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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


domingo, 24 de junho de 2018

VIAGEM MUOCO - MANIAMBA

segunda-feira, 8 de junho de 2015


Viagem Muoco - Manianba

Por Jorge Guedes da CCAÇ 1560.

"Dezembro de 1966, a minha companhia 1560, pertencente ao Batalhão 1891 saiu do Muoco com destino a Manianba. A coluna já em Vila Cabral é requisitada para proteger uma frota de camiões com mandioca para as populações. Passamos por Cantina Dias onde se encontrava uma companhia e até tinha aí um amigo da minha terra que me pagou uma cerveja, e conversamos um pouco. Como já eram velhinhos ali, os turras com eles não queriam nada – contava ele -. Retomou-se a viagem já com as precauções dadas pelo capitão que a partir dali era zona de guerra.
(Eu no quartel do Muoco)
Tudo corria bem e paramos. Eu perguntei a um motorista dos camiões se por ali havia alguma coisa, respondeu-me que não, só não foi com ele na cabine porque já levava dois militares, paciência e regressei ao meu hunimog. Nem meia dúzia de Km andam e o camião que eu queria ir, accionou a 1º mina anti-carro da zona do Niassa, o motorista morreu e os dois colegas feridos. O capitão manda-me a mim, um atirador e o motorista do meu hunimog levar o morto e feridos a Cantina Dias, que ficava um pouco longe, e a coluna ficava á espera do nosso regresso. Chegamos a Cantina Dias e o meu colega da cerveja muito admirado pelo acontecimento lamentou que tivesse tido azar, mas tínhamos que regressar para a coluna que esperava por nós. Pés ao caminho e passa uma pequena coluna dessa companhia que se foi abastecer a Vila Cabral e nos cumprimentou, sem saber porque vínhamos do quartel, tudo bem, mas que uns metros passados fomos surpreendidos pelos turras com rajadas de metralhadora e morteiros e nós três homens já no chão a tentar compreender o que se passava, ai minha nossa senhora, foi então que nos apercebemos que estávamos entre três fogos, dos turras, do quartel e da coluna que tinha passado por nós, levantamos a cabeça não era connosco e sinceramente fugimos a toda a velocidade, sujeitos a um acidente, mas nem sequer tivemos tempo de pensar que pudesse acontecer. Chegamos e contamos a nossa odisseia.
Continuamos com o destino a Manianba mas antes de lá chegar já sabíamos que o 4º pelotão no qual eu estava integrado iria por motivos operacionais fazer uma missão a Miandica logo que chegasse a Manianba.
(Flagrante imagem do resultado de uma mina do 4º pelotão 1560 entre Bandece e Maniamba)
Aqui chegados já nem as nossas malas nos foi permitido arrumar, mas sim fornecer ração de combate ao pelotão e seguir em coluna auto para Nova Coimbra onde chegamos na noite de consoada, por mais anos que viva não mais esquecerei essa noite, a companhia que estava aí estacionada a comer ceia de Natal e nós fora do quartel a comer a ração de combate, fazer horas e descansando um pouco da viagem desde o Muoco. Como era costume havia a tendência dos colegas mais velhos de amedrontarem os mais novos sempre que estes iam para qualquer zona fazer uma operação ou batida dizendo que íamos encontrar obstáculos na caminhada e que a zona era muito perigosa, “ ides levar porrada” - comentavam. Pouco antes da meia-noite e a pé iniciamos a caminhada receosos para uma zona que não conhecíamos, mas a pensar que tudo ia correr bem até Miandica. Algumas horas já passadas e já de madrugada tivemos alguns avisos do inimigo que nos levou a acelerar o passo e termos feito disparos de morteiro e bazuca sobre um pequeno grupo de turras que nos vigiavam e davam tiros de intimidação disparando sobre nós e nestas trocas de tiros mata uma mulher. Continuamos a nossa caminhada e chegamos a Miandica já era dia. Aí chegados descansamos e como a nossa missão era ficar nessa base protege-la enquanto os camaradas da mesma foram fazer uma batida. O pelotão da base regressou já noite.
Cumprida a nossa missão, ao anoitecer metemos pés ao caminho de regresso a Nova Coimbra. Íamos a um terço da viagem ouvi na frente do grupo um estrondo, “ foi uma mina, foi uma armadilha ” accionámos qualquer coisa que nos provocou um ferido grave e dois ligeiros, chovia e trovoava muito, a noite muito escura, não podíamos fazer luz com receio de sermos localizados e isso dificultava o socorro aos feridos e eu tinha que chegar aos feridos para avaliar a dimensão dos ferimentos, eu como enfermeiro para chegar aos feridos tinha que passar por cima dos camaradas aos apalpões, ninguém queria fazer qualquer ruído .
(Quartel de Bandece, o furriel enfermeiro da 1560 José Maria, caiu numa trincheira, estou a esquerda dele)
Aí chegado aliviei as dores sustive as hemorragias e pouco podia fazer, uma maca improvisada e com ajuda de todos invertemos o destino novamente para Miandica visto Nova Coimbra ainda estar muito longe e como disse atrás chovia muito estávamos muitos mal tratados pelo mau tempo, com os feridos, cansados da noite anterior e agora com o retorno a Nova Coimbra o pessoal estava desmoralizado. Murmurava-se baixinho se iríamos sair daquele triangulo, Nova Coimbra-Miandica, Miandica-Miandica,Mandica- Nova Combra , também se rezava, alguns colegas ganharam ferimentos , entorses pelas quedas que o mato molhado originava, eu arranjei duas inguas (adenites)que me dificultavam o andamento. Chegamos a Miandica ainda era noite. Mal chegamos uns colegas descansavam enquanto outros e eu secávamos as roupas e calçado numa fogueira que fizemos com essa finalidade, aguardamos novas ordens embora tenhamos pedido ao alferes Coelho que informasse o comando do sector dos feridos e do cansaço das suas tropas, acreditando que era possível ficar mais umas horas, mas a resposta veio logo do comando do sector dura e crua,” temos que arrancar já”. Como tínhamos que arrancar, um colega disse ao alferes que queimou as botas e não podia ir, logo o alferes sabia que eu estava debilitado para a caminhada, obrigou-me a ceder as minhas botas para o outro colega integrar o pelotão e eu fiquei, lá se fizeram á mata e chegaram sãos e salvos a Nova Coimbra.
Ora eu não pertencia ao pelotão que estava em Miandica, fiquei sem botas e a roupa que tinha no corpo já veio comigo desde o Muoco, mas sempre com a ideia que mal viesse o dia viria um helicóptero ou avioneta buscar os feridos e eu aproveitava a boleia, de facto logo pela manha veio uma pequena avioneta buscar os feridos mas eu não tinha lugar, fiquei triste e olhei a avioneta a ir ao fundo da pista e eu a pensar quando iria. A avioneta levanta voo e eu a vê-la…quando de repente ela cai no meio das arvores, olha que sorte eu tive, fomos a correr socorrer os que já eram feridos mais o piloto, que se veio a confirmar que foi culpa dele não ter aproveitado bem a curta mas suficiente pista. Novo pedido para o transporte que veio e os feridos foram evacuados para Vila Cabral e eu fiquei não tinha lugar outra vez
Chamava-se quartel de Miandica a um terreno quadrado e isolado, sem qualquer via de comunicação terrestre, com cinquenta homens a dormir no chão resguardados por chapas de zinco encostadas a grandes montes de areia como protecção em caso de ataque, de um dos lados havia uma pequena pista que nos separava do mato, dos outros era só mato. Não tinha mais ninguém a não ser tropa.

