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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

CRÓNICAS DO FIM DA GUERRA

 Cabo Delgado. Final de Agosto de 1974.

Ainda não tinha sido assinado o Acordo de Lusaka. Eu estava na Base "Beira" no interior de Cabo Delgado. Os militares portugueses estavam desejosos de terminar a guerra e começavam a abandonar os quartéis. Eu, Camilo de Sousa, e outros companheiros saídos de um treino aturado de estratégia e tácticas de guerrilha, ansiosos por um confronto directo com o exército português o que não havia acontecido para além de bombardeamentos à distância, víamos o tempo passar.

Perante o abandono das unidades militares portugueses, eram necessário que a guerrilha se ocupasse desses espaços abandonados e fizesse a sua gestão diante do povo desejoso de assaltar esses locais e levar tudo o que pudesse.

Na base Beira fui informado que deveria partir para Nachingwea (Quartel general da FRELIMO no sul da Tanzânia) para uma reunião.

Parti da Base Beira com o meu guarda-costas e caminhámos durante dois dias. 
Ao fim do segundo dia atravessámos a vau o rio Rovuma e fomos até Newala onde havia um grande acampamento da FRELIMO e aí pernoitámos. No dia seguinte apareceu o o chefe-adjunto das operações da FRELIMO Alberto Chipande, que eu já conhecia do tempo do meu treino militar, e fomos no carro dele até Nachingwea onde chegámos à noite,
No dia seguinte seguinte houve uma reunião com o Presidente Samora Machel que deu-me a missão de acompanhar um grupo de quadros que estavam a sair do treino militar para irem a Cabo Delgado e começarem a ocupar esses quartéis que estavam a ser abandonados ou entregues.

Era  necessário tomar conta dos paiós, do armamento e munições e do espaço dos quartéisem geral: geradores, equipamentos de refrigeração, telecomunicações, unidades sanitárias ea administração dos  locais.

O era grupo era formado por engenheiros, médicos e administrativos formados em vários países europeus incluindo Portugal.

Havia ainda duas companhias de guerrilheiros que iam fazer a  ocupação dos quartéis.
No final da reunião  o Presidente Samora Machel chamou-me à parte e disse-me quue gostava do trabalho que eu estava a fazer em Cabo Delgado e ofereceu-me duas fardas dele.  Eram fardas diferentes das  outras, feitas de um tecido verrde cinza que só ele usava.

No dia seguinte partimos em camiões para Newala e nessa noite atravessámos  o rio Rovuma agora sem os estrondos habituais dos canhões de Omar Nambiriau e fomos cumprir a nossa missão a partir do quartel de Mueda.

Texto de Camilo de Sousa, 
Militar da FRELIMO

Comício da FRELIMO em Mueda.

NANGOLOLO, 4 de  AGOSTO DE 1974

Estava em Nangololo, cujo único meio de contacto com o exterior era a aviação, visto que por terra já não se movimentava há longo tempo e só para dar um exemplo, fomos para Nangololo vindos de coluna militar, e para fazer 38 Km desde Mueda, levámos 8 dias e na altura com todo o apoio militar, Comandos, Para-quedistas e a aviação militar em pleno. (esta a referir-se à última coluna para Nangololo em Fevereiro de 1973)

Três meses antes do 25 de Abril a aviação civil e militar enfrentaram grandes dificuldades de manobra devido  ao facto de já haver no terreno mísseis terra-ar por parte do IN. De salientar de que a partir dessa data as dificuldades de logística provocaram uma grande insegurança e  a moral das tropas desceram a níveis preocupantes.

A 4 de Agosto de 1974, abandonámos Nangololo, pelas 08 horas, não me esquece o dia pois foi a minha prenda de aniversário.
Um dia antes tentámos destruir o mais possível, principalmente material militar e confidencial, despejando todo esse material, numa vala à saída do arame fardado para quem ia à água na nascente. Depois foi rebentado todo esse material ao mesmo tempo. Em Nangololo e seus arredors abanou tudo.

