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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 24 de maio de 2021

JOANA SIMEÃO





Manuel Mapfavisse era um dos mais temidos carrascos de M'telela NOVA VISEU) desde a abertura do Centro em 1975. Estava à testa de um pelotão de guardas e, por ser mais instruído literariamente do que a maioria de outros guardas, servia de correio entre M'telela e Lichinga.
Natural de Ampara, no distrito de Búzi em Sofala, Mapfavisse havia recebido a alcunha de "o Bazuca", dada a sua estatura latagónica. Tal como o comandante e a grande parte dos que integravam a Compa­nhia de 150 homens que guarnecia o Centro, Mapfavisse vivia com a família nas cercanias do mesmo.
A páginas tantas, a situação dos presos começou a preocupar um certo grupo de guardas. Condoía-lhes a situação de alguns presos doentes e particularmente da Dra. Joana Simeão. Como esta era ainda muito jovem, chegado o período menstrual, viam-na na sua cela a con­torcer-se de cólicas sem poderem ajudá-la. Aos trapos que lhe atira­vam como pensos para conter o fluxo sanguíneo, cabia a eles voltar a recebê-los através da portinhola da cela e desembaraçarem-se dos mes­mos.
Deste modo, até princípios de 1977, havia em M'telela dois tipos de guardas para mesmos prisioneiros: Um grupo de defensores acérrimos da causa do regime e um outro que aparentava ser defensor dos direitos dos prisioneiros. Bazuca alinhou com o segundo grupo constituído pelo pelotão que ele chefiava. Num dia, sem dar conta da dimensão do problema que ia criar, planeia com alguns do seu pelotão a fuga de três prisioneiros dentre os quais a Dra. Joana Simeão. Mas antes, Bazuca ter-se-á queixado junto do comandante dos transtornos que aqueles três presos davam. Falou da situação de Simeão e de ho­mens que se prezavam como tal - como aqueles guardas - terem que suportar situações que contrariam a tradição, lidando com coisas ínti­mas que só às mulheres diziam respeito, apenas porque a infeliz prisio­neira não podia sair da cela. Aparentemente, a lamentação foi ao en­contro da sensibilidade de Mombola e este, tomando a peito a questão, garantiu que encontraria uma solução. Efectivamente, Mombola enca­minhou a preocupação a Lichinga, usando como argumento a tradição africana e os "perigos" que advinham de um homem lidar com coisas femininas daquele tipo. A resposta de Lichinga não se fez esperar. Veio "curta e grossa": "Mandem a Joana e os outros dois cortar le­nha!....!
Na gíria da guerrilha da Frelimo, especialmente desde a abertu­ra da base Moçambique D, próximo de Nangololo, na província de Cabo Delgado, "cortar lenha" significava execução sumária de prisio­neiros.
Recebida a Ordem de Serviço, Mombola incumbiria a missão precisamente a Bazuca, a quem deu aval para escolher alguns do seu pelotão para executarem a missão. Bazuca escolheu então quatro guar­das dentre os que com ele conspiravam e deu instruções claras, alertando-os como deviam agir para libertarem os três presos sem le­vantar suspeitas.
As instruções de Lichinga haviam chegado numa altura em que o Comandante preparava uma viagem para aquela cidade, exactamente na companhia de Bazuca. Assim, achou-se por bem executar a "missão Joana" antes da partida, de forma a poder relatar os resultados à chefia da Contra Inteligência Militar na capital provincial.
Ao entardecer, os quatro homens, sob ordens de Bazuca, que na circunstância se viu impossibilitado de se fazer à mata dado o avalanche de trabalho que tinha que executar antes de seguir para Lichinga, retiraram os presos e encaminharam-nos para o local da exe­cução. Chegados aí, os quatro guardas deram instruções aos presos para que escapulissem. Mas antes, terão exigido que estes lhes assegu­rassem possuir capacidades para alcançarem "terra firme" , isto é, o vizinho Malawi. E mais, exigiram aos presos que nunca revelassem as circunstâncias da sua fuga. O receio de possíveis transtornos recaía sobre Joana Simeão por na época o seu nome ter sido muito sonante na opinião pública moçambicana. Se reaparecesse no estrangeiro, certa­mente que iria complicar a vida dos guardas. Joana Simeão assegurou, então, que se manteria calada, e uma vez a salvo no estrangeiro adop­taria um outro nome como garantia de passar ao anonimato.
Tendo concordado que tudo ficaria no segredo dos deuses, os guardas dispararam alguns tiros ao acaso e depois instruíram os presos como deviam caminhar e comportar-se na densa floresta de Niassa. Iniciou assim a fuga dos três prisioneiros incómodos. Todavia. Joana ficaria para trás por não conseguir manter a passada" dos seus compa­nheiros de cárcere. Como consequência disso, viria a ser recapturada dias depois.
            Mas antes, regressados ao Centro, os quatro carrascos relataram os factos ao seu chefe - Bazuca - o qual, por sua vez, informou ao Comandante sobre o "pleno cumprimento" da Missão Joana. Sossega­do, no dia seguinte, Mombola empreende então a viagem programada a Lichinga, na companhia de Bazuca para, entre vários afazeres, infor­mar aos seus superiores hierárquicos acerca da execução da Dra. Joana Simeão e de outros dois prisioneiros.
