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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 1 de março de 2021

DESPOJOS DE GUERRA

 Texto e fotos retirados da Revista do:

Jornal de Notícias nº 258133
Diário de Notícias 55452
De 14 de Fevereiro de 2021

HÁ 60 ANOS, COM A GUERRA COLONIAL, GERAÇÕES DE JOVENS PORTUGUESAS FORAM FORÇADAS A COMBATER ATÉ VIR A LIBERDADE.
NOVE MIL MORRERAM, TRINTA MIL FICARAM FERIDOS, MUITOS COM MARCAS PROFUNDAS E DEFINITIVAS. MAS VIVENDO SEMPRE COMO HOMENS INTEIROS.

FOTOGRAFIAS DE: 
LEONEL DE CASTRO
TEXTOS:
PEDRO OLAVO SIMÕES

Descrever por inteiro a Guerra, ela mesmo, é uma tarefa impossível. Até para os que a viverem na alma e na carne. Até para os que a viveram na alma e na carne. Mais o será, ainda, para os que sofreram por terem alguém da família ou conhecerem quem lá andou, para não falar dos que sobre ela apenas leram ou na versão mais indolente,ouviram falar. Mais não há do que  a aproximações à forma como a guerra afecta profundamente os indivíduos, as sociedades, a humanidade. E há guerra desde que há gente. Se quem lá esteve regressou outra pessoa podendo calar ou alterar (até  sem querer) o que viu e viveu, o que sofreu e o que fez sofrer, o que perdeu, viu e viveu, o que, sofreu e fez sofrer, o que perdeu eo que encontrou, quem não esteve lá só pode acumular informação e tentar discernir. É sina de todos os que tentam reconstruir o passado.
Estas páginas, no mês em que se assinalam 60 anos sobre o início da Guerra Colonial (1961-1974), são a primeira expressão pública de um projecto, assente na fotografia documental e  na recolha de testemunhos, que terá várias etapas. E contribuem para a cadeia de do conhecimento, construção, do conhecimento, trazendo à luz aqueles quue, ao tempo, eram varridos para debaixo do tapete ou escondidos atrás de um biombo patriótico: os deficientes das Forças Armadas.
Fazendo uso de um processo fotográfico desenvolvido em meados do  século XX - ferrótipos de colódico húmido -, o retrato colectivo cobre a cronologia da Guerra Colonial, toca os três grandes teatros de operações ( Angola , Guiné-Bissau e Moçambique) , revela toda a espécie de marcas que alteram radicalmente as vidas e os sonhos destes jovens de então: amputações, paralisia, cegueira, surdez, lesões internas, distúrbios pós-traumáticos de stress ( o mais visível que afectou alguns 140 mil)...
As próprias imagens ajudam a perceber as razões de uma escolha aparentemente bizarra em tempo de massificação digital: enormes, antigas e pesadíssimas as câmaras, alimentadas por um processo que obriga a sensibilizar a chapa, fotografar e revelar em apenas dez minutos. porque assim eram as fotografias antigas (pensadas, cuidadas e custosas), o que vemos é a tremenda dignidade de homens inteiros, reinventados em vidas plenas que eles mesmo, ao perceberem os ferimentos tinham julgado perdidas.
Nesta caminhada termos encontrado homens encontrado homens extraordinários e bem-humorados, capazes de brincar com a própria condição a que jamais chamarão desgraça. Também outros sobre quem a sombra se mantém pesada. Homens reencontrados sobre consigo mesmo por serem determinados por terem famílias lutadoras e, em larguíssima escala, por se terem unido.
associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) , cujo entusiasmo abriu portas a este trabalho, fez mudar leis e mentalidades, ajudou a criar laços inquebrantáveis e presta continuamente apoio a estes homens. Homens que a ditadura, como dissemos, escondia mais que a própria guerra.

Abel Fontoura, 71 anos. Vila Nova de Gaia
Biamputado braços/ Visão residual
Alferes Miliciano com o Curso de Minas e Armadilhas
Guiné - Bissau em 1971

De intruso em terra alheia a dirigente associativo
Abel Fontoura foi o último a entrar no navio "Angra do Heroísmo" rumo à Guiné - Bissau. Não concordava com a guerra, sentindo ao desembarcar, que era um intruso. Por ter fraca classificação em Mafra, deram-lhe a especialidade de minas e armadilhas. Antes do acidente que o deixou sem mãos e cego, viu outros camaradas mortos e mutilados. Ele próprio viu no momento que o davam como perdido. a Depois, inconformado com os diagnósticos em Portugal, lutou para ir à clínica barraquer em Barcelona, onde viveu "o segundo nascimento" ao recuperar da visão (que voltou a detiriorar-se muito. 
Já depois do 25 de abril, casou-se e não retomou o sonho juvenil de ser economista, acabando por se envolver de corpo e alma na vida associativa. Preside à delegação do Porto da ADFA