O último soldado da  CART. 7256 a abandonar Nangololo

Todo o nosso material pessoal, assim como percutores dos obuses, morteiros . etc... e documentação confidencial, foram transportados em helicópteros tipo Puma, pois tinham a possibilidade de voar baixo, junto às árvores e não eram atingidos pelos mísseis, mas estavam sujeitos a ser "abonados" por anti-aéreas que a FRELIMO já tinham e não era a primeira vez.

Quanto ao restante material tivemos ordens oficiais para não o destruir a fim de ficar para a FRELIMO. No entanto, fizemos todos os possíveis para lhes fazer a vida negra, tais como areia no óleo das viaturas, destruição do furo da água etc...etc...
Mas isso foram atitudes que nós, oficiais, viemos a saber depois, pois os soldados não quiseram ir embora sem lhes deixarem vários presentes. 

Como o objectivo era quanto mais depressa melhor para o IN não ter capacidade de reacção, foi andar e andar e não havia direito para descansar, só à noite. Como grande parte da nossa Comanhia ia a pé, da ponta até ao fim quase que fazia um quilómetro.


De Nangolo ao Chai o mato era intenso o que nos dificultou a caminhada

Dois dias e meio, foi muito duro, principalmente para aqueles que não estavam habituados a andar no mato, ais como a generalidade dos especialistas.

Passou tudo e depois fomos transportados para Porto Amélia onde embarcámos numa corveta da Marinha a caminho de Lourenço Marques. No entanto como já havia montes de problemas entre brancos e negros em António Enes e como não havia tropa na zona mandaram a malta para lá, mas por poucos dias.

Fomos então para Lourenço Marques, onde aqui ficaram 2 Pelotões, o meu Pelotão em João Belo e um grupo na Namaacha.

Para mim foi também difícil viver naquela confusão que se seguiu ao 25 de Abril, pois não sabíamos quem era o IN, não havia ordens de ninguém, nós meia dúzia de gatos pingados ficámos a tomar conta de cidades em alvoroço, até porque a polícia deixou de funcionar.

Pior ainda foi ter que sermos integrados com tropa da FRELIMO, o inimigo dos dias anteriores

Texto de Duílio Caleça
Alferes Miliciano da Companhia de Artilharia 7256










domingo, 20 de outubro de 2024

CRÓNICA DE CAMILO DE SOUSA GUERRILHEIRO DE FRELIMO

 

 Setembro de 2024. Após 50 anos reencontro de D.Dolores Ferreira Câmara com Camilo de Sousa

Decorria o mês de Julho de 1974 e eu estava na Base Moçambique A (a chamada Base Central). Estavam também na Base os camaradas Raimundo Pachinuapa (Secretário Provincial de Cabo Delgado, responsável máximo da região) e Aníbal Malichicho, Comissário Político da Província.

Numa tarde, fui chamado ao comando da Base para uma reunião com o camarada Raimundo Pachinuapa e outros camaradas onde fui informado que um grupo de guerrilheiros das nossas "zonas avançadas" tinha capturado, em Morrola, na região agrícola de Montepuez/Namuno, um casal de agricultores portugueses bem como a sua filha menor e que a mulher estava grávida. Tinham caminhado durante uns dias dessa região até à zona de Muidumbe estando retidos numa sub-base de nome Cahora Bassa.

Neste encontro recebi a tarefa de ir ao destacamento de Cahora Bassa para apaziguar esta família e transmitir parte do Comando Provincial que nada de mal lhes seria feiti.

No dia seguinte, ainda o sol não havia nascido e já estava a caminho da sub-base acompanhado do meu guarda-costas. Caminhámos durante cerca de três horas o que significava cerca de 15 quilómetros até à base onde  era esperado pelo comandante do destacamento.. Reparei que perto de umas casas afastadas estava o casal de portugueses e a sua filha vendo-me chegar ao comando.