(Eu apalpando o pêlo ao leopardo em Maniamba mas nada de abusos.)
Enquanto estive em Miandica apercebi-me da dureza de quem tem que fazer a comissão que mesmo de dois meses que é o tempo permitido, era desumano, o abandono e isolamento era total daqueles colegas que foram diariamente pelo menos enquanto lá estive massacrados com ataques de fogo do inimigo ao quartel, á pista, á água e por vezes pelos quatro flancos onde tínhamos as trincheiras, eram tantas as vezes que nos atacavam, que alguns, em especial um furriel cantava em cima das trincheiras a celebre canção brasileira “ a banda a passar” tal era o estado psicológico destes homens. Por vezes os turras nos impediam de irmos á água e arriscarmos a vida por ela, noutra altura a avioneta que vinha trazer alimentos e o correio não se apercebeu e foi metralhada, enquanto nós no terreno estávamos a braços com dois ataques momentâneos ao quartel e á secção que foi á água e tínhamos que mandar mais homens socorrer a secção. O piloto da avioneta apanhou tamanho susto que por uns dias não arriscaram aterrar, e nós recebíamos o correio e algo mais atirado de alguma altura. Assim passei por empréstimo forçado e tive de aguentar até que se lembrassem de que o enfermeiro da 1960 não tinha botas, nem roupa, nem correio e como nada tinha eram os colegas dessa companhia que ainda hoje não sei o nome nem numero que tudo do pouco que também tinham me davam, estava na mesma luta pela sobrevivência.
Se me perguntarem quantos dias estive em Miandica, apenas posso responder que a passagem do ano foi festejada com tiroteio dos nossos (amigos) e depois quase todos os dias nos visitavam e por vezes davam-se ao luxo de fazerem fogo alternando de flancos obrigando-nos a proteger cada flanco conforme vinha o fogo. Com tanta distracção perdi-me no tempo, mas de Miandica jamais me esquecerei
.
(O grupo da 1560 após repetir um ataque em Bandece)
Quem por África passou, com o passar do tempo pensará como eu se valeu a pena tanto sacrifício de milhares que morreram, se estropiaram e de uma mocidade perdida."
O Leopardo

1 comentário:

  1. Lamento que não se fale no vosso comandante de companhia, o algarvio Cap. Campinas. Eu tb estive no Muoco em 1967, depois de transferir a minha comp.ª* (1.ª BC18) de Nipepe para essa localidade, apenas com a berliet restante (durou um mês)
    Em 2003, escrevi um livro sobre Moçambique, onde cumpri 3 comissões por imposição com o título "Combater em Moçambique; Guerra e Descolonização; 1964-1975" (Ed. Prefácio), de que agora, em Maio passado reeditei numa versão actualizada, pela Ed. Âncora. (ver livrarias FNAC). Ver referências na wikipedia e no site Guerra do Ultramar, tal a designávamos naquela época...

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