Ilidio Lázaro, 71 anos
Carrazeda de Ansiães
32º Companhia de Comandos
Sress pós-traumático
Moçambique 1972-197O

Os fantasmas do morto-vivo tombado em Porto Amélia
Ilídio Lázaro, transmontano desde muito lançado nas lides do campo, nelas conheceu a mulher de toda a vida antes de a tropa se meter ao barulho, é  a ironia em forma de gente.
Dado como morto num acidente de viação em Porto Amélia (Pemba), no norte de Moçambique que, estava numa gaveta da morgue, quando umaenfermeira a abriu, vivo como a personagem bíblica com quem partilha o nome.
Comando, viveu no mato tudo o que não conta, excepto por meias palavras. Horrores que, por anos e anos, o faziam virar a cama, a meio da noite, entricheirar-se por debaixo dela. Apesar de tudo, chegou a ponderar o alistamento na Legião Estrangeira. Foi para França, sim, mas para Estraburgo, onde trabalhou numa grande fábrica de calçado.



Francisco Janeiro, 73 anos
Montemor-o Novo
Apontador de Metralhadora
Amputado de perna / cego do olho direito
Moçambique 1970

Tratado que nem um cão e dedicado ao colectivo
Em 1966, Francisco Janeiro tinha a 4ª classe, tirou a carta de condução e empregou-se como motorista do presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo que o levou a Lisboa em Agosto, à inauguração da ponte sobre o Tejo. Sob essa ponte passou em Fevereiro de 1970, a bordo do "Vera Cruz" rumo a Moçambique.
A mina que lhe mudou a vida pisou-a na zona de Mueda, Cabo Delgado, e ainda se revolta com o calvário dos hospitais militares, em especial o famigerado anexo de Campolide onde foi "tratado que nem um cão", mas aí encontrou a madrinha de guerra Elisa, a sua mulher que o conheceu "todo escavacado". Arranjar um emprego era  um tormento e, ainda de baixa, lutou para completar o Ciclo Preparatório. Foi contínuo no Ministério da educação, trabalhou 11 anos na Brisa e, depois, dedicou-se de corpo e alma`ADFA. Preside à Delegação de Lisboa.


Armando Alves, 70 anos
Montalegre
Furriel Miliciano de Artilharia
Biamputado de pernas/Surdez parcial
Moçambique 1973

O Momento em que um homem decide nascer de novo
um molho de bróculos" é como Armando Alves se descreve a chegar ao Hospital Miguem Bombarda, em Lourenço Marques (Maputo). Tinha pisado uma mna perto da fronteira de Moçambique com o Malawi, as pernas lhe haviam sido amputadas em Tete e continuava em estado crítico. Nada disso sonhara o menino que deixou a aldeia, em Montalegre, para ser padre, que largou o Seminário e foi para Lisboa trabalhar e estudar, que começou cedo uma carreira nos seguros, que quis ser advogado. 
Foi no dito hospital que, após duas semanas recuperou o ânimo e disse: " Eu nasci hoje". Assim se deu a reabilitação, quefez em Hamburgo (como muitos deficientes militares portugueses)  e, depois, a uma vida cheia: pessoal, profissional e associativa.
Vive em João Pessoa no Brasil, onde a filha é Juíza.


Silvério Rodrigues, 73 anos
Sardoal
Alferes de Infantaria
Biamputado de braços/cego
Guiné-Bissau 1971

Feliz a lutar por uma normalidade diferente
O Tenente Coronel Silva Rodrigues ficou no Exército até à reforma. Colocado no Presídio Militar, soube que no Bilhete de Identidade se lia "não sabe assina". Indignado (cego e sem braços, sabia e não podia), o regente agrícola tinha emprego garantido numa multinacional depois da guerra) pediu a um recluso, serralheiro, a peça que encaixa na "pinça de krukenberg" (cotos do rádio e do cúbito) e lhe permite escrever o nome.. Idêntica ao garfe com que se come. 
Trabalhou na ADFA, destacado pelo Exército e como voluntário e é autónomo. Sendo os quatro filhos adultos e lançados na vida. Reside na aldeia onde nasceu, com Madalena, com quem casaram meses antes de ser ferido por uma granada, ao preparar uma na instrução em Bolama, e que lhe deu um
 apoio insuperável.
Não chegou a combater.


