De entre as acções que foram realizadas durante o primeiro ano de luta armada, destacaram-sea remoção de algumas pedras,que, geralmente, se encontravam nas bermas da estrada, e também a prática da sabotagem, que consistia, em abrir uma cova, pôr capim por cima, pôr um bocadinho de areia, como se estivesse completamente tudo bem, de maneira que,quando passasse um carro, pudesse cair na cova.Nota-se que, em 1965, a situação político-militar na Frente de Cabo Delgado era de progressos, aina que tivesse retrocedido nos finais do mesmo ano. A racionalidade desta informação é testemunhada pelas constatações comuns, das partes beligerantes e ainda de missionários , Com efeito, em Janeiro de 1965, o Presidente Samora, em alusão à melhoria do ambiente político e militar, disse: "verificam-se sucessos imensos das nossas forças, que começam a actuar com bazookas, e peças, etc. Ampliam-se as zonas libertadas.
Por sua vez, o exército colonial justificaria a Operação Águia, salientando que com ela pretendia contrariar o sucesso que se registava na Frente de cabo Delgado, porque a "situação na zona era sintetizada do seguinte modo: Existência de um inimigo numeroso, fortemente mentalizado, bem armado, sem quaisquer privações ou restrições no emprego de munições e que se habituara a actuar com relativo à-vontade na zona"
De igual modo , o bispo D. José dos Santos Garcia, caracterizou os acontecimentos do mesmo ano, sublinhando que no "mês de Março, os ataques efectuados pelos rebeldes (guerrilheiros da FRELIMO) revelaram uma direcção inteligente e apresentam um armamento bom e eficaz"
Era este o fenómeno que incomodava o exército português, razão por que decidiu realizar operações de grande envergadura, tendo as baptizado por Águia e Limpeza. A primeira foi realizada em 2 de Julho de 1965 e, de acordo com a sua projecção, no primeiro mês teria como objectivo destruir as nossas bases. Esta operação estender-se-ia até 6 de Setembro do mesmo ano, com a finalidade de de demonstrar forças às nossas populações, situadas entre os rios Lúrio e Rovuma. A missão destruidora e, sobretudo, contrária aos direitos humanos, está reflectida na sua ordem de operações. Esta pretendia:realizar uma nomadização contínua no tempo e tão vasta quanto possível no espaço, na área entre os rios Rovuma e Messalo e desenvolver uma actividade destinada simultaneamente a exercer uma acção de presença junto das populações, destruir os elementos a se acoitam, destruir os elementos armados que entre elas se acoitam, destruir instalações caracteristicamente terroristas, furtantp `do assim aos bandos inimigos todo o apoio por parte das populações, comprometidas ou não.
Na verdade, soubemos contrariar as estratégias do inimigo e imprimir maior ímpeto à Luta Armada, mercê do aumento de efectivos, dada a aderência de mais jovens e de particularmente mulheres, assim como do aumento de armamento. Doravante, a principal estratégia que passámos a utilizar, no lugar de atacar e recuar de imediato, passámos a atacar e ocupar. Enquanto isso, ia-se formando mais combatentes em várias especialidades, com particular enfoque para a artilharia.
Com efeito a 8 de Outubro de 1965, partiu um grupo de camaradas para Simferopole, na URSS, tendo regressado em Maio de 1966. Incluía, entre outros, Francisco Magumbwa, Raúl Casal Ribeiro, Artur Torohate, Erasmo Mulémbwe, Xavier Siiulila, Bernabé Kajika, Rui Fino Machado, José Simango, Jaime Amansi, Rafael Maguni, Matias Juma, Raimundo Simango, Inácio Murrebo, José Humberto, Fernando Mucavele, Domingos Fondo, Vicente Mahluza Mahluza Muyambo, Amândio Chongo, João Mangona, Cândido Jesse, Tobias Sigaúque, José António Sebastião, Alfredo Simango e Ernesto Sambo. Estes camaradas regressaram especializados no manejo de armamento sofisticado, como Canhão sem recuo 75 mm, Morteiro 82 mm e Metralhadora anti-aérea 12,7 mm (DCK)
3.3.1. Surgimento das Zonas Libertadas
A criação de estruturas organizativas no interior do País resultou da decisão do I Congresso da FRELIMO, visando o envolvimento de todo o povo moçambicano na luta multiforme pella conquista da Independência Nacional. Para o efeito,o Congresso mandatou o Comité Central para realizar uma profunda reflexão a respeito da situação política, económica e social, a nível de todo o País. Seguidamente, com os resultados desta acção, desenhar-se-ia um quadro político-estratégico que foi implementado através do Departamento de Organização do Interior (DOI).
Com o conhecimento da realidade social e política, tinha-se em vista encontrar mecanismos que permitissem uma rápida mobilização das populações, tendo em consideração as especfidades de cada camada social. Neste contexto, foram identificados três grupos, nomeadamente, os camponeses, os obreiros migratórios e o proletariado urbano. O primeiro, constituía a maioria esmagadora da população, vivendo sobretudo, nas zonas rurais; o segundo representa a população negra, que tinha domicilio permanente nas zonas rurais, derivado da mesma população camponesa, mas trabalhando nas minas de ouro, carvão e, nas plantações sul-africanas, assim como nas fazendas rodesianas. O último grupo compunha-se de trabalhadores em casas particulares dos colonos brancos e asiáticos e os estivadores dos portos.
O quadro político-estratégico saído desta reflexão recomendava a consideração do grupo de camponeses, como a plataforma da Luta Armada, aspecto que, segundo o Presidente Eduardo Mondlane, era fundamentado pelos "princípios modernos da luta revolucionária no terceiro mundo, em que a organização das massas camponesas mostrou-se a mais indicada". Esta permissiva assentava, entre outras dimensões, no facto destas estarem relativamente menos expostas à observação e vigilância permanente da máquina repressiva colonial.
Ainda relativamente ao grupo de camponeses, as estratégias incluíam o estímulo da sensibilidade ou aproximação às formas sociais de organização produtiva, cooperativas e associações, como aconteceu no Planalto de Mueda, com a participação de Mzee Lázaro Jacob Nkavandame, Jeremias Namashulua, Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa, entre outros nacionalista. Quanto aos obreiros migratórios, refira-se que muitos moçambicanos foram estimulados pela formação políticas nacionalistas dos países vizinhos, aspecto abordado na caracterização do movimento político que antecedeu à formação da FRELIMO. Ao nível dos proletários urbanos, ao lado dos intelectuais emergentes, o movimento nacionalista entrincheirou-se nas associações de auxílio-mútuo, nomeadamente as de índole juvenil, cultural, desportivo e religioso, de onde surgiram vários nacionalistas, tais como, no Sul, Eduardo Mondlane, Mateus Muthemba, Francisco Sumbane e Shaffrudin Kan e, no Centro, Samuel Dlhakama, Uria Simango e Silvério Nungu.
Como se sublinha no discurso de Mondlane, "só depois de se estabelecerem as condições sociais e políticas pelo Departamento da Organização no Interior que o Comité Central decide lançar o resto os programas de acção em cada região de Moçambique, culminando com a intervenção militar contra as forças armadas e policiais dos portugueses.
Em geral, foi esta a filosofia seguida pela FRELIMO, que o DOI actuou. permitindo que houvesse uma forte adesão à nossa Luta, envolvendo diferentes camadas sociais. Nas cidades e vilas crescia o movimento da luta clandestina, desfiando a PIDE/DGD. a qual respondia cruelmente, através de prisões em massa, assassinatos e desaparecimento de muitos concidadãos, muitos dos quais, até então, não se tem pista. DE igual modo, nas zonas rurais recrudescia o movimento nacionalista. Como realçou o Presidente Mondlane, em alusão à época:
Os jovens ingressam nas fileiras do Exército da FRELIMO, os mais velhos alistam-se nas milícias, o resto da população participa nos programa de apoio à Luta tais como a produção agrícola, o carregamento de material de guerra, de mantimentos e medicamentos, enquanto vigiam os movimentos do inimigo em toda a região.
É no contexto da valorização das zonas rurais, em quese insere o surgimento das Zonas Libertadas ea actividade significativa do DOI. Como foi referido, a partir dos anos de 1965 e 1966, os combatentes conheceram uma grande intensidade, sobretudo devido ao uso de bazookas,. Face ao abandono progressivo dos territórios por parte das instituições sócio-económicas e administrativas coloniais, impôs-se a criação de mecanismos de retenção imediata das populações. Era preciso repôr o funcionamento normal da vida de 8 mil habitantes, sob nosso controle, em Niassa e Cabo Delgado.
Estes pressupostos estão plasmados no relatório de 1968 do Departamento de Defesa, ao Comité Central, que temos vindo a citar. Neste sentido, Samora pronunciou-se nos seguintes termos:
1965, Janeiro: Verificaram-se sucessos imensos das nossas forças que começam a actuar com base em bazookas, peças, etc...Amplas regiões são libertas . Fim de 1965: Expulsão dos portugueses fez surgir problemas de alimentos, de medicamentos e vestuário. As populações não estão preparadas para aguentar e fogem para a Tanzânia.A saíde de populações cria problemas para os guerrilheiros.
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No seu surgimento, as Zonas Libertadas foram dirigidas pelos chairmen, expressão inglesa utilizada nas lideranças políticas tanzanianas, que significa secretário, aplicado à realidade política moçambicana. A unidade territorial sob gestão do chairmen era designada por branch, termo também importado da Tanzânia. A produção fazia-se em moldes cooperativos, em recuperação de um modelo existente antes do início da Luta, a exemplo de Liigwilanilo.
A questão das Zonas Libertadas ao nível da Frente de Cabo Delgado fora descentralizada e confiada a Lázaro Nkavandame, como Secretário da FRELIMO para esta Província. Como se pode facilmente depreender, Nkavandame tinha funções de chefe máximo dos chairmen, ao nível de Cabo Delgado, a quem deviam obediência e confiança.
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Mzee Lázaro JacobNkavandame Sinamwenda |
Para se fazer face às dificuldades surgidas com a saída das instituições coloniais, a Direcção da FRELIMO havia conseguido apoio do Governo de Julius Nyerere, para a colocação de lojas na margem esquerda do rio Rovuma, sobretudo em Mtwara, Mkunya, Sindano e Songea. Praticando uma economia de escambo, a população trocava produtos como castanha de cajú, gergelim, mel, etc..., por instrumentos de trabalho, nomeadamente enxadas, limas e catanas; produtos de consumo, tais como sal e sabão, e ainda,tecidos para a confecção de vestuário.
Supunha-se que os rendimentos adquiridos fossem em benefício dos camponeses e do desenvolvimento da L. Porém, em seguimento do espírito de ambicioso, Nkavandame chamou para si estas qualidades desabonatórias para a Luta Armada, usando o produto das vendas em proveito próprio.
O ponto de intersecção entre os comandos militares e as chefias do DOI, estas organizadas em distritos, residia na operacionalização do princípio "Programa Conjunta, Execução Dispersa", uma plataforma que nos permitiu realizar várias actividades, ao nível do processo de ensino aprendizagem, promoção de cuidados de saúde, assim como de organização de toda a cadeia produtiva comercial.
É de salientar que era esta esfera produtiva do nosso povo que alimentava a base logística dos guerrilheiros. Nós não tínhamos centros de manutenção militar, como o nosso inimigo, que usava aviões-cargueiros, camiões e comboios para a distribuição de víveres/rações de combate. Este é um dos exemplos que espelha o funcionamento das Zonas Libertadas em todas as frentes de combate e, particularmente, do 1º Sector da Frente de Cabo Delgado. De entre as Zonas Libertadas que existiam neste Sector, mais concretamente no Distrito de Nangade, figuram Kussku, Ngalonga, Chidwadwa, Mutamba dos Makondes, Kumwalele,, Kunangade, Namatili e Chilindi.
A série de sucessos obtidos no domínio político-militar e administrativo, inspirou o Presidente Eduardo Mondlane a encontrar em 1966, fundamentos para desenhar o prognóstico do fim vitorioso da guerra. Ele não viveu os resultados do seu exercício, cujos frutos obter-se-iam
Palavras de Ordem da FRELIMO, reflectidas na bandeira Nacional:
Combater, Produzir e Estudar
3.3.2. Prognóstico do fim da Luta Armada de Libertação Nacional em 1966
Decorridos 2 anos do início da Luta, o prognóstico efectuado pela FRELIMO já apontava vigorosamente para o sucesso da mesma, no seu principal objectivo, alcançar a Independência Nacional. Com efeito, as palavras do seu Presidente, aquando da preparação das cerimónias de celebração do II Aniversário da Luta Armada, mostravam uma forte convicção neste sentido. Provavelmente, terá sido essa confiança, consubstanciada por mais factores que Mondlane terá pronunciado, a célebre e histórica frase de que "posso morrer feliz porque sei que a luta continua".
O prognóstico era essencialmente corporizado por dois aspectos, os ganhos conquistados até 1966 e a correlação de forças entre os beligerantes. A análise destes elementos assentava numa série de indicadores estruturantes, sobre os quais importa discorrer. Com efeito, enquanto nos indicadores dos ganhos se enumerava a conquista da liberdade, dignidade, instrução, progresso económico e reforço da Unidade Nacional; na correlação de forças salientava-se o número e qualidade dos soldados coloniais envolvidos na guerra, assim como o contexto internacional da nossa Luta.
A liberdade e o progresso económico manifestavam-se pela existência de zonas geográficas livres da administração colonial portuguesa. Trata-se das Zonas Libertadas, onde o colonialismo não se fazia sentir, A FRELIMO já tinha colocado as suas escolas, dispensários e as populações a produzirem, a exportarem e a comercializarem os seus produtos, na outra margem do rio Rovuma, em lojas tanzanianas, como foi referido.
De um modo geral, neste período da Luta havia crescido o espaço para a produção agrícola, relativamente ao período colonial. A máquina repressiva, constituída pelos carrascos administradores, chefes de posto e sipaios, tinha sido desenraizada de algumas povoações de Cabo Delgado. Como referiam alguns combatentes, a FRELIMO conseguira estabelecera um "Estado", mesmo durante a Luta. Os ganhos ao nível da instrução foram caracterizados pelo aumento para milhares de estudantes que se encontram nas zonas controladas pela FRELIMO, uma situação que constratava com o elevadíssimo índice de anafabetismo existente anteriormente. De igual modo, muitos jovens que tinham aceite juntar-se à FRELIMO, alguns passaram a possuir, o nível secundário e, outros, o ensino superior, mercê das bolsas oferecidas.
No domínio cultural, os dois anos de Luta tinham sido suficientes para inculcar nos combatentes e nas populações, a consciência sobre a riqueza multiétnica e a importância da valorização das tradições culturais moçambicanas, como alicerce da Luta e factor propulsor da vitória sobre o colonialismo. Operacionalizava-se, assim, o postulado laçado por Amílcar Cabral, de que a Luta Armada era "um facto cultural".
Ao nível da correlação de forças, a balança pendia mais a favor da FRELIMO. Vários explicavam esta tendência, porém, merecendo destaque as contradições no seio o inimigo, caracterizadas por três elementos:
1) Política
2) Económica
3) Militar
Na verdade, estas contradições interligavam-se, formando um sistema, em que a solução de uma, implicava irremediável e indissoluvelmente, encontrar soluções para as outras.
Do ponto de vista político, refira-se que mesmo em Portugal existia uma forte oposição à guerra colonial. Assim, António Oliveira Salazar, a cara mais visível do sistema colonial-fascista português, tinha profundos conhecimentos, a respeito do descrédito que pairava sobre ele, no seu próprio país. Este aspecto aparece nas entrelinhas do seu primeiro balanço sobre a guerra, cujo discurso foi proferido a 18 de Fevereiro de 1965. portanto um ano antes do balanço do Presidente Mondlane.
A nível interno, Salazar suavizava o destacamento popular e no contexto mundial, minimizava a condenação das Nações Unidas, face à recusa em conceder independência às suas colónias, afirmando que com o desenrolar da guerra, o Ocidente tinha passado a ter uma opinião favorável a Portugal. Em relação ao Ultramar, levantava dois pontos, por um lado, que as independências eram uma preocupação somente das minorias nos povos africanos e, por outro lado, que aos quatro anos de guerra, em Angola e Moçambique, teriam conduzido à moderação de atitudes nas acções dos africanos. Era exactamente o contrário, o fervor da guerra tinha galvanizado a todos os povos em luta pelas independências e, a nossa violência armada soterrava cada vez mais a dita moderação. Eis o excerto do infeliz discurso de Salazar.
Vamos em quatro anos de luta e ganhou-se alguma coisa com o dinheiro do povo, o sangue dos soldados, as lágrimas das mães?. Pois atrevo-me a dizer que sim. No plano internacional (...) acabaram muitos dos homens mais responsáveis por vir a reconhecer que Portugal se bate afinal não só por afirmar um direito seu, mas (...) em todo o caso, as dificuldades que a independência tão ambicionadapor poucos, trouxe a todos os mais e os dirigentes não sabem ainda como resolver. Assim, bastantes povos africanos nos parecem mais compreensíveis das realidades e mais moderados de atitudes.
A miopia do Profº Doutor António de Oliveira Salazar, ao que nos parece, mais estratégica do que real, deturpava profundamente as suas contas sobre o fim da colonização portuguesa em África (incluindo Moçambique). As contas indicavam um resultado estimado entre Quatrocentos e Quinhentos anos, contrariamente aos cerca de sete anos que faltavam, por volta de 1968. Tendo classificado esta visão de impossível e de recusa autista da realidade. Sérgio Vieira traz o segguinte depoimento: "Conta Franco Nogueira que nas conversas íntimas com Salazar, este previa que dentro de Quatrocentos ou Quinhentos anos os nossos países estariam talvez prontos para uma independência!
Economicamente, a guerra colonial era insustentável para Portugal, pois, com os parcos recursoa de que dispunha, estando na cauda da economia europeia e a reboque dos investimentos ocultos da OTAN, não estava em condições de suportar o conflito militar, simultaneamente, nas suas três colónias, isto é, em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau. Por exemplo, de Janeiro a Maio de 1967, Portugal despendeu em Moçambique 7.500.000 Libras. Relativamente aos aspectos puramente militares, Portugal deparava-se com dois obstáculos. O primeiro, referente à dimensão territorial do inimigo (Moçambique e Angola) face ao desdobramento dos seus efectivos e, o segubdo, ao envolvimento de soldados moçambicanos no Exército Colonial.
O primeiro obstáculo explica-se pelo facto de Angola ser 14 vezes maior que Portugal e Moçambique, 8 vezes, o que implicava empregar os poucos efectivos de que dispunha "numa linha de frente muito ampla" aspecto tecnicamente inviável. Assim, de acordo ainda com o Presidente Mondlanee, para o regime colonial cobrir todo o território de Moçambique, tinha de:
a) ... conservar muitos soldados nas cidades, e só uma parte pode (podia) ser enviada para as zonas de combate. b) Desses soldados para as zonas de luta, uma parte importante foi liquidada pelos combatentes da FRELIMO, mais de 3.000 de 1964 a Setembro de 1966. c) Outra parte tinha de fazer o serviço de guarnição, defendendo os postos militares e administrativos.
Quanto ao envolvimento dos soldados moçambicanos, é de realçar que eles estavam em cumprimento do serviço militar obrigatório e a lutar contra a sua própria libertação do jugo colonial. Devido a esta situação, não se sentiam motivados e nem comprometidos com a causa da guerra a que estavam metidos. Como se refere na mensagem que temos vindo a citar:
Eles... não queriam lutar contra o seu próprio povo, contra os seus pais, os seus irmãos, os seus filhos. Eles não podem porque são MOÇAMBICANOS, filhos de Moçambique. Portanto, logo que encontrarem uma oportunidade, hão-de desertar e juntar-se às forças de Libertação da FRELIMO. Já desertaram cerca de 150 de 1964 a Setembro de 1966.