Contudo, contrariamente às garantias dadas pêlos presos, as coisas no terreno complicaram-se. Um dos prisioneiros, conhecedor da mata e natural de Majune, uma vila situada a norte de M'telela, conse­guiu lá chegar pedindo protecção a familiares seus. Estes imediatamen­te esconderam-no, para mais tarde tratar do seu envio para o Malawi onde residiam pessoas de família. Antes, porém, o antigo prisioneiro revelaria as atrocidades cometidas pelas autoridades em M'telela e as circunstâncias da sua fuga na companhia de Joana Simeão e de outro prisioneiro. Se bem que o homem não tivesse denunciado os guardas que lhe facilitaram a fuga, não evitou que a notícia se espalhasse entre os aldeões, chegando ao conhecimento das autoridades locais.
Notificadas as autoridades em Lichinga sobre o acontecido em Majune, Mombola, ainda mergulhado nos seus afazeres na capital pro­vincial, foi posto ao corrente da situação pelo chefe provincial da CIM. Perante o choque inicial da notícia, e longe de imaginar que Bazuca fosse a pessoa que planificou tudo, o Comandante recorre a este para com ele estudar a forma de se livrar da situação. Igualmente alarmado, Bazuca apercebe-se da dimensão do problema que criou. Precavido, ciente do que lhe aconteceria se Mombola regressasse primeiro à M'telela, sugere ao comandante do centro que permaneça em Lichinga para ultimar os seus afazeres, e que ele regressaria de imediato a M'telela para acudir à situação. Tanto Mombola como o Chefe da CIM terão concordado com a ideia e deu-se instruções para que assim que che­gasse ao Centro, Bazuca perseguisse os fugitivos. Aos infractores que deixaram escapulir os presos, devia-se-lhes "mandar cortar lenha", vituperou o chefe da CIM.
De regresso a M'telela, Bazuca move-se no sentido de evitar que o seu nome se associe ao plano da fuga. Age com cautela e rapi­dez. Fala em surdina com os outros chefes de pelotões que ficam estu­pefactos com a notícia. Informa-os sobre os passos à seguir, de acordo com as instruções que trazia. Numa missão silenciosa, os quatro carrascos foram imediata­mente presos e não se lhes deu tempo para se explicarem, pois perante um quadro devidamente pintado por um homem de extrema confiança como o era Bazuca, a medida não sofreu qualquer suspeita dos restan­tes chefes de M'telela. Na calada da noite, os detidos foram levados para um local afastado e executados a golpes de baioneta desferidos por Bazuca e outros chefes de pelotões.
"Aqueles tipos morreram sem perceber porquê. Primeiro por­que não lhes passou pela cabeça que um dos presos foi parar ao Posto administrativo de Majune. Segundo, como cada um deles foi amordaçado, tendo uma venda colocada sobre a vista, não era possí­vel perceber quantas pessoas estavam a sua volta. Depois foram ar­rastados para sítios diferentes e mortos.".
No dia seguinte a morte dos 4 guardas, iniciou a caçada aos fugitivos. Um grupo de cerca de quinze homens armados de kalashnicovs fizeram-se ao mato à caça dos fugitivos. A Dra. Joana Simeão viria a ser recapturada pouco tempo depois. Sozinha na mata de Majune, não conseguiu ir longe. Os guardas, ao avistarem-na, grita­ram para que parasse. Por não obedecer à ordem, um dos guardas dis­parou, atingindo-a na mão direita. Meses depois seria sumariamente executada na companhia do Rev. UriaSimango e dos restantes prisio­neiros políticos.
Cerca de uma semana após a execução dos quatro carrascos e da recaptura de Joana Simeão, Mombola regressou ao Centro tendo felicitado Bazuca pelo trabalho. Todavia, para as autoridades, os guar­das de M'telela haviam vacilado. Era necessário imprimir uma maior rigidez na disciplina do Centro. Mombola regressou a M'telela com uma ordem severa para cumprir, e, aos chefes dos vários pelotões, viria a declarar:
" (...) o que aconteceu aqui é grave. Todos vocês sabem que isto não é brincadeira camaradas. Nós que somos responsáveis aqui podemos ser culpados e morrermos por brincadeiras de alguns desordeiros. Trago ordens que devem ser cumpridas, doa a quem  doer. Todos aqueles que estavam de serviço naquele dia também sa­biam do jogo. Os chefes em Lichinga disseram que é preciso punir severamente todos para servir de lição para que ninguém no futuro aceite mais ser comprado ideologicamente por estes reaccionários aqui .
Dessa forma, os restantes quinze guardas de um pelotão de 20 homens comandados por Bazuca, morriam. Levados para o local da matança, foram todos executados.
Entretanto, eliminados os guardas, surgiu o problema de como se informar as esposas de alguns deles sobre o brusco desaparecimento dos maridos. A solução encontrada foi a de se liquidar não só as senho­ras, mas também os filhos.
Medida semelhante estava, ao que se diz, reservada aos filhos do Rev. UriaSimango. Depois de o ter mandado executar, o regime da Frelimo insistentemente endereçava convites aos filhos do casal Simango para que se deslocassem ao Niassa a fim de "visitarem" os pais. "0s meus tios disseram-me que, por duas vezes, apareceram na Beira, vindas de Maputo, pessoas das nossas relações familiares ligadas a Frelimo. Não vou dizer os nomes dessas pessoas. Diziam que o go­verno queria que nós fossemos visitar os nossos país em Niassa. Nunca falavam directamente comigo. Dirigiam-se aos meus tios e os tios nunca nos diziam nada porque éramos menores, para além de que se nos dissessem nós imediatamente passaríamos a viver ima­ginando sempre a hora da partida para Niassa e o reencontro com os país"*.
Desconfiados da "boa fé" do regime, os tios dos três rapazes sempre se opuseram. Tinham informações, vindas de outras pessoas ligadas ao poder, de que tais convites encerravam em si algo de sinis­tro, que culminaria com o desaparecimento dos filhos do casal Simango.
-"Arranjem-se como puderem, mas não deixem que os meni­nos sigam para Niassa porque de lá não mais regressarão com vida" – diziam.
