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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

"MATA-BICHO" DA CCAÇ 1558 EM NOVA VISEU DE MAIO A JULHO DE 1968.

Quando a 14 de Fevereiro de 1968, o meu G.C., comandado pelo Alferes Monteiro saiu de Nova Coimbra integrado no 1º escalão do BCAÇ 1891 a caminho do Alto Molócué (Zambézia) onde chegámos a 18 do mesmo mês, pensávamos que estávamos livres do pesadelo da guerra em Nova Coimbra, Lunho e Miandica.
Recordo que no dia seguinte à nossa chegada assistimos, no Club local, aos festejos do Carnaval.

19 de Fevereiro de 1968. 3ª Feira de Carnaval no Club do Alto Molócué
Como foi inevitável eu e o Alferes Monteiro fomos ao ao Ile-Errêgo  visitar os nossos bons amigos locais, sendo primeiramente recebidos pelo Zé Rodrigues e depois pelo Marques o então chefe dos Correios naquela localidade. Pelo Marques e por sua esposa foi-nos oferecido um opípero jantar,
Nessa noite pernoitei na casa da família do sr. Pereira e o Alf. Monteiro pernoitou onde mais gostava, numa palhota....
Já com a 1558 instalada no Alto Molócué, a pedido do alferes Pontes voltei às origens, integrando o seu GC. (Eu e o Alferes Pontes, desde os tempos da Metrópole não nos entendíamos e o Capitão Delgado achou por bem bem, logo após a nossa chegada a Moçambique, transferir-me para o pelotão do alferes Monteiro).
Recordo, como poderei esquecer o fatídico dia de 24 de março de 1968 onde, num desastre de viação perderam a vida o Higino Cunha e o Zé Martins.
Já integrado no pelotão do Alferes Pontes, nos primeiros dias de Abril fomos destacados para o Gurué onde estivava CCS do Batalhão. Aqui, a nossa missão era passar uma semana em Lioma, onde se trabalhou bastante e outra semana no Gurué. E assim sucessivamente....
No Gurué, como é do conhecimento como é do conhecimento de quem por lá passou, era diversão: A piscina, o Clube local, visitas às fábricas de chá, jantaradas de marisco no restaurante do Aeroporto e muita actividade nas inúmeras "boites" existentes nos arredores da vila, feitas de capim e colmo.... Aqui um Furriel do pelotão teve um percalço, porquanto não se cuidou....
Depois do "Céu" adveio o "Inferno" e a 8 de Maio de 1968, quando já tínhamos terminado a Comissão, recebemos ordem para regressar ao Molócué.

