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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 28 de novembro de 2022

 

17 - O SAPADOR, POR ANTONOMÁSIA EURICO RAMOS - Mueda – MOÇAMBIQUE- Fevereiro de 1973


Algarvio de gema de sotaque “barlaventista”, o Eurico era um tipo bem-disposto, Tinha um jeito meio ”escalhambado” no andar, inclinava na passada o corpo para o lado esquerdo. No dizer do Sargento Monteiro ele pisava o cão para a esquerda. Era Furriel e tinha uma especialidade esquisita, perigosa, aquela em só se poderia errar duas vezes que seriam a primeira e a última. A partir daí não erraria nunca mais, pois não iria restar mais Furriel, ficaria desfeito na explosão do “trotil”. se mal gerisse os procedimentos.
Nesse mester de sapador de minas e armadilhas ele era intrépido, audaz, corajoso. Teria medo certamente porque nestas merdas, quem têm cú, tem medo. O Furriel Eurico Ramos como todos nós, tinha cú.
Naquelas perigosas picadas de Cabo Delgado calcorreadas pela nossa Companhia, a CCAÇ 4140 era ele quem desactivava aqueles artefactos explosivos que os gajos da FRELIMO iam semeando por aqueles caminhos


Quando uma mina era detectada ouvia-se o grito - «Sapador à frente!» E era ele quem entrava em acção. Acercava-se do perigo enquanto os outros alapavam ao chão, tomando uma distância segura, não fosse ele falhar,
O Ramos de faca de mato na mão, abeirava-se do perigo, esgaravatava a terra, punha a descoberto aqueles engenhos, colocava sobre eles outro naco de TNT com detonador, com mecha e estopim e fazia explodir aquela porra toda. Outras havia que ele num acto corajoso, levantava sem as explodir
Na de de muito má memória célebre Coluna Logística Lagarto 30 (1) de Mueda a Nangololo em Fevereiro de 1973, onde fomos constantemente “abonados” com emboscadas e ataques de morteirada, as minas no chão foram também mais que muitas. Naqueles quarenta Km o sofrimento durou quinze dias. Houve mortos e feridos, muitas viaturas desfeitas e a marcha estava constantemente a parar. Era preciso cuidar dos feridos, chamar os helicópteros para os retirar, era preciso levantar ou neutralizar as minas que se iam descobrindo a cada passo. Eram precisas muitas coisas.
Havia um prémio dado aos Sapadores por cada mina que neutralizassem. Nesta acção ele desactivou um montão delas, Tinha direito a uma soma considerável que talvez desse para cobrir as despesas de férias à Metrópole, quando chegasse, se chegasse a altura.
Contudo as coisas iriam tomar diferente rumo. Dias depois do sofrimento, foi o Ramos chamado à presença do Comandante do Batalhão em Mueda, que tinha uma proposta para ele assinar.
- «Nosso Furriel assine aqui este papel para que o dinheiro das minas que levantou, reverta a favor da sua Companhia».
O Ramos ficou baralhado. Como iria o dinheiro para a Companhia? Para quem e como? A companhia eram cento e tal homens. Como seria? Percebeu de imediato que havia ali uma tentativa do Major para se abotoar com a massa e disse:
- «Meu Major se o dinheiro vai para a Companhia, então que assine a Companhia. Eu não vou assinar nada» – E isto dito pediu licença para se retirar.


Quando já transpunha a porta de saída do Gabinete o Furriel ouviu ainda a voz firme do Superior: tentando impor a ordem, tentando assustá-lo:
- «Então se não assina aquele papel, venha aqui assinar outro papel a dizer que não assina»,
Percebeu que havia ali um jogo de palavras, um jogo de papéis com a finalidade de lhe extorquir a “massa” e afirmando também com firmeza a sua voz, respondeu pausadamente:
- «Meu Major, EU NÃO ASSINO NADA!» - E volvendo as costas retirou-se.
Quarenta e nove anos passaram. Seguramente que aquela quantia saiu dos Serviços de Pagadoria do Exército sem nunca ter chegado aos bolsos do Algarvio.
Naquela vida, havia muitas outras guerras para além da Guerra. Havia muitas corrupções, muitas comichões, muitos roubos e quem sempre se amolava era o mais pequeno da hierarquia.
O Ramos dizia depois: - «A minha alcunha é “o fodi##». E foi verdade.
Aqui atesto por ser verdade que o agora Ex-Furriel da história aqui contada não está mais pobre por ter vivido aqueles rocambolescos factos..

(1) - Operação descrita no livro “Kapital Mueda” de Jorge Ribeiro

Manuel Neves Silva

Altura, 22 de Novembro de 2021


 

 


segunda-feira, 14 de novembro de 2022

TEXTO da MENSAGEM DA FRELIMO

 

Frente da folha encontrada na zona de Pundanhar durante uma patrulha do GE 214.
Panfleto ainda sujo da lama do matope de Cabo Delgado

TEXTO da MENSAGEM DA FRELIMO (Inserido na folha de propaganda da Frelimo, encontrada no matozona de Pundanhar pelo GE 214 em 1973) – Copiado do Documento original.

