tempo depois de ter começado a ouvi-la, o Presidente mandou abruptamente desligar a maquineta. Manifestamente perturbado. Não sei se invento dizendo que vi brilhar, por detrás so seu inseparável  monóculo, uma lágrima de comoção. Ou de raiva? (...) Diz no seu livro que se recusou a ouvi-la, bem como "aceitar que tão vergonhosa rendição traduzisse o espírito das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique. Verdade é que recusou a ouv-la até ao fim. Mas o que chegou a ouvir bastou para ter escrito que essa gravação ficará aa assinalar uma das mais "vergonhosas façanhas do Exército Português, ao oferecer a Samora Machel, na mesa das negociações, uma arma decisiva. As afirmações  produzidas no acto a rendição, designadamente as saudações à FRELIMO, como libertadora de Moçambique e do próprio povo português, constituíram prova irrefutável do índice de prostituição moral a que haviam chegado alguns militares portugueses.



CONTINUA























                                                                                            



















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