Ao chegar a esta localidade deparei com a companhia revoltada e altamente desmoralizada, mas como sempre foi uma Unidade disciplinada e trabalhadora, acatou sem problemas a autoridade do Capitão Delgado.
Acontecera que fora determinado que 3 Grupos voltavam para o Niassa para a intervenção. Foi decidido que o GC que ficava no Molócué era o do Alf. Monteiro. Não concordei e fiquei deveras irado. Fiz saber junto do Capitão as minhas razões pelas quais pensava, e ainda penso, que não era justa a minha ida para a intervenção. O meu argumento era que tinha feito grande parte da comissão (a totalidade em Nova Coimbra e Miandica) integrado no pelotão daquele oficial, do qual saí já no Alto Molócué e a convite do Alf. Pontes. De notar que no pelotão do Alf. Monteiro tinham ingressado dois "Chekas".
Apesar dos meus veementes argumentos e desmoralização e o facto dos chekas somente terem chegado à companhia em Janeiro de 1968, o Capitão foi irredutível na sua decisão argumentando que precisava a seu lado de Furrieis experientes.
Assim, a 11 de Maio os três Grupos de Combate, comandados pelo Capitão Delgado, saíram do alto Molócué com destino a Iapala onde, de comboio seguimos até ao Catur e depois, em coluna auto, rumámos a Vila Cabral..
Estação ferroviária de IAPALA. Quem a viu e quem a vê.
Toda a viagem foi muito atribulada, uma vez que as tropas estacionadas no percurso, nomeadamente Nova Freixo, Catur e Messangulo, onde se situava o "célebre caracol", não entendiam a razão de nós, após três meses de termos saído do Niassa e já com a comissão terminada, termos voltado para Vila Cabral para actuar na intervenção. Corria o boato, o maldito boato que fere como uma lâmina, que o Higino Cunha tinha sido assassinado e por isso a companhia fora castigada. Esta atoarda doía-nos bastante e não a conseguíamos vencer porque poucos ou nenhuns acreditavam na nossa versão, a verdadeira. O Furriel Cunha morrera de desastre de viação, como atrás referi.
Os três G.C. ficaram instalados durante alguns dias em Vila Cabral, onde o tal Furriel, "que não se cuidou" no Gurué, se encontrava em desespero total, uma vez que a medicamentação não sortia o efeito desejado, piorando de dia para dia. Valeu-lhe uma injecção de Penadur 600 que o fez arrastar uma perna durante dias, para gáudio dos seus companheiros.
Entretanto, encontravam-se em Vila Cabral algumas companhias de Chekas, que já tinham ouvido falar do tal boato do Cunha.
Na Messe de Sargentos os Furriéis dessas companhias olhavam-nos com espanto e de soslaio.
Na verdade, o aspecto que apresentávamos e os diálogos que mantínhamos não eram os melhores. Gozávamos com a sua inexperiência e perplexidade.
Como Kokuanas (Velhos) sentíamos-nos no direito de fazer as refeições na 1ª mesa. Eles os chekas (Novos) raramente respeitavam o nosso direito. Fomos avisando: vocês querem "maningue milando" (muita zanga) e vão tê-lo. E tiveram mesmo. Num belo dia quando entrámos na messe a mesa já estava ocupada. Num impulso virámos esta de perna para o ar com toda a refeição a ser derramada sobre as pernas dos chekas. Acabou em definitivo o "milando" mas, não nos livrámos de uma forte reprimenda do nosso capitão.
Os chekas abandonaram Vila Cabral onde nós ainda permanecemos alguns dias fazendo patrulhas com os nossos amigos da 4ª Companhia de comandos.
Entretanto, rumámos até Nova Viseu onde fomos confrontados  com uma realidade a que não estávamos habituados. Ao chegar ouvimos com estupefacção, o Capitão Marques da Silva, comandante da Companhia residente a  CART 2374 aos berros a ordenar: fechem tudo não há nada para esses gaijos. Ficámos perplexos com tal recepção. E de facto nada tivemos até ao dia da nossa saída em 27 de Julho de 1968. Dormíamos no chão em tendas cónicas. Só podíamos comer na messe depois dos oficiais e sargentos da companhia residente terminassem as suas refeições e estes não nos emprestavam os pratos e talheres e por isso utilizávamos as marmitas dos nossos soldados depois de estes terem comido. 
Oficiais e Sargentoa da CART. 2374, na sua Messe. 
O dinheiro tinha-se esgotado em Vila Cabral e há muito que não recebíamos o soldo e o correio, por isso não podíamos frequentar a cantina para beber seja o que for. Foram algumas semanas de total abandono e desespero e por isso a moral desmoronava-se em grande velocidade. face a este quadro o capitão resolveu alugar às nossas expensas um Táxi-Aéreo e ir a Vila Cabral resolver definitivamente o problema do dinheiro e do correio.
Nova Viseu, o poço onde lavávamos a nossa pouca roupa.
Para elevar o moral do pessoal, o capitão Delgado juntava à noite, o pessoal na parada para várias cantorias, entre elas o famoso "HINO DO LUNHO" onde o ESTOU FARTO DELES saia do fundo dos nossos peitos, com total estupefacção dos Chekas. Mas o mais paradoxal era nas noites quentes do Niassa quando entoávamos o TOMBE LA NEIJE de Adamo.
A nossa actividade em Nova Viseu está bem expressa na crónica intitulada A CCAÇ 1558 EM NOVA VISEU, publicada na crónica anterior a esta. Entre elas destaco uma em que consistia em acompanhar um oficial de Engenharia que ia estudar um determinado ponto do rio (?) para a construção de uma ponte a qual, presumo eu, iria encurtar a distância entre Vila Cabral e Tenente Valadim. A passagem para a outra margem era difícil e perigosa. O rio tinha pouca água, mas era muito rápidoe o seu leito estava repleto de pedregulhos.
Havia hesitações e receios na passagem para a outra margem, pois é bom recordar que já tínhamos 27 meses de comissão. Depois de muito silêncio compreensivo, eu num assomo de "parvoíce", ofereci-me como voluntário para atravessar o rio e criei assim condições objectivas para que o trabalho de engenharia fosse efectuado.


