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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O discurso de legitimidade, unidade, libertação e independência no Niassa

 5.1. O discurso de legitimidade, unidade, libertação e independência no Niassa 

Os discursos de legitimidade foram levados a cabo por militantes e guerrilheiros do movimento que se empenharam de diferentes formas e momentos, como foi caso do Mateus Bernabé Malipa. Mesmo antes do início da luta armada, ele realizou actividades de reconhecimento e recrutamento de novos membros para a movimento na Frente do Niassa. Na povoação de Ngoo, Malipa manteve contacto com alguns jovens na calada da noite em que ele dizia (sensibilizando) aos pais dos jovens o seguinte: “A FRELIMO, é um partido que esta para libertar Moçambique da dominação colonial portuguesa. Existem soldados que treinaram em vários países e estão prontos para combater em Moçambique. O Presidente da FRELIMO é Dr. Mondlane. É um homem que estudou muito. Aqui em Moçambique ninguém estudou como ele. Uniu os moçambicanos de todas as tribos num só povo. O objectivo dele não é expulsar os brancos, mas sim acabar com a colonização e o sofrimento dos moçambicanos. Brancos e pretos viverão em harmonia. Com este discurso da necessidade de libertação de Moçambique, percebe-se que Malipa estava a mobilizar e sensibilizar as pessoas a aceitarem a organização como aquela em que se deveriam congregar as aspirações de libertação dos moçambicanos contra a dominação colonial, pelo que deveriam aderir aos seus discursos e objectivos políticos, como a única saída para o alcance da independência de Moçambique. Mostrando que se tratava de uma autoridade estruturada. Moçambique é caracterizada por uma grande diversidade étnica e não contava com uma unidade linguística, possuindo vários dialectos. Portanto, tais condicionantes mobilizavam a sua caracterização como uma sociedade tradicional, formada por diferentes tribos e, consequentemente, possuidora de diferentes linhagens e chefes tribais. Mesmo com a opressão portuguesa, essas tribos mantêm-se com muita luta, estruturadas dentro da sua própria cultura e sendo relativamente respeitadas. A sociedade era dividida nas seguintes categorias: brancos descendentes de portugueses, negros assimilados e negros considerados como indígenas ou nativos. Realça-se, contudo, que as coerções sofridas pelos negros naturais ou assimilados não se diferenciavam substantivamente, facto este que gerou, ao longo do século XX, um desejo muito forte de luta pela libertação nacional. A ideia de unidade nacional em Moçambique nasce com o surgimento da FRELIMO, pois a sua aparição implicou o silenciamento dos grupos minoritários e divergentes (internos e externos) que eventualmente discordavam com os princípios da luta levados a cabo pela FRELIMO. A memória nacional homogénea continha certa unilateralidade, quando contrastada com a miríade de sentidos e valores que permeavam um tecido social em ebulição revolucionária. Os grupos ou movimentos unilaterais, perceberam a dimensão do território moçambicano e absorveram a necessidade de se unirem para a causa libertária aprimorando várias ideias de libertação. Desde o I Congresso da FRELIMO (1962), se tornou evidente que o movimento deveria se contrapor a toda forma de colonialismo (o inimigo externo) e às ameaças contra a unidade popular moçambicana (o inimigo interno/ o colonialismo). No Niassa, diversas foram as formas encontradas pela FRELIMO para pôr em marcha as suas acções discursivas de unidade e nacional e libertação e independência por forma a garantir a formação da autoridade. Dentre elas, realçar o uso das propagandas efectuadas sempre de forma clandestina, com discursos visando desencorajar a população a aderir às políticas coloniais portuguesas. As autoridades coloniais, na base dos seus dispositivos de segurança, procuraram sempre interpelar a atuação do movimento no seio populacional. Os discursos de propaganda da FRELIMO encontrados pela autoridade colonial no período (1966 em diante) eram apresentados em cartazes ou manuscritos com diferentes teores. Estes, por vezes, eram colocados sobre faixas de cores branca, preta, amarela sucessivamente de cima para baixo com dizeres como: 

“Um só fim: Independência – Uma só força: O povo – Uma só guia: FRELIMO” – Simbolizando a bandeira da FRELIMO.


 O teor constante nos manuscritos era por exemplo: “Os soldados salazaristas intensificam o seu grau de imbecilidade com matar e violar o povo moçambicano. Reconheçam que a FRELIMO nunca fez nenhuma violação ao povo português no sexo feminino, porque sabe o papel da sua luta. Nós moçambicanos de hoje, não lutamos contra o povo português, porque sabemos e aprovamos que não é ele que nos oprime, mas sim o governo fascista de Salazar. O português é irmão da mesma classe oprimida que também revolta hoje contra o governo de Salazar. O governo fascista sustenta a guerra de agressão contra os povos de África (…) A FRELIMO, nunca se renderá até ao último moçambicano. Senhores salazaristas, vamos lutando. O Salazar, o chamado Dr. António O Salazar na qualidade de ser dr. ainda não sabe a geografia de África. Há! Há!Há! Deve ir mais a escola porque por ele ser burro, está a ensinar os burrinhos a não compreender a geografia. (…) Viva FRELIMO, Viva Moçambique, abaixa salazaristas, Viva a revolução moçambicana, Viva África, A baixo colonialismo Português. Analisando os manuscritos a que se teve acesso, entende-se que a preocupação da nata política da FRELIMO era mostrar à população as barbaridades levadas a cabo pelo exército colonial e, na mesma ocasião, cimentar a sua imagem. Por seu turno, pretendia, também mostrar à comunidade portuguesa residente em Moçambique que o inimigo, não eram eles, mas sim o sistema colonial que oprimia os moçambicanos e sustentava a guerra contra os moçambicanos. Esta acção também foi desencadeada além-fronteiras. 