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Partida de um contingente militar Português para Moçambique. |
Hino da Frente de Libertação de Moçambique
"FRELIMO vencerá, FRELIMO ganhará Na luta pela Liberdade, FRELIMO triunfará.
Moçambique vencerá, Moçambique ganhará
Na luta pela Liberdade, Moçambique vencerá.
África vencerá, África ganhará
Na luta pela Liberdade, África triunfará.
Europa invejosa, concebeu mau talento
Subjugando África inteira a escravizá-la"
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Simão Tibúrcio Victor Lindolondolo, autor do Hino |
Bandeira da Frente de Libertação de Moçambique
4. Minha contribuição em Niassa e Masasi
O meu contributo para o sucesso da Luta Armada de Libertação de Nacional aconteceu à luz da decisão tomada em 1965, visando contrariar a ordem política-administrativa então vigente, a colonização. Com efeito, operei na Frente do Niassa (1966-1968) e em Masasi (1969-1971), expondo a minha juventude à guerra.
A minha contribuição consistia em servir o povo o povo moçambicano e a Pátria Amada, característica que ainda hoje me acompanha. O marco indelével da operacionalização deste desiderato reside na operação que comandei no ataque e assalto ao Quartel de Omar, a 1 de Agosto de 1974. Refira-se que esta data coincide com a pernoita neste local, a 1 de Agosto de 1964, do primeiro grupo de guerrilheiros, aquando da preparação do início daLuta Armada , em Cabo Delgado.
4.1. Frente do Niassa ( 1966-1968)
Uma vez iniciada a Luta, em 1964, foram realizadas campanhas massivas de sensibilização das populações para se juntarem à FRELIMO. De igual modo, procedeu-se ao aumento de efectivos. É de notar que esta Frente passou a ter um comando militar quando, em Março de 1965, se juntou ao grupo do início da Luta, o primeiro contingente dos 70 guerrilheiros, acompanhados por Filipe Samuel Magaia, Chefe do DDS e Samora Moisés Machel, responsável do Campo de Instrução Militar de Kongwa. O " Grupo 70" integrava, entre outros quadros, José Moiano e Sebastião Marcos Mabote.
O novo comando formado em Chiwindi, na fronteira entre Moçambique e Tanzânia, foi chefiada por Oswaldo Tazama e António da Silva, este, como Chefe de Operações. Faziam parte do comando José Moiano (Adjunto-Chefe de Operações e Chefe de Sabotagem) , Sebastião Mabote (Comissário Político), Jaime Dique ( Comissário-Político- Adjunto) e José Fernando Anapulula (Chefe de Material).
O segundo contingente que foi reforçar a Frente Niassa chegou em 1966 e era constituído pelo 1º Batalhão treinado em Nachingwea, o qual, por fim dos treinos fora dividido em três companhias. Eram comandadas, a primeira, por Matias Victor, a segunda, Mateus Aníbal Malichocho, e a terceiro, por Joaquim Mtamanga. As companhias foram ocupar a região Austral, a Base Mepochi e a região Oriental, respectivamente. Langa refere que, com a chegada deste grupo, intensificaram-se as operações de guerrilha, através do desencadeamento de várias acções militares, como sabotagens, emboscadas, ataques aos aquartelamentos coloniais, resultando em baixas humanas, destruição de equipamento e infra-estruturas militares portuguesas.
O terceiro contingente afecto à Frente Niassa chegou em Junho de 1966. Foi o 2º Batalhão, que deu lugar à formação de três companhias, comandadas por Lino Abrão, a primeira, por Eduardo Silva (também conhecido por Mtoto, que significa baixinho), a segunda, e Francisco Orlando Magumbwa, a terceira..
Eu fazia parte da 2ª Companhia, que tinha Alfredo Maria Manuel, como Comissário Político e Casimiro Chenjerani, Vice-Comissário Político. Nesta companhia, eu pertencia ao 2º Pelotão, comandado por Feito Tudo, tendo sido Vice-Comandante Xavier Laquimane. Integrava ainda, Agostinho Lagos Henriques Lidimu (Secretário), Benjamim Ervas Ndingwekwe (Chefe de Armazém) e Pascoal José Dimaka.
Desempenhei as funções de Chefe da 2ª Secção, de 1966 a 1968, tendo passado este período todo sem nunca ficar de sentinela. As razões disto prendem-se com o facto de ter treinado como chefe de secção, que por natureza, tem sob o seu comando 12 homens. Portanto.cheguei a esta companhia, realmente como chefe.
Refira-se que, nesta Companhia, existia um grupo formado por 12 jovens coeses, vindos do Instituto Moçambicano, conhecidos por "os 12 makondinhos", distribuídos por 4, para cada Pelotão. Este grupo era formado por mim, cujo nome de guerra era Salvador, Agostinho Lagos Henriques Lidimu, Benjamim Ervas Ndingwekwe, Pascoal José Dimaka, Estevâo José Dimaka, Vicente José Makala, Tadeu Lucas Likaunga, Krispin Anúncio Kilian, Marcos Diabo Mwashimwamba, Lázaro Quente Chambal, Tadeu Judas Martins e Bernardino Castigo Gregório Anaiva.
Os nomes a vermelho eram, igualmente, de guerra.
Quando chegámos ao Niassa, enfrentámos um ambiente de guerra bastante complexo, com extensas guerras não povoadas, aspecto que concorria para o aumento dos desafios estratégicos. O Presidente Mondlane tinha plena consciência da situação com que a nossa Frente deparava, tendo apelado para a entrega dos guerrilheiros nas operações combativas e promoção da consciência patriótica colectiva.
Relativamente a esta matéria, na mensagem alusiva à preparação das cerimónias de comemoração do II Aniversário do início da Luta Armada, Mondlane chamou a atenção para que o apoio externo prestado por países amigos fosse respeitado, mas que em nenhum momento devesse dispensar o envolvimento dos moçambicanos Trazendo, inclusive, o exemplo da luta do povo do Vietname, para inspirar os guerrilheiros moçambicanos, teceu as seguintes considerações:
Por consequência é necessário que o povo moçambicano se prepare para a luta epara o sacrifício e se organize contra os colonialistas portugueses. Não devemos esquecer nunca que apesar de todo o apoio moral e material que recebemos dos países que estão de acordo com a nossa causa, nós Moçambicanos temos a responsabilidade principal de lutar até à vitória final. A responsabilidade é nossa. Devemos aprender do heróico povo vietnamita que, com muito poucos recursos materias, foi capaz de ganhar a guerra contra uma das 5 maiores potências do mundo- a França. E hoje mesmo lutam com êxito contra a maior potência militar os- Estados Unidos da América do Norte.
No que tange à Unidade Nacional, assumida como uma plataforma para o sucesso da luta, a FRELIMO destacou alguns desafios, focalizando a superação dos conflitos inter-étnocos, o respeito pela diversidade etnolinguística do País, ou seja, a valorização do nosso entreposto cultural. Mondlne dirigiu-se nos seguintes termos:
Para podermos obter a vitória final é necessário que nos unamos sob a bandeira multicolor da Frelimo. É preciso que todos os moçambicanos se esqueçam de todas ou diferenças que possam existir entre eles. O Zambeziano deve cerrar fileiras com o gazense, o beirense com o maconde, oajau com o inhambanhe.etc... para qu do rio Rovuma ao rio Maputo haja só um povo - o povo moçambicano. Derivemos das contribuições espirituais das nossas várias tradições religiosa - maometanas, cristã, animista etc..., a coragem moral necessária para suportar os sofrimentos para que somos destinados nos próximos anos de Luta Armada pela Libertação Nacional. Ponhamos de lado todos os tribalismos, racistas, regionalismos e tudo aquilo que nos possa dividir.
Na verdade, deparei com condições agrestes na Frente do Niassa, as quais ficaram gravadas na minha memória. Daqui para a frente, a minha personalidade viria a conhecer novas características, ditadas por uma vida militar cheia de episódios, experiências, às vezes, envoltas em ambientes de perigo. Assim, gostaria de partilhar seis acontecimentos marcantes vividos pessoalmente.
Primeiro acontecimento:
O grandes desafios começaram durante a marcha que nos levou à Frente do Niassa. Refira-se que o equipamento do guerrilheiro, era constituído por uma arma AKM de 7,62m, 5 carregadores de 30 cartuchos cada, no total 150 munições, RPG -7 40mm, SKS7 7,62 mm e pistola Makarov, granada de mão ofensiva e defensiva,, 1 manta impermeável que servia de mochila e de tenda em caso de queda de chuva, 1 par de botas russas, 1 marmita, 1 cantil, 4 latas de conserva (canned beef), 1 kG de arroz. O seu peso total era cerca de 30 Kgs. Tendo em conta a nossa idade, muito jovens, tínhamos dificuldades de suportar a carga durante a marcha. Saímos de Nachingwea até Chamba (Tanzânia), acompanhados por Uria Simango, Vice Presidente da Frelimo, para confirmar a entrada da nossa Companhia no interior de Moçambique. No dia seguinte, ao atravessarmos o rio Rovuma, pelas 6 horas da manhã, caímos numa emboscada feita pela tropa colonial portuguesa, ida de Nova Olivença (Lupichili), no Niassa. O camarada Manuel Manjich, da etnia yao e que na altura não falava a língua portuguesa, reagindo ao cansaço, balbuciou, dizendo , em yao "Une kumbuateka makongolo". que significa "eu sinto dores nas perna". Esta foi a primeira frase que aprendi a falar na língua yao.
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Marcha da 2ª Companhia do 2º Batalhão, a caminho da Frente do Niassa Oriental, partindo de Chamba - Tanzânia |
Segundo acontecimento:
Na sequência da marcha, quando chegámos à base de Msangula (Metangula), pernoitámos.
No dia seguinte eu e o Lagos Lidimu acompanhámos Alfredo Maria Manuel, Comissário Político da Companhia, para pedir víveres junto à população, com visto a alimentar os guerrilheiros. Uma parte dos guerrilheiros foi ao rio lavar a roupa e tomar banho. Na circunstância, foi atacada pela infantaria do inimigo. Em consequência desse ataque, o camarada Krispin Kilian ficou ferido no braço esquerdo. Em contra - ataque, o camarada Estevâo José Dimaka, Chefe de Secção, alvejou alguns soldados portugueses. Em fuga precipitada, estes deixaram uma arma G-3, o que se constituiu no primeiro troféu de guerra da nossa Companhia.
Contorcendo-se com dores, o alvejado, Kilian, lançava enormes gritos, pronunciando palavras como: "Ajala nangu Kupela, leka ngumanyite, angunaide ku-ing ondo" que significa "i mãe, estou morrendo, se eu soubesse, não teria vindo à guerra". Nós, grupo dos "12 makondinhos", aconselhando-o dizíamos: "cala-te, na guerra morre-se e pode-se ficar ferido". este combatente foi enviado para tratamento na Tanzânia, onde viria a melhorar e mais tarde ficou instrutor do CPPM - Nachingwea.
Terceiro acontecimento:
Estando na Base "Fornalha Ardente", sede da 2ª Companhia, por volta das 6 horas da manhã, fomos surpreendidos por um bombardeamento aéreo de um par de aviões Harvard T-6. Em reacção, uma das nossas
dotações de defesa ant-aérea 12,7 mm
DCK, chefiada por António Chikusa, abateu um dos aviões. Aaeronave incendiou-se e os dois pilotos ficaram carbonizados. Analisadas as fotos encontradas no local, soubemos que um dos pilotos, ido de Portugal, tinha contraído matrimónio. um mês antes desta missão factídica.
Quarto acontecimento:
Um dia, o meu pelotão, juntamente com o terceiro, foram destacados para uma operação que consistiria no ataque ao acampamento da "Cantina António". Chegados às proximidades do local, ocupámos as posições, aguardando pelo amanhecer, altura prevista para a concretização do objectivo da missão. Só que, de repente, o 3º pelotão, que estava no flanco esquerdo, levantou-se e feza retirada em debandada. Em face deste acontecimento, o 2º pelotão procedeu da mesma fotma, apesar de não ter entendido os motivos do procedimento daquele pelotão. Drante o recuo, mais uma vez, suportámos o peso de toda a carga do material que levávamos, para empregá-lo no ataque ao acampamento do inimigo, nomeadamente, os obuses de Morteiro - 82 mm e Canhão sem recuo B-10-82 mm. Chegámos a uma machamba pertencente às populações que viviam sob a protecção do inimigo. onde, esfomeados, desfrutámos das maçarocas e da cana-de-açúcar. Regressados à base regional, fomos acusados de culpados pelo recuo e roubo de produtos da machamba. A decisão da nossa chefia tinha sido de chamboqueamento do grupo. Reagindo contra esta medida, combinámos que em caso de sua aplicação, iríamos abrir fogo contra a chefia e a seguir, suicidarmo-nos. Quem salvou esta situação? O camarada Fernando Mungaka, que fazia parte da chefia, foi o nosso defensor, pois argumentou que não tínhamos alguma culpa porque, por um lado, não éramos os comandantes da operação e, por outro, os produtos tinham sido retirados de uma machamba de pessoas que conviviam com o inimigo, o que significava que eram seus apoiantes.
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Fernando Mungaka |
Quinto acontecimento:
Ainda no Niassa, na qualidade da 2ª Secção, do 7º Pelotão, da 2ª Companhia, do 2º Batalhão, recebi a missão de ocupar uma posição dianteira para garantir a segurança da Companhia.Acontece que, passados os 7 dias previstos para uma rendição, os nossos camaradas não compareceram. Esta situação levou ao descontentamento dos elementos da Secção, que se recusaram a ficar de sentinela, alegando terem cumprido a sua missão. Enquanto isso, à noite, os soldados portugueses atravessaram o rio Lugenda e passaram muito próximo do local onde nos encontrávamos, cerca de 10 metros. Ouvimos o barulho dos seus passos, porém, eles não se perceberam da nossa presença. Mantivémo-nos no local até às 12 horas, altura em que a tropa habitualmente almoçava. Aproveitámos essa oportunidade para nos retirarmos, atravessamos o cinturão de soldados, sob a forma rectangular. Infelizmente, caímos numa emboscada, em que perdi 5 camaradas, tendo 3 conseguindo furá-la. Juntamente com 3 camaradas, furei, igualmente, a emboscada e a seguir instalámos-nos junto a um riacho sem água, como abrigo natural. Aqui tive que dividir por 4, as 2 maçarocas que trazia. Foi o nosso jantar!
No dia seguinte, conseguimos regressar à base. A primeira coisa que quis saber foi do paradeiro do meu amigo de infância. Lagos Indimu. Fui informado que este havia saído para confirmar o meu óbito, pois o camarada que passou a informação sobre a emboscada dissera que ele tinha sido o único sobrevivente. Lagos possuía elementos suficientes para identificar o meu corpo, porque iria recorrer ao defeito que tenho no dedo polegar esquerdo, resultado de um incidente, em brincadeira de infância
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General do Exército, Agostinho Henriques Lidimu (Lagos) |
O grupo que Lagos integrava era chefiado por Casimiro Chenjerani, Vice-Comissário Político. Já no local onde ocorreu a emboscada, Lagos fora colocado de sentinela, enquanto se abria a cova para o enterro dos dos parecidos. Um deles tinha sido minado, tendo explodido, logo que o mexeram, levando à morte de Casimiro Chenjerani, do régulo Tchande e mais dois elementos da população. A forte explosão chamou-nos a atenção. De seguida, chegou um camarada, que também nos informou que todos os guerrilheiros tinham morrido, sendo ele o único sobrevivente!
Era a minha vez de me preocupar com o meu amigo Lagos, ao que seguidamente saí para confirmar o seu óbito. Este ainda estava na mata, quando de repente nos encontrámos, porém, cada um a pensar que se tinha deparado com um fantasma! Para tirar a sua dúvida, Lagos fez um grito, chamando pelo meu nome, Salvador! Apercebi-me, pela voz que era ele, ao que respondi: Lagos! Abraçámo-nos, deitando lágrimas.
Sexto acontecimento:
Rafael Mbaki e o seu adjunto, João Nyumbele receberam no último trimestre de 1972, a missão de atacar uma posição colonial em Ntora, a sul de Negomano. Nesta operação, Nyumbele perdeu um dos dedos do pé direito. Depois de curado, foi nomeado Comissário Político do Distrito de Ngapa (Mocímboa do Rovuma). Na formatura, com vista à mobilização dos guerrilheiros para a guerra, fazia questão de exibir o pé direito, como um exemplo de bravura a ser seguido. Pronunciava-se nos seguintes termos:
"Eu não temo o inimigo. Quando vou ao combate e quando zango corto um dedo e deixo no campo da batalha".
Na verdade, os homens de coragem carregam consigo "cicatrizes de história". Nyumbele fez o que acreditava necessário, pelo seu povo e, acima de tudo, pela construção do nosso País.
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Valentina Faquirá, minha esposa, foi a primeira artilheira da FRELIMO, no manuseamento de Morteiro 82mm. Partilhou comigo memórias interessantes passadas por ela, ainda estudante do Centro Educacional de Tunduru, na Tanzânia. Neste centro, teve como colegas, entre outras, Maria Nantamanga, Florentina Madebe, Joana Nacheque e Graça Mselela.Na altura o, o chefe do Centro era Lamberto Laisse.
A respeito das memórias, Valentina, narrou o seguinte:
Primeiro acontecimento:
Um dia fomos destacadas para o carregamento de material de guerra para a Província do Niassa (Niassa Ocidental). Atravessámos atravessámos o rio Rovuma, a caminho do interior de Moçambique, mais concretamente Mitomoni.
Devo confessar que não se tratava de uma viagem fácil, pois implicava marchas de 6 a 7 dias, intercaladas por pequenos momentos de repouso. Passávamos tanta fome e, às vezes, eu recorria à gola da camisa para consumir o meu próprio suor. Como me dava a sensação de salgado, eu divertia-me com ela, ora tirando os nervos, ora como forma de mata a fome. Por falar em fome, ocasiões houve em que metíamos arroz, sal e açúcar nos bolsos, como merenda para suportar as longas caminhadas.
Quando atravessássemos riachos ou pântanos, o arroz ficava humedecido e misturava-se com o sal e o açúcar.
Quando chegasse a ordem de descanso, nós tínhamos a comida "pronta" para a refeição e assim aguentarmos a retomada das longas marchas.
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Valentina Faquirá; em primeiro plano; Maria Namwedi; Armando Abel Assikala e uma criança órfã, na sede do Distrito de Nangade, em 1972 |
Segundo acontecimento:
Numa dessas vezes que carregávamos material de guerra para o interior, na companhia de Maria Nantamanga, entre tantos camaradas, passámos por um sítio onde uma leoa estava rodeada pelas sus crias, Nós nunca tínhamos visto leões tão pequenos, por isso confundimo-nos com gatos. Assim, quando mais próximos estávamos dos leões, deixámos o material no chão e decidimos ir ter com eles, a fim de recolher alguns "gatinhos". Ao ensaiarmos os primeiros passos, eis que um dos nossos chefes nos interrompe, dizendo que s tratava de leões e que corríamos sérios riscos de sermos atacadas. Já adulta e, pensando neste episódio, passei a acreditar no ditado segundo o qual "Deus protege a incência infantil".