O Carvalho com o armamento apreendido em Nova Viseu.
Depois de uma barragem de fogo para a outra margem, colocaram-me uma corda à cintura de modo a que se eu escorregasse num pedregulho não seria arrastado pela corrente. Depois de chegar à outra margem amarrei a corda a uma árvore e o pessoal fez a travessia do rio em segurança.
Depois do "paraíso" do Ile-Errêgo e dos "infernos" de Nova Coimbra e Miandica, resistimos, apesar de mal alojados e alimentados e psicologicamente bastante frágeis, ao pesadelo de Nova Viseu sem quais quer baixas e com vário armamento apreendido e muita população recuperada, com destaque para o meu G.C. 
A 27 de Julho de 1968, saímos de Nova Viseu em coluna auto, e para nossa surpresa embarcámos no comboio bem perto de Vila Cabral (talvez fosse em Nova Madeira) com destino a Iapala.
Chegámos a 29 de Julho exaustos, sujos, esfomeados. Sentei-me com a G3 sobre mim nas escadarias do Clube local. A descer as escadas um jovem que me olhou com desprezo. Fiquei de tal forma indignado que por muito pouco não lhe dei um tiro. Melhor para mim. Mas, não esqueço.
Nesse dia chegámos ao Alto Molócué, cansados, tanto física como psicologicamente, mas ao sabermos que a 11 de Agosto embarcávamos de regresso a Portugal, rapidamente superámos as nossas maleitas.

Ainda houve tempo para o alferes Pontes oferecer um jantar de despedida ao G.C. com o dinheiro que foi ganho com a captura das armas apreendidas.
O pouco tempo que nos restava só deu para embalarmos os nossos haveres e partir para Nacala onde nos esperava o Vera Cruz que nos trouxe de regresso a Lisboa onde chegámos a 4 de Setembro de 1968.


































segunda-feira, 12 de agosto de 2019

MIANDICA TERRA DO OUTRO MUNDO. MEMÓRIAS DE QUEM LÁ ESTEVE:

MIANDICA TERRA DO OUTRO MUNDO. MEMÓRIAS DE QUEM LÁ ESTEVE:


NO VÍDEO, ESTÃO TESTEMUNHOS 
DE QUEM POR LÁ PASSOU. NELE PODEM OUVIR COMO A SANTA DE MIANDICA LÁ CHEGOU

                  Texto escrito por
Eduardo Carvalho
Furriel Milº da CENGª 1531

Enquanto decorriam os trabalhos na Picada NOVA COIMBRA-LUNHO a "minha" secção recebeu ordem para se deslocar para MIANDICA, onde iria ser construído um Aerodrómo e melhorar a segurança do acampamento ali existente, cujo residentes era um Pelotão da CCAV 1507. Os trabalhos de aterro demorou pouco tempo, visto que havia muita profissionalização entre nós a manobrar as máquinas. De repente e quando passávamos para o outro lado dum riacho, cujo leito estava seco e, onde já estavam as máquinas, apareceu o Serafim a gritar que não via os camaradas que manobravam as máquinas. De imediato corri para junto das máquinas e qual não foi o meu espanto quando me vi envolvido por um enxame de abelhas. De tal forma fui "atacado" que tive de ser evacuado para NOVA COIMBRA. Passados poucos dias regressei a MIANDICA
MIANDICA destroços duma DO 
Foi um pesadelo, para nós, a construção do aerodrómo era contrária aos interesses da Frelimo e, esta tudo fez para neutralizar a obra. . Recordo a voluntariedade do Serafim, quando na pista estávamos a ser atacados e as munições da bazuca estavam a acabar. O Serafim com coragem  correu para o acampamento, voltando com um saco cheio de munições. Com ele vieram 2 soldados da CCAV 1507 que foram rendidos em Março de 1967 por um Pelotão da CCAÇ 1559. Durante este tempo só fomos reabastecidos 2 vezes por helicóptero, visto que por terra era impossível. Podemos dizer que passámos fome durante vários dias.

