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Manuel Pinto Agrellos |
Durante seis anos, entre 1968 e 1974, Marinha de Guerra do Malawi, no Lago Niassa, foi secretamente comandada por oficiais Armada Portuguesa. Esta operação, uma das mais bem sucedidas acções encobertas levadas a cabo durante a Guerra Colonial, foi inspirada por Jorge Jardim - influente empresário estabelecido na Beira, Moçambique, fascinante jogador no tabuleiro dos serviços secretos, agente especial que durante a guerra tratou dos mais sensíveis
assuntos de Estado com os países vizinhos como o Malawi, a Tanzânia, a Zâmbia a Rodésia e a África do Sul.
O Malawi não tinha meios para patrulhar o imenso Lago Niassa. O presidente Hastings Banda temia as ameaças temia as ameaças dos opositores refugiados na vizinha Tanzânia. O amigo Jorge Jardim encontra uma solução - e convence o Governo de Lisboa a fornecer ao país vizinho uma lancha e secretamente, um comandante português.
A operação só trazia vantagens, As autoridades do Malawi, em troca do favor, davam informações preciosas sobre as movimentações dos guerrilheiros da FRELIMO e fechavam os olhos a operações militares no interior das suas fronteiras - além de que a lancha controlava as embarcações que serviam de apoio à guerrilha a partir da Tanzânia.
Em 5 de Agosto de 1968, uma segunda-feira, a base naval de Metangula, na margem moçambicana do Niassa, é palco de uma cerimónia simbólica. A Lancha Casstor, agora com bandeira do Malawi e rebaptizada John Chilombwe, zarpa para outra margem do Lago rumo a Nkata Bay. É comandada por um português, Manuel Pinto Agrellos, que aceitou o desafio de Jorge Jardim para participar na perigosa aventura.
Lancha Castor |
Agrellos era oficial era oficial da Armada e comandava uma lancha idêntica no Lago Niassa - a Mercúrio. Assinou um documento a pedir a demissão da Marinha e tornou-se, como convinha para a segurança da operação, num mercenário sem pátria. Se alguma coisa corresse mal, Portugal diria que não o conhecia e abandonava-o. Estava por sua conta e risco.
O Malawi pagava-lhe o ordenado através de Jorge Jardim, que depositava o dinheiro numa conta bancária. O assunto era segredo de Estado
Além do comandante, mais dois tripulantes também eram portugueses - o telegrafista, Cordeiro, e o maquinista, Martinica, graduados em sargentos da Marinha de Guerra do Malawi. O resto da guarnição pertencia aos Young Pioners, a organização militar que servia como guarda pessoal do
presidente Banda.
Manuel Pinto Agrellos terminou a comissão em 1969. Abandonou África e regressou a Lisboa. Mas a Marinha de Guerra do Malawi, até 1974, nunca mais deixou de ser comandada por portugueses - todos recrutados na Armada por Jorge Jardim. O último foi Lhano Preto. A
revolução de 25 de Abril de 1974 apanhou-o no cumprimento da missão secreta.
Foi preso no Malawi e atirado para um campo de concentração. Mas Jorge Jardim mexeu-se como só ele sabia -- e Lhano Preto lá conseguiu evadir-se e chegar a Moçambique em segurança.
Destacamento de Fuzileiros Especiais nº9
Comissão Especial em Moçambique 1973—1974
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Deixei de ser o Francisco Preto passei a ser o Mr. Lhano |
Durante mais de um ano viveu como um inglês, incorporado nas forças do regime dr Hastings Kamuzu Banda. Até que foi preso depois do 25 de Abril.
Nos dois anos de Comissão só tivemos um morto e foi por azar por azar. Íamos em direcção a uma base inimiga quando fomos emboscados. Reagimos muito bem e eles ao fugir começaram a disparar as AK voltadas para trás. Geralmente essas balas vão para o chão ou para o ar. Dessa vez acertaram num dos nossos marinheiros. Atingiram-no no coração. Foi azar.