Mas a uma dada altura a nostalgia provocada pela separação forçada da família ter-se-á apossado de forma dramática do filho mais velho do Reverendo Simango. O jovem optou então por arriscar, es­pantando a fera na sua toca. Nos fins de 1981, sem o conhecimento dos tios, Lutero escreveu uma petição ao então ministro residente na pro­víncia de Sofala, solicitando-lhe que autorizasse a sua deslocação e dos irmãos a Niassa, a fim de visitar os pais. Numa reflexão retrospectiva, Lutero Simango acredita também numa possível existência de separa­ção de poderes no seio da Frelimo daquela época, pois, segundo suas palavras, a existir um plano para os liquidar, ou o ministro residente não estava ao par dele ou, simplesmente, quis poupa-los. "De contrá­rio, não faria o que fez".
Com efeito, em face da petição que lhe chegou as mãos, o en­tão ministro residente mandou chamar o rapaz. Eis o que diz Lutero Simango:
             " Quatro ou cinco dias depois de ter recebido a minha peti­ção, logo de manhã cedo mandou um jeep militar lá para casa do tio Francisco onde eu vivia, no bairro do Esturro. Foram lá 4 militares bem fardados e armados com AKM's. Os meus irmãos viviam no Bairro do Vaz com o tio Elijah. Como o jeep chegou antes das sete horas, ao tocarem a campainha quem abriu aporta foi o tio Fran­cisco que se preparava para ir ao serviço. Ao deparar com dois ho­mens armados, o velho entrou em pânico. Mas os homens acalma­ram-no. Disseram-lhe que não havia problemas nenhuns. Pergun­taram muito civilizadamente se era naquela casa onde vivia o filho de UriaSimango. O meu tio disse que sim mas quis saber o que se estava passando. Os homens insistiram que não havia problemas nenhuns. Tinham vindo a mando de sua excelência levar o senhor Lutero para ir ao gabinete do governo, porque sua excelência queria falar com ele. Eu ainda estava na cama. Acordaram-me. E como o velho nada sabia da carta que eu havia feito, ficou mais baralhado. Preparei-me então para seguir com aqueles homens. Os tipos até me deixaram matabichar. Estavam todos atentos aos meus gestos e sor­ridentes. Acho que nunca tinham visto de perto um filho de um reaccionário!... Achavam graça me vendo comer. Depois saí com eles direitinho para o gabinete do ministro residente. Só que quando lá chego, quem me recebe não é o ministro. Foi o chefe do gabinete. O homem foi muito gentil também. Estava todo sorridente. Começou por oferecer-me um café que recusei. Depois disse que o ministro recebeu a minha carta e pediu-lhe que conversasse comigo antes de estar frente a frente com ele num encontro que se previa para a semana seguinte. Disse que o governo sabia que nós estávamos pas­sando algumas necessidades. Que o camarada ministro deu instruções para disponibilizar uma casa recheada de mobílias e uma viatura para nos os três, etc., etc. Estavam dispostos a disponibilizar-nos uma mesada e garantir as necessidades escolares. Eu deixei-lhe fa­lar e depois disse-lhe: ok, diga ao camarada ministro que eu aceito que o governo tome conta de nós e nos dê mundos e fundos. Mas há uma condição: Que tudo isso esteja aliado a preocupação número um, visitar os nossos pais. Que nos fosse permitido, nem que uma vez de seis em seis meses, visitar nossos país. De contrário, nada feito.
Ele disse que ia encaminhar a preocupação ao ministro. Só que nunca mais me contactaram e eu também não insisti, porque quando regressei a casa os tios estavam em alvoroço. Coitado do tio, nem foi trabalhar nesse dia. A tia Mazwiona, então, estava mergu­lhada num charco de lágrimas. Só parou de soluçar quando me viu a entrar. Contei-lhes o que havia feito. Nesse dia levei um bom pu­xão de orelhas e avisaram-me de que nunca mais queriam ouvir falar disso. Foi daí que passei a saber que já houve tentativas de levar-nos para Niassa, e tudo fora água abaixo porque outros dizi­am que isso significava morte certa. Isso aconteceu entre 1977 e 1978. Como eu não soubesse nada disso, durante as férias escolares de 1981, se a memória não me engana, fiz então a petição, sem co­nhecimento dos tios. No ano seguinte vim para a Universidade em Maputo. Nunca mais se falou do assunto, porque os tios voltaram a avisar-me que em Maputo eu tinha a missão de estudar e nada de me meter em coisas que podiam dificultar os meus estudos. Penso que eles já desconfiavam que os nossos pais estavam mortos.".
Bazuca saiu limpo do esquema por ele montado, mas não vive­ria por muito mais tempo. Nos meados de Janeiro de 1982, eclodiu no Centro de M'telela um problema de índole passional. Uma das filhas do comandante Mombola, já suficientemente donzela para atrair a gula dos homens, seria o centro de gravitação de dois amores: o de Manuel Mapfavisse (Bazuca) e o do jovem operador de rádio de comunica­ções do Centro. Enquanto Mapfavisse se esgrimia em presentear a ra­pariga de bugigangas que trazia de Lichinga onde constantemente se deslocava em missão de serviço e em visita a sua esposa que já nessa altura vivia naquela cidade, clandestinamente, a donzela correspondia ao amor do jovem operador de rádio, fazendo de Bazuca um bobo contente. Bazuca sabia que apesar das suas aliciantes ofertas, quem efectivamente tirava proveito da beldade da rapariga era o homem das telecomunicações que, para além de ainda jovem e com boas perspec­tivas de vir a casar com a rapariga, era, por outro lado, mais culto literariamente do que ele. Bazuca não encontrava formas de se desem­baraçar do jovem apaixonado.