As Companhias de Caçadores 1559 e 1558 em Miandica
Texto do Livro:  Moçambique Memórias de um Combatente   
 Por:  Manuel Pedro Dias
Furriel Milº da CCAÇ 1559
         
A CCAÇ 1559 foi a primeira Companhia do BCAÇ 1891 a enviar tropas para Miandica
 Vindos do Molumbo,no Distrito da Zambézia, a CCAÇ 1559, recebeu ordem para se deslocar para o  Distrito do Niassa.De comboio viajaram até ao Catur onde,tiveam a primeira realidade com a guerra. Em coluna auto rumaram até Meponda,que se situa nas margens do Lago Niassa.Daqui a 1559 foi transportada em lancha da Marinha (LDM)para o Cóbué destino final da Companhia.Durante a viagem o Cap. Veiga deu ordem ao 1ºPelotão para desembarcar em NGO 

e de onde seguiriam a corta mato para MIANDICA onde iriam render o pessoal da CCAV 1505. O desembarque foi atribulado.A voz do Comandante da Lancha fazia-se ouvir:
RÁPIDO!!!RÁPIDO!!!! 
A 1559 a celebrar em Miandica (1967) o 1º Aniversário da sua Comissão
Ali, ficaram entregues ao seu destino quarenta "bravos", que iriam enfrentar uma das duras experiências das suas vidas. Como "bagagem", levaram a inseparável G3, duas catucheiras, cantil e saco de campanha com pano de tenda e e duas rações de combate,peso este já excessivo para quem tinha de enfrentar uma caminhada de dois dias através de percurso sinuoso,difícil e perigoso.
Finalmente avistámos Miandica. Era perfeitamente perceptível a vozearia que nos chegava de destacamento que, entretanto, fora alcançado. A recepcionarem-nos, não faltaram as tradicionais "camaras de TV feitas com com caixas de ração de combate,e "jornalistas" com "microfones" construídos com latas de conserva.
Mas nós, alheios a toda esta alegria, lançámos um olhar pelo acampamento a verificar as condições em que iríamos viver durante dois meses.
Oh!!! meu Deus o que vimos!
Ao fundo o local da "caserna"
 Uma espécie de casa, exígua, sem reboco, cujos buracos serviam de refúgio aos parasitas, destinava-se a abrigar o Comando, arrecadação dos géneros alimentícios e postos de Enfermagem e de Rádio.   No centro do destacamento,mais parecendo um "monumento", seu ex-libres, encontravam-se os destroços os destroços duma velha DORNIER que tempos antes ali tinha caído. A seu lado, um conjunto unido de toscos troncos servia de porta a uma escavação, que nos disseram ser o paiol das munições. Intalações sanitária eram inexistentes e os Postos de Sentinela em número de quatro, e colocados ao nível das barreiras, tinham também a cobri-los velhas e ferrugentas chapas. Os dias, vazios, decorriam vagarosamente. Já mais resignados fomo-nos adaptando à nova realidade.

