segunda-feira, 30 de novembro de 2009
NUNCA HOUVE UMA GUERRA SEM MORTANDADE.
O MAL É DA GUERRA E DE MAIS NINGUÉM
Jaime Neves
General Comando
VERSÃO DO DESASTRE DE 22 DE MAIO DE 1967
Estávamos em 21 de Maio de 1967, quando ao cair da noite fomos informados que no dia seguinte bem cedo partíamos para uma operação na zona do Lunho.
Durante o serão e como sempre, esgotámos tudo o que era bebível... cerveja, laranjada e até a popular DOLKA ( leite com chocolate). Sim, porque a ideia dominante que sempre nos acompanhou, é que havia ir, mas voltar era uma incógnita.
Os Cipaios que geralmente nos acompanhavam, armazenavam no cantil todo o vinho que podiam receber. Pelo contrário, nós tentávamos levar o máximo possível de água nos cantis.
Quando chamei a atenção aos Africanos que eram os carregadores do material Rádio, responderam-me que íamos encontrar muita água. E foi a água a causa maior da nossa desgraça.
Depois de palmilharmos alguns Kilómetros encontrámos uma fonte, onde tudo o que era Africano e depois de terem bebido toda o vinho "água de Lisboa" preparavam-se para se abastecer de água. E aí começaram a rebentar as armadilhas. Mais de uma dezena de feridos, entre eles o Alf.Sancho (hoje já falecido) que viria a ser evacuado para a Metrópole.
De imediato enviei um ZULU para o Comando do Sector a pedir evacuações.
Quando já dois hélios piravam no sobre nós, eu com o rádio HC dava indicações aos pilotos onde deviam poisar. Caminhava por uma vereda, ouvi uma voz atrás de mim: deixa-me passar "Alvalade", era o Cabo Leão, deu dois ou três passos e pisou uma mina anti-pessoal. Ficou todo queimado da cintura para baixo. Só nos pedia que acabássemos com ele. A sua missão era que com a sua secção fazer a segurança aos helicópteros. Se não fosse o Leão a pisá-la pela certa teria sido eu.
Depois da evacuação até Nova Coimbra, local onde os feridos esperaram pelas DO que os transportaram até ao hospital de Vila Cabral, o Cabo Leão morreu.
Quando retirámos e já no quartel, verificámos que com a azáfama do tratamento e evacuação dos feridos, deixámos duas G3 no terreno.
No dia seguinte, aparece no nosso barracão, o Alf.Monteiro (hoje falecido) a pedir voluntários para irem ao local do onde deixámos as armas. Voluntários a regressar ao local onde tínhamos tiso 17 feridos e um morto, tudo por causa de minas e armailhas? Missão quase impossível a do Alf.Monteiro.Depois de muita retórica e algumas piadas a incentivarem-nos lá fomos buscar as armas. Já no local, de cada vez que se dava um passo esperava-se rebentar outra mina. Felizmente que nada aconteceu.
Depois da evacuação dos feridos, de permeio, tivemos no Quartel de Nova Coimbra, a visita do Comandante do Batalhão Ten Coronel José Rodrigues Maria da Matta, (hoje já falecido) e a do nosso Capelão.
Deste episódio ficou-me na memória uma frase dita na homilia pelo sr.Capelão que passo a citar:
DEUS ESTÁ CONNOSCO .
Como alguns dias depois retomámos a mesma operação, vim a confirmar que Deus também estava com os guerrilheiros da Frelimo.
Mas isso fica para contar mais tarde...
José Rosário
CCAÇ 1558
OUTRA VERSÃO DO DESASTRE DE 22 DE MAIO DE 1967
Eu, como Cabo Enfermeiro, fiz do grupo que foi socorrer os acidentados. Vinha eu com a ajuda do Furriel Júlio com um ferido na maca, não me lembro quem era, para o levar para uma clareira onde os helicópeteros íriam poisar. O Cabo Leão ía à minha frente com o seu Morteiro e com a
minha G3 e a do Júlio. No percurso o Leão rebentou uma mina anti-pessoal.
À Esquerda na foto o malogrado 1º Cabo Segundo Leão |
Assisti o Leão, como enfermeiro,e as únicas palavras que ouvi da boca dele foram " Carvalho, a minha mãe bem disse que não me voltava a ver" respondi-lhe para o acalmar: tem calma Leão que isto não é nada de grave. Claro que não era assim pois ele tinha perdido uma perna até um pouco acima do joelho, parte da carne das nádegas desapareceu e tinha os testículos pendurad
Dei-lhe duas injecções de morfina i vitamina K, já que estancar as hemorragias era impossível.
Para embarcar o Leão no helicóptero pedia ajuda a quem estava ao meu lado. Disse-lhe com brusquidão: car...ajuda aqui. Respondeu-me uma voz meiga e terna, estou aqui para o ajudar. Ao ouvir aquela voz que só poderia ser de mulher, caíram-me os "tomates ao chã".
Era uma Enfermeira Paraquedista.
António Carvlho
CCAÇ 1558
NOTA DO BLOG
Estas versões, que ambos os autores foram testemunhas, sobre o mesmo acontecimento parecem contraditórias entre si . No meu entender que não estive no local mas sim em Nova Coimbra, são verdadeiras. Quando o Carvalho diz que transportava juntamente com o Júlio um ferido numa maca,o Leão ía à sua frente e atrás do Zé Rosário. Daí este ter ouvido o pedido do Leão para deixá-lo passar. O ferido que o Carvalho diz não se lembrar era segundo relato da época o Furriel Moutinho que chegou a ser dado como morto em Nova Coimbra mas que felizmente sobreviveu.
Amadeu Silva
Amadeu Silva
CCAÇ 1558
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