Um dia, a esposa do comandante, vê, na calada da noite, um vulto a sair da janela que dava acesso ao quarto da filha. Alarmada com a situação, informou de imediato o marido o que acabava de presenci­ar. Ferido no seu ego, o casal Mombola entende então pôr a filha na "prensa", para que dissesse quem havia saído pela janela naquela noite. A menina nega pelas "cinzas dos seus antepassados" ter visto alguém. O assunto não morreu por aí. No dia seguinte ao acontecimento, Mombola pôs em formatura todos os guardas que não estavam de ser­viço na noite anterior. Deles procura saber quem andava a saltar das janelas das meninas na calada na noite.
Enquanto aguardava pela resposta, confidenciou o sucedido à Bazuca, um que se encontrava a seu lado. Este, sem perca de tempo, sentenciou:
"É o Radista" referindo-se ao jovem operador de rádio:
Havia muito tempo que Bazuca andava desconfiado dos movi­mentos do rapaz. O operador de rádio foi assim arrastado da formatura e de seguida, severamente punido. Tudo ficou por aí.
Entretanto, a simples punição que consistiu em fazer buracos de dois metros de profundidade e tornar a tapá-los durante quatro dias consecutivos não agradou a Bazuca. O "radista" tinha que sair do seu caminho.
Numa das suas habituais viagens à Lichinga, Bazuca forja um documento, com carimbo e tudo, onde se lia que o "radista" devia ser fuzilado, porque, segundo dados em poder da Contra Inteligência Mi­litar em Lichinga, o rapaz passava informações ao inimigo. No seu regresso ao Centro, Bazuca exibe a Ordem de Serviço a Mombola. Dada a autenticidade do documento, ao comandante nada restou se­não executar a medida. Para alegria de Manuel Mapfavisse, aliás, Bazuca, o jovem "radista" foi executado, deixando-lhe livre o cami­nho para a rapariga em disputa.
Passaram-se semanas até que o comandante se deslocou a Lichinga, desta feita sem ser acompanhado de Bazuca. O jovem opera­dor de rádio, fora, entretanto, substituído por outro, o qual, perante os insistentes pedidos de colegas em Lichinga, não ousava informá-los por via da rede de telecomunicações os pormenores do que ocorrera com o jovem colega. A notícia da liquidação do "radista" chegou a Lichinga por vias não claras. Os operadores de rádio naquela cidade faziam notar ao novo operador de M'telela que o assunto já constava da agenda do chefe provincial da CIM. De facto, assim que Mombola chegou a capital provincial, o chefe da CIM quis ouvir do comandante do campo de M'telela o que se passara com o jovem operador das telecomunicações daquele Centro. Mombola, perplexo e boquiaberto, apercebe-se de que algo não batia certo, pois que a execução daquele rapaz fora a mando daquele mesmo homem que agora o questionava. Não fazia sentido que o chefe local da CIM quisesse saber de histórias passadas. Decide-se a contar tudo e informa que agiu de acordo com a Ordem de Serviço vinda do gabinete do próprio chefe do CIM.
Em face do que acabava de escutar, o chefe da CIM aconselhou Mombola a manter-se calmo. Deu ordens para que Bazuca fosse cha­mado à Lichinga com a maior urgência possível.
Uma vez em Lichinga, Bazuca comparece no gabinete do chefe da CIM. A princípio não se apercebe de que havia algo de errado. Desperta quando viu o seu Comandante, de semblante pesado, a entrar e tomar lugar no gabinete sob ordens do chefe da CIM. Confrontado com a célebre Ordem de Serviço, Bazuca nada soube explicar. É imedi­atamente preso e encaminhado para as celas do comando provincial da CIM em Lichinga. Depois de se confirmar que a Ordem de Serviços havia sido forjada, e que afinal, a história da fuga de Joana Simeão havia igualmente sido por si esquematizada, Bazuca viria a morrer en­quanto se encontrava sob detenção em Lichinga, ao que se diz, vítima de um golpe de baioneta espetada por um outro prisioneiro. O golpe, desferido do lado inferior esquerdo do pescoço, provocou-lhe morte instantânea e um certo alívio entre alguns dos seus colegas em M'telela que já andavam cansados das peripécias de Bazuca.
"A partir da morte de Bazuca começou a desvendar-se muita coisa em torno dos seus segredos e da forma como Simango e outros presos foram mortos. Mombola, apesar de na altura ser o coman­dante do Centro, era um homem calmo. Era apenas obediente às ordens de Lichinga e não queria problemas para ele. Bazuca não. Esse inventava ordens dele e até aldrabava Mombola. Alguns até ficaram felizes quando se soube que ficou preso em Lichinga. Quando chegou a notícia da sua morte, então é que se pulou de alegria por­que era daqueles que punia a torto e a direita lá no Centro. Alguns guardas tinham cicatrizes provocadas pelas punições dele e sempre que se envolvesse em problemas pessoais com pessoas em Lichinga, arranjava forma de trazê-las como presos em M'telela para maltratá-las. Quem me conta a história dele é um dos guardas lá de M'telela, pouco tempo depois que nos chegou a notícia da sua morte".
Precavendo possíveis transtornos por parte da esposa de Bazuca que certamente não tardaria a procurar saber junto da CIM em Lichinga das causas do silêncio do marido, e dado que esta não possuía filhos ou familiares próximos naquela cidade que pudessem reclamar o seu desaparecimento, a chefia da CIM entendeu "por bem" encaminhá-la à M'telela para visitar o marido "que estava passando alguns problemas de saúde!...". A senhora havia sido colocada na mesma palhota onde viviam Celina Simango e Lúcia Tangane. Foi executada no mesmo dia com estas duas.