Furriel Dias junto aos destroços da Dornier
Os reabastecimentos ao destacamento ra efectuado pela Força Aérea,dado que as colunas auto-auto só tinham lugar com meses de intervalo, face à grande envergadura de que se revestiam.
As DORNIER, em voo rasante, lançavam na improvisada pista, os géneros alimentícios, correio, tabaco etc....Todos os que andaram na Guerra sabem que a chegada do correio era um excelente tónico para leventar o moral da rapaziada. A nossa correspondência ía para o Cóbué e daqui era muito difícil enviá-la para Miandica.Tal facto, originou que que estivéssemos três semanas sem receber correio.
A dada altura, a alimentação do pessoal começou a deteriorar-se de dia para dia.No "depósito de géneros"apenas restava uma mísera carne de porco conservada em barricas com sal,uns bolorentos pacotes de massa e pouco mais, ou nada.Esta situação agravou-se dado que, durante oito dias, o pessoal entrou em subalimentação quase total, o que levou os mais fracos a tentarem praticar actos de verdadeira loucura, sendo impedidos de fazer pelos camaradas mais lúcidos.
Perante a nossa insistência, via Rádio, dando conta da situação, em certo final de tarde começámos a ouvir os roncares dos motors da avioneta. Foi o delírio no acampamento. A Dornier em voo rasante lançava sobre a pista a carga que nos era destinada.
Mas, com terra ou sem terra, naquela noite houve alimentos frescos. No dia seguinte tivemos que consumir o restante, dada a falta de frigoríficos.
Ida á água em Miandica uma grande preocupação
O abastecimento de água era outra grande dor de cabeça, visto o percurso até ao rio, que corria a cerca de um KM, ser bastante perigoso e a segurança ser feita apenas com uma secção, ficando os restantes a assegurar a defesa do destacamento. Além disso, uma outra secção estava incumbida de prestar apoio à máquina de Engenharia,que laborava no prolongamento da pista., foi atacada violentamente com intenso tiroteio de armas automáticas,vindo do interior da mata. Dada a progressão dos homens ser em campo aberto, pois avançavam na pista, receou-se o pior, até porque o inimigo tinha iniciado este ataque convicto que teria granse sucesso,visto que os nossos militares serem um alvo fácil.
Mas, bravos foram os nossos homens os quais, ripostando ao fogo do inimigo, e com a ajuda daqueles que se encontravam no destacamento,entretanto também fustigado em todas as direcções, conseguiram calar as armas adversárias.
Minutos depois entravam para cá das barreiras os nossos camaradas emboscados. Foi um momento ímpar e emocionante aquele. 
Perante o que vivemos e presenciámos em Miandica, quase somos levados a crer que a carta que Mouzinho Albuquerque escreveu em Moçambique,dirigida ao Príncipe D. Luís,foi pensada em termos de futuro e que se queria referir,certamente,àquele punhada de bravos que viveram em Miandica-

O Último soldado português morto em Miandica
Texto escrito por:   
António Carvalho
1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 1558

Fiz parte do último grupo da Companhia Caçadores 1558 que foi destacado para Miandica.
Não vale a pena descrever as más condições, a todos os níveis, que lá passámos nos 3 meses que durava o destacamento, pois isso é do conhecimento de uma grande parte dos ex-militares que compunham o Batalhão de Caçadores 1891. Desde a falta de comida, correio, por vezes munições e tabaco, que foi muitas vezes a nossa única companhia.
Mas vou descrever um episódio, o último naquele lugar longe de tudo.
No dia 25 de Fevereiro de 1968, estava para chegar o novo grupo de combate que nos ia substituir, para podermos regressar a Nova Coimbra já que o nosso tempo de comissão estava a terminar.
Antes da chegada, combinado com todos os elementos, o alferes Quintas, que substituiu o alferes Sancho por ter sido ferido em combate, resolveu pregar uma partida aos “Checas”, trocando todos os postos, tendo ele passado asoldado e cabendo a mim o galão de alferes.
Quando chegaram os chekas, depois de termos recebido as instruções para o novo desempenho de funções, dirigi-me ao graduado que comandava os “Checas” e apresentei-me como sendo o alferes Quintas.
Depois de uma curta conversa, comecei a mostrar as instalações, que eram fáceis de visitar, pois quase nada havia.
Andei por cima da barreira que nos protegia, com o já citado novo comandante, explicando-lhe quais as zonas consideradas mais perigosas e de possíveis ataques.
Passado algum tempo e conforme já previamente combinado, separei-me por uns momentos do meu interlocutor e rapidamente voltámos aos respectivos postos, coloquei os meus óculos escuros, graduados, para não ser facilmente reconhecido e então o verdadeiro alferes Quintas tomou o seu posto e foi ter com o seu homologo, contando-lhe a brincadeira a que tinha sido submetido.
Eu fui ter com o meu colega enfermeiro que me ia render e entabulei então a conversa normal de mais velho para mais novo, dizendo-lhe que a zona era perigosa, sujeita a ataques, que ainda não tínhamos tido nenhum por sorte, e que a vida ali era muito dura.
Recebi como resposta “isso é conversa de velhos para nos meterem medo, pois em Nova Coimbra disseram-nos que havia muitas minas pelo caminho e nada nos aconteceu” .
Cerca das 16.50 horas, quase mal tínhamos acabado esta conversa, sofremos sim um ataque, como penso ainda não se tinha registado por ali, a partir do mato junto à pista de aterragem, com morteiros, bazucas e canhão sem recuo.
Com a surpresa e porque os novos, segundo penso que foi essa a informação que eles me transmitiram, tinham chegado directamente da metrópole, não tendo qualquer experiencia de guerra, muitos, tiveram como reacção deitarem-se no chão não crendo no que lhes estava a acontecer.
Coube-nos a nós, velhos, rechaçar o ataque, e não me esqueço daquele acto do nosso colega, que não me lembro o nome mas a alcunha “França” que saltou para cima da barreira de protecção e a descoberto, com raiva descarregou os carregadores da G3 para a zona de onde provinha o ataque.
Mas, infelizmente a primeira granada que é disparada pelo inimigo cai dentro do acampamento e mata o meu grande amigo Fernandes, que era o padeiro e que ao sentir o ataque desloca-se á barraca que nos servia de abrigo, buscar a G3 e quando ia para a barreira foi atingido, ficando com a cabeça quase desfeita, (o Fernandes está na foto anexa a almoçar e com uma caneca na mão.