Terceiro acontecimento:
Lembro-me de um colega muçulmano, bastante irrequieto, se calhar como eu, naquela idade. Depois do descarregamento do material e do regresso à Tanzânia, calhamos com a enchente de um rio e não pudemos atravessar todos nós, sobretudo porque era tarde. Tivemos que pernoitar naquela margem. Os nossos chefes fizeram questão de nos chamar atenção para não fazermos barulho, porque se tratava de uma zona do inimigo, que presumivelmente estivesse por perto, para nos emboscar. Na manhã do dia seguinte, um camarada nosso, Dikson Ntuwqa, devido ao cansaço e, sobretudo, à fome, começou a gritar, repetidamente, pedindo às pessoas que estavam na outra margem para que trouxessem a canoa, em Yao, "jiche Mutolole" ou seja, vinde buscar-nos.
Como ele não estivesse a acatar a orientação para o silêncio, colocando-nos em perigo iminente, rapidamente, um dos colegas, conhecido por Chakumasonha (Coisa de Masonha, palavra que em Shimakonde significa nome do rio que atravessava o Centro de Tunduru), ameaçou e assim deixou de gritar.
Os depoimentos da Valentina revestem-se de particular importância, porque demonstram o engajamento da mulher moçambicana que, ao lado de homens, suportou várias adversidades da Luta. Nesse sentido, é mister reconhecer que a Independência fpo conquistada com sangue, suor e lágrimas. Difícil, mas fascinante, é a lição de Valentina: quando estão em causa os superiores interesses de um povo, não há estrabismos algum de géneros. Éramos todos chamados a defendera causa da Nação que queríamos erguer,
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Atanásio Mtumuke, Valentina Faquirá e Bernardino Anaiva, 1974 |
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Valentina Faquirá, na Frente do Niassa Oriental. 1972 |
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Rafael Rohomoja |
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Infantário de Nangade, 1972 |
4.2. Participação no distrito de Masasi (1969 - 1971)
A minha função no Distrito de Masasi era a de representar o Departamento de Defesa,. A afectação nesta representação explica-se pela deserção do meu antecessor, Daniel Rafael, levando consigo a esposa do camarada Nkimbizii, assim como valores monetários e outros bens desta instituição. A representação de Masasi estava situada no distrito tanzaniano,do mesmo nome, pertencente à Província de Mtwara.
Refira-se que, grosso modo, o material de guerra de que dispúnhamos ia crescendo ao longo do tempo, quantitativa e qualitativamente. Os nossos principais parceiros no fornecimento de armamento foram a Tanzânia e a Argélia, no início e, depois a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URRS), a República Popular da China, a Checoslováquia, entre outros. A parceria com os países nórdicos estava direccionada, sobretudo, para materiais não letais.
As armas recebidas inicialmente foram Matt 49, Mas 36, Thomson, Mauser, pistolas Garam, Papecha, Bazookas, AKM 47; RPG - 7 e RPG - 2, em exposição, no Museu de Chai (MUCHAI).
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Armas expostas no Museu de Chai, Cabo Delgado |
As primeira rotas de distribuição de material, desde a chegada à Tanzânia e seu transporte pelo interior de Moçambique, obedeciam a vários pontos. Uma vez chegados aos portos da Tanzânia, passava, como é óbvio, por um processo de desalfandegamento. Neste processo, os nossos serviços administrativos entravam em acção, em alinhamento com os serviços migratórios e militares tanzanianos. De entre os combatentes que se distinguiram na logística, figuram Felisberto Vanchalangue e Fernando Juma. Este último granjeou a confiança do Presidente Samora Machel, pela sua dedicação a este trabalho de grande responsabilidade.
Por razões de segurança o material saia à noite de Nachingwea, para as representações do Departamento de Defesa, nomeadamente, Songea e Mkunya, transportado em camiões pertencentes à empresa Tanganyika Transport Company (TTC), vulgo "TEETEEKO). A seguir usando camiões nossos, como ZIL-130, procedia-se à sua redistribuição pelos armazéns existentes ao longo da bacia do Rovuma, a partir dos quais, se fazia uma nova distribuição no interior de Moçambique.
A representação de Masasi tinha sob seu controle, duas sub-representações, nomeadamente, Sindano e Lukwika (nome local e montanha e conhecida por Kisule, em Moçambique), como principais pontos de travessia da Tanzânia para o interior do nosso país e vice-versa. Enquanto a primeira era chefiada por Félix Muasimwamba, a segunda, chefiada por Rafael Mbaki. A partir de Sindano, o material passava pelo Destacamento Limpopo (de segurança), e seguia até à Base Beira, que abastecia o 1º Sector. O outro era transportado até à Base Central, que por sua vez, tinha a responsabilidade de abastecer os restantes sectores. Quanto à sub-representação de Lukwika, esta cabia encaminhar o material para os destacamentos de Nacala e Balama.
Relativamente ao material escolar, refira-se que este depositava-se na Base Beira, donde seguia para o Centro Piloto de Maguiguana.
No que tange aos víveres, estes saíam, igualmente, da Base Beira para os destacamentos Nacala e Balama. Face à longa distância percorrida até ao destino, somente cerca de metade dos mantimentos chegava a estes locais, pois, devido à fome, os membros do Destacamento Feminino e a população que os transportava, viam-se na contingência de consumi-los durante o trajecto de ida e volta, durante uma semana.
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Guerrilheiros atravessando o rio Rovuma, utilizando um barco pneumático. |
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Camião ZIL 130, descarregando material em Lukwika (Kisulu), naTanzânia |
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Guerrilheiros transportando material de guerra, na frente de Cabo Delgado. |
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Ao nos receber no seu território, a Tanzânia tinha a plena consciência de que tal representaria, como se disse, um enorme sacrifício para o seu governo e para seu povo. De facto, como uma independência de menos de uma ano de vida,este país acolheu, além da FRELIMO, a outros movimentos de libertação, sobretudo para treinamento militar, nomeadamente, o MPLA,o ANC da África do Sul, A South West Africa Peoples Organization (SWAPO) da Namíbia e a Zimbabwe African Peoples Union (ZAPU). Estes movimentos estavam sob auspícios do Secretariado Executivo do Comité de Libertação de África, sediado na Tanzânia e tinha como representante o Major Ashim Mbita, mais tarde promovido a General.
De igual forma, desdobrou-se junto das comunidades tanzanianas transfronteiriças com o nosso país, para explicá-las sobre o sentido da luta do povo moçambicano. Esta intervenção resultou num apoio desiteressado por parte das populações tanzanianas. Alguns pescadores facilitavam sobremaneira o processo de travessia de armamento, cedendo as suas canoas. Muitos camponeses de regiões como Mkunya, Sindano e Lukwika, disponibilizaram terrenos para habitação e campos agrícolas. Era a partir da produção agrícola que os camponeses obtinham recursos para a sua sobrevivência naquele país irmão.
A propósito do acolhimento dos moçambicanos, um cidadão tanzaniano de nome Abdul (entrevistado em Lukwika) a 19-11-2018) de 48 anos de idade, conta que não viveu directamente o calor da guerra, devido à sua tenra idade, na altura. Contudo, presou um depoimento interessante, socorrendo-se da memória popular e das aulas de História, leccionadas no seu país. Referiu que à região de Lukwika chegaram muitos moçambicanos, sem qualquer documento de identificação. Porém, em reconhecimento da sua situação de refugiados, os tanzanianos os recebiam nas suas residências de serem familiares.
Chiabo Bachir, de 81 anos, entrevistado em Mtwara, sublinhou o seu envolvimento no acolhimento de moçambicanos, em que algumas reuniões organizacionais contaram com a participação de altos dirigentes tanzanianos, como Rachid Kawawa, Vice- Presidente da Tanzânia.
Devido a esta série de apoios , a partir de 1967, a Tanzânia veria algumas infraestruturas sistematicamente sabotadas, como o porto de Mtwara, por ocasiões combinadas entre as forças portuguesas, sul-africanas e rodesianas e, ainda ataques aéreos a locais situados ao longo da bacia do rio Rovuma, como Mkunya, Newala e Masasi e, outros relativamente distantes, como Rufiji. As populações dos arredores da cidade de Mtwara, assim como de Sindano e Lukwika, têm na sua memória a construção de abrigos anti-aéreos, para se defenderem dos ataques da aviação colonial portuguesa. Algumas pessoas ainda see recordam do seu envolvimento em acções de vigilância, face à infiltração do inimigo, que atravessava o rio Rovuma para o seu país.
5. Operação Nó Górdio
5.1. fundamentos Político. estratégicos da Operação
Nos finais da década de 1960, não obstante os avanços militares, as contradições no seio da FRELIMO tinham atingido níveis preocupantes. tendo se traduzido em assassinatos e deserções. Com efeito. a 9 de Maio de 1968, nos escritórios da Frelimo, em Dar-es-Salaam, foi selvaticamente agredido Mateus Sansão Muthemba, vindo a morrer a 9 de Junho do mesmo ano. Já no fim desse ano, a 22 de Dezembro, foi assassinado Paulo Samuel Kankhomba, na região de Mkunya, território tanzaniano junto ao rio Rovuma, quando este se preparava para entrar em Moçambique.
No início do ano seguinte, a 3 de Fevereiro de 1969, morreu também por assassinato, o Presidente Eduardo Mondlane, em Dar-es-Salaa.Após a morte de Mondlane, Lázaro Nkavandame, um dos dirigentes da FRELIMO, desertou, a 16 de Março, entregando-se ao regime colonial português, na companhia de 14 seguidores seus, entre chairmen e milicianos. Este acontecimento foi anunciado dias depois, a 3 de Abril de 1969. o Padre Matias Gwendjere viria, igualmente, a desertar, passado algum tempo.
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Padre Matias Gwendjere |
Compulsando estes factos, em desfavor da FRELIMO, e concordando com António Augusto dos Santos, as autoridades portuguesas fizeram um "mau estudo",, na avaliação da situação político-militar vigente. Portugal concluiu que a FRELIMO estava de tal modo debilitada política, moral e militarmente, a ponto de que uma operação do tipo Nó Górdio, iria retirar-lhe da desvantagem em que se encontrava. Foram estes os fundamentos políticos em que assentou a concepção da Operação.
No seio dos guerrilheiros da FRELIMO, o conhecimento sobre o Nó Górdio chegou por volta dos finais de 1969 e início de 1970, apesar de algumas fontes se referirem aos anos de 67/68. Foi, na verdade, a 8 de Abril de 1970, que os preparativos desta operação tiveram lugar, sucedidos pela tomada de posse de Kaúlza Oliveira de Arriaga, como Comandante-Chefe de Moçambique, a 31 de Março de 1970. Os guerrilheiros aperceberam-se de alguns sinais substantivos da sua preparação , através dos mídia, das denúncias de um desertor do exército colonial, da calmia nas intervenções militares, a qual suscitou dúvidas e, por último, os alertas feitos pela Direcção da FRELIMO.
A respeito dos mídia, Amândio Chongo referiu que:
(...) muitos de nós, cada um de nós, quase todos os comandantes escutavam rádio, nós acompanhávamos a rádio, essa emissora de Lisboa, essa emissora de Lourenco Marques, e ouvíamos que o tipo de trabalho que se iria realizar na parte do governo português era um trabalho de grande envergadura.
No dia 10 de Junho, Arriaga organizou, na cidade de Lourenço Marques, uma cerimónia com a participação das forças especiais que iriam ser incorporados na Operação Nó Górdio. A concordar com Martelo, esta era uma tentativa de dar o "cheiro" da guerra à população desta cidade e de auto-promoção. A mesma fonte acrescenta que "a cerimónia teve uma ampla cobertura da comunicação social não só de Moçambique, como ainda da Rodésia (Zimbabué) e
da África do Sul.
Quanto às denúncias do desertor português, este destacou a abertura de uma grande pista em direcção às nossas bases e a existência de um Quartel de Engenharia de Assaltos; uma companhia de Cães de Guerra, duas Companhias de Comandos e três companhias de Grupos Especiais. Miguel Ambrósio Makwadju, que era o Comandante da Base Beira, revelou que notou movimentações estranhas da força aérea colonial, tendo passado esta informação ao camarada Cândido Mondlane, então Chefe Provincial do Departamento de Defesa de Cabo Delgado, que, por sua vez, fez chegar o alerta à Direcção da FRELIMO. Na mesma linha, Virgílio Minga referiu que este desertor foi encaminhado para Nachinngwea, a mando de SamoraMachel, onde, provavelmente, terá feito mais revelações de vulto.
No que concerne à acalmia, o Presidente Samora Machel, que se encontrava de visita à Litapata, em Cabo Delgado, em Março de 1970, exortou os guerrilheiros, dirigindo-lhes a seguinte mensagem:
Há que reverem a situação, porque o inimigo está a preparar alguma coisa, um inimigo não pode estar quieto! Porque o silêncio do inimigo significa muita coisa, não podemos dormir quando o inimigo nos faz dormir; ser embalado pelo inimigo significa muita coisa(...) cuidado! Fala-se de um general, esse general que está aqui; treinou em grandes escolas militares, é preciso ter atenção!
5.2. Operações Doninha; Dureza e Rodovia
Em Junho de 1972 iniciou a fase preliminar da Operação Nó Górdio, a qual consistiu no "penteamento" da parte onde se localizavam as principais bases da FRELIMO, designadamente, Moçambique, Ngungunhane e Nampula, através da abertura de picadas e derrube de árvores, com o intuito de cortar o cordão umbilical que nos ligava as estas bases.
A tropa colonial realizou primeiro, a Operação Doninha, que culminou com o ataque à Base Beira, a 1 de Junho, capturando o Destacamento Limpopo e, no mesmo dia, efectuou as operações Dureza e Rodovia. Relativamente a este assunto, Nalyambipano refere que Nkavandame, que era fugitivo desde o ano anterior, foi traidor neste processo, por ter mostrado o esconderijo do material ao inimigo.
A respeito do ataque à Base Beira , Makwadju afirmou que a sua posição apercebeu-se das movimentações do inimigo, pelo que preparou-se para a reacção. Referiu que, um dos carros em que estavam os soldados inimigos progrediu na zona de Chicalanga até à de Shilamalilamedi, onde tinham estabelecido um grande acampamento, que o chamavam de "Acampamento Mãe", ppois era daqui que irradiavam as suas operações. Makwadju acrescentou:
Todos passámos aa controlar os movimentos. Eu destaquei 3 morteiros e acampámos numa pequena colina, nas proximidades da Base Beira. Pela madrugada do dia 1 de Junho, em combinação com a Força Aérea, efectuaram um bombardeamento à Base Beira. Nós não reagimos, apesar de que estávamos a ver tudo o que acontecia. Quando foram dormir, destaquei um grupo de reconhecimento, chefiado pelo camarada Xavier Aleixo Chikuterane, que nos confirmou que os soldados portugueses preparavam-se para o jantar. A seguir, os camaradas Eugénio Sabão e Ernesto Zacarias Maulan, comandando 2 pelotões, com morteiros de 82mm, aproximaram-se e abriram fogo. Não jantaram nesse dia . Deixaram muita ração de combate, como queijos, sardinhas e incluindo um bom vinho. Recolhemos estes produtos e, alguns mandámos para a Base Central que se encarregou por fazer chegar uma parte a Nachingwea. Nos também bebemos um pouco do vinho, porque durante a Luta Armada não era proibido beber, mas também não era autorizado.
José Matias Mugalla, que na altura estava afecto ao Destacamento Limpopo, referiu que o comandante era Mateus Malichocho e o Secretário, Augusto Mwandinda. O comando da Artilharia estava confiado a Crisanto Muchanga, sendo adjunto, Geraldo Mtumbate. Demonstrando um elevado sentido de pátria, Mugalla dirigiu-se nos seguintes termos:
Lembro-me dos soldados portugueses a abrirem picadas. para atingirem o Limpopo. O Secretário do material , Augusto Mwandinda, tínhanos orientado para que, enquanto se abrissem as picadas, cada Secção (12 elementos) fizesse, no mínimo, uma operação para impedir o ímpeto da progressão da tropa colonial. No entanto deparámos-nos com imensas dificuldades para desbaratá-la, devido à estratégia que usava, de colocar forças nas laterais, à frente assim como atrás das máquinas (bulldozers). Vimo-la a progredir, sem podermos contra atacá-la, pois era assistida por aviões Harvard T6 e Fiat G91 e helicópteros Alouett III. Quando atingiram a Base Limpopo, descobriram o depósito de armamento.. Tratava-se de material em trânsito, para abastecermos o 2º e 3º Sector. Retirou-no. A seguir foi para o depósito secundário e usando helicópteros recolheu todo o material para Mueda. Chorei, caíram-me lágrimas. Nervosos, pedimos ao camarada Augusto Mwadinda para realizarmos uma operação de contra-ofensiva, mas este não nos autorizou, pois estávamos enfraquecidos.
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José Matias Mugalla |
5.3. Execução da Operação Nó Górdio
O conceito da Operação assentava no cerco e batida com grandes meios, prevendo o isolamento da área tratada poe Núcleo Central do Planalto dos Makondes, onde se encontravam as nossas bases principais, Ngungunhane, (Base Provincial de Artilharia), Nampula e Base Central de Moçambique (Provincial), como foi referido. O cerco seria numa extensão de 140 Kms, ao longo dos itenerários Mueda, Sagal, Muidumbe, Nangolo e Miteda.
De acordo com o plano concebido pelo General Arriaga, conseguindo isolar-se a área, seguir-se-ia o assalto e destruição daquelas bases. As acções militares deveriam ser conjugadas com uma intensa campanha de acção psicológica, para provocar a nossa rendição e desmoralização. Foram envolvidos cerca de 8 mil soldados, cuja mobilização e acção representou o maior investimento militar efectuado por Portugal, relativamente às outras colónias em guerra, isto é Angola e Guiné-Bissau
OPERAÇÕ NÓ GÓRDIO --- TEATRO DE OPERAÇÔES
A Operação foi levada a cabo, de 1 de Julho a 6 de Agosto de 1970, tendo sido testemunhada, no primeiro dia, pelo seu mentor, o general e católico Kaúlaza de Arriaga. Refira-se que neste triste dia e indelével na memória de muitos guerrilheiros moçambicanos, o chefe máximo da Igreja Católica, Papa Paulo Vi, recebia no Vaticano, os guerrilheiros Marcelino dos Santos, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Este aspecto será analisado no capítulo sobre a Religião e a Luta Armada.
Uma vez iniciada, a Operação decorreu numa acção combinada entre as forças de Infantaria, Marinha de Guerra e Força Aérea. À medida que as forças iam progredindo, com o apoio de aviões do tipo Dakota, emitiam mensagens persuadindo as nossas populações para se apresentarem voluntariamente a si, porque alegadamente ofereciam melhores condições de vida. As mensagens incorporavam conteúdos aliciantes que, por sinal, constituíam um dos "calcanhar de Aquiles", no seio da FRELIMO, desde a sua génese, o tribalismo. A expectativa colonial era atrair, massivamente, as populações.
Assalto à Base Ngungungunhna
A Base Ngungungunhna tinha sido classificada no plano de Arriaga, por Objectivo A. No ataque a tropa colonial empregou, basicamente Companhias de Comandos, nomeadamente, a 1ª Companhia de Comandos Motorizados; 17ª ; 18ª ; 23ª Companhias de Comandos, Companhias de Caçadores 2666 e 2730; DFE 11 (Destacamento de Fuzileiros Especiais), dois Pelotões Morteiros e destacamento de Engenharia . Foi assaltada no dia 1 de Julho de 1970.
