Cabo Delgado. Final de Agosto de 1974.
Ainda não tinha sido assinado o Acordo de Lusaka. Eu estava na Base "Beira" no interior de Cabo Delgado. Os militares portugueses estavam desejosos de terminar a guerra e começavam a abandonar os quartéis. Eu, Camilo de Sousa, e outros companheiros saídos de um treino aturado de estratégia e tácticas de guerrilha, ansiosos por um confronto directo com o exército português o que não havia acontecido para além de bombardeamentos à distância, víamos o tempo passar.Perante o abandono das unidades militares portugueses, eram necessário que a guerrilha se ocupasse desses espaços abandonados e fizesse a sua gestão diante do povo desejoso de assaltar esses locais e levar tudo o que pudesse.
Na base Beira fui informado que deveria partir para Nachingwea (Quartel general da FRELIMO no sul da Tanzânia) para uma reunião.
Parti da Base Beira com o meu guarda-costas e caminhámos durante dois dias.
Ao fim do segundo dia atravessámos a vau o rio Rovuma e fomos até Newala onde havia um grande acampamento da FRELIMO e aí pernoitámos. No dia seguinte apareceu o o chefe-adjunto das operações da FRELIMO Alberto Chipande, que eu já conhecia do tempo do meu treino militar, e fomos no carro dele até Nachingwea onde chegámos à noite,
No dia seguinte seguinte houve uma reunião com o Presidente Samora Machel que deu-me a missão de acompanhar um grupo de quadros que estavam a sair do treino militar para irem a Cabo Delgado e começarem a ocupar esses quartéis que estavam a ser abandonados ou entregues.
Era necessário tomar conta dos paiós, do armamento e munições e do espaço dos quartéisem geral: geradores, equipamentos de refrigeração, telecomunicações, unidades sanitárias ea administração dos locais.
O era grupo era formado por engenheiros, médicos e administrativos formados em vários países europeus incluindo Portugal.
Havia ainda duas companhias de guerrilheiros que iam fazer a ocupação dos quartéis.
No final da reunião o Presidente Samora Machel chamou-me à parte e disse-me quue gostava do trabalho que eu estava a fazer em Cabo Delgado e ofereceu-me duas fardas dele. Eram fardas diferentes das outras, feitas de um tecido verrde cinza que só ele usava.
No dia seguinte partimos em camiões para Newala e nessa noite atravessámos o rio Rovuma agora sem os estrondos habituais dos canhões de Omar Nambiriau e fomos cumprir a nossa missão a partir do quartel de Mueda.
Texto de Camilo de Sousa,
Militar da FRELIMO
NANGOLOLO, 4 de AGOSTO DE 1974
Estava em Nangololo, cujo único meio de contacto com o exterior era a aviação,
visto que por terra já não se movimentava há longo tempo e só para dar um
exemplo, fomos para Nangololo vindos de coluna militar, e para fazer 38 Km
desde Mueda, levámos 8 dias e na altura com todo o apoio militar, Comandos, Para-quedistas
e a aviação militar em pleno. (esta a referir-se à última coluna para Nangololo
em Fevereiro de 1973)
Três meses antes do 25 de Abril a aviação civil e militar enfrentaram grandes dificuldades de manobra devido ao facto de já haver no terreno mísseis terra-ar por parte do IN. De salientar de que a partir dessa data as dificuldades de logística provocaram uma grande insegurança e a moral das tropas desceram a níveis preocupantes.
A 4 de Agosto de 1974, abandonámos Nangololo, pelas 08 horas, não me esquece o dia pois foi a minha prenda de aniversário.
Um dia antes tentámos destruir o mais possível, principalmente material militar e confidencial, despejando todo esse material, numa vala à saída do arame fardado para quem ia à água na nascente. Depois foi rebentado todo esse material ao mesmo tempo. Em Nangololo e seus arredors abanou tudo.
O último soldado da CART. 7256 a abandonar Nangololo |
Todo o nosso material pessoal, assim como percutores dos obuses, morteiros . etc... e documentação confidencial, foram transportados em helicópteros tipo Puma, pois tinham a possibilidade de voar baixo, junto às árvores e não eram atingidos pelos mísseis, mas estavam sujeitos a ser "abonados" por anti-aéreas que a FRELIMO já tinham e não era a primeira vez.
Quanto ao restante material tivemos ordens oficiais para não o destruir a fim de ficar para a FRELIMO. No entanto, fizemos todos os possíveis para lhes fazer a vida negra, tais como areia no óleo das viaturas, destruição do furo da água etc...etc...
Mas isso foram atitudes que nós, oficiais, viemos a saber depois, pois os soldados não quiseram ir embora sem lhes deixarem vários presentes.
Como o objectivo era quanto mais depressa melhor para o IN não ter capacidade de reacção, foi andar e andar e não havia direito para descansar, só à noite. Como grande parte da nossa Comanhia ia a pé, da ponta até ao fim quase que fazia um quilómetro.
De Nangolo ao Chai o mato era intenso o que nos dificultou a caminhada |
Dois dias e meio, foi muito duro, principalmente para aqueles que não estavam habituados a andar no mato, ais como a generalidade dos especialistas.
Passou tudo e depois fomos transportados para Porto Amélia onde embarcámos numa corveta da Marinha a caminho de Lourenço Marques. No entanto como já havia montes de problemas entre brancos e negros em António Enes e como não havia tropa na zona mandaram a malta para lá, mas por poucos dias.
Fomos então para Lourenço Marques, onde aqui ficaram 2 Pelotões, o meu Pelotão em João Belo e um grupo na Namaacha.
Para mim foi também difícil viver naquela confusão que se seguiu ao 25 de Abril, pois não sabíamos quem era o IN, não havia ordens de ninguém, nós meia dúzia de gatos pingados ficámos a tomar conta de cidades em alvoroço, até porque a polícia deixou de funcionar.
Pior ainda foi ter que sermos integrados com tropa da FRELIMO, o inimigo dos dias anteriores
Texto de Duílio Caleça
Alferes Miliciano da Companhia de Artilharia 7256
Sem comentários:
Enviar um comentário