Mas o pior estava para acontecer, como o ataque tinha sido perto das 17 horas, e o inimigo também sabia, a aviação já não nos podia socorrer, embora tenha sido pedida a evacuação via rádio, ainda a 25 de Fevereiro.
No dia 26 de manhã, apareceu o helicóptero para fazer a evacuação, só que não havia feridos, mas um morto.
O alferes Quintas recebeu como resposta que não evacuavam mortos e que teríamos de o enterrar no mato em Miandica, tendo o mesmo dito que isso não faria, mas o carregaríamos mais de 40 km a corta mato, às costas, até Nova Coimbra, já que íamos regressar no dia seguinte aquele quartel para regressarmos a Portugal.
O comandante da aeronave, penso que tocado no coração, resolveu levar, contra todas as ordens, o corpo para Nova Coimbra.

O meu relato do último ataque a Miandica

Texto escrito por
José Martins
Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ. 1558

Corria o mês de Fevereiro de 1968, um domingo antes do Carnaval, quem escreve estas linhas lia o livro, de título “ Sob o nevoeiro” enviado pelo Movimento Nacional Feminino, sentado no posto de vigia a noroeste do destacamento, quando vejo aparecer um branco de camuflado, com a G3, arrojada pela terra, e muito cansado. Grito-lhe, não dás nem mais um passo… e porquê esta minha atitude… ( nas vésperas tínhamos recebido informação dum golpe de mão perpetrado por brancos num destacamento contra nós na zona de Cabo Delgado, O sujeito bem berrou que era do pelotão que nos vinha render,,, começaram a chegar mais militares e pouco depois começou um forte de bombardeamento, por uma arma nunca usada contra nós naquela zona, o canhão sem recuo. Depois, sofremos a última baixa em combate, o soldado Fernandes.

Companhia de Caçadores   4141                                                                                       

Texto de Bernardino Peixoto, 
Soldado da CCAÇ 4141

Quando terminou a minha função de guarda, fui em direcção da caserna e deitei-me  na minha cama fumando mais um cigarro e escrevendo um aerograma para a minha noiva que muitas saudades já tinha,chegou ao Lunho a primeira parte do pessoal e de máquinas da 2.ª C. de Engª de Moçambique. O restante pessoal e material chegaram nos dias 29 e 30 de Junho de 1973
A C.cac.4141 de imediato suspendeu todas as operações para fazer a protecção à 2.ª C. Eng. 
A Operação Intervalo teve por finalidade a construção de uma picada do Lunho para Miandica e aqui reconstruir um novo aquartelamento. 
Durante a Operação Intervalo, um grupo de guerrilheiros da FRELIMO atacou com armas automáticas  e emboscaram uma viatura da nossa companhia sem consequências.
A viatura seguindo a sua marcha detectou uma mina anticarro  que de imediato foi levantada. No percurso detectámos  duas minas anticarro que de imediato foram levantadas. 
 Durante os trabalho de reconstrução do aquartelamento de Miandica os guerrilheiros da FRELIMO atacaram-nos por diversas vezes. Capturámos uma espingarda automática, uma mina anti-carro, 7 porta granadas de canhão sem recuo e não tivemos baixas.
A  FRELIMO  atacou a companhia de engenharia que se encontrava a "desatascar" uma viatura na picada do Lunho para  Miandica.
De regresso ao Lunho uma viatura berliett da C.caç.4141  na picada de Miandica para o Lunho accionou uma mina anticarro a qual ficou praticamente destruída. Nessa viatura viajava algum pessoal que felizmente só tiveram  ferimentos ligeiros. 
A picada do Lunho para Miandica começou a ficar intransitável sendo o pessoal reabastecido por  Helicóptero.
A CCAÇ 4141 foi rendida no Lunho pela CART 7260 em Março de 1974