Assalto à Base Nampula
O assalto à Base Nampula, designada por Objectivo C, foi realizado no dia 15 de Julho, tendo sido empregues, essencialmente fuzileiros. Há referências da intervenção do Destacamento de Fuzileiros Especiais 5, Destacamento de Fuzileiros Especiais 11; 18ª e 21ª Companhias de Comandos; Pelotão de Morteiros 81mm; Destacamento de Engenharia; entre outras forças,
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Kaúlza de Arriaga, de bengala, com o seu Estado Maior na Base Nampula |
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Tropa colonial portuguesa em marcha |
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Kaúlza de Arriaga, de visita ao quartel de Mueda |
Armando Chongo caracterizou estes ataques com uma ligeira diferença na abordagem sobre as datas, mas com uma forte precisão nos meios utilizados pelo inimigo, eventualmente influenciado pela sua especialidade de artilharia. A respeito da Operação, traçou o seguinte cenário.
O dia 1 de Julho foi o início dos agrupamentos; no dia 3 de Julho são os Pára-quedistas que avançaram para a base B - objectivo B; são tropas que partiram de Nangololo, passando por Nkapota. No dia 4 de Julho os Comandos chegaram à Base Beira, mas não apanham o que eles conheciam (...). Era uma base muito antiga, daí eles falharam a tentativa de assalto a essa pprimeira base. Só no dia 6 de Julho é que Gungunhana foi de facto atacada. No mesmo dia 6 e 7 de Julho a base Moçambique foi atacada por tropa-paraquedistas, enquanto Gungunhana foi atacada por Comandos. No dia 12 de Julho, os fuzileiros Navais atacaram a base Nampula,
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Parte do armamento capturado no Destacamento do Limpopo. Op. Rodovia e Rudeza |
5.4. Contra-Ofensiva à Operação Nó Górdio
Quando as incursões das tropas coloniais tiveram início, o plano de Contra-Ofensiva da FRELIMO já estava em prática. As bases que seriam alvo da Operação tinham sido desactivadas, as populações abandonado as áreas do previsível "teatro de operações", pelo que não se verificaram capturas do nossa lado, nem apresentações às forças inimigas, apesar das intensas campanhas de acção psicológico.
Na sua apreciação final sobre a Operação, o Comando Português reconheceu que a FRELIMO tinha seguido as máximas de Sun Tsu, de retirar quando o inimigo ataca, de o atacar quando ele se movimenta.
No âmbito da Contra-Ofensiva, o "Conselho de Litapata", procedeu à reestruturação do Comando provincial de Cabo Delgado, apostando nos seguintes quadros: Cândido Mondlane, como Chefe de Defesa Provincial, Amândio Rafael Chongo, acumulando as funções de Chefe Provincial de Artilharia e Chefe Provincial de Operações; Calisto Migico Malido, como Comissário Político Provincial e Enoque Agostinho Pimpão Mavota, como Vice-Comissário Político Provincial.
De igual modo, o Presidente Samora Machel tomou uma série de medidas geo-estratégicas, entre elas:
1) dispersão dos destacamentos e concentração das unidades em pequenos grupos para se evitar ou minimizar danos humanos, em casos de ataques inimigos de grande envergadura.
2) reforço da logística e das acções de reconhecimento.
3) aumento dos ataques para se agitar o inimigo.
4) colocação de minas nas picadas que iam sendo abertas
5) reforço da mobilização popular, face à Operação.
Em Maio de 1970, a PIDE/DGS e os serviços de inteligência militar portuguesa tiveram indício do reforço Frente de Tete, em contraposição à Operação Nó Górdio. A 11 de Maio, cerca de 210 guerrilheiros, dos quais 100 vindos da Tanzânia e 110 recrutados localmente, estavam posicionados em Fort Johnson, na Zâmbia, para serem infiltrados em Tete. Os espiões portugueses tiveram conhecimento que, entre 25 e 27 de Maio, 20 guerrilheiros estavam prontos no centro de treinos de Nachingwea, para seguirem a esta província. Acrescenta, ainda que em Nachingwea existiam 80 recrutas idos de Tete, a receberem especialização.
mmmmm
Esta informação passou a ser motivo de preocupação dos portugueses, temendo esta estratégia samoriana (referente a (Samora Machel) . No dia 12 de Junho, o Presidente Samora concedeu uma conferência de emprensa, em Dar-es-Sallam, anunciando o bloqueio das obras da Barragem de Cahora Bassa (refira-se que o objectivo colonial deste empreendimento era o de impedir o avanço da Luta Armada para o Centro e Sul do país, através da albufeira e do povoamento que surgiriam, formando uma zona tampão), alegando ser a prioridade militar da FRELIMO naquele momento. Consequentemente,faltando apenas 18 dias para o início do Nó Górdio, Portugal viu-se na contingência precipitada de 12 de Maio de 1970, um carro do inimigo tinha accionadomovimentar militares e material bélico para a Província de Tete, desviando-se, assim,para um objectivo não planificado. Caíra, redundamente, no golpe psicológico de Samora Machel.
Para contrapôr a Operação, a FRELIMO ia consolidando as suas conquistas militares e, sobretudo, fazendo demonstração de forças. Neste domínio, foram destruídos e aniquilados vários meios militares e humanos do inimigo. Segundo o comunicado de guerra emitido pelo 1º Sector de Cabo Delgado, a 6 de Maio de 1970, assinado por Marcos Sebastião Mabote, foram mortos 13 soldados coloniais, numa emboscada efectuada na estrada entre Negomano e Ngapa, local conhecido por Mikunga.
Uma semana depois deste acontecimento, a tropa colonial sofria mais um revés. Com efeito, outro comunicado de guerra, assinado igualmente por Mabote, indicava que a 12 de Maio de 1970, um carro do inimigo tinha accionado uma mina, na estrada que liga Mocímboa do Rovuma a Negomano. Este meio foi destruído e 16 soldados colocados fora do combate. O aludido comunicado refere a uma intervenção bem articulada entre as nossas unidades regulares e forças de milícias, tendo resultado no abate de 18 soldados que, idos de Mocímboa da Praia, estavam em serviço de aldeamento nas zonas de Ulumbe e Quissanga. Neste ataque foi capturado uma arma Mauzer NC-5420. No dia seguinte, 13 de Maio de 1970, na estrada que liga Mocímboa da Praia a Mueda, às 7 h30 minutos, 6 soldados do inimigo foram abatidos.
As acções de sucesso contidas nestes comunicados de guerra são testemunhadas pela próprias vítimas, o Exército Colonial. A este respeito, Aniceto Gomes, oficial do exército português fornece informação relevante, nos termos que seguem.
Nos três meses antes do início da operação, Abril, Maio e Junho de 1970, a FRELIMO executou 1079 acções sendo 78% delas (841) em Cabo Delgado, de que se destacam 33 flagelações e emboscadas e a colocação de 649 minas, das quais as forças portuguesas accionaram 116. Nestes três meses, estas acções da FRELIMO provocaram às forças portuguesas 39 mortos e 269 feridos graves, dos quais 21 e 110 respectivamente em Cabo Delgado.
Ao nível da Província de Cabo Delgado, materializando-se as estratégias de Litapata, foi produzida uma circular assinada a 1 de Julho de 1970, por Calisto Migico Malido, Vice-Comissário Provincial. Este documento era dirigido aos comandos operativos distritais, alegando para a necessidade de redobramento de esforços por parte dos guerrilheiros, face às novas estratégias de guerra, introduzidas por Kaúlza de Arriaga. A circular tinha o teor indicado na página seguinte:
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Numa espécie de balanço da Operação, Silva Cunha, que fora ministro do Ultramar e depois ministro português da Defesa Nacional, fez elogio à "à estratégia samoriana". Referiu que "(...) actuação de Kaúlza não só foi um desastre, como acabou por reforçar a guerrilha, pois, quando ele, com numerosos efectivos, tentou expulsá-la do Norte, acabou por se infiltrar em Tete".
Relativamente às baixas do nosso lado, importa referir que são absolutamente incorrectas os dados trazidos por Kaúlza de Arriaga, cujo relatório sobre a Operação faz menção à morte de 651 guerrilheiros nossos e captura de 1840. E ainda, por Jr. Westfall, que aponta a destruição de 61 bases e 165 campos da FRELIMO, bem como a captura de 40 toneladas de munições.
Deste modo associo-me plenamente ao posicionamento de Calisto Migico Malico, Comissário Político de Cabo Delgado, que no seu relatório referente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro, datado de 24 de Dezembro de 1970, ridicularizou os "feitos" de Arriaga , afiirmando:
O remédio que serve para curar o colonialismo Português é a Luta Armada Revolucionária (...) usando a sua personalidade incomparável, o inimigo multiplica assuas tropas terrestres, estas apoiadas pela artilharia pesada e aviação violam as nossas Zonas Libertadas, à custa de muito sacrifício. Todavia, é digno dizer que o número de sacrifícios ou seja prejuízos, não corresponde sequer a centésima parte daquilo que gastaram. A cena dramática dos sobrevoos de helicópteros, aviões simples, aviões a jacto e os efectivos de soldados de Infantaria, parece estranguladora. Mas, na essência, não deixou de ser um asimples ameaça para amedrontar as nossas populações.
Na mesma senda, Cândido Mondlane, ironicamente, remeteu a culpa do fracasso da Operação à própria estratégia adoptada por Arriaga. Destacou o que chamou de ineficiente conhecimento da guerra da guerrilha, que Arriaga estava a enfrentar. Qualificando de incautos, prepotentes e barulhentos os soldados portugueses envolvidos na Operação, Mondlane salientou o seguinte:
Avançavam com canhões, ou avançavam com aviação, helicópteros, em cima, e isso permitia aos guerrilheiros da FRELIMO verem a direcção que estava sendo visada por eles. Quando avançassem para uma determinada direcção, a sua retaguarda era atacada pelos pequenos grupos de guerrilheiros formados para o efeito. (...) na zona de Nangude eles sofreram emboscadas que os obrigaram a paralisarem o seu avanço em direcção a Muidumbe. Mais tarde, o Comando da guerrilha da FRELIMO em Cabo Delgado ficou a saber que os portugueses nem sequer tinham disposto de tempo para recorrer aos seus helicópteros para o transporte dos seus mortos, o queos levou a recorrerem aos bulldozers para enterrar os cadáveres ali no local.
A vitória da FRELIMO sobre a Operação Nó Górdio foi encarada com um significado enorme por parte dos guerrilheiros, não somente porque tivéssemos vencido um inimigo munido de um grande potencial bélico, mas porque se consolidavam as Zonas Libertadas, que já as tratávamos por Estado, Numa mensagem dirigida aos professores, reunidos em Namitego, no dia 16 de Agosto de 1970, Cândido Mondlane teceu as seguintes considerações:
Neste momento histórico que o progresso do nosso Estado vai manifestando, concretamente a concorrência de domínio com o Estado invasor, na extensão de terras, no aumento das populações e na ascendência do intelecto das massas, o colonialismo vai reconhecendo admirado e de antemão abatido, as nossas qualidades, como também que o Povo insubordinado por essência no modelo de escolha do modelo na escolha do modelo de vida na nossa livre revolução Moçambicana. É científico afirmar que o homem quando vive num meio ou ambiente desfavorável à sua vida, à sua boa vida, a sua inteligência humana transforma o ambiente, para dar facilidade à boa possibilidade de vida. Se é que Moçambique vive no mundo vive num meeio que o oprime, é cientificamente evidente que é infalível a transformação deste meio opressor para o meio de vida livre, vida fácil, por isso, para nós, é indubitável a conquista total da nossa Independência (...)
5.5. Uso de Armas Químicas e Biológicas
A seguir ao Nó Górdio (esta Operação estendeu-se para além de 1970) propriamente dito, o regime colonial português realizou uma intervenção militar condenada internacionalmente, o uso de armas químicas, na Província de Cabo Delgado. As primeiras informações a respeito do uso de armas químicas numa guerra de contra-subversão provêm da Malásia e do Quénia, onde com elas os ingleses pretendiam limpar as bermas das vias de comunicação e os refúgios dos guerrilheiros.
Em meados da década de 1970, o uso de herbicidas e desfolhantes aconteceu no Zimbabwe, envolvendo este país, a África do Sul e Portugal, contra a população negra. Antes, os portugueses tinham tido convite de Ronald Waring, um especialista desta área, para usar estas armas em Angola, desde 1961. Estas armas viriam a ser usadas depois, naquele país, à semelhança de Moçambique, em prossecução, em prossecução da política de percussão das populações, para estarem do lado das tropas coloniais.
Neste sentido, há fortes evidências de pulverização com desfolhantes em Angola, em 1969 e 1970. Isto visava, por um lado, aumentar a segurança das tropas portuguesas no Norte do país, através da eliminação dos potenciais locais de emboscadas e de refúgio dos guerrilheiros. Por outro, a intenção era destruir a base alimentar das populações, causar doenças no seu seio, bem como provocar a morte de animais, especialmente do gado.
Em Moçambique, cujas evidências encontrámos em Cabo Delgado, esta operação desumana tinha por finalidade o apodrecimento de produtos agrícolas, particularmente a mandioca, principal alimento da população e dos guerrilheiros. A este respeito, em, 1972, Aníbal Malichocho reportou o seguinte:
O (...) inimigo, depois de se ver derrotado no campo de batallha (...) já recorreu a meios mais desumanos para privar-nos de comida e assim passarmos fome (...)as coisa que ficaram mais atingidas foram as seguintes: mandica, gergelim e amendoim. Quanto às folhas de mandioca já envenenadas quando alguémcome sofre perturbações estomacais e provoca forte tosse. Esses aviões que lançam são protegidos por aviões bombardeiros, aviões a jacto e helicópteros.
A utilização de armas biológicas viola os princípios do Direito Internacional Humanitário. Assim, a atitude tomada pela tropa colonial é contrária a estes princípios.
6. Ofensiva Generalizada para todas as Frentes
6.1. Pressupostos Político-Estratégicos da Ofensiva
Os anos de 1971, 1972 e 1973 continuaram a ser bastante violentos no "teatro de operações". Por um lado, o regime colonial pretendia ainda salvar a honra já perdida na Operação Nó Górdio e, por outro, a FRELIMO desdobrava-se na recuperação dos progressos da Luta, que tinham retrocedido devido a esta Operação. Para o efeito, a FRELIMO reforçou as suas estratégias no campo militar e intensificou os combates. O aspecto mais marcante foi o uso de acções combinadas, entre as especialidades de infantaria, comunicações e infantaria, em que esta última desempenhou um papel primordial.
Convém referir que, o quadro político-militar que se seguiu ao fim do Nó Górdio era de uma batalha ganha, porém, como é apanágio das guerras, tinha havido algumas baixas do nosso lado. Em 1972, o Departamento de Defesa efectuou um trabalho profundo nas regiões flageladas pela Operação, o qual foi classificado por "Estudo Sobre os Sub-Distritos".
Assim, de 1 a 12 de Março, decorreramestuos sobre Mueda, Negomano, Ngapa e Nangade, com o objectivo de avaliar o estágio geral da prontidão combativa. Constataram-se cenários desafiantes, caracterizados por falta de motivação de alguns comandantes nossos, fuga de guerrilheiros dos destacamentos, falta de roupa para os guerrilheiros e incumprimento do plano dos 3 combates por semana.
Do lado das populações, eventualmente devido à estratégia de "mata e esfola" utilizada por Kaúlza de Arriaga, notou-se que muitas deslocou-se à Tanzânia, a pretexto de visitas a familiares, não tinham regresso. Assistiu-se também, ao abandono de material de guerra carregado das fronteiras para as bases, mulheres que lamentavam falta de maridos, ausência generalizada de instrumentos de trabalho, como enxadas e catanas, ainda, a escassez desal e vestuário, assim como a infiltração massiva de agentes do inimigo.
Vivia-se, desta forma, uma situação de debilidade, tanto na Frente do Niassa, como na de Cabo Delgado. Contudo, estávamos imbuídos do espírito de vitória, o que nos galvanizou a desrnharmos estratégias de avanço da extensão da Luta para outras províncias. Foi com base nesta realidade que o Comité Central da FRELIMO, em Dezembro de 1972, tomou a decisão da realização da "Ofensiva Generalizada para todas as Frentes".
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Presidente Samora Machel, mobilizando os guerrilheiros.
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A operacionalização desta decisão figura no discurso do Presidente Samora Machel, proferiu na "reunião com um batalhão", a 23 de Julho de 1973. Neste encontro, Machel chamou a atenção para a valorização da Unidade Nacional, como força motriz do sucesso de huerra.++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
**********************************************************************************Na sequência da Operação Nó Górdio, a FRELIMO decidiu reforçar algumas especialidades, efectivos e adquirir armamento mais sofisticado. Foi assim que em Março de 1972, fui enviado à URSS, no Centro de Instrução de Simferopole, localizado na Crimeia, Ucrânia. A minha integração no grupo é algo em emorável, pois eu não tinha sido seleccionado, mas no dia da viagem, o camarada que devia ir à formação, Cândido Mondlane, não se apresentou para o efeito. Estava a dormir, eventualmente exausto! Beneficiei do salvo - conduto que tinha, na sequência de uma viagem que fizera a Pyongyang, na Coreia do Norte, em 1971, na Conferência Internacional da Juventude, para representar a Juventude Moçambicana, tendo sido Chefe da delegação, Eduardo Coloma.
O nosso contingente integrava 3 grupo de camaradas, tendo Daniel Polela como Chefe Geral. O meu, chefiado por mim, ia frequentar Artilharia Terrestre. Eate integrava camaradas como Eusébio Raposo, Marcelino Nanula, Bernard Francisco Changamire, António Pedro Simango, General Zacarias e João Machado. O segundo, chefiado pelo camarada Joaquim Munhepe , ia cursar Comunicações, integrando entre os demais, Cornélio Focas, Henrique Vidigal. O terceiro grupo, chefiado pelo camarada João Américo Fumo, era da Artilharia Anti-Aérea, em que faziam parte Rafael Fumo, e Remígio Anadabula. Enquanto isso, outras camaradas frequentavam o curso de artilharia em Arusha, na Tanzânia, chefiados por Miguel Ambrósio Makwadju, O grupo incluía, Fanuel Mateva, Jorge Benício e Macsonald Chulo.
Com efeito, a nossa formação consistiu na utilização de armamento moderno, como Estalação B-11-P ou Grad-P 122,4 mm, Canhão sem recuo B-10 de 82 mm, Morteiro 82 mm, enquanto ao nível da artilharia anti-aérea, os camaradas eram treinados no uso de armas como DCK-12,7mm e ZGU-1-14,5 mm e Míssil Portátil Strella 2M.
Ainda no tocante ao curso na URSS, entre outras coisas, a memória que guardo é referente à disciplina que tive que impor no meu grupo. Ciente dos desafios militares que tínhamos no país e como forma de honrar o facto de termos sido seleccionados para a formação, organizávamos estudos em grupo, para a revisão permanente das matérias recebidas. Como enfatiza um colega de curso, devido à nossa aplicação no Centro de Instrução e rigor na disciplina, "voltamos sãos, salvos e bons".
Regressados à Tanzânia, em Maio de 1972, em Maio de 1972, porque éramos um grupo com uma formação especial, a Direcção da FRELIMO isolou-nos de outros guerrilheiros, para que não houvesse fuga de informação a respeito do conteúdo da nossa formação e, sobretudo, do tipo de armas que sabíamos manusear.
Saímos de Dar-es-Salaam para o Centro de Preparação Político- Miltar de Nachingwea, vestidos de fato e viajámos num autocarro de luxo. Chegados a este centro, os nossos movimentos eram bastante vigiados pela nossa segurança, mesmo nas deslocações entre as casernas e o refeitório.