segunda-feira, 17 de maio de 2021

MASSACRE DE INHAMINGA - RELATADO PELOS PADRES HOLANDESES DA MISSÃO DE INHAMINGA EM 4 DE MAIO DE 1974.

 Tradução do Holandês

MEMORANDO

Acerca dos actos de terror e dos massacres cometidos pelos Portugueses em e em redor de Inhaminga - Moçambique  no período de Agosto de 1973- Março de 1974.

I: Observações preliminares:

1. Os abaixo assinados deste Memorando:
José (A.P.J) Martens, Sacerdote
António (A.) Vardaasdonk (X) Sacerdote
João Mateus (J.M.) van Rijen (XX), Sacerdote 
André (A.K) van Kampen, irmão auxiliar
João Tielemans, irmão auxiliar da Congregação dos Sagrados Corações (PICPUS)  de origem holandesa a trabalhar durante o citado período naquela Missão de Inhaminga.
X desde 2-2-1972 
XX até 2-2-1974
declaram que os acontecimentos estão anotados conforme a verdade.
2.  Afim de não pôr em risco a vida dos Africanos citados neste Memorando, os seus nomes foram substituídos por outros, estes nomes estão sublinhados neste Memorando. Os nomes autênticos estão escritos e conservado sem arquivo confidencial da Congregação dos Sagrados Corações em Bvel (Holanda).
3. O seguinte Memorando é extraído de um diário acerca dos principais acontecimentos que tiveram lugar no período Agosto de 1973 a Março de 1974 em e em redor de Inhaminga, diário no qual tinha sido anotado tudo à medida que os acontecimentos se desenrolavam.
4. Este Memorando descreve os acontecimentos resumidamente e tem atenção principalmente as prisões, as torturas e os massacres.
5. Podemos determinar com bastante exactidão o lugar perto de Inhamingaonde se encontram as valas comuns em que foram enterrados os mortos em massa
6. Declaramos expressamente que existe o lugar de Inhaminga. Isto para o caso de, depois de publicarmos os massacres, o nome de Inhaminga - como o de Wiriamu em 1973 - vir a ser negado.
7. Estamos dispostos a testemunhar diante de todos e de cada um em particular, porque deste modo somos ainda capazes de servir o nosso povo como missionários, pela limitação drástica da liberdade de movimentos, o nosso trabalho em Inhaminga tornou-se inteiramente impossível.
8. Nós, missionários, esperamos que estes acontecimentos, descritos e anotados segundo a verdade, sejam publicados com a maior amplitude possível para que, pela sua publicação e pelos protestos que suscitam, possam evitar-se futuros massacres e práticas desumanas em Moçambique.
9. Não sentimos necessidade de provocar sensação. Simplesmente achamo-nos na obrigação de consciência de falar, tanto mais que é claro terem as autoridades eclesiásticas de Moçambique omitido até hoje a denúncia pública destas e doutras injustiças para com o africano.
10. Finalmente esperamos que, por falarmos, isso não acarrete, em maior número, perseguições e mortes a Africanos 

II: Acontecimentos e declarações:
Fim de Julho de 1973: recebemos a primeira notícia dum ataque da FRELIMO ao exército português  a uma distância  de 46 Kms de Inhaminga, junto ao cruzamento Mazemba -- Goronga e dum desvio para uma escola do mato de Nhansol, em que houve dois feridos entre os do  exército português.
Consequências: O exército começa a fazer pressão sobre a população. Há rusgas nascasas,interrogatórios, o chefe da povoação é mal tratado, suspenso pelos pés de uma árvore durante o interrogatório, em seguida é transportado pela DGS para a Beira. A fuga dos africanos, principalmente dos mais jovens, num só dia 14 rappazes de Nhansol foge para o mato para a FRELIMO devidoao que aconteceu.
16 de Agosto de 1973:A  FRELIMO em Massandze, ataca dois camiões do  exército com soldados portugueses, há três feridos da parte do exército português.
Consequências:Uma mulher e uma criança que, por acaso, voltavam da moagem e fugiam ao ver os soldados, são mortas a tiro. Os cadáveres são levados e enterrados no terreno do quartel de Inhaminga.
Além disso 6 homens, entre os quais o professor da escola da Missão, Carlito Chapa são presos e levados para um interrogatório.
17 de Agosto de 1973:Uma viatura com agentes da DGS é atacada a tiro pela FRELIMO a 80 Kms a sul de Inhaminga.
Consequências:Depois da chegada dos respectivos agentes da DGS os 6 presos do  dia anterior (16-8) são interrogados de novo. Cinco  deles são postos em liberdade depois de terem sido maltratados.  O sexto, o professor, com um braço deslocado é transportado para a Beira onde ficou durante mês e meio, tendo sido interrogado acerca de Massandze, Lundo e Inhaminga
28 de Agosto de 1973:João Tielemns é chamado ao edifício da DGS na Beira. Interrogtório acerca da FRELIMO, acerca das suas actividades de lavoura entre a população africana. Aceca do encerramento da Missão de Lundo, fim de Março de 1973. Acerca da posse de documentos a respeito dos massacres de Wiriamu. Não passa dum interrogatório.
Setembro-Novembro de 1973Tudo fica tranquilo na região com excepção de alguns pequenos incidentes. Chegam-nos cada vez mais notícias do mato acerca da formação de elementos para o movimento de libertação e acerca da mentalização do povo para a FRELIMO. Os portuguêses encontram oposição quanto ao levantamento dos chamados aldeamentos.
12 de Dezembrode 1973:O  pessoal africano, 18 pessoas no seu conjunto, da bomba de água da TZR (Trans  Zambezian Raillwais), junto  do rio Mazamba, das bombas da Nhamatope e de Muanza, transferido para Inhaminga nos fins de Novembro, é transportado para a Beira sem a mínima explicação. Nasceum grande medo entre o outro pessoal da TZR, Ainda mais pessoal é transportado para a Beira posteriormente.
29 de Dezembrode 1973:É entregue um bilhete no quartel de Inhaminga com a acusação de que as pessoas de Thombo esconderam comida e deram alimento aos guerrilheiros da FRELIMO.
Consequências:De africanos Chano Bengala e Luís Diniz são presos, também outros familiares são interrogados e durante três meses presos e torturados.
31 de Dezembrode 1973:A FRELIMOfaz explodiras bombas acima referidas em 12-12-1973, um comboio faz rebentar uma carga de explivos perto de Inharuca, um outro comboio é atacado. Nasce um grande pânico entre os brancos.
O comboio da TZR dinamitado em Inharuca