Os Últimos Soldados Portugueses naquele inferno

Por: António Caldas
Soldado da CART 7260

A 20 de Março, o 2º Pelotão da CART 7260, comandado pelo Alferes Lourenço e acompanhados por alguns militares da CCAÇ 4141, saíram do aquartelamento do Lunho e seguiram a pé pela picada até Miandica. Por todo o caminho, viam-se buracos feitos por minas, pendurados nas árvores restos de pneus, pedaços de ferro retorcido e aros de jantes de viaturas militares destruídos pelas minas.
Paisagem do outro mundo, paisagem de guerra, paisagem do inferno, visão de meter medo a quem como nós acabados de chegar da Metrópole. Se o Lunho tinha fama de ser o inferno, nós estávamos para lá do inferno.
Depois de algumas horas de marcha, chegámos a uma nascente de água
barrenta e cansados ouvimos um camarada dizer: ainda faltam 10 Kms. Olhei na direcção que ele apontava e vi um bocado de madeira agarrado a um pau que indicava MIANDICA 10Kms. Perdemos a pouca força que tínhamos e alguns deitaram-se no chão. Era mentira!!!. Cerca de 500 metros à frente, lá estava o acampamento de Miiandica. Eram 16h do dia 20 de Março de 1974.

Abrindo caminho para esgotar a água
Depois de 6 horas de marcha pela picada, onde a cada passo se viam sinais de de uma guerra terrível. Eis MIANDICA, a mítica Miandica, nome de mulher, doce no falar, mas temida por todos, entranhou bem fundona alma e corações  dos Combatentes que por lá passaram. Mas para a grande maioria que lá viveu e a sentiu será sempre MIANDICA TERRA DO OUTRO MUNDO.
Na visita guiada dentro do acampamento, deparámos com três tendas e um muro de terra em volta. Os velhinhos (Kokuanas) informaram que para Norte, nem um passo, são as zonas libertadas. A Oeste havia um antigo acampamento que tinha sido abandonado em 1968 e com ele uma pista de aviação. Tudo estava coberto de capim. Era perigoso lá ir devido à possibilidade de minas
Restos do acampamento que foi construído nos finais de 1966  pela  CENGª  1531, e abandonado a 3 de Abril de 1968

A Sul é aonde se podia ir á lenha e lá havia uma nascente de água barrenta. Era necessário filtrá-la com dois lenços. O banho era tomado na nascente com uma lata de ração de combate. Devido ao único Unimog existente estar inoperacionais íamos a pé uma vez por semana a picar a picada para detecção de minas. Íamos ao encontro dos camaradas que estavam no Lunho e que nos levavam os géneros alimentícios e o correio. O local do reencontro era uma grande árvore que ficava a meio caminho. Dias e noites, foram passando, manhã ir à água à tardinha ver o espectáculo dos macacos, que passavam a norte de este para oeste em grandes bandos, à noite era dormir com a G3 na mão, era rara a noite que os sentinelas, não davam alarme, quase sempre do lado sul , penso que eram animais, eu nunca vi luzes à noite, era o medo que fazia os meus camaradas verem luzes, muitas foram as vezes, que a minha respiração e o meu coração quase pararam, para que eu pudesse sentir e ver com os ouvidos, era naquelas noites escuras que eu sentia, MIANDICA penetrar no mais profundo do meu ser.