Em Nachingwea fomos divididos em três grupos, distribuídos por Tete, Niassa e Cabo Delgado. Eu fui afecto à Província de Cabo Delgado, na base Beira, à altura, chefiada por Cosme Nyusi, mais tarde substituído por Because Lukanga. O 1º Sector, à minha chegada, era chefiado por Hilário Makumbi. Posteriormente o substitui das funções, tendo acumula com as funções de Chefe de Artilharia deste Sector e Adjunto- Chefe Provincial de Artilharia. O Comando de Artilharia do 1º Sector, integrava camaradas, como José Sampaio, Chefe Adjunto), Eusébio Raposo, António Pedro Simango, Marcelino Nanula, Fanuel Mateva, Rafael Awenavila, Bernardo Changamire, Macdonald Chulo, João Machado Ngungunyana.
6.2.
Quando cheguei ao interior de Cabo Delgado, em 1972, a Luta Armada já ia no seu oitavo ano e havia avançado bastante em técnicas e equipamento de combate. O 1º Sector estava em plena ofensiva generalizada, rechaçando uma série de incursões inimigas, Dentre tantos combates, o mais memorável, que comandei, foi o ataque ao Quartel de Mueda, a 18 de Setembro de 1972, Este ataque é descrito num relatório do Departamento de Defesa (DD).
No dia 12 de Agosto foi àquele posto uma equipa de reconhecimento, durante três dias. O inimigo atento: Retomou-se a 15 de Setembro de 1972. As forças foram realçadas com um total de 644 homens do I e II Sectores de todasas forças principais, milicianos e populares armados. No dia 18 de Setembro pelas 17h30 a nossa artilharia pôs-se em fogo incomensurável. As nossas forças dispunham quatro granadas, com 49 roquetes, três Canhões de 75mm com 36 obusesarmaFBM/, três Canhões B10 e igualmente com 36 obuses, uma anti-aérea 12,7 mm, 12 MMGs e 4 peças russas (...). Do avião abatido capturámos o seguinte material: 1 arma FBM /38 N23297; 1 pequeno rádio estragado da marca Mouting - 1620 -Ar Telefuken-Modelo IDENT,N50-339.1499; 1 estojo de ligaduras; 81 munições , calibre 9mm; uma peça do próprio avião Havard N.55-24027
Sublinhe-se que este ataque foi considerado de grande envergadura, mesmo pelo Exército Colonial, A respeito um Oficial do Exército Português diz o seguinte:
Às 18h30, ao lusco fusco , os militares do aeródromo de Mueda começaram a ouvir uns fortes zumbidos, por cima das cabeças, seguidos de rebentamentos à distância, que se vão aproximando-se do quartel. O alerta é estabelecido e o capitão Estivinho, com o furriel Vaz de Carvalho como apontador, descola no helicanhão e dirige-se oara a área onde saem os disparos, abrindo fogo. Imediatamente constata que a reacção antiaéra, disposta numa linha de metralhadoras pesadasZPU de 14mm. é fortíssima e os disparos do canhão, denunciando a posição do AL de 14 mm, expoêm-no fogo inimigo e ao abate certo. O capitão Estevinho manda o furriel Carvalho cessar os disparos e pede para a base, apoio aéreo de aviões Fiat e T-6. Já com pouca luz descolam
dois com os furrieis Semedo e Varela aos comandos, armados de foguetes e metralhadora e descolam com um pequeno intervalo, enquanto o capitão Costa Joaquim e o alferes Zagalo põem em marcha as turbinas do Fiat, O capitão Estevinho, apercebendo-se que o furriel Vilela se dirige directamente para a área dos disparos, agora em silêncio, ainda tenta avisá-lo para que circunde a área a fim de atacar à retaguarda, mas não é ouvido. O furriel Semedo efectua a manobra de envolvimento e o avião do furriel Vilela, iluminado pela lua, é alvo das antiaéreas e é abatido, despenhando-se em chamas. Entretanto, com os Fiat, o T 6 e o heli reagindo fortemente, o inimigo retira--se.
Em Janeiro de 1973, continuávamos com as nossde Dezembro. Uas incursões. Desta vez realizámos um ataque de que resultaram mais danos assinaláveis do lado do inimigo. Como se atesta no Comunicado de Guerra do DD, com a Refª COIs "DD" CD, N 1/73, Beira (11-01-73) "Ofensiva a Nangade", assinado por mim, lê-se o seguinte:
Reconhecimento bem feito na última 5ª feira Dezembro. Uma secção de 15 camaradas armados de 3 bazookas e metralhadora atacou o posto de Nangade pelas 21 horas do dia 1 de Janeiro de 1973, enquanto os soldados passavam as festas de Ano Novo. A progressão a 100 metros de distância. A cantina foi atingida por 3 roquetes de bazookas (...) 4 roquetes incendiaram o motor eléctrico . Infringimos a morte de 8 soldados portugueses e 10 feridos. Ao nosso lado não se registou qualquer dano.
Com base nestas reflexões, as considerações apontam que o Nó Górdio foi uma ofensiva em que os portugueses tinham como objectivo aniquilar a FRELIMO em pouco tempo, primeiro no interior, sendo o foco principal a Província de Cabo Delgado, e, segundo, no exterior, onde estavam instaladas as suas bases militares, sobretudo na Tanzânia.
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Comando Provincial de Cabo Delgado. Da esqª para a Dirª: João Facitela Palembe, Vice-Comissário Político Provincial; Focas Zacarias Assikulava, Secretário do Comandos Provincial; Calisto Magigo, Comissário Político Provincial; Paulo Samuel Kamkhomba, Chefe Provincial da Operações; Saibo Ripua (Wehia Ripua) Vice - Chefe Provincial; e Raimundo Pachinuapa, Chefe Provincial |
ILAÇÕES:
* Não se vence um povo que sabe por que luta e derrama o seu sangue - A Luta Armada de Libertação Nacional tinha um carácter popular;
* A concentração de uma monstruosa máquina de guerra somente contra o Núcleo do Planalto dos Makondes, facilitou que o nosso alvo fosse objecto de ataque, face à estratégia de desactivação das nossas bases, dispersão dos núcleos de comando
* A nossa vitória sobre o Nó Górdio representou um golpe contra todas as forças retrógadas da Região, designadamente, o colonialismo e racismo no Zimbabwe e Namíbia e o apartheid na África do Sul. Dito de forma mais incisiva e evidente, foi uma alavanca para as forças progressistas de África e do Mundo.
7 . Operação Omar
7.1. Contexto Político - Militar e Diplomático
A Ofensiva Generalizada para todas as Frentes, como foi referido, tinha sido a força motriz que a Direcção da FRELIMO encontrara para galvanizar a Luta Armada, depois do Nó Górdio. Porém, em torno deste desiderato, alguns desafios fizeram-se de forma inquietante, nos domínios político-militar, social e diplomático. Foi visando fazer face a este cenário, que a Direcção da FRELIMO encarregou-me pelo ataque ao Quartel de Omar/Namatili.
No domínio militar, os desafios manifestavam-se pela existência, no 1º Sector, de vários aquartelamentos coloniais de guarnição, instalados ao longo da margem direita do rio Rovuma, numa extensão de cerca de 265 Kms. Estes aquartelamentos formavam uma muralha, dificultando a travessia deste rio, aos guerrilheiros e a população, na introdução de material bélico para o interior de Moçambique, na evacuação de doentes para hospitais tanzanianos, assim como na comercialização dos seus produtos, na Tanzânia. Estes 8 aquartelamentos, localizados ao Norte do 1º Sector, distanciando entre si, cerca de 25 Kms, estavam situados nas povoações de Quionga, Nhica do Rovuma, Pundanhar, Nangade, Namatili/Omar, Mocímboa do Rovuma (Ngapa), Nazombe e Negomano.
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Dispositivo militar português em Cabo Delgado em 1974 |
Os outros aquartelamentos a situavam-se a Sul do 1º Sector, em Mocímboa da Praia, Budje, Diaca, Sagal, Mueda, Chapa, Naitoto e Ntora. A Oriente deste Sector, localizavam-se Palma, Ulumbi e Quissengue. Estes serviam de bloqueio às nossas bases e destacamentos, nomeadamente, Beira, Balama, Nacala, Limpopo, Centro de Instrução de Ngalonga, Namoto e Tete. De modo geral, os aquartelamentos possuíam equipamento de artilharia sofisticada, como o Canh~~ao 8.8mm, Morteiros de diferentes calibres e Lança-granadas, bem como holofotes, cuja iluminação se via a partir de regiões elevadas da margem esquerda do Rovuma, isto é, em território tanzaniano, tais como Newala-sede e Mkunya.
Sublinhe-se que desde Maio de 1974, a Direcção da FRELIMO, encontrava-se em processo negocial ainda precoce com as autoridades portuguesas,a respeito da Independência Nacional. Deste modo. era preciso encontrar um factor catalisador, que nos colocasse em vantagem relativamente à nossa contraparte.
Refira-se que a nível social, com as conquistas obtidas desde o início da Luta, as populações já saboreavam o prazer de viver num "País Independente", ou num "Estado" como fiz menção.Era óbvio que as populações sentissem que as muralhas coloniais obstruíam as nossas conquistas, especialmente, nas Zonas Libertadas.
É de destacar que os pressupostos diplomáticos da FRELIMO assentavam em dois pilares fundamentais. Primeiro, nos vínculos de raça e cultura entre os africanos, ditados por cinco séculos de colonização e, no contexto mundial, na semelhança das condições sócio-económicas com povos de outros continentes, nomeadamente a Ásia e a América Latina. Segundo, pelo facto de o Estado Colonial Português, que era o nosso inimigo, estar entrelaçado, numa teia que envolvia as potências colonizadoras que o apoiavam, significando que elas nos consideravam "seus inimigos, porque éramos inimigos do seu amigo". Como frisou o Presidente Eduardo Mondlane, "na altura desafiar Portugal, equivalia a desafiar todos os seus aliados....
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Presidente Eduardo Mondlane, ao lado de sua esposa Janet, de visita à Suécia |
Como a nossa independência, o principal pomo de discórdia com Portugal interessava, igualmente, a muitos povos e organizações amantes da paz, estes juntaram-se a nós e aceitaram colaborar na nossa Luta. Foi este aspecto que possibilitou o estabelecimento de representações nos seus países. De facto, auxiliados por organizações, como o Comité de Libertação da OUA. a Associação afro-Asiática e a Organização de Solidariedade Tri-Continental, criámos centros de representação em vários quadrantes estratégicos do Mundo. Entre eles, merecem destaque o de Dar-es-Sallam, Cairo, Lusaka, Argel, Nova Iorque, Moscovo, Estocolmo,é outrod
A vasta rede de representações diplomáticas da FRELIMO justificava-se pela justeza da nossa Luta e da política de não alinhamento que se seguia. As mensagens que os seus representantes jubilosamente difundiam, eram de vitórias e progressão territorial, implantação e consolidação das Zonas Libertadas, uma situação ensombrada pelos aquartelamentos coloniais, particularizante o de Omar. Perante este cenário, a Direcção da FRELIMO decidiu resolver o problema militarmente, sobretudo, porque as conversações iniciadas apresentavam caminhos sinuosos. Neste assunto, Fernando Couto colabora com o seguinte argumento.
Depois do impasse negocial de Junho, tornava-se necessário à FRELIMO actuar de forma a dar uma maior dinâmica à marcha dos acontecimentos (...) na base de Nachingwea, quartel general da Frente de Libertação, será tomada uma decisão que seria fulcral para o desenvolver dos acontecimentos. (capturar o quartel de Omar)
Na sequência da referida conjuntura político-militar e diplomática em Maio de 1974, o Presidente Samora Machel convocou-me para Nachingwea, através de Alberto Joaquim Chipande, Chefe- Adjunto do Departamento de Defesa. Chegado a este local, fui convidado a tomar refeição na "Sala dos Chefes da Escala/Estado Maior General". Confesso que fiquei preocupado , pois não fazia a mínima ideia do que iria acontecer comigo. Mas contentei-me com o lugar de honra prestígio que estava. Afinal, decorreria um conversa bastante sigilosa , na qual recebi uma missão melindrosa, de que me orgulho.
O Presidente Samora dirigiu-me uma série de questões relativas ao Quartel de Omar, incluindo os tempos em que era Destacamento Limpopo, ou seja, sob o nosso controlo. Perguntou-me, inclusive, sobre as circunstâncias em que
caíra nas mãos do Exército Colonial, ao que respondi que não tinha o domínio de toda a situação, porque na altura eu estava em Masasi, como representante do DD.
Tratou-se de uma conversa em movimento, evitou-se o gabinete para se garantir o carácter secreto da missão.. Mesmo o camarada Sérgio vieira, que estava próximo de nós, não se apercebeu do conteúdo da conversa, pois Samora fez questão disso. caminhando comigo em direcção às bananeiras, onde se produzia, inclusivamente, hortícolas. Manifestou a sua preocupação pelo facto de muitos estrangeiros lhe questionarem constantemente sobre quartéis bastante iluminados ao longo da fronteira que do lado da Tanzânia eram vistos, junto ao rio Rovuma, numa altura em que a FRELIMO exibia a posse de muitas Zonas Libertadas, o que aparentemente constratava com o referido progresso da Luta.
Assim, perguntou-me se seria capaz de "retirar do mapa" o Quartel de Omar, isto é, atacar, assaltar e ocupar aquela posição. Tratando-se de um superior hierárquico meu, entendi que estava perante uma ordem e não, necessariamente, uma pergunta. Aceitei-a. No entanto questionei-me sobre as razões da minha indicação para uma missão tão complexa. Sem pretender ser advogado de mim próprio, julgo que a confiança do Presidente Samora baseou-se nos seguintes FACTOS:
1. Um jovem combatente que teve sucessos na Frente do Niassa Oriental;
2. Ter assegurado a logística na Frente de Cabo Delgado, sobretudo durante a Operação Nó Górdio, quando estava na Representação de Defesa, em Masasi;
3. Participação com sucesso no emprego de arma B-11-P, nos ataques contra guarnições coloniais, como Mocímboa da Praia, Palma e Nangade. Particular referência ao ataque aà guarnição de Mueda, a 18 de Setembro de 1972 em que abateu uma Harvard T-6;
4. Fidelidade e confiança, pois o Presidente Samora tratava-me por filho!...
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Atanásio Mtumuke,(1975) ostentando o casaco oferecido por Samora Machel, no aniversário natalício. em Nampula |
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Atanásio Mtumuke, em 2019, exibindo o casaco oferecido por Samora Machel, em Maio de 1974 |
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Depois de receber a missão sobre a Operação Omar, preparei-me para o desafio aque era acometido. Solicitei ao Presidente Samora o retreinamento de cinco companhias ( O conceito de Companhia depende do tipo de guerra e do tipo de defesa. No caso de Moçambique uma companhia de guerrilha compreendia 108 homens, mais o respectivo Comandante e seu Vice, o Comissário Político e seu Vica, totalizando 112 guerrilheiros) e dois megafones, sem contudo informar a finalidade destes instrumentos. Partilhei a orientaçãp presidencial com o Chefe-Adjunto do Departamento de Defesa, o Chefe do Departamento Provincial da Defesa e o Chefe Provincial da Segurança de Cabo Delgado, Alberto Chipande, Mateua Aníbal Malichocho eSalésio Nalyambipano, respectivamente. Como se pode depreender, tratava-se de camaradas incontornáveis na Frente de Cabo Delgado. A seguir, elaborámos o plano deste expectável assalto, sucedido de acções com vista à sua materialização.
Seleccionámos um efectivo de duas companhias, acompanhadas pelos respectivos comandantes, para sessões de retreinamento, em Nachingwea. A 1ªera comandada por Armando Nkalimile Nkatema e a 2ªpor Felisberto Sambino Simo. Chegadas ao Centro de Preparação Político-Militar de Nachingwea, foram enviadas para um acampamento que dista cerca de 45Kms deste Centro, onde foram recebidas pelo comandante do acampamento. Pedro Nachaque e outros instrutores, tais como Pedro Shitimela e Ambrósio Luís.
Na mesma altura, no interior de Cabo Delgado, o Centro Instrução Política-Militar de Ngalonga, chefiado por António Shilalangasi, situado no 1º Sector, preparou outro efectivo de 3 companhias de infantaria. Refira-se que a 3ª Companhia era comandada por Emílio Fernando, a 4ª por Pedro Shitimela e a 5ª por Maurício Balide. As duas baterias mistas, de artilharia terrestre e anti-aérea, estavam sob o comando de Marcelino Nanula e Remígio Anabadula, respectivamente. O retreinamento incluía ainda, Sapadores, Comunicação e homens de Reconhecimento. Note-se que a missão que se seguiria tinha sido mantido secreta, mesmo relativamente aos comandantes destas companhias.
No mês de Junho, o Presidente Samoroluçolua reuniu-se com as companhias que estavam em Nachingwea, para lhes encorajar sobre os desafios que tinham pela frente. Recorrendo a aspectos com elevada carga psicológica e motivacional, começou por se debruçar sobre o golpe de Estado, em Portugal, conhecido por "Revolução de 25 de Abril de 1974" ou "Revolução dos Cravos", levado a cabo pelo Movimento das Forças Armadas. Dirigiu-se nos seguintes termoss:
Venho-vos ver e lhes dizer que em Portugal os militares fizeram um golpe de Estado, chefiado pelo General António Sebastião Ribeiro e Spínola. Venho informar-vos, igualmente, que devem ficar preparados por forma a serem mais fortes e homens com mentalidades de certa forma nova.
FRELIMO
Samora referiu ainda, como desafios, a expansão da guerra para Nampula. Com a extensão da Luta, criar-se-iam condições para se chegar ao Sul do País, a maior aspiração dos guerrilheiros, pois significava o fim da guerra. Pouco antes de se despedir dos mesmos, entregou uma bandeira da FRELIMO a cada companhia, que simbolizariam a reocupação dos territórios.
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Armando Nkalimile recebendo das mãos do Presidente Samora Machel, a Bandeira de compromisso para a Operação Omar |
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Felisberto Sambino Simo, Comandante da 2ª Companhia, recebendo das mãos do Presidente Samora Machel, a Bandeira de compromisso para a Operação Omar |
7.2. Execução do Assalto e Captura de Omar
Este processo compreendeu, essencialmente três etapas interligadas entre si:
(1) o reconhecimento
(2) a marcha de progressão e cerco
(3) assalto
Tratou-se de procedimentos cautelosamente elaborados, com as atenções viradas para as preocupações e recomendações do Presidente Samora Machel, e claro, acrescidas do espírito patriótico e criativo da minha parte, em consideração à desfavorável situação política-militar acima descritas.
Reconhecimento
O reconhecimento começou na segunda quinzena de Maio, tendo se prolongado até finais de Julho. Nele foram envolvidos vários grupos de cada especialidade, sobretudo de infantaria, de artilharia terrestre e anti-aérea. Convém enfatizar que nenhum deles sabia da existência de outros, a realizarem missão idêntica, para o mesmo alvo. Com isto, pretendia-se apurar a coerência das informações recolhidas, tais como o seu efectivos, a sua rotina, o tipo e a quantidade de armas, a capacidade de defesa, abrigos, posição das sentinelas, entre outros detalhes.
No dia 18 de Julho foi realizada mais uma missão de reconhecimento do comando, desta vez envolvendo a mim, como comandante da Operação, Armando Armando Abel Assikala, na qualidade de Adjunto-Comandante e Comissário Político da Operação e os Comandantes das Companhias e Baterias de Artilharia. Com esta missão tínhamos em vista avaliar a eficácia das informações recolhidas pelos grupos de reconhecimento, sobretudo, a marcar as posições dos comandos das Companhias e Baterias. A marcação é um conceito de guerrilha que se resume na indicação da posição dos comandos, de modo a se evitar a alegada perda de direcção, aquando dos combates.