João Vasconcelos
Águeda
Furriel Miliciano de Infantaria
Amputação/surdez parciais
Angola 1968

Vida cheia e realizações do homem do microfone
Queria ser professor de História ou Geografia mas, por falta de recursos, ficou-se ppelo Magistério Primário, um curso mais breve e barato. E ensinou crianças durante quatro anos antes de ir para a guerra, incluindo na terra natal, Fermentelos. Voltou a ensinar e depois de regressar à "Metrópole" e de superar as deficiências (amputação, surdez do lado direito, perda do saco lacrimal, estilhaços por todo o corpo...) Ficou ferido ao tentar desarmadilhar oito granadas montadas em cadeia. Só uma rebentou, ou não estaria entre nós .
Casou, foi paie, no ensino, ocupou cargos regionais e nacionais, tal como no mundo associativo. dirigiu (1979-1980) o "ELO" jornal da ADFA, e era o homem do microfone pela facilidade de falar em público..

Angola 1968

Sá Flores, 81 anos
Ferreira do Zêzere
Soldado de Infantaria
Moçambique 1961-1963

Escrever para superar a opressão do pessimismo
Chama-se Albertino Flores Santana. Sá Flores é pseudónimo literário. Publica desde os anos 60.quando frequentava a Fundação Shine em Lisboa, e foi estimulado pelo dramaturgo Bernardo Santareno, ali psiquiatra. Essa instituição salvou este homem, marcado por um acidente em Tete, com o camião militar em que seguia. Só veio a cegar totalmente em lisboa na sequência de traumatismo e infecção microbiana,e o referido Instituto deu-lhe tudo o que o Exército não soube dar. Alguma autonomia.
Uma via para exorcizar os seus fantasmas ("há momentos em que o pessimismo é terrível"), a capacidade de arranjar emprego num escritório, uma mulher para toda a vida (depois três filhos e sete netos).
Um dos que foram para África logo no início da guerra, mobilizado quando estava a dias de terminar o serviço militar, iniciado em 1959.



Manuel Sousa, 76 anos
Santa Maria da Feira
1º Cabo de Transmissões
Paraplegia
Moçambique 1966-1967

Os rostos visível e invisível da deficiência
A deficiência de Manuel Lopes de Sousa. Um, visível e mecânico, é a cadeira. O outro, revelado em radiografia, é a bala que ainda tem alojada na coluna.  Era já casado quando o levaram a combater, deixando mulher e uma filha por  nascer. A única filha que tem. Em Moçambique estava estacionado junto ao Lago Niass (Metangula) e a missão que lhe mudou a vida era levar o correio a outra companhia que estava aquartelada em Nova Coimbra. Duas viaturas, uma Berliet e um Unimog, foram os alvos da emboscada. O Furriel, na cabina, morreu. Manuel ia sentado atrás. Já internado em Lisboa, recebeu dos mais velhos apoio e ânimo. Diz que não chorou pelo que lhe aconteceu. E reformulou a vida. Em novo, tinha trabalhado numa fábrica de calçado.Decidiu montar uma oficina de sapateiro no fundo do quintal. Assim se governou.



José Silva
Valongo
Sapador de Minas e Armadilhs
Biamputado de pernas/cego
GUINÉ.BISSAU

Um amor clandestino mais forte do que o resto
A história de José Dias da Silva é também a de Cidália. O casamento, à revelia da família dela, foi notícia no JN, e o amor que vinha de antes da guerra gerou dois filhos e três netos, abrindo caminho ao resto da vida. Depois de ele regressar, os encontroseram clandestinos, pois as marcas deixadas "por uma mina daquelas da Russia" pareciam fechar portas ao futuro. De facto, o soldado cego e mutilado, que trabalhava desde novo em carpintaria, queria ser motorista de TIR, e esse sonho morreu. Masda guerra, que ele percebeu injusta mal lá chegou, nasceram laços fortes, revividos desde o primeiro encontro anual, de que foi "o cabecilha". Desde que a ideia germinou com o reencontro fortuito, banhado em lágrimas, com um antigo camarada, num encontro de hipermercados.


Albino Loureiro- 72 anos
Felgueiras
1º Cabo de Artilharia
Amputação de perna / cegueira do olho direito
Moçambique 1970

A música, a metralha e a guerra da qualificação
A música esteve sempre presente com Albino Loureiro, e os sons da metralha em Cabo Delgado, Moçambique, foram um duro interregno. Ter um pároco progressista na terra natal, Sendim (Felgueiras), levava o grupo de que ele fazia parte a cantar, em passeios que faziam, músicas de José Afonso e outros. Na vida do pós-guerra, vários agrupamentos musicais fizeram parte da vida deste homem. Mas a guerra dele, depois de uma mina o ter mutilado e cegado de um olho, quando ia buscar as tropas que o renderiam e aos seus camaradas, foi a da qualificação. Foi para África com a 4ª classe e operário no sector do calçado, mas, depois quis estudar. Acabou por fazer o Magistério Primárioe ensinou crianças durante mais de um quarto de século.
















1 comentário:

  1. O trágico, por vezes torna-se, outra coisa...deu possibilidade a um fotógrafo expor toda a sua sensibilidade, parabéns pelo trabalho e pela memória.

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