Depois de uma breve conversa com o comandante trouxeram os reféns absolutamente amedrontados que me foram apresentados e a quem cumprimentei.

Acharam muito estranho encontrar um militar da FRELIMO da minha idade (21 anos), da minha cor e falante de português sem sotaque moçambicano. Isso deixou-os ainda mais cépticos em relação à sua sorte.

Camilo de Sousa, em Nachingwea (Tanzânia) no final do treino militar
Falei com eles e transmiti a mensagem do Comando Provincial de que nada de mal lhes aconteceria. Trazia comigo alguma ração de combate capturadas ao exército português durante emboscadas e convidei-os a tomar umas latas de sumos da ração e dei à menina uma lata de chocoleite. Informei-me  sobre a sua alimentação e das condições de acomodação.

Antes de partir deixei algumas recomendações aos que tomavam conta dos reféns. À saída da sub-base o refém português segredou-me que qdouando me viu chegar pensou que, pelo meu aspecto, eu era cubano e vinha com a missão de executá-los o que gerou uma risada geral.

Só voltei a encontrar esta família durante o governo de transição numa visita governamental aos distritos de Montepuez e Namuno onde visitámos a localidade de Morrola.

Autor texto:

Camilo de Sousa









domingo, 13 de outubro de 2024

O RAPTO, EM JULHO DE 1974, PELA FRELIMO DE UMA FAMÍLIA PORTUGUESA NA LOCALIDADE DE MORROLA EM NAMUNO EM MOTEPUEZ

Portugal Setembro 2024.  2024- D. Dolores e Amadeu Silva


Depoimento de Dolores Ferreira Cãmara

DOLORES FERREIRA CÂMARA (Canas do seu último casamento com Manuel Canas), 
em Morrola uma aldeia na localidade de Namuno, em Montepez região agro-pecuária de grande riqueza e muito conhecida pelas grandes plantações e fábrica de algodão.

Dolores era casada com o agricultor Celestino Rodrigues Pica, ela é natural da Ilha da Madeira e ele Alentejano e tinham vindo viver para Morrola ao abrigo do sistema colonial dos chamados "Colonatos",

Na região, a partir de 1973, começaram a haver algumas incursões  de guerrilheiros da FRELIMO que amedrontavam os agricultores portugueses ligados ao colonato.

Numa noite de Julho de 1974 Dolores, seu esposo Celestino  e a sua filha Celestina de cerca de 5 anos foram feitos reféns por um grupo de guerrilheiros da FRELIMO e levados a caminhar durante vários dias pelas matas de  Cabo Delgado em direcção ao Rio Rovuma passando por Nacatári e a região de  Muidumbe. Dolores estava de novo  grávida. Havia também como refém uma senhora sul-africana.

Pernoitaram em várias sub-bases ou pequenos destacamentos da FRELIMO durante o trajecto que os levou até às margens do Rio Rovuma que atravessaram a vau e caminharam até à região de Newala já em território tanzaniano

Daí foram levados em camiões até ao hospital da FRELIMO  na região de Mtwara também em território tanzaniano onde permaneceram cerca de 2 meses.




Depois da assinatura do Acordo de Lusaka a 7 de Setembro (entre o o governo português e a FRELIMO e que punha fim às hostilidades) foram transportados para Nampula de avião, no mesmo aparelho que transportava os soldados portugueses do golpe de mão de 1 de Agosto de 1974 do aquartelamento de Omar- Nambiriau no norte de Cabo Delgado. Estes vinham de Nachigweia (quartel general da FRELIMO na Tanzânia) onde haviam estado como prisioneiros de guerra.

Dolores e o marido continuaram em Cabo Delgado após a independência fazendo várias actividades até à morte deste.

Dolores casou-se em segundas núpcias com Manuel Canas próspero criador de gado de Mecúfi no sul de Cabo Delgado.

Dolores e filhos continuam a ter uma grade actividade naquela província de Moçambique.






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