3 de Janeiro de 1974:A FRELIMO ataca a bomba de água da Administração de Inhaminga.
Consequências:O exército prende várias pessoas dos arredores, como Rocha Nhamnoca, Nham Vaz, José Cheka, ete... para interrogatórios.  São torturados pela DG. Entretanto a DGS estabeleceu-se definitivamente em Inhaminga. Os seguintes agentes da DGS são-nos conhecidos por estes nomes: pepe, Afonso, Libertino, Carneiro.
5 de Janeiro de 1974:O Superior da Missão Padre José Martens, é chamado pela DGS. Antes djo interrogatório consegue falar com o chefe de Massandza que está preso. Este declara que está a sfrer horrivelmente. O Padre José ouve também os gritos de terror de mulherres que estão a ser torturadas nas trazeirasda esquadra da polícia. Quando o chefe da polícia, o sr. Gorgulho, se apercebe da presença do Missionário, manda alguém com ordem de interromper o interrogatório.
13 de Janeiro de 1974:Na medida em que as actividades da FRELIMO vão aumentar, são presos e interrogados cada vez mais africanos. Deste os africanos encontram sempre  maiores dificuldades.
O processo do interrogatório torna-se cada vez mais refinado pelo uso de um aparelho com o qual se dão choques eléctricos às vítimas nos sítios mais sensíveis do corpo: ouvidos, cabeça, seios, etc... pelos espancamentos com cintos, paus, matracas de borracha, até as pessoas caírem feridas e sem sentidos, por pisaduras das mãos e dos pés de presos tombados pelo espancamento e também por pontapés em outras partes do corpo.
21 de Janeiro de 1974:Várias crianças.entre outras Tembo Lole, de oitoanos e meio, são presas e interrogadas por agentes da DGS a fim de chegarem a saber se os pais dão alimentação ao guerrilheiros e se os guerrilheiros já estiveram enm suas casas.
O método é extorquir afirmações que contenham acusação por meio de choques eléctricos é aplicado também a estas crianças.
Um rapaz de cerca de 14 anos disse, depois de ter sofrido um tal tratamento: "Doravante já não tenho medo dos Brancos"
23 de Janeiro de 1974:A FRELIMO ataca o quartel de Inhaminga. O exército não consegue apanhar nenhum dos assaltantes.
Consequências:Quando, de madrugada, às 5h30, passam dois africanos pelo quartel a caminho do trabalho, são mortos a tiiro, à queima-roupa. São eles Cravo, ajudante de pedreiro que trabalha por conta do fiscal da madeira da Vila e Catemo, pintor da TZR.
Os cadáveres dos dois africanos abatidos ficam expostos durante muito tempo  a fim de convencer a população branca de que o exército se esforça e para servir de aviso aos africanos.
Gera-se um estado de pânico entre os brancos, que querem virar-se contra a missão e, pretendem destruir a bomba de água da missão, isto pôde ser evitado com o argumento de que muitas famílias de Inhaminga ficariam privados de água potável. O Governador da Beira, imediatamente depois do ataque ao quartel de Inhaminga pela FRELIMO, chegou à Vila e o povo branco pede-lhe que tome medidas contra os missionários. A população branca apresenta as seguintes acusações: a Missão é um ponto de apoio para os guerrilheiros, estes escondem-se lá, lá se encontram depósitos de armas e munições,um guerrilheiro ferido é lá tratado.Segue-se uma busca à casa. Depois de revistados minuciosamente todos os edifícios durante três horas, nada se encontra que possa comprometter os missionários. Na casinha da viúva Memba Chale, que se encontra no terreno da Missão, acham-se peças da farda de seu filho Adolfo Renco, que há pouco acabou a tropa. Levam-no e sujeitam-no a longos interrogatórios. É posto em liberdade a 25 de Janeiro de 1974
Ruínas do quartel de Inhaminga

26 de Janeiro de 1974:O Padre José Martens é chamado pelo Administrador de Inhaminga que o notifica de que os missionários já não podem sair da parte urbanizada da Vila. Praticamenteisto significa prisão domiciliária.
28 de Janeiro de 1974:Nhamataka Miti, de dez anos de idade, que esteve preso durante cinco dias por ter sido encontrado a conversar com dois outros rapazes numa loja, foi posto el liberdade. Vem à Missão para pedir tratamento de um dedo cuja unha foi arrancada, e de outras feridas que lhe infligiram.
6 de Fevereiro de 1974:O padre José Martens teve, na Beira, uma conversa com o Administrador Apostólico da Diocese, D. Francisco Nunes Teixeira, a que relata novamente tudo o que se passa na Missão de Inhaminga. Depois o Padre dirige-se, juntamente com o Vigário Geralda Diocese, Padre José de Sousa, ao Governador do Distrito a fim de protestar contra os maus tratos infligidos à população africana pelos brancos e pela DGS.
Tudo sem o mínimo resultado.
7 de Fevereiro de 1974:Uma patrulha do exército vê, junto das lojas de Condue, fugir  alguns homens que são tidos por guerrilheiros. Ao persegui-los os soldados vêm um homem, guarda de um armazém de madeiras perto da estação, sentado diante da palhota, Zeca Thombo, juntamente com a mulher Farenca Thombo, sua cunhada Flora Thembo e os filhos Carlos, Rita, Rufa e Chana,
O homem apanha um tiro no braço, a mulher é morta, cunhada foge com um tiro na perna.
Os soldados levam o homem ferido e a mulher morta para dentro da palhota que incendeia. Quando o homem tenta escapar através duma tábua arrancada é descoberto de novo pelos soldados eestes disparam-lhe um tiro no lado  direio do peito e espancaram-no até o deixarem meio morto. Não lhe dão o golpe de misericórdia porque pensam que já está morto.
Os soldados retiram-se, mas algumas pessoas dos arredores salvam o homem que é transportado para o hospital de Inhaminga.
9 de Fevereiro de 1974:O director da fábrica de cimento de Nova Maceira, engenheiro Gois, durante uma visita à pedreira da Muanza, vê lá os cadáveres de 12 africanos mortos por soldados brancos e que estão expostos para meter medo aos nativos. O  engenheiro Góis fica também a saber que no mato, atrás da pedreira, um número terrivelmente elevado de pessoas teria sido assassinado pelo exército e pela guarda civil(OPV). Fala-se em mais de 3000 mortos. O engenheiro Góis faz ver ao senhor Jacinto, responsável português pela pedreira, que isto assim não pode continuar.
10 de Fevereiro de 1974:O senhor Jacinto e a sua mulher são mortalmente alvejados ppelos guerrilheiros quando regressam a casa numa viatura. Dois militares, que vão atrás na mesma viatura, ficam feridos.
12 de Fevereiro de 1974:O chefe de Souce, Chico Romão, é preso juntamente com alguns outros homens e interrogado com as costumadas torturas porque se acha suspeito que até agora nada de especial tenha acontecido na sua aldeia.
Durante o interrogatório o chefe perde os sentidos. Exigem dele que mande o seu povo para os aldeamentos.
Luís Nhaquita, um africano que tinha uma progressiva lavoura também na sua casa e os seus campos no espaço de sete dias.
13 de Fevereiro de 1974:Três operários da serração de José Mendonça Teixeira  são alvejados a caminho de casa por soldados que estão dentro de um comboio. Um fica ferido na cabeça e um outro no braço.
14 de Fevereiro de 1974:Catarino Bramo, a mulher de Rengo Charengi, que reside  junto ao campo de aviação , é violada por dois soldados quando se encontra sozinha em casa.
16 de Fevereiro de 1974:Dois camiões carregados de homens, mulheres e crianças de Matondo e Cherimadzi são levados para o quartel de Inhaminga. Todos são interrogados. As mulheres podem regressar a casa, a pé, no  dia 17 de Fevereiro, os homens têm que ficar.
17 de Fevereiro de 1974:Todas as casas e palhotas em Tutu são incendiadas pelo exército. As pessoas fogem sem poder salvar nada dos seus haveres.
18 de Fevereiro de 1974:Sabemos na Administração que os chefes de Nhaminga, Chiquire, Nhansol, Muanandimai, Goinha, Nhatadze e de toda a zona de Goronga desapareceram. Supõe-se que fugiram para a FRELIMO com toda a sua gente. Trata-se mais de 12.000 pessoas que se internaram no mato.
A DGS de Inhaminga quer desfazer-se de uma parte dos presos que se amontoaram na prisão do exército e na da DGS durante as últimas semanas. 
Segundo uma estimativa, 35 africanos, entre os quais os presos do dia 16 de Fevereiro de Matondo e Cherimadzi, são metidos num camião e transportados para um sítio no mato à beira do caminho que passa por detrás do hospital de Inhaminga na direcção de Thombo la Mphale e Massandze, enquanto um buldozzer procura um caminho na mesma direcção passando pelo campo de aviação. Naquele sítio é aberto uma grande vala pelo buldozer e dentro dele são fuzilados e soterrados os homens. O transporte, a deslocação do buldozer e o fuzilamento são executados dos pelos soldados do exército..
Soldado do Batalhão de Artilharia 6221 em Inhaminga