Estando no Posto de Comando da Operação previamente determinado,que distava a 3 Kms do Quartel de Omar, por mera coincidência, aterraram 6 helicópteros para reabastecimento. Festejámos bastante este momento, pois acreditávamos que todo o material ficaria connosco, o que veio a acontecer.
Avanço para a Operação
No dia 29, às 18 horas, todas as sub-unidades marcharam saindo do ponto de partida, zona de Chibabedi, onde estavam acampadas, em direcção ao alvo. A Supervisão e o Comando da Operação, estabelecidos na Base Beira, partirautonomiados guerrilheiros e das populaçõesam na mesma altura que as sub-unidades e, chegados à região de Machokwe, desmembraram-se. Uma companhia protegeu o Posto deSupervisão, onde estavam Alberto Chipande e Salésio Nalyammpipano. As restantes 4, juntamente com o meu comando, continuámos a marcha até à zona de Chilindi, onde chegámos no dia 31, às 12 hora.
Em Chilindi, fizemos o reajustamento das forças. A chegada àquela hora, fora propositada, pois i inimigo tinha o hábito de efectuar o patrulhamento da zona, retirando-se por volta das 11 horas,para almoçar no quartel. Nesta região de regulação, confeccionámos comida quente para garantir autonomia dos guerrilheiros e das populações, durante 24 horas. A nossa presença às 12 horas tinha em vista evitar que a fumaça produzida na cozedura dos alimentos fosse visível à distância. O mesmo acontecia em relação às vozes, em que pretendíamos evitar que estas estivessem ao alcance do inimigo. Aliás, a título de exemplo, um guerrilheiro fez um tiro, alegadamente involuntário .porém, por nossa sorte, o inimigo não se apercebeu do barulho, Relativamente a este guerrilheiro foram tomadas as devidas medidas.
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Guerrilheiros na região de Chilindi, avançando para o combate |
Cerco ao Quartel de OmarÀs 16 horas e trinta minutos do dia 31 de Chilindi, em direcção ao alvo, onde tomámos asposições previamente indicadas para o cerco. Em relação ao dispositivo combativo, efectuámos o cerco do perímetro do inimigo, em três direcções, colocando a 1ª Companhia, ao Sul; a 2ª a Oeste; e a 3ª a Este; e deliberadamente, e deixando aberto o lado Norte do perímetro, pois o rio Rovuma constituía um obstáculo natural. A 4ª companhia, sem um Pelotão, era a força de reserva. A Bateria Mista de Artilharia (B-10-82 mm, Canhão 75mm e B-11-P-122,4mm) e uma estalação de Strella 2M, estavam junto ao Posto de Comando da Operação e outro na linha da frente, junto do pelotão ZGU-1-14,5mm.
No cerco, tínhamos em manga portuguesas, se estes tentassem fugir. Este procedimento significava a transposição dos conhecimentos tradicionais a que, em caso de o inimigo refugiar-se nos abrigos, colocaríamos capim à entrada destes, de modo a queimar e provocar fumo, para estontear os soldados portugueses, se estes tentassem fugir. Este procedimento significava a transposição dos conhecimentos tradicionais de caça, para as tácticas de guerrilha. De facto, nestas circunstâncias , estaríamos a aplicar as experiências adquiridas na caça de ratos, durante a minha infância e juventude. Refira-se que, para que os ratos não fugissem da toca, introduzíamos capim no seu interior e queimando-o de seguida. A fumaça produzida reduzia os níveis de oxigénio, estonteando os ratos, tornando-se, desta maneira, em presa fácil. Esta constituía uma arma química rudimentar.
Esta ideia resultou inclusivamente do ataque e assalto ao Quartel de Nazombe, em que os soldados portugueses refugiaram-se nos abrigos. A seguir, o Comandante Oreste Nang`ang`ona, ordenou os guerrilheiros a lançarem granadas de mão, para os abrigos. Presumindo que os soldados portugueses tivessem sido atingidos fatalmente, o Comandante e os guerrilheiros entraram no abrigo do inimigo. Para sua surpresa,os guerrilheiros foram abatidos no interior do abrigo, juntamente com o seu Comandante. Na verdade estávamos perante um erro de procedimento, pois, os abrigos tinham sido construídos sobre a forma de zig-zag, uma forma geométrica, que não permite que o projéctil progrida livremente; no caso, os estilhaços de granadas de mão.
O cerco envolveu a 1ª, 2ª e 3ª companhias, comandadas por Armando Nkalilmile Nkatema, Felisberto Sambino Simo e Emílio Fernando, respectivamente; uma bateria de Morteiro 82mm, menos um pelotão (6 peças); um pelotão de Canhão sem recuo B-10 de calibre 82mm (3 peças); um pelotão de artilharia anti-aérea ZGU-1-14.5MM (3 peças) e um pelotão de metralhadora anti aérea DCK-12.7 mm (3 peças), assim como uma secção de reconhecimento, uma secção de sapadores e um grupo de comunicações. As 3 companhias que constituíam o primeiro escalão, estavam posicionadas a uma distância de cerca de 80 metros do Quartel de Omar.
O Posto de Comando da Operação, integrava entre outros, a mim, Armando Assikala(Adj. Cmdt e Com. Pol.), Benedito Búzi (Vice-Com.Pol.) Eusébio Raposo (chefe da Artilharia Terrestre), Bento Maurício Chuluma (Chefe da Artilharia Anti-aérea), Oreste Simão (Chefe de Comunicações). Inccluía, igualmente, o comandante da 4ª companhia de Infantaria. O Batalhão de Artilharia mista menos uma bateria, era composto por: 4 Canhões reactivos B-11-P-122,4 MM, 4 Canhões 75 mm; 4 mísseis Strella 2M; 4 ZGU-1-14,5 mm,; 4 DCK-12,7 mm e 1 Pelotão de Comunicações. Este posto localizava-se no monte Mashenje, a cerca de 3 Km do Quartel de Omar.
O Posto de Supervisão da Operação estava situado no monte Machokwe, a cerca de 8 Kms de Omar. Neste ponto estavam o Chefe-Adjunto do Departamento de Defesa e Supervisor da Província de Cabo Delgado, Salésio Teodoro Nalyambipano. Integrava ainda, uma Companhia de Infantaria, comandada por Maurício Balide, grupo de comunicações, chefiado por Vigaron e duas dotações de ZGU-1-14, mm, cuja tarefa era proteger este Posto.
Assalto ao Quartel de Omar
A Operação Omar envolveu 734 guerrilheiros e cerca de 800 populares, que transportava material de guerra e produtos alimentícios calculados para resistir durante uma semana.
No que concerne à correlação de forças, considerando os 734 guerrilheiros contra 142 militares portugueses, que formavam a 1ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8421, o coeficiente de supremacia era na ordem de 5:1. Neste sentido, parece evidente que o inimigo tinha poucas alternativa estratégicos. s para contrariar o nosso nível de preparação para este ataque.
O assalto viria a configurar-se numa grande operação militar, onde seia evidenciar, mais uma vez, a relevância das comunicações, como "espinha dorsal de qualquer guerra moderna". Ademais, demonstraria e glorificou uma planificação elaborada com toda a eficácia e rigor estratégicos. Concluídos todos os preparativos do assalto, cerca das 4 horas da madrugada de 1 de Agosto, via rádio, dei voz de comando ao Abel para usar megafone e ler o texto previamente prescrito para o ataque.
Texto Original
1- ATENÇÃO COMANDANTE E SOLDADOS DO ACAMPAMENTO OMAR ! - 3X
2- AQUI FALA A FRELIMO- 3X
3- TODOS ESTÃO CERCADOS PELAS FORÇAS POPULARES DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE
4- RENDAM-SE TODOS PARA A GARANTIA DAS VOSSAS VIDAS
5- DISPAREM - 3X
6- NO VOSSO PAÍS, NÃO HÁ MAIS FASCISMO REINA DEMOCRACIA CONQUISTADA EM 25 DE ABRIL PELA JUNTA DE SALVAÇÃO NACIONAL QUANDO DERRUBOU O REGIME FASCISTA DE MARCELO CAETANO.
7- MANDE UM MENSAGEIRO PARA NOS CONTACTAR CÁ NA PISTA
8- DAMOS 5 MINUTOS - 3X
9- INFORME AO TEU COMANDO QUE NÃO DEVE ENVIAR QUALQUER TIPO DE FORÇA PORQUE CÁ CONTROLAMOS A TERRA E O AR
10- NÃO DISPAREM PORQUE PODEMOS DESTRUIR O ACAMPAMENTO COM TODOS OS SEUS OCUPANTES.
11- DIRIGEM-SE PARA A PISTA DESARMADOS - 3X
12- INAME FRELIMO ( VIVA A FRELIMO EM SHIMAKONDE)
1 DE AGOSTO DE 1974
NAMATILI
Este texto foi cedido pela Senhora Modesta, esposa de Armando Abel Assikala, a 5 de Agosto de 2018. Ao regresso do assalto ao Quartel de Omar, o esposo entregou-a para guardá-la . Com o marido falecido em 2008, a Modesta ainda conserva carinhosamente esta mensagem na sus "biblioreca".
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Atnásio Salvador Mtumuke á esqª e Armando Abel Assikala., Comandante e Comandante Adjunto da Operção, respectivamrnte. Noite de 31-07-1974 |
Depois da ordem de rendição dada por Assikala, e seu apelo à resposta ao VIVA FRELIMO (INAME FRELIMO), em jeito de exibição da sincronia entre os 734 guerrilheiros e 800 populares (que transportavam material de guerra para remuniciar) , associando ao júbilo pela magnífica vitória, estes gritaram, estrondosamente e em uníssono: INAAAAAMEE! Este grito matinal e sobre uma colina, ampliou-se vivamente, o que assustou o já amedrontado e atrofiado contingente colonial.
Nesta operação, foram capturados 142 soldados portugueses. Na circunstância, Assikala instou os prisioneiros a se dirigirem para a pista de aterragem, desarmados e de mãos ao ar. Em menos de 5 minutos, todos os soldados obedeceram, como sinal de rendição. Na pista, o controlo dos prisioneiros coube à 1ª Companhia, comandada por Armando Nkatema. Assikala, que também se fizera ao local de concentração, manteve um breve diálogo com o Alferes Miliciano José Carlos Costa Monteiro, à altura, comandante interino do Quartel de Omar, que o obrigou, juntamente com a sua tropa, a se dirigirem ao "mato".
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Guerrilheiros festejando o sucesso da Operação Omar
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Refira-se que, ao longo desse diálogo, um soldado português arrancou a arma de um guerrilheiro e tentou disparar contra Assikala, tendo sido, porém, rechaçado. Perante esta investida, outro guerrilheiro o pontapeou, deixando-o ca´do no chão. De acordo com Armando Abel Assikala, em jeito de rendição, o Alferes Monteiro, aclamando, disse: vamos embora Comandante, quem é mais que a FRELIMO?. Queira a Paz.
A seguir, escoltados por um pelotão de guerrilheiros, chefiado por Felisberto Sambino Simo, integrando entre outros, Joaquim Nido e Onguessa Lipido, os soldados coloniais foram levados para a posição de Machokwe, onde iriam se encontrar com os camaradas Alberto Chipande e Salésio Nalyambipano. já nesta posição, Chipande sossegou-lhes, informando que estavam em boas mãos, por isso, não corriam perigo algumm de vida, porquanto a luta conduzida pela FRELIMO guiava-se pelos princípios internacionais humanitários.
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Soldados portugueses capturados dirigindo-se ao Posto de Machokwea |
Em Machokwe, o camarada Chipande ordenou ao pelotão da escolta para prosseguir até a Mkunya. Visando quebrar o silêncio da marcha e, sobretudo, mostrar a justeza da luta da FRELIMO, os prisioneiros foram sendo sensibilizados sobre o sistema fascista-colonial português, como o nosso inimigo comum.
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Alberto Joaquim Chipande |
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Salésio Teodoro Nalyambipano |
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Atanásio Salvador Mtumuke (à esqª) e Armando Abel assikala |
Onguessa Lipido à esqª e Joaqui Nido Guerrilheiros que participaram na escolta aos soldados portugueses |
João Baptista Djeque, soldado português capturado em Omar. Hoje é vereador no Município de Monapo, Província de Nampula |
No dia 1 de Agosto, já a caminho de Mkunya, escapuliram 5 soldados, nomeadamente, José António Cardoso Gonçalves, Joaquim da Silva Piedade, Vasco Ponda Sone, os quais se apresentaram no quartel de Mocímboa do Rovuma. No dia seguinte os soldadosSumail Aiupa e Laquine Puanhera, por sua vez, compareceram no quartel de Nangade.
Enquanto isso, em Omar, tinha havido indicação do Comando de Operação, para que os restantes guerrilheiros não se instalassem no quartel, mantendo-se nas suas posições, pois receava-se contra-ataque da força aérea portuguesa. A população, eufórica, fez-se à cozinha, onde se apoderou de alguns bens alimentícios.
Nessa altura, 2 de Agosto, o Presidente Samora saiu de Dar-es-Salaam para Nachingwea e daqui, já acompanhado de Joaquim Munhepe (Chefe das Comunicações) e Cornélia Focas Marino (Chefe Adjunto das Comunicações), seguiu para Mkunya. A partir deste lugar, por volta das 10 horas, via rádio (R-105), o camarada Cornélio entrou em contacto comigo, tendo informado o seguinte: " o Galo quer falar consigo", em alusão ao Presidente Samora.
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Atanásio Salvador Mtumukeà dirª interagindo com o Presidente Samora a propósito da Operação Omar. À esqª Joaquim Munhepe |
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Prisioneiros tomando refeições em Ngapa |
7.3. Contra - ataque da tropa colonial
No decurso da comunicação com o Presidente Samora, que esta em Mkunya, informei-o, entre outras coisas que os soldados portugueses capturados já tinham ido ao "mato" e que estávamos nas posições. A minha conversa com o Presidente não chegou ao fim, devido à presença de um Dornier, avião de reconhecimento. No entanto, realcei que estávamos perante um prenúncio de um contra-ataque aéreo. Ainda assim, o Presidente Samora foi a tempo de proferir a seguinte expressão: "filho, toma conta da situação"
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Dornier D.O-27 (Namanyalomba) |
De facto , o contra - ataque aéreo aconteceu. Logo a seguir ao Dornier, veio um par de aviões FIAT G-91, e cada avião lançou uma bomba napalm sobre o quartel de Omar. Os portugueses recorreram a esta táctica porque temiam os nossos mísseis terra-ar, Strella 2 M, ainda em posição de fogo. Face àquele tipo de incursão (voo rasante), não pudemos lançar os mísseis Strella 2 M.
As bombas feriram 2 guerrilheiros, António Sabe e Paulo Mpelo. Perderam a vida no local, 3 elementos da população, designadamente Jacinto Norte, Rafael Mtumbate e Rui Nkapue
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Um popular vítima da bomba Napalm |
Importa referir que, no dia 3 de Agosto, já na Tanzânia, os 137 prisioneiros foram gentilmente recebidos pelo Presidente Samora Machel. A esse propósito, , o Alferes afirmou que "Samora Machel (...) fez questão de nos cumprimentar um por um. Esta atitude mostra, mais uma vez, o carácter humanitário que sempre norteou a política da FRELIMO. |
Presidente Samora, em Mkunya, falando com os soldados capturados em Omar |
7.4. Depoimentos de algumas figuras do assaltoNo que se refere ao assalto ao Quartel de Omar, o Alferes José Monteiro, prestou informações relevantes acerca deste acontecimento histórico. Referiu que comandava uma Companhia, cuja missão era impedir a circulação dos guerrilheiros entre a Tanzânia e o iter material bélico.ior de Moçambique, especialmente a introdução de material bélico.
Antes de se debruçar sobre o assalto, confirmou o facto de o seu país ter enfrentado a guerra colonial sem estar militarmente preparado para o efeito, apesar das diligências efectuadas nos finais da década de 1950, como atrás se referiu. Frisou que o regime fascista de Salazar não se tinha organizado, nem em homens, nem em equipamento bélico. tendo feito a preparação das primeiras companhias às pressas.
Monteiro, foi incorporado para o serviço militar obrigatório em 1973, tendo se especializado como oficial Ranger. Questionado sobre o sentimento dos cidadãos portugueses quando eram enviados para a guerra nas colónias, sublinhou ter se tratado de um período preocupante no seio das famílias, ao verem os jovens a serem levados para cumprir a agenda do regime fascista em vigor no seu país. O ambi ente interno à semelhança do que acontecia nas colónias, como Moçambique, era de medo. A PIDE/DGS vigiava as famílias, limitando, deste modo, as liberdades de opinião e de manifestação. Mesmo sobre a guerra, poucos comentários se faziam, senão entre pessoas que gozavam de intimidade. Recorda-se que alguns amigos, furtando-se ao cumprimento da vida militar, refugiaram-se em França e na Checoslaváquia, Aliás, as conversas de índole política ocorriam somente no seio de jovens letrados, como ele, que na altura da incorporação, tinha concluído o 7º ano do liceu. Mesmo assim, eram em surdina, temendo-se represálias da PIDE/DGS.
Ressaltou o facto de o seu quartel dispor na altura da Operação Omar, dos melhores equipamentos, ao nível do exército português, no nosso País. Fez um detalhada caracterizada sobre a disposição do material de guerra da guarnição, tendo salientado que esta possuía 4 obuses 8.8. 2 obuses 14, capazes de atingirem as posições da FRELIMO, sobretudo a Base Beira. Tinha igualmente, metralhadoras broning, Morteiros portáteis e um Morteiro fixo. O esquema que desenhou ilustra, alegoricamente, além dos obuses, 4 casernas no interior do círculo, a pistade aterragem, a Oriente e o rio Rovuma a Norte.
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Esquema desenhado por Alf. Monteiro (25-6-2018) sobre o dispositivo do equipamento da guarnição do Quartel de Omar |
Monteiro disse recordar-se de alguns pormenores, especialmente a garantia de que os soldados capturados não corriam risco de vida. Nas suas palavras, asseverou:
A FRELIMO posiconou-se à noite em redor do quartel. Na madrugada, ouvimos o barulho do megafone, anunciando o cerco e que deveríamos nos dirigir para a pista de aterragem. Eu não fui, mas seis colegas meus assim o fizeram. Eis que o Salvador, que era o Comandante, manda-me chamar, para ir à pista, ao que obedeci. Chegado ao local, o Salvador deu-me garantias que não corríamos nenhum risco de vida. Era um gajo porreiro. Enquanto isso, o contingente da FRELIMO, composto por guerrilheiros e populares invadiu o quartel, entrando pela porta de armas. Eu tinha 142 soldados. Estávamos cercados, mas íamos a tempo de reagir, poderia ter accionado um 8.8 e limpava muitos gajos, só que tal significaria provocar morto tanto do lado deles, quanto do nosso lado. Achei desnecessário, tanto mais que tínhamos instruções do Quartel-General de Nampula, vindas do nosso comandante, Coronel Pires Veloso, para iniciarmos a negociação do cessar-fogo local. Nós estávamos exaustos da guerra.
Ele confirma o tratamento humanitário que os soldados receberam, pois, uma vez em Ngapa, os prisioneiros beneficiaram de refeições, confeccionadas pelos guerrilheiros. Este, já numa entrevista concebida ao jornal Diabo, enfatizou que "rumámos em direcção à Base Limpopo, da FRELIMO, onde nos distribuíram, onde nos distribuíram sopa, arroz e água.