ESTA MENSAGEM é destinada aos soldados portugueses, áqueles soldados que vieram de longe, de muito longe, de um outro continente, invadiram a nossa terra e estão a matar o nosso povo, a queimar os nossos campos. a violar as nossas irmãs.
SOLDADO PORTUGUÊS, queremos dizer-te que o que estás a fazer é mal feito, é cruel, é desumano, é criminoso. Pensa bem: Se nós fossemos da nossa terra de África, e fossemos invadir a tua terra na Europa, como é que tu te sentirias?
Se nós Moçambicanos fossemos destruir os campos que os teus pais e tu próprio com tanto esforço e carinho cultivaram, se queimássemos as tuas casas e pilhássemos os teus bens, se assassinássemos os teus filhos, se violássemos a tua mãe, a tua noiva e as tuas irmãs, se nos instalássemos como donos da tua terra – tu ficarias de braços cruzados como um poltrão? Aceitarias tu ser humilhado, batido, roubado, acorrentado sem te revoltares? Não,tu não agirias assim. Tu havias de pegar em armas e lutar contra o invasor. Os teus antepassados fizeram isso quando foram invadidos pelos Árabes, pelos Espanhóis, pelos Franceses, eles lutaram heroicamente para defenderem a sua independência, recusaram submeter-se a um poder estrangeiro. E é isso precisamente o que nós estamos a fazer.
SOLDADO PORTUGUÊS, tu lutas contra nós porque nunca pensaste no que andas a fazer. Foste apanhado no campo onde tranquilamente ajudavas os teus a cultivarem a tua terra. Meteram-te em barcos e desembarcaram-te em Moçambique. Meteram-te uma arma na mão e disseram-te: «Vai combater os terroristas». E tu foste, como um autómato, como um instrumento, sem pensares se a guerra que te mandaram fazer era justa ou injusta, sem saberes para que lutas.
É tempo de fazeres um exame de consciência. Tu és homem como nós, tu não nasceste criminoso: São aqueles que te mandaram para a guerra que te tornaram criminoso. O povo português, o teu povo é honesto e trabalhador, não é um povo de assassinos. Nós sabemos isso. Porque então tu vens matar o nosso povo? Tudo o que queremos é viver em paz na nossa terra africana, como donos da nossa terra. Temos esse direito, E é precisamente por esse direito que nos é negado que nós lutamos. Lutamos contra ti, soldado português, porque és tu que te opões à paz e progresso no nosso país. Se não fosses tu,se em vez de estares aqui a lutares contra nós,tu estivesses na tua terra a cultivar os teus campos, nós não teríamos de lutar, não haveria guerra na nossa terra, poderíamos em paz construir os nossos lares,amar as nossas mulheres e os nossos filhos, desenvolver a nossa riqueza. Mas isto não será possível enquanto tu aqui estiveres com as armas apontadas para nós.
E para que é que tu lutas? Disseram-te que tu vinhas defender a tua Pátria – mas a tua Pátria é Portugal, não é Moçambique nem Angola nem a Guiné. Cada um destes países é uma pátria diferente da tua, com um povo diferente, com costumes e tradições e História diferente. Viste algum Moçambicano. ou Guineense, ou Angolano, ameaçar a tua verdadeira pátria que é Portugal? Não, não viste. Quem te ameaça é a Pide, são os oficiais que te apanharam, te tiraram do teu trabalho e te trouxeram para aqui, para lutares contra o nosso povo. Eles inventaram essa mentira de que a tua pátria está ameaçada para te mobilizarem, para justificarem a guerra.
Porque de facto, a única razão que leva os dirigentes do teu país a fazerem a guerra contra nós, é que eles não querem devolver-nos as riquezas que nos foram roubadas há já muito tempo, Talvez não saibas, soldado português, mas a verdade é que Portugal é governado por uma minoria de 27 famílias. Essas 27 famílias controlam todas as riquezas. de Portugal e das colónias. Elas são donas das terras, das fábricas, das minas, do comércio. O resto, a quase totalidade do povo português, vive na miséria. Não precisamos dizer-to, tu sabes melhor do que nós. Camponeses trabalham em Portugal de sol a sol, e o que ganham mal lhes chega para comprarem a broa. A família vive em palhotas, os filhos estão rotos e esfomeados, quando alguém adoece não há dinheiro para os remédios. E entretanto, esses grandes capitalistas vivem rodeados do maior luxo, têm vários carros para eles, para as mulheres, para os filhos, enviam os filhos para a Universidade para serem senhores Doutores e amanhã tomarem o lugar deles como gerentes, ministros, directores dos bancos. E não roubam e exploram só o povo Português: eles estendem esse roubo aos nossos povos,a Moçambique. a Angola, à Guiné. E agora que os nossos povos decidiram dizer BASTA à opressão e exploração, eles enviam-te a ti soldado português para defendres para eles as riquezas da nossa terra.