A 28 de Março, o 4º Pelotão que nos ia abastecer, localizou e desactivou uma mina anti-carro com dispositivo anti-pessoal.
Sexta Feira 5 de Abril de 1974, grande ataque ao Lunho. Neste dia entregou-se à sentinela uma jovem mulher autóctone. Depois de várias peripécias, o Capitão Salaviza deu por bem enviá-la no dia seguinte de helicóptero para Vila Cabral para ser interrogada pela PIDE.
Ao anoitecer desse dia começou a cair “chuva” de granadas de morteiro 122 sobre o Lunho. Os dois obuses 14 não paravam de “vomitar” fogo. O Capitão pediu ajuda à aviação, como era de noite esta não foi enviada. Vila Cabral resolveu enviar os GES que estavam aquartelados em Nova Coimbra. Era de noite e eram 17Kms que separavam estes dois aquartelamentos. . Já havia poucas munições de obuses e de morteiro 80. No Lunho só estavam o 3ª e 4º Pelotões e face à ferocidade do ataque e à escassez de pessoal, o Capitão chegou a dar ordens para fugir para Nova Coimbra.
Os GES ainda se deslocaram para o local de onde os homens da Frelimo atacaram o aquartelamento, mas estes já tinham debandado e só encontraram vários rastos de sangue e muitas cápsulas vazias de muitas armas de fogo.
Em Miandica assistíamos ao cruzar de bombas sem nada poder fazer. 
 No dia seguinte, recebemos em Miandica, o 1º Pelotão comandado pelo Alferes Raposo que andava em patrulha na zona.
Durante toda a manhã ouvimos os helicópteros mas nunca os vimos. O Alferes Raposo com o seu Pelotão, sem qualquer apoio, resolveu ir para o Lunho, eram cerca de 24 Kms entre estes dois aquartelamentos.
Lunho. O Caldas com um guerrilheiro da Frelimo
Nesse dia não entendi a não intervenção da Força Aérea.
Sexta Feira 12 de Abril 1974, veio ordem para abandonar Miandica. A ordem dizia que só podíamos levar as G3 e objectos pessoais, o restante seria abandonado, tendas, utensílios de cozinha e o velho Unimog.
EM MIANDICA, FICou MUITO SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS DE MUITOS SOLDADOS PORTUGUESES!!!.

Nota do Administrador do Blog. O Comando de Sector,determinou,em 3 de Abril de 1968,a extinção do destacamento de Miandica por se saber  da intenção da Frelimo atacar,com grande efectivos,a pequena força da NT.

Amadeu Silva- C. Caç. 1558

Os Pelotões que permaneceram em Miandica.

A Companhia de Cavalaria 754 (7 de Espadas) e a Companhia de Artilharia 637, andaram na região de Miandica. A 7 de Espadas levou muita pancada nesta região (havendo mortos enterrados na zona, cujas campas foram vistas por militares da CCAÇ 1559 ( ver vídeo em cima). A 637 teve acampamento em Miandica -a-Velha.
Miandica
22/9/1966 --- Pelotão da CCAV. 1507 do BCAV. 1879
15/3/1967 --- 1º Pelotão da CCAÇ 1559. --- 8 de Maio ataque aos homens da pista.
18/5/1967 --- 3º Pelotão da CCAÇ 1559 .--- A 18 e 19 de Maio sofre violentos ataques sem consequências.
17/7/1967 ---4º Pelotão da CCAÇ 1559 --- Sem incidentes, apenas a entrega de um guerrilheiro da Frelimo.
22/9/1967 --- 1º Pelotão da CCAÇ 1558. Este Pelotão participou na Operação "CARAVANA 1". Reabastecimento de Miandica. No percurso Lunho - Miandica foram accionadas duas minas anti-carro.
02/12/1967 --- 2º Pelotão da CCAÇ 1558. Em 25 de Fevereiro de 1968, dia da redenção, por um Pelotão da CART 2325, a Frelimo fez um violento ataque ao destacamento que provocou a morte ao soldado António Fernandes da CCAÇ 1558.
24/2/1968. Um Pelotão da CART 2325 que se mantém em Miandica até ao seu abandono a 3 de Abril de 1968.
Em Maio de 1973 um Pelotão da CCAÇ 4141, acompanhado por pessoal da 2ªENGª. foi para Miandica para iniciar os trabalhos do novo aquartelamento.
20/3/1974 --- 2º Pelotão da CART 7260, ali permaneceu até 12 de Abril de 1974, quando mais uma vez este aquartelamento foi abandonado.

A reocupação de Miandica em Maio de 1973 foi feita com o objectivo de controlar a região, o que não aconteceu na primeira ocupação.
Na segunda ocupação as instalações eram tendas de campanha. Foi aberto um poço para abastecimento de água. O fornecimento de pão era feito do seguinte modo: Saía um um grupo de Miandica em direcção ao Lunho e daqui outro em direcção a Miandica. Encontravam-se a meio caminho para fazer a entrega do pão que era para oito dias.

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