Algumas vozes, interpretando o aborrecimento de Spínola face à derrota da sua tropa no assalto de Omar. onde se remeteu para "prostituição moral" dos seus soldados, vozes há, segundo as quais o comandante interino terá sido sancionado. Entretanto, Monteiro não concorda com esta informação, reiterando que regressado a Lisboa, elaborou o relatório do sucedido, eentregou-o a quem de direito. Até à actualidade, em que jáse passaram 44 anos, nunca mais foi questionado sobre o assunto
Ainda sobre o assalto, entrevistado pelo jornal"O Diabo", de 10 de Outubro de 2006, Monteiro acentuou o seguinte:
O Diabo (OD) - Recorda-se do Comandante da força da FRELIMO que capturou a guarnição militar portuguesa de Omar, também conhecida por Namatil (Namatili)?
Costa Monteiro (CM) Salvador Mutumuke
(OD) Na qualidade de comandante interino da guarnição de Omar foi ouvido pela hierarquia militar?
(CM) Não
(OD) E pelo poder político?
(CM) Também não.
(OD) Foi-lhe instaurado algum inquérito ou sofreu alguma punição pelo que aconteceu em Omar?
(CM) Nada,
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José Monteiro, conversando telefonicamente com Atanasio Mtumuke (25-06-2018) 44 anos depois da Operação Omar.: "Inimigos de ontem, amigos de hoje" |
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Segundo Monteiro, os prisioneiros foram mais tarde, reconduzidos para Moçambique, concretamente para a cidade de Nampula. Eventualmente, por questões de segurança, os mesmos terão sido enviados para a Ilha de Moçambique. Em data pouco precisa viriam a partir de Nampula, de regresso a Portugal, num voo directo.
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José Monteiro à esqª e Fernando Dava, após a entrevista, Pombal, 25-6-2018 |
Oreste Simão e Eusébio Raposo, integrantes da Operação, concederam uma entrevista sobre este acontecimento memorável. A respeito da sua intervenção no domínio das comunicações. Oreste afirmou:
Na hora do jantar, o chefe Mtumuke chamou-me e orientou para preparar 4 estações de rádio. Informou-me que deveria chamar os meus elementos, carregar as baterias e estar preparado. Acrescentou que durante a transmissão da missão um rádio deve estar on line com o Centro de Preparação Político Militar de Nachimgwea. Orientou-me para estar no comando de Supervisão, em Machokwe, onde estariam os chefes Chipande e Salésio.
Debruçando-se sobre as orientações dadas por mim, em relação à artilharia, Eusébio Raposo, acrescentou o seguinte:
O Chefe-Adjunto Provincial da Artilharia Terrestre e Comandante do Primeiro Sector, Atanáso Mtumuke, um dia chamou-me para a Base Beira e orientou-me para preparar4 estalações de B-11-P-12,4 mm, 4 Canhões B10-82 mm, 6 morteiros de 82 mm. Deveria retreinar os soldados e aguardar nova ordem. Orientou-me, inclusive, para enviar este material e pessoal para o Centro de Instrução de Ngalonga. Esta força juntar-se-ia a outras de artilharia anti-aérea e de infantaria que estavam em preparação no interior. Eu e outros camaradas recebemos indicação para fazermos parte do seu comando em Mashenje. Maecelino Manula, comandante da batreia mista de artilharia terrestre deveria estar nas montanhas de Nakalengue.
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Eusébio Raposo, Chefe da Artilharia Terrestre |
Modesta Daniel, combatente e viúva de Assikala, revelou alguns episódios respeitantes ao assalto de Omar. Em relação ao texto da rendição, referiu que o seu esposo segredou-lhe que não conseguiu lê-lo, conforme estava previsto, devido à escuridão. Informou-lhe que recorreu à sua memória, pois tinha o lido várias vezes. Destaca, igualmente, o facto do marido não lhe ter dito a verdade relativamente à ida para esta missão. Modesta acrescentou, ainda o seguinte:
Eu fiquei viúva antes de ser viúva. O meu marido saiu da Base Beira, onde nos encontrávamos, justificando que ia a uma conversa com alguns camaradas. Estava grávida de três meses. Só que ele nunca mais voltava, até que um dia sonhei com ele já morto. Como normalmente os meus sonhos traduzem a realidade, eu chorei bastante, aspecto que cheguei a partilhar com algumas camaradas. Só que passado muito tempo, estando no distrito de Nangade, por volta das 13 horas, do dia 1 de Agosto, mandou-se fazer a formatura. Tratava-se de uma prática habitual na FRELIMO, em todas as Frentes, para se prestar informação relevante. Na minha óptica, em função do sonho, era a confirmação do óbito do meu marido! A mensagem vinha de Nachigwea. Aliás, era sempre assim, mesmo que as coisas acontecessem perto das bases, quando fossem de grande envergadura, a sua divulgação estava centralizada em Nachigwea. Nessa formatura fomos informados que os nossos guerrilheiros assaltaram com sucesso o Quartel de Omar e que a mensagem da rendição tinha sido lida por Abel Assikala. Mesmo assim não fiquei convencida. Só que um dia, os guerrilheiros deste assalto seriam efusivamente recebidos na Base Beira. uando eles chegaram, reconheci o meu marido.
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Armando Abel Assikala e sua esposa Modesta Daniel |
Um aspecto relevante reflectido no trecho da Modesta, é a forma eufórica como fomos recebidos na Base Beira, pois, entuou-se uma canção épica, composta por Manuel Bernardo Gondola. No concernente a esta canção, Gondola recorda-se do seguinte:
No Centro de Educação do Distrito de Nangade, tivemos conhecimento do assalto, no mesmo dia, via rádio, pouco tempo depois. Foi assim que preparei a população para a recepção calorosa dos guerrilheiros. Recorrendo à minha criatividade, rapidamente organizei uma canção, que viria a ter um grande impacto no cancioneiro da Luta Armada de Libertação Nacional, cujo texto é o que se segue:
A CANÇÃO TRADUÇÃO
Solista: Nelo Hoje
Todos: Nambiliau Kutheka Assaltámos Nambiliau 1x Solista: Weto Nelo Hoje nós
Todos: Nambiliau Kutheka Assaltámos Nambiliau
Solista: Tunditeka; Assaltámos
Todos: Nambiliau Coro
Todos: Mikole,Mikole,Mikole Aprisionámos, Aprisionámos
Mikole mia moja narobaini Nambili Capturados 142 soldados
Nambiliau Kutheka weto nelo Ocupámos Nambiliau
Nambiliau Kutheka weto nelo Ocupámos Nambiliau
Nambiliau Kutheka weto nelo Ocupámos Nambiliau
Tradução livre de Shimakonde para Português
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Manuel Bernardo Gondola |
Em jeito de síntese, importa referir que a captura do Quartel de Omar tem um significado singular na História recente de Moçambique, em geral, e da luta armada de Libertação Nacional, em particular. O marco principal do início da guerra está associado ao ataque ao Posto Administrativo de Chai, a 25 de Setembro de 1964. Volvidos 10 anos de luta, ocorreu a captura a captura do Quartel de Omar, um acontecimento de grande dimensão, do ponto de vista militar e, sobretudo, político
Assim cedo, são de aceitar os fundamentos que apontam este facto como representando o fim da Luta Armada de Libertação Nacional. De facto, depois da captura dos soldados coloniais, não mais houve combates. Analisando este acontecimento, Nalyambipano e Pachinuapa asseveraram que:
Foi o último assalto que a FRELIMO executou de forma estruturada e de uma grande envergadura (...) Portanto, considero o ataque a Omar, o último combate da FRELIMO durante a luta Armadas de Libertação Nacional
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Recepção dos guerrilheiros da Operação Omar, na Base Beira. Atanásio Mtumuke, na formatura, fazendo um breve informe sobre a Operação |
Chegados a este ponto oferece-se fazer algumas leituras. Ficou subjacente na abordagem deste assunto que o sucesso de uma operação militar depende de uma diversidade de factores, tais como:
a) Correcta transmissão da missão pelo chefe superior:~
b) Aclaração da missão, ou seja, compreensão da ideia do chefe ao subordinado que vai executar/cumprir a missão;
c) Cuidadosa preparação militar dos homens para o cumprimento da missão;
d) disponibilização e domínio do equipamento a ser empregue na operação;
e) Conhecimento profundo do teatro das operações;
f) Sigilo, desde a recepção da missão, sua preparação, até a execução da mesma.
Foram estes passos que nortearam, desde o princípio ao fim, a "Operação Omar", como seguidamente, se depreende:
* Transmissão da ordem: o Presidente Samora Machel transmitiu-me pessoalmente e directamente a ordem, em movimento, na ausência de outros da FRELIMO.
* Preparação: foram preparados sigilosamente companhias para o ataque (treino e equipamento), sem informá-las do objectivo e do alvo.
* Assalto: uma vitória sem tiro, cumprindo o princípio de Sun Tzu, a sua incontornável "Arte de Guerra", segundo o qual. "Um chefe que está bem instruído em operações militares faz com que o inimigo se renda sem lutar, captura as cidades do inimigo sem atacá-las violentamente, e destrói o Estado do inimigo sem operações militares demoradas. O prémio maiorde uma vitória é triunfar por meio de estratagemas, sem usar as tropas".
ILAÇÔES
As ilações que podem ser tiradas do Assalto ao Quartel de Omar são a seguintes:
* Um dos factores importantíssimos que deu vantagem à FRELIMO foi saber explorar o estado moral, psicológico e logístico do inimigo - o desgaste militar - e, a partir daí, desferir um golpe no local e no momento adequados;
* O assalto a Omar ampliou o reconhecimento da FRELIMO, aumentou as contradições internas no seio do colonialismo e agudizou o descrédito do goveno colonial português;
* O facto de a FRELIMO ter dado o tratamento humanitário aos soldados portugueses capturados, respeitando escrupulosamente a Convenção de Genebra sobre os prisioneiros de guerra, reforçou a aceitação do Movimento no mundo e desmentiu a propaganda colonial, segundo a qual os guerrilheiros eram terroristas canibais sedentos de sangue.
* O mérito do sucesso da Operação reside no facto de os capturados terem-se constituído em trunfo nas difíceis conversações sobre a Independência Nacional. Assim, a Operação Omar foi o antídoto que a FRELIMO encontrou para a "Operação Referendo", engendrada pelo presidenye português, general António de Spínola.
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Gerador capturado na Operação Omar
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Canhão 8.8 capturado na Operação Omar |
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FIAT G91 pintado com uma tinta anti-radiação para limitar a acção dos mísseis Srella |
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Omar, 1 de Agosto de 1974. Aquartelamento da 1ª/BCAV 8421 |
8. Vislumbrar da Independência Nacional
A operação Omar foi antecedida e sucedida por um coquitel de acontecimentos que viriam a marcar o processo conducente à conquista da nossa liberdade. Refiro-me concretamente ao:
1) Posicionamento do MFA face à política ultramarina
2) Rebeliões3) Reacção do do Exército Colonial face à Operação Omar
4) Negociações Centrais e Locais
5) Enxertos da correspondência entre a FRELIMO e o Exército Colonial
6) Acordos de Lusaka e os Partidos Oportunistas
7) Ameaças do reacender da guerra
8) Ameaças do Jorge Jardim
Alguns destes acontecimentos tiveram uma relação directe e indirecta com a captura dos soldados coloniais em Nambiliau, ao que doravante designo por "Efeito Omar"
8. Posicionamento do MFA face à política ultramarina
A 25 de Abril de 1974 ocorreu o Golpe de Estado em Portugal, acontecimento engendrado por uma série de factores, com ênfase para os sócio-económicos e político-militares. Como referimos, enquanto este país vivia em regime fascista, enfrentou fortemente uma oposição interna, que condenava a guerra colonial. Muitas famílias portuguesas opunham-se ao envio para as colónias, dos seus filhos, irmãos e outros parentes. Contestavam, igualmente, o gasto de elevadas somas de dinheiro em despesas militares, diante da pobreza extrema que assolava Portugal.
Após a queda do fascismo em Portugal, tinha ascendido ao poder um regime corrompido, mistura ardente de duas facções, por um lado, de verdadeiros cidadãos democratas´e por outro, de defensores ferrenhos da continuidade do sistema colonial. Os últimos, remando contra os "novos ventos" da História, procuraram criar governos neo-coloniais, tanto em Moçambique, como noutras colónias portuguesas.
As provas deste facto estão evidentes no Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), manietado e apresentado publicamente na manhã do dia 26 de Abril. pelo General António de Spínola, à Junta de Salvação Nacional, constituída por um grupo de militares designados para apoiar o Governo do Estado Português, em Abril de 1974, Eis o excerto em torno do referido programa:
O programa do MFA continha duas medidas com prazo marcado, sendo a primeira, a nomeação de um Governo civil no prazo de três semanas easegunda, a eleição de uma Assembleia Constituinte, no prazo de 12 meses, o que foi concretizado no limite desses prazos. - O Governo Provisório tomou posse a 16 de Maio e a Assembleia Constituinte foi eleita no dia 25 de Abril de 1975.
Relativamente à política Ultramarina, o Programa retro-mencionado
preconizava, ainda, o seguinte:
a) reconhecimento de que a solução das guerras no Ultramar é política e não militar.
b) criação de condições para um debate, franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino.
c) lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz.
Nesta versão, negociada entre elementos da Comissão Coordenadora do MFA e o general Spínola, durante a noite de 25 para 26, acabou por ser retirada uma alínea que clarificava o sentido da política que devia ser seguida em relação ao Ultramar. A alínea era a seguinte, que ainda foi publicada pelo jornal República, onde constava como alínea c): "Claro reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação e adopção acelerada das medidas tendentes à autonomia administrativa e política dos territórios ultramarinos, com efectiva e larga participação das populações autóctones ". As duas posições eram muito diferentes e em torno deles irá polarizar-se o principal conflito entre as correntes do MFA, neste primeiro período de revolução.
O carácter democrático e anti-colonial do MFA é manifesto explicitamente neste texto, que justifica o golpe:
A 25 de Abril de 1974 o Movimento das Forças Armadas derrubou o regime de ditadura que durante 48 anos oprimiu o povo português. A Liberdade foi restituída aos portugueses e, com ela, a dignidade e a capacidade de decidir sobre o seu destino (...) O movimento envolveu todos os participantes, ganhando, com uma espantosa afirmação de vitalidade, a força necessária para prosseguir a mudança. Democratizar. Descolonizar
e Desenvolver, foral o lema para o progresso de Portugal ao fórum das nações livres.
A facção anti-revolucionária da Junta de Salvação Nacional, encabeçada por Spínola, pretendia pôr de fora os princípios democráticos e anti-coloniais e instalar um governo neo-colonial. É motivo para se afirmar que a facção não tinha compreendido as razões porque o MFA advogava que a solução para o fim da guerra não passava por uma via militar, mas política. Os militares tinham recuado para uma solução colocada pela FRELIMO, em 1962, antes de se iniciar a Luta Armada, ao defender a busca da independência Nacional por via pacífica.
Spínola ignorava que o "novo" poder que integrava, não era resultado somente da acção do MFA, mas sim, de respostas combinadas entre si. Tratava-se, pois, de uma conjugação entre factores internos e externos em Portugal, assentes num inimigo comum : o colonialismo e a ditadura fascista, contra os quais as colónias lutavam.
Diante desta atitude da Junta de Salvação Nacional, a Frelimo fez uma declaração pública, nos dias 27 e 28 de Abril de 1974, condenando veemente o comportamento de Spínola. O texto abaixo mostra a reacção da FRELIMO às primeiras posições da Junta de Salvação Nacional.
Neste documento, ressaltam três elementos fundamentais, nomeadamente:
* A relação íntrinsica entre a crise do regime colonial e o desenvolvimento da luta da FRELIMO. Isto significa , entre outros aspectos , que a crise que conduziu ao golpe de Estado em Portugal foi resultado, como se referiu dos conflitos sociais decorrentes do número acentuado de mortes de soldados em guerra no Ultramar, da depauperação da economia, devido à guerra e, consequente aumento do índice de pobreza, assim assim como do isolamento diplomático daquele país, s nível internacional.
* A inquietação do povo português e dos povos das ex-colónias, face às manobras da neo-colonização, em que a FRELIMO reiterava que além de si, em Moçambique, não havia nenhum outro movimento que representava as aspirações do povo moçambicano.
* Manifestação explícita da prontidão combativa da FRELIMO em caso de reincidência de Portugal, em manobras obscuras e contrárias aos desígnios do povo moçambicano - a liberdade e a autodeterminação
8. Rebelião da tropa colonial
A intensificação dos combates, em cumprimento da "Ofensiva generalizada em todas as frentes", resultou em fadiga e desmoralização da tropa colonial. Este ambiente, não abonatório para qualquer guerra, conduziu a uma série de rebeliões, que acabaram por fragilizar o Comando-Chefe do Exército Colonial em Moçambique. No fundo, estávamos perante a materialização do sonho de Mondlane, segundo o qual a sua morte não impediria a continuação da Luta Armada e, acima de tudo, do seu prognóstico, apresentado em 1966, sobre o fim vitorioso da nossa luta.
Uma das revoltas marcantes foi o abandono do quartel, a seguir ao golpe de 25 de Abril, por um batalhão de comandos estacionado em Vila Pery ( actual Chimoio) .. O seu chefe, um Tenente-Coronel, enviou um comunicado para o Quartel - General, informando que os soldados tinham terminado a sua comissão militar e que se seguiriam para a cidade da Beira, de onde iriam viajar para o regresso a Portugal.
Advertiriam que abririam fogo contra qualquer pessoa que tentasse bloquear a sua deserção. De igual modo, os soldados recém-chegados de Portugal não aceitavam integrar as missões combativas, o que criava uma indisciplina generalizada, pois os "antigos militares" , isto é, os que já estavam aquartelados, não se sentiam motivados e pautavam pelas mesmas atitudes e comportamentos.
Ainda a respeito das rebeliões, o Comando do Sector B (Cabo Delgado) protagonizou a maior insurreição do exército colonial em Moçambique, ao mobilizar todos os seus sub-comandos para deporem as armas e procurar efectuar o cessar fogo local. Num documento contido com referência nº 7165/P, da 5ª Repartição, divulgado pela mensagem 2008/01/74, do Comando do Sector B, dirigido à Companhia de Omar, cujo conteúdo de segue:
Devem todos os comandos tentar criar condições locais passíveis de conduzir ao cessar-fogo na zona ZA. Para o efeito lançarão campanhas de panfletos, cartas deixadas no mato e acima de tudo servir-se como intermediaria bem como todos os meios achados convenientes. Só deve ser prometido respeito e confiança mútuos e desejos para a paz. Todos os militares serão esclarecidos destes acontecimentos e finalidades, tendo em vista qualquer incidente ou atitudes inconvenientes e todos os resultados alcançados serão comunicados a este comando.
A respeito das convulsões militares, Josep Cervelló destaca, igualmente, o que aconteceu a 21 de Janeiro de 1974, envolvendo o Movimento dos Capitães, na cidade da Beira. Este solidarizavam-se com um grupo de cidadãos de raça branca que tinham lançado pedras contra a messe dos oficiais militares, protestando contra o que chamaram "apatia do exército" alegadamente perante a morte pela FRELIMO, de uma cidadã de raça branca, ao que parece, na cidade de Chimoio. Evocando o cansaço de guerra, os soldados coloniais planearam um levantamento, sob o signo "Operação Zulu", o qual não aconteceu porque receberam garantias de chefias militares a partir de Lisboa, a "Comissão de Lisboa". esta tranquilizou-lhes, dizendo que o assunto estava sob controlo, referindo-se discretamente aos preparativos da "Revolução dos Cravos". Em face desta informação, depreende-se o carácter sigiloso e sobretudo, de maturidade que rodeou a preparação do golpe de 25 de Abril.