Porque de facto o que é que tu lucras das riquezas de Moçambique? Nada, absolutamente nada. Dos nossos minérios, das nossas culturas, do nosso petróleo alguma vez recebeste algum? Não, são os grandes capitalistas qu aproveitam. E eles não vão para a guerra, ficam em Lisboa ou Lourenço Marques em segurança, a receber o produto da exploração, a frequentar os casinos, banquetes recepções e mandam-te a ti para o mato, onde a morte te espreita em cada arbusto, em cada esquina do caminho, em cada posto. Milhares de companheiros teus morreram já desta maneira – numa emboscada ou numa mina, sem glória, só para salvaguardar os interesses dos grandes capitalistas,
SOLDADO PORTUGUÊS, é tempo de reveres a tua posição. O colonialismo não vai durar muito, ele é condenado em todo o mundo. A própria Organização das Nações Unidas declarou já que o colonialismo Português é um crime contra a humanidade. Muitos países criticam abertamente o governo português por causa da sua política colonial. São muitos os países e organizações internacionais que nos dão apoio moral e material. Assim o desenvolvimento da nossa luta vai processar.se em ritmo mais acelerado. E se fores apanhado neste processo, nesta luta, serás morto pelos guerrilheiros da FRELIMO: e terás morrido para nada, nem sequer terás a glória de ter morrido heroicamente. Pois sabes que o teu governo preocupa-se mais com o material do que com aa vidas humanas? Depois da ofensiva que lançou contra as zonas da FRELIMO, o ano passado, quando foi forçado a retirar-se, o vosso comandante Kaulza de Arriaga declarou que “o pior foi o material destruído que custa muito dinheiro. Os soldados mortos podem substituir-se facilmente”. Já vês em que estima os teus superiores te têm. É mesmo isso: Para eles és pura e simplesmente carne de canhão,um instrumento menos valioso do que uma G3 ou um carro.
SOLDADO PORTUGUÊS, nós não queremos influenciar-te a tomares uma decisão. Tu és homem, tens consciência, tens capacidade para fazeres os teus próprios julgamentos. Se achas que estás a fazer bem fazendo a guerra, assassinando o nosso povo, então continua. Mas se, segundo a razão e a justiça compreendes que a luta que estás a travar é injusta e imoral, e queres por termo a ela, então deserta para o nosso lado.Já vários soldados portugueses desertaram e acolheram-se à prtecção da FRELIMO. Por exemplo, LUÍS MACHIAL, AMÉRICO NEVES DE SOUSA, MANUEL DE JESUS SANTOS, MANUEL DA SILVA LOPES, EUSÉBIO MARTINHO DA SILVA, JOSÉ ANTÓNIO FERREIRA DA MATA, JOSÉ AUGUSTO LOPES. Dois outros renderam-se durante um combate, JOÃO BORGES GOMES e FERNANDO DOS SANTOS ROSA. Foram todos confiados pela FRELIMO à Cruz Vermelha Internacional que os tomou ao seu cuidado. A maior parte quis ir para França ou Algéria trabalhar – e estão lá hoje, livres da guerra, trabalhando em paz. Só um soldado que foi feitp prisioneiro pela FRELIMO num ataque ao posto de Nambude em Cabo Delgado, João Borges Gomes, preferiu voltar para Portugal. Ele foi ferido e rendeu-se durante o ataque. os guerrilheiros trouxeram-no para a nossa zona, trataram-np e quando foi entregue à Cruz Vermelha disse que queria voltar para Portugal. Foi-lhe feita a vontade. mas depois de voltar para Portugal não mais ouvimos falar dele..
É esta a nossa política: acolher como nossos irmãos, como nossos aliados os soldados portugueses que desertam e que por esse acto mostram opor-se à política colonial contra o nosso povo.
SOLDADO PORTUGUÊS, é possível, é natural que tenhas dúvidas, hesitações em dares este passo decisivo para a tua liberdade. Nós sabemos a propaganda que os oficiais portugueses espalham entre os soldados – dizem que todo o soldado português apanhado pela FRELIMO é morto, torturado, dizem-te que somos terroristas, assassinos, e outras coisas semelhantes. Mas fica certo disto: os únicos que massacram, torturam, assassinam, são as autoridades colonialistas portuguesas, ou os soldados por ordem das autoridades.
NUNCA nós maltratámos um soldado que deserte ou se renda ou mesmo um prisioneiro. Numa reunião com o povo há poucas semanas, o Presidente da FRELIMO disse: “se algum de vocês maltratasse um soldado português que desertou ou se rendeu, isso seria um crime tão grande como matar ou maltratar um camarada, um irmão vosso” Também nós nunca definimos o inimigo pela cor da pele ou pela origem ou nacionalidade. Há brancos, portugueses que trabalham e lutam connosco.
E há pretos que lutam contra nós, ao lado dos colonialistas. A cor da pele portanto, não pode ser critério para a definição de inimigo. Isto quer dizer que todos os receios que possam ter são absolutamente infundados. A nossa orientação é profundamente humana e justa. Todos os soldados portugueses que desertem da tropa colonial ou se renderem, serão bem-vindos à FRELIMO

Samora Machel, fala com soldados portugueses
desertores e prisioneiros. Foto inserida no Panfleto de propaganda da FRELIMO

Armamento capturado pele FRELIMO em Cabo Delgado
Foto inserida no Panfleto de propaganda da Frelimo


                             



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