20 de Fevereiro de 1974:De novo são transportados uns 30 homens num camião na direcção de Massandze  e Thombo la Mphale,, a fim de lá serem mortos também.Tudo se passa como da primeira vez, Entre eles se encontram homens e rapazes oriundos de Inhaminga, Muanza, Massandze, Mbawa, Codze, Nhamabere, etec...
22 de Fevereiro de 1974:Às 14 horas habitantes brancos, novamente, tal como em 21 de Fevereiro, dirigem-se para o edifício da Administração de Inhaminga para manifestar-se contra a Missão. À apresentação de uma petição segue-se uma reunião que se prolonga até à 21 Horas. O governador do Distrito afirma não ter motivos que incriminem o pessoal da Missão, dados os resultados negativos da busca à Missão e dos muitos interrogatórios.
23 de Fevereiro de 1974:Outra vez sai um camião, transportando pelo menos 48 pessoas, para o mesmo sítio no mato, através do hospital, entre os caminhos para Massandze e Thombole Mphale. Os presos são fuzilados. Uma companhia de Comandos vem reforçar a força do exército e põe as suas tendas junto da estação dos caminhos de ferro de Inhamatinga, 27 Kms ao norte de  Inhaminga, apartir de onde começa as suas operações entre a população africana.
Deste modo a força total do exército cresce até aos 1.500 homens, entre forças do exército normal (400) homens, paraquedistas (240 homens) Comandos (120 homens), guarda civil (80 homens) e as milícias (650 homens), tudo isto pelo bemm de 1.1100 brancos e controle de 45.000 africanos.
Este era o símbolo da Companhia de Comandos que actuou em Inhaminga

2 de Março de 1974:Através dum intermediário que trabalha na Administração conseguimos saber , com muita dificuldade, os nomes de algumas pessoas que foram mortas no fuzilamento que continuam a repetir-se ainda no mato.
Contra eles se encontram: o nosso professor de Dimba, Lwanga Manuel Chombe. Mais: Luís Vontade e dois filhos, José Chidanga, filho do régulo morto antes dele. Jone Sampaio, o régulo Santove, Manuel Penge, Jorge Maio, Chale Nkalamu, Nicolau Alfâdega, José Candeado, Sande Nensse. Alémm destes homens que antes disso tinham sido transportados do Dondo e de Mafambisse para Inhaminga.
7 de Março de 1974:De manhã cedo o povo branco dirige-se ao quartel dos paraquedistas para vir admirar cinco guerrilheiros mortos e dois presos e as suas armas numa euforia vitoriosa.
Às 11h30 os civis oferecem um almoço aos vencedores e às suas autoridades.
O régulo Pangacha é tirado da prisão da DGS para identificar os mortos e os vivos. Não quer dizer os nomes apesar de ter aos pés, entre os mortos, dois dos seus filhos, Domingos Moisés Pangache e Moisés Pangache.
Também a sua filha já casada, Bastiana Moisés Pangache, que levava todos os dias alimentos a seu pai, foi trazida de casa para identificar os corpos. Ignorando que  o pai se recusara a fazê-lo, ela, que reconhece os seus dois irmãos, dá os seus nomes a conhecer.
A seguir também ela é presa e posteriormente fuzilada  juntamente com seu pai, os dois guerrilheiros sobreviventes e mais alguns outros presos. O régulo Pangacha,embora ferido mas ainda vivo, é soterrado na vala comum.
7 - 10 de Março de 1974:Operações militares são executadas na região onde estão situadas as aldeias do régulo Pangacha, isto é, Nhamatope, Massandze, Ntoto, Nhamabere, Nhaduwe, Mphepe. Forças de terra e do ar com helicópteros e bombardeiros, tomaram parte na operação.
É assaltado mas com pouco êxito, um acampamento de guerrilheiros, são incendiadas, sim, muitas palhotas. Grande parte do povo consegue fugir para o mato, outros são assassinados. Poucos são levados prisioneiros para Inhaminga.
Nos bombardeamentos usa-se napalm.
15 de Março de 1974:Mais uma vez sai um camião cheio de presos para o lugar já conhecido, para lá serem assassinados da mesma maneira.
16 de Março de 1974:O Superior da Missão, padre José Martens, regressa duma visita às outras Missões, de avião. Em Inhaminga discute a situação com o padre António Verdaasdonk e os irmãos André van Kampen e João Tielemans.
À tarde entra em contacto com as Irmãs africanas, naturais da Rodésia, que também trabalham na Missão de Inhaminga, para lhes pedir opinião. A seguir há uma reunião dos missionários e missionárias, na qual se chega à decisão de que todos se retirarão de Inhaminga.
As razões são as seguintes:
-- O africano que sofre e morre já não tem voz para falar, por isso as injustiças que se lhe infligem devem ser publicamente denunciadas por nós.
-- A Igreja católica nada faz e envolve-se no silencia, co excepção do Bispo de Nampula, José Manuel Vieira  Pinto, por isso a igreja tornou-se cúmplice do tratamento desumano do africano aqui e noutros lugares.
D. Manuel Vieira Pinto. Bispo de Nampula