A outra tentativa de levantamento foi encabeçada por Jorge Jardim, empresário e político português que, em Moçambique, se tornou numa figura emblemática nos finais do Império Português. Era um defensor e seguidor de António de Oliveira Salazar, amigo de Kaúlza de Arriaga e inimigo de Marcelo Caetano, tendo feito tudo para o derrubar do poder. Apoiante de uma situação neo-colonial para Moçambique, chegou a planear uma insurreição armada, visando criar, à então Rodésia do Sul (Zimbabue), uma Declaração Unilateral da Independência (DUI). Sustentou que pretendia uma DUI diferente desta, mas sim uma "DUI à moda moçambicana)
Numa série de estratégias político-militares que desenvolvia, Jardim, tentou comprometer os presidentes de países vizinhos, nomeadamente Kamuzu Banda o malawi e Kenneth Kaunda, da Zâmbia, colocando-os contra a nossa luta anti-colonial. O enolvimentode Kaunda, em particular, não preocupava a FRELIMO, pois, como referiu José Óscar Monteiro, tratava-se de um homem "de cuja boa fé não duvidávamos.
É a Jorge Jardim que se deve o surgimento e desenvolvimento de várias instituições paramilitares em Moçambique, tais como os Serviços Especiais de Informação e Intervenção (SEII), um órgão que colaborava estritamente com a PIDE/DGS, criado na década de 60. Posicionado na Vila do Dondo, Jardim Convenceu o poder colonial para ele centralizar o treinamento dos Grupos Especias (GEs) e, criar um corpo de paraquedistas. Ao concentrar junto de si o poder político.militar, estava , certamente, a atrair a atenção de diversos sectores sociedade (políticos, empresários e outros), para o seu ambicioso plano de criação de um modelo de "colonialismo moderno", a DUL.
8.3. Negociações Centrais e Locais
A partir dos finais do primeiro semestre de 1974, desfilaram várias negociações , em Lisboa, Lusaka, Dar-es-Salaam, Amesterdão, Mueda e Montepuez, estas duas últimas em Moçambique. Estas conversações visavam a aproximação dos beligerantes, relativamente ao fim da guerra. Portanto, existiram negociações encabeçadas pelo MFA Central, isto é, por emissários vindos ou representantes directos de Lisboa e as que eram da iniciativa dos comandos locais, entre interlocutores regionais e dos próprios quartéis coloniais.
8.3. Negociações Centrais
No que concerne às negociações, as primeiras movimentações neste sentido, tiveram lugar em Lusaka. Com efeito, a postura pouco clara manifestada por alguns membros integrantes da Junta de Salvação Nacional,foi considerada propensa às manobras de agentes internacionais atentos, ao conflito entre Portugal e as colónias, dispostos a tirar partido, à primeira oportunidade. Recorde-se o contexto da Guerra Fria, em que a nossa Luta decorria e os novos desenvolvimentos políticos na Áfrca Austral. Aqui destaca-se o regime do Apartheid, na África do Sul, e a DUI no Zimbabwe, em que seus agentes viam a nossa independência uma ameaça, cujos objectivos eram contrários ao racismo,tribalismo e todas as formas de segregação social, política,económica, cultural e religiosa, em voga naqueles países.
foi na sequência desta leitura que, antecipando a muitos países africanos, a Zâmbia manifestou a sua disponibilidade para a mediação das negociações entre FRELIMO e o Governo português e,, tomou as devidas diligências, directamente junto do Governo americano e indirectamente, através deste, junto do Governo Luso. Para o efeito, o Presidente Kaunda mandatou ao seu conselheiro Mark Choa, contactar a embaixadora americana na Zâmbia. A administração americana deveria advogar junto de António de Spínola, para este aceitar negociar com as colónias portuguesas.
Abrindo parêntesis, cabe aqui uma questão: por que os acordos viriam a ser assinados em Lusaka? Na Tanzânia havia refugiados e combatentes da FRELIMO, ANC, MPLA; SWAPO, ZANU, ZAPU. Por razões de segurança, entre outras, não era salutar levar o inimigo para o bastião de acolhimento dos movimentos de libertação!
Em Lusaka realizaram-se dois encontros, um, a 3 de Maio de 1974 e outro a 27, do mesmo mês. estas acções iam sendo coordenadas entre os Presidentes Kaunda e Nyerere com o Presidente Samora Machel que, entretanto, não tinha ainda feito diligências junto do novo Governo Português.~
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Presidente Samora Machel, ladeado pelos presidentes Nyerere e Kenneth Kaunda |
A iniciativa negocial com a FRELIMO viria de Portugal, ao que parece, atravessando a ponte estabelecida pelos Governos zambiano e tanzaniano, alicerçado pela administração americana. Com efeito, o Secretário-Geral do Partido socialista Português, Mário Soares, teria endereçado um convite à FRELIMO, para um encontro em Bruxelas, no dia 6 de Maio de 1974. Porém, este seria rejeitado pela FRELIMO, por alegada falta de transparência do dirigente português . Ou seja, para a FRELIMO, não estava claro se Soares formulava o convite na sua qualidade de dirigente político ou de membro do Governo, ao que se lhe pediu, inclusivamente,que clarificasse a agenda do encontro. Sérgio Vieira resume a resposta da FRELIMO, do seguinte modo:1. Que aceitamos com agrado um encontro com Mário doares
2. Que ignoramos a qualidade em que deseja encontrar-se connosco, se como: a. Secretário Geral do Partido Comunista Português, partido com quem mantemos relações amistosas? b. Ministro dos Negócios Estrangeiros, de uma potência com quem nos encontramos em guerra?
3. Que mesmo entre partidos amigos, para se reunirem, normalmente estabelece-se, por comum acordo, a agenda e igualmente, a data e o local do encontro.
4. Que, materialmente, e dada a distância a que nos encontrávamos de um aeroporto não podíamos estar em Bruxelas dois dias depois.
Após essa celeuma, o encontro entre as partes (FRELIMO Governo Português), teria lugar em Lusaka, um mês depois, a 6 de Junho de 1974, preparado para Zâmbia e a Tanzânia. Há indicações de ter havido outros contactos prévios, estabelecidos por Soares com alguns movimentos de libertação e líderes africanos, tais como:
1) PAIGC, em Conackri; 2) PAIGC, na pessoa de Aristides Pereira 3) Agostinho Neto, em Bruxelas 4) Comité de Libertação de África, em Londres 5) Comité de Libertação de África, na Holanda
As delegações a Lusaka eram encabeçadas, do lado da FRELIMO, por Samora Machel, integrando Joaquim Alberto Chissano, Mariano Matsinha, Óscar Monteiro, Saúl Mbaze, Jacinto Veloso, Guideon Ndobe, Fernando Honwana, Isabel Martins, Sérgio Vieira e Alberto Chipande. Do lado de Portugal, chefiava Mário Soares, acompanhado por Otelo Saraiva de Portugal e Casanova Ferreira. A delegação moçambicana tinha preparado as conversações, observando todos os pormenores protocolares, desde as saudações às intervenções, passando pela postura. Porém, tais procedimentos acabaram por não se observar, pois o chefe da delegação portuguesa quebrou o protocolo começando o encontro com um abraço ao Presidente Samora Machel. Para todos os efeitos, o gesto foi entendido como de criação de um bom ambiente para o início das negociações.
No que diz respeito aos aspectos essenciais desta ronda negocial, é de se destacar o facto de ter sido antecedida por uma orientação militar do Presidente Samora, que consistia na intensificação de acções combativas, até que viessem ordens de cessar-fogo, uma clara intenção de buscas de vantagens políticas. Recorde-se que neste período eu já tinha recebido a missão de preparar o assalto ao Quartel de Omar. A outra questão consistiu na clarificação de posições, em que a delegação moçambicana declarou que a discussão do cessar-fogo não podia nunca, se separar da resolução da causa que implicara o início da guerra. Tratava-se de uma posição inequívoca da FRELIMO, face às manobras da delegação portuguesa que, apesar de reconhecer a acusação que lhe era imputada, de que não vinha devidamente preparada para estas negociações, insistia em não aceitar a FRELIMO como o único e legítimo representante da luta do povo moçambicano pela sua independência.
Por sua vez, vendo-se incapaz de satisfazer este ponto, a posição da delegação portuguesa consistia no pedido de adiamento das negociações, para a realização de consultas junto do seu Governo. No entanto, mostrou-se preocupada com outros aspectos, entre eles, a continuidade da guerra, face às declarações de Samora. Refira-se que para o Governo Português, este encontro não significava " negociações de facto, mas ensaio de um balão de oxigénio. Na verdade, estava empenhado na montagem de armadilhas políticas em que esperava que a FRELIMO caísse - aceitando um Referendo. A este respeito, em 1979, volvidos 5 anos da ronda negocial, Melo Antunes concedeu uma entrevista ao Jornal Expresso, em que consta o seguinte:
Spínola ao enviar Mário Soares a Lusaka não tinha feito mais do que tentar ganhar tempo, como um manobra dilatória (...) um compasso de espera necessário à organização de reformas plíticas em Moçambique que apareceriam oportunamente no tabuleiro, a reclamar a representatividade no diálogo com Portugal; e simultaneamente, ao enfraquecimento do ardor combativo das forças guerrilheiras, naturalmente desejosas também de uma paz rápida.
Do ponto de vista político, estas conversações foram consideradas um autêntico fracasso. Realmente, não tinham sido criadas as bases profundas para um diálogo profícuo entre as partes. Reconhecendo este aspecto, a FRELIMO tomou medidas estratégicas, procurando no seio do novo Governo Português saído do golpe do 25 de Abril, personalidades capazes de agilizar o processo negocial, ora em curso. No que concerne a esta questão, Sérgio Vieira sublinhou que:
Na análise levada a cabo pela FRELIMO, sob a direcção de Samora Machel, após o fracasso das conversações de Junho de 1974, Lusaka I, deduziu-se que haveria em Portugal vários centros de poder e que importava detectar quem efectivamente, podia decidir sobre a questão da paz ou da guerra.
Foi na sequência desta compreensão que o Presidente Samora Machel enviou a Lisboa, o seu conselheiro Tomaz Aquino Messias de Bragança, mais conhecido por Aquino de Bragança. Constituíram seus facilitadores, alguns moçambicanos que residiam em Portugal, entre eles Prakash Ratilal, Hermenegildo Gamito, Murade Ali e Leite Vasconcelos. Terá sido este último quem, através da amizade que tinha com um jornalista português , augusto Carvalho, conduziu Aquino de Bragança a Melo Antunes.Com efeito, as diligências deste mandatado académico e político reconhecido internacionalmente, revelar-se-iam frutuosos.pois, Ernesto de Melo Antunes e Almeida Santos, viriam ser preponderantes, em todos os processos negociais subsequentes.
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TomazAquino de Bragança |
Em decorrência dos contactos encetados por Bragança, no mês de Julho de 1974, houve negociações de carácter secreto, em Amesterdão, envolvendo José Óscar Monteiro, em representação da FRELIMO. Do lado de Portugal participaram alguns membros da Comissão Central do MFA , chefiados por Ernesto Melo Antunes, cuja delegação integrava Almeida Santos e o Embaixador Cunha Rego. A questão de fundo desta reunião foi a busca de consenso para a necessidade de se preparar cuidadosa e minuciosamente os encontros oficiais. Pretendia-se deste modo, criar maior transparência nos pontos de agenda, ultrapassando a situação que acontecera na reunião de Lusaka.Matusse traz um excerto sobre os objectivos deste encontro, retirados da entrevista concedida por Melo Antunes, ao Expresso, a 17 de Fevereiro de 1979:
(...) tinha vista, em face do relativo malogro das conversações de Lusaka, assentar com a FRELIMO a metodologia mais conveniente para manutenção dos contactos, tendo-se chegado a conclusão que deveriam evitar-se mais encontros formais do tipo do "encontro de Lusaka", enquanto não se tivesse avançado na remoção dos obstáculos que permaneciam após aquele encontro.
Os meses de Julho e Agosto de 1974 foram caracterizados por negociações simultânea, entre a FRELIMO e o Governo Português, porém envolvendo separadamente, a Comissão Central do MFA, por um lado e, comandantes de alguns quartéis portugueses, em Moçambique, por outro. Ao nível do MFA realizaram-se três reuniões, em que a primeira aconteceu a 31 de Julho a 2 de Agosto, em Dar-es- Sallam, chefiada pelo capitão Melo Antunes. A segunda , foi de carácter secreto, chefiada igualmente por Antunes e, a terceira, teve lugar a 15 de Agosto, liderada por Mário Soares. Refira-se que Melo Antunes, acompanhado por Victor Crespo e Almeida Santos, chegou a Dar-es-Sallam, na tarde de 31 de Julho de 1974. No mesmo dia a delegação da FRELIMO, chefiada por Samora Machel, integrando Marcelino dos Santos, Joaquim Chissano, Jorge Rebelo, Óscar Monteiro e Armando Panguene, concentrava-se na capital tanzaniana. Na mesma data decorreu a primeira sessão de trabalho, das 19h30 minutos às 21h15 minutos.
A essa hora tínhamos cercado o quartel de Omar, aguardando pela madrugada do dia 1 de Agosto para o ataque, assalto e ocupação. É motivo para dizer que estávamos a cruzar duas frentes, por um lado a militar e, por, a político-diplomática, esta última que não era do meu conhecimento.
De acordo com Almeida Santos, paraaspectos, que colocariam este reunião, Melo Antunes tinha sido recomendado por Spínola a fazer uma série de concessões, mas salvaguardando dois aspectos que colocariam os moçambicanos numa condição de contínua dependência política de Portugal. De acordo com a proposta, deveria existir um período de transição de 4 a 5 anos e que o respectivo governo seria composto por três quartos de membros nomeados por Portugal e um quarto, designado pela FRELIMO.
A segunda reunião revestiu-se de um carácter secreto. O capitão Melo Antunes, acompanhado por Victor Crespo, encontrou-se com o Presidente Samora Machel, em Dar-es-Sallam, de quem recebeu a proposta do texto dos Acordos de Lusaka. Deste encontro depreendem-se duas leituras, complementares entre si. Uma, que evidencia o postulado português plasmado no Comunicado do MFA, pós golpe de 5 de Abril, o qual defendia claramente que o cessar-fogo dependia de uma solução política e não militar. A outra, indica que a FRELIMO tinha encontrado, de facto, as pessoas certas para um processo negocial frutuoso. Neste aspecto, o mérito vai, particularmente para o conselheiro Aquino de Bragança e em geral para todos os guerrilheiros.
A terceira reunião, chefiada por Mário Soares , integrando Melo Antunes e Almeida Santos, teve lugar no dia 15 de gosto de 1974, na mesma cidade. O Presidente português, António de Spínola, tinha dado outra recomendação à sua delegação - que a FRELIMO pedisse desculpa a Portugal, pelos distúrbios causados, em alusão ao assalto ao Quartel de Omar. Parece que a condição fundamental para a retomada das negociações. À semelhança dos encontros anteriores, este não chegou a nenhum consenso, porque a FRELIMO voltou a embadeirar-se no "Efeito Omar", não só para se contrapor ao Spinola, como também para reiterar o esclarecimento da Lei 7!74, de 27 de Julho acima referida.
Na verdade neste encontro, o "Efeito-Omar" colocou a delegação da FRELIMO numa posição vantajosa face à delegação portuguesa, que não tinha produzido qualquer resultado palpável, desde o início das negociações. Pelo contrario, ganhámos pelo "finca pé" na exigência do reconhecimento do direito do povo moçambicano à sua independência e na situação do princípio de transferência do poder â FRELMO . A adicionar a estas exigências ou ganhos contínuos, a FRELIMO mencionou que nas rondas negociais seguintes deveria constar a data da Independência, que seria fixada no dia 25 de Junho de 1975, coincidindo com o dia da sua criação, em 1962. Invertendo a proposta trazida pela delegação portuguesas, a FRELIMO exigiu que o governo de transição a ser estabelecido, fosse composto por três quartos dos membbros nomeados por si, e um quarto, por Portugal.
Refira-se que existe um debate ainda candente em torno de uma cassete respeitante à rendição da Companhia do Quartel de Omar, havendo duas versões a respeito desta "encomenda". A primeira, sustenta que Antunes teria entregue a Spínola, que, no entanto recusou-se a escutá-la. A outra indica que o capitão, reflectindo sobre a gravidade da situação que encontrara nas negociações, sobretudo o conteúdo da gravação, alegadamente, em nome da disciplina militar, não terá tido a coragem suficiente para transmitir o sucedido ao seu superior hierárquico. Tudo fez para evitar trespassar-lhe aquela informação bastante pesada. A este respeito, Almeida Santos em entrevista ao Expresso, de 17 de Fevereiro de 1979, teceu o seguinte comentário:
Ele era .... Intelectualmente superior, corajoso e muito inteligente. Melo Antunes era também militar. E mesmo Ministro sem Pasta, não deixava de ser um Capitão que, naquela ocasião, se prepara para ir falar com um general.
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Ernesto de Melo Antunes, junto a um helicóptero Alluet III, em Angola |
Sobre este assunto,Almeida Santos concedeu uma entrevista, na qual destacou três aspectos relativos às negociações de 15 de Agosto, nomeadamente, a falta de apresentação de desculpas conforme a orientação presidencial, a reeixibição da gravação pelo Presidente Samora e a angústia e o desespero de António de Spínola, devido à humilhação do seu Exército. Referindo-se ao pedido de indulgência, assim se pronunciou:
Assim, fizemos. Mas com surpresa nossa, Samora Machel começou por pretender desconhecer do que estávamos a falar.
Emboscada de Omar? Uma Companhia aprisionada?
Por fim fez-se luz no seu espírito:
O quê? Aquela entrega dos vossos soldados'
E voltando-se para um assessor da sua delegação:
Traz a cassete...
Cassete? Íamos de surpresa em surpresa. Mas a verdade é que a misteriosa cassete veio, foi por nós ouvida e, ao ouvi-la ficou a constituir a maiores humilhações por que terá passado a delegação de um paés. É claro que não havia lugar à existência de desculpas. Limitámo-nos a pedir uma cópia da cassete para em Lisboa documentarmos isso mesmo. Mal chegados, a primeira coisa que o Presidente Spínola quis sa ber de nós foi se a FRELIMO tinha ou não apresentado desculpas.
Lamentamos informar que não era caso disso. Trazemos aqui uma cassete ...
Uma cassete?
É verdade! Una cassete!
Logo se pediu um leitor de cassetes, Mas pouco tempo depois de ter começado a ouvi-la, o Presidente mandou abruptamente desligar a maquineta. Manifestamente perturbado. Não sei se invento dizendo que vi brilhar, por detrás so seu inseparável monóculo, uma lágrima de comoção. Ou de raiva? (...) Diz no seu livro que se recusou a ouvi-la, bem como "aceitar que tão vergonhosa rendição traduzisse o espírito das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique. Verdade é que recusou a ouv-la até ao fim. Mas o que chegou a ouvir bastou para ter escrito que essa gravação ficará aa assinalar uma das mais "vergonhosas façanhas do Exército Português, ao oferecer a Samora Machel, na mesa das negociações, uma arma decisiva. As afirmações produzidas no acto a rendição, designadamente as saudações à FRELIMO, como libertadora de Moçambique e do próprio povo português, constituíram prova irrefutável do índice de prostituição moral a que haviam chegado alguns militares portugueses.
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