Na guerra é preciso ter sorte, porque para mim heróis fomos todos. Eu levei um tiro numa perna e podia ter levado noutro lado qualquer. Ninguém sabe de onde vêm as balas. Em Tete quando estávamos a fazer uma patrulha no rio, houve umas rajadas da margem e nós abicámos o bote em direcção ao inimigo. No meio da confusão, vi o carregador da G3 do camarada que ia ao meu lado saltar, atingido por um tiro. Outro acertou-lhe na coronha da arma que ia junto à cintura. Eu também as senti passar ao lado e por cima . Mas ninguém foi ferido. Foi sorte,
No final da minha primeira comissão, fui convidado para participar numa comissão especial já em curso: a criação da “Marinha do Malawi”. Quando precisava de se deslocar para Sul do Lago Niassa, a FRELIMO saía da Tanzânia e entrava em Moçambique através do Malawi.
Era preciso controlar o Lago. Foi o que fez o CEM da marinha, o Almirante Reboredo e Silva, através de negociações com o governo malawiano. Aceitei a proposta, o ministro da Marinha deu-me baixa de serviço e assinei um contrato com o Jorge Jardim, que era o cônsul do Malawi na Beira e tornei-me o comandante da Marinha do Malawi no Lago Niassa.Mas, sem as autoridades malawianas saberem, tínhamos assinado um acordo secreto com a Marinha portuguesa onde garantíamos que se houvesse problemas do lado de lá da fronteira, voltávamos com as lanchas para Moçambique.
Deixei de ser o Francisco Preto e passei a ser o Mr Lhano. Para o cidadão comum era um inglês que vivia no Malawi.
Na altura era segundo-tenente e auto promovi-me a “Captain”, com três riscas iguais às de Mar e Guerra inglês. Estavam comigo mais um oficial, três cabos e dois marinheiros que foram promovidos a Sargentos.
Este processo não só ajudou a controlar os guerrilheiros, como também resolveu o problema do transporte de combustível para a Base de Metangula, para abastecer geradores, lanchas e botes que tínhamos no Lago. Levar os combustíveis através das picadas, era como transportar explosivos numa Berliet, de cada vez que rebentasse uma mina, explodia tudo. Para isso era preciso entrar no Malawi.
Além das informações precisávamos essencialmente, de controlar o Lago Niassa. Por isso Portugal cedeu três lanchas. Duas de combate, JOHN CHILLOMBE (antina CASTOR) e a Chibisa (antiga RÉGULUS), e uma mais pequena de treino e pesca, a LIMPASA.
A responsabilidade pelo que se passava na maior parte do Lago era nossa. Podíamos inspeccionar os navios de grande porte que percorriam a costa a transportar mercadorias e pessoas e impedir a infiltração no Malawi a partir da Tanzânia.
No caminho para Blantyre, parámos para almoçar em LILONGWE. Fui à casa de banho e pedi à recepcionista para me ligar para o número do Embaixador Português. Atendeu-se sua esposa e quando cheguei a Blantyre,as coisas já estavam mais ou menos conversadas.
Depois disso,o comandante-chefe mandou-me ir a Moçambique. Eu tinha contrato até 15 de Junho, mas eles pediram-me para continuar mais tempo. Fiquei só com um cabo e o Berbereia Moniz. Quando regressei, o governo do Malawi tentou convencer-me a permanecer lá depois da independência de Moçambique.Quando estive em combate recebia uns cinco mil escudos mensais. Ali ganhava 25 mil, mais sete mil KWACHAS para despesas.
Com as negociações para a entrega de Moçambique à Frelimo,foi decidido que as nossas lanchas ficavam no Malawi. Então em Julho fui a Blantyre para a entrega oficial e depois deveria regressar a Moçambique.na véspera ao telefone o Embaixador:Amanhã esteja às 07H00 na embaixada para tirar um passaporte Português que às 15H00 vamos cortar relações diplomáticas com o Malawi. Claro que já não houve entrega nenhuma.
Nós deveríamos regressar a Moçambique numa lancha Portuguesa que em princípio iria transportar um jeep, que seria entregue ao Malawi e trazer de volta as armas pesadas da JONH CHILOMBWE e da CHIBISA.
Em Moçambique tiveram a informação que tínhamos sido presos. Por isso, foram preparados para tudo, Estávamos em Monkey Bay ,a 27 de Julho, quando vimos uma quantidade de fuzileiros a colocar os zebros dentro de água. Fizemos sinal e eles perceberam que estava tudo bem e desembarcaram como se fosse uma coisa pacífica. Acabámos por entregar as lanchas mesmo ali e voltar para Moçambique. Sem cerimónias.
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