-- Nós os missionários, não podemos falar aqui por falta de apoio das autoridades eclesiásticas, de maneira  que não há outra coisa a fazer senão levntar a voz fora das fronteiras de Moçambique.
-- Pela muito pouca liberdade de movimento e por outras motivações que nos foram impostas, pelo medo dos africanos de entrar em contacto connosco tornando-se assim suspeitos, a nossa presença aqui em Inhaminga perdeu todo o sentido.
-- Os africanos sabem agora que já não podemos dar-lhes protecção. Por isso também já não a procuram junto de nós e não querem causar-nos ainda mais dificuldades.
-- Também já não podemos fazer nenhum bem à população europeia , o quese manifestou claramente na sua hostilidade para connosco.
-- Afinal abusa-se da nossa presença como igreja e como sacerdotes de uma maneira descarada, apenas para manifestações militaristas e patrióticas, cujo aparato religioso serve para encobrir actividades e acontecimentos criminosos.
Decide-se a partida para Inhaminga.
Isto é comunicado ao Administrador Apostólico da Diocese,D. Francisco Nunes Teixeira e ao Vigário Geral Padre José António de Sousa que conforme um convite feito já anteriormente, vieram a Inhaminga por causa da situação precáriaria

Colonos

17 de Março de 1974:Às  17 horas o ser. Bispo, o Vigário Geral e o Superior da Missão, padre José Martens, visitam o sr. Administrador para lhe comunicar que a Missão de Inhaminga vai ser fechada.
São memoráveis dois pontos desta conversa:
-- O facto de o sr. Bispo não tomar uma atitude clara durante a conversa torcendo a história de modo a dar a impressão de que os missionários saem contra a vontade do Bispo, embora este no dia anterior tivesse concordado inteiramente com a decisão dos missionários.
-- A ideia fixa do sr. Administrador: a atitude neutra da Missão e do Superior, pela qual os missionários não tinham escolhido o partido dos europeus, nem tinham querido colaborar na fundação dos aldeamentos. À qual o Vigário Geral respondeu: O Superior é amigo de todos com pele nrgro,inimigos aos olhos do sr. Administrador, por isso é que lhe chamam neutro.
19 de Março de 1974:Mandámos vir da Beira avionetas para pôr em segurança as Irmãs e alguns africanos da Missão.
Nós próprios partimos da última avioneta.
Antes de partirmos aparecem na Missão o chefe da Polícia, o sr. Gorgulho, o comandante das Milícias, o sr. Teixeira, dois informadores da DGS, os srs. Faria e Costa e Silva, e um pequeno grupo de Cipaios e Milícias, que provavelmente nos querem "proteger".
A presença de tantos "poderes" mete medo aos africanos que se retiram sem se poderem despedir de nós.
Enquanto esperamos pela avioneta passam ainda três camiões cheios de homens e rapazes , a caminho da prisão da DGS, distanciada uns 700 metros da pista.
Pilares da antiga sede da PIDE/DGS

Fim de Março -- Abril de 1974: Durante a nossa estadia na Missão do Dondo, aguardando a partida para a Holanda, ainda ouvimos que:
--foram assassinadas as seguintes pessoas em Inhaminga:
os dois irmãos Jorge e Quéu António Sapateiro;
os dois irmãos Manuel e Lourenço Espanhol:
Francisco Sales;
Albino, o fiscal dos contadores da água da Administração e;
Vontade trabalhador dos caminhos de ferro.
-- No princípio da Semana Santa um grupo de paraquedistas perseguiu o povo que tinha fugido de Muanza  em direcção à serração de Chinapaminba e de Chinaazimw. Foram assassinados todos os homens e rapazes, as mulheres e crianças foram levados para Muanza.  O comandante zangou-se com os soldados, pois achava que também aqueles deviam ter sido mortas. As mulheres e crianças foram levada para o Dondo.
-- O Vigário Geral da Diocese da Beira, Padre José de Sousa, verifica durante a sua visita a Inhaminga em 19 a 22 de Abril, que nada mudado na horrorosa situação, continuava-se a matar e a prender.
A população que fugiu é avaliada em 35.000 pessoas, gente, portanto, que procura de todas as maneiras uma saída.
-- No mês de Abril uma das altas patentes militares de Nampula visita os túmulos já mencionados, verifica que sob a influência das chuvas, a terra que cobria os corpos tinha começado a subir.
--- Muitos militares exprimiram o seu horror perante as repugnantes condições dos camiões que voltam das execuções, sujos de urina e fezes.
Conscientes do que vai acontecer, os presos, na sua agonia, perdem todo o controle sobre as funções físicas.
O sr. Espanhol, motorista da Missão. Viu morrer assassinados dois irmãos.

Memorando foi composto conforme a verdade em BAVEL -- HOLANDA, no dia 4 de Maio de 1974

Assinam:
José (A.P. J. ) Martens
António (A.) Verdaasdonk
João Mateus (J.M.) van Rijen
André (W.J.) van Kempan
João (J.H.M.) Tielemans






































































































































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