5.1.2. O discurso de unidade e de legitimidade no campo internacional O apelo a unidade visando garantir a legitimidade e fazer propaganda política da FRELIMO, também foi realizada fora do território nacional, incluindo na então metrópole por seus membros usando diferentes meios e mecanismos. No exterior, o objectivo circunscrevia-se a: desacreditar a política ultramarina portuguesa, fazer crer que a guerra desencadeada pelas forças armadas portuguesas era injusta; mostrar a comunidade internacional que a guerra levada a cabo pelo movimento estava a ter sucessos; atribuir às forças armadas portuguesas todas acções de atrocidades cometidas contra as populações e mostrar o descontentamento das populações em todo território nacional. Foram também usados alguns jornais publicados fora de Moçambique e em diferentes línguas (Inglês e Francês), para denunciar ao mundo as atrocidades levadas a cabo pelo governo Português contra o povo moçambicano. A título de exemplo, uma informação do Consulado português em Nairobi, de 31 de janeiro de 1963, reporta que o jornal “Sunday News” de Dar es Salaam, num dos seus números do mês de Janeiro de 1963, noticiou que teria sido distribuído por Uria Simango  cartazes que procurava despertar emoção da opinião pública e chamar atenção para Moçambique. 

Palestra de Uría Simango a novos militantes da FRELIMO.

Tratou-se de um comunicado que acusava Portugal de maus-tratos sobre os africanos, inclusivé o recurso a supostas injecções de sal. Estas atrocidades também foram difundidas por meios radiofónicos. Ainda no estrangeiro, a FRELIMO, através de comunicados, promovia acções de denúncias procurando isolar Portugal e convencer a comunidade internacional sobre a existência de áreas libertadas. Empolavam nos seus comunicados de guerra, os resultados das suas acções militares e de subversão. Ainda, a título de exemplo desta forma de actuação no campo internacional, Eduardo Mondlane em 1967 deslocou-se a Inglaterra, onde deu conferências de imprensa e tomou parte em várias reuniões discursando em torno do que se vivia em Moçambique e em diferentes ocasiões denunciou os diferentes actos bárbaros cometidos pelo exército português durante a luta. Um outro elemento comprovativo das campanhas da FRFELIMO contra a actuação colonial e a em Moçambique no exterior e com o objectivo de fragilizar a acção das tropas portuguesas na região foram as notícias que circulavam em jornais internacionais. Exemplo disso foi a notícia de que os guerrilheiros da FRELIMO em Moçambique renovaram os seus ataques sobre os alvos portugueses, pela primeira vez desde que o novo regime tomou conta do poder em Lisboa. Informou ainda que estava a controlar uma terça parte de Moçambique e metade dos seus 8 milhões de habitantes. Outro acto não menos importante nas acções da FRELIMO, visando demonstrar e apelar a unidade a comunidade local e internacional, foi a informação de que já tinha um certo controlo sobre o território e implantado a sua autoridade sobre estes. O movimento difundiu comunicado em que supunha-se que existiam cerca de 1000 a 3500 guerrilheiros nas suas actividades, respectivamente, nos distritos nortenhos do Niassa e Cabo Delegado, apesar de os portugueses afirmarem que as suas actividades estavam largamente contidas. De maneira geral, toda essa acção exercida sobre a população pela FRELIMO e pelas tropas coloniais foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação radiofónica e escrita, observando sempre as finalidades de cada uma destas áreas: a primeiro, pretendeu impor à opinião pública, certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversaria; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitavam sempre de encontrar ambiente favorável para a implementação dos seus princípios ou projectos. Durante a guerra, muitos discursos que a FRELIMO emitia através da rádio, visavam fragilizar a tropa portuguesa,  consciencializar sobre a injustiça da guerra tanto como os dividir

Eduardo Chivambo Mondlane

                         5.2. O papel de Eduardo Mondlane, Eduardo Chivambo Mondlane, nascido a 20 de junho de 1920, em Manjacaze, província de Gaza, a sul de Moçambique, no seu percurso académico, estudou Antropologia e Sociologia na África do Sul e teve também uma passagem rápida por Portugal onde conheceu líderes da luta anticolonialista africana como Amílcar Cabral, que lutou pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, e Agostinho Neto, de Angola. Mais tarde, completou os seus estudos nos Estados Unidos da América (EUA), onde obteve o seu doutoramento e deu aulas na Universidade de Syracuse, tendo também integrado, depois (1957), o Conselho de Curadoria das Nações Unidas, onde trabalhou como investigador de questões relacionadas com a independência dos países africanos, nesta altura, centrando a sua atenção para a opressão que crescia em Moçambique. Como funcionário das Nações Unidas, Eduardo Mondlane, deixou a organização para atender ao convite de alguns nacionalistas que queriam libertar Moçambique, e ao retornar as suas origens em Moçambique em visita apoiada pela Missão Suíça e pela Missão Metodistas Episcopal, em 1961, a coberto das suas actividades, espalhou ideias independentistas entre os jovens e incitou-os a revolta contra o colonialismo. 

Missão Suissa em Ricatla, Moçambique em 1894

Para além desta, foram inúmeras as suas acções que contribuíram para transformar o pensamento dos estudantes africanos na metrópole, concretamente na então Casa dos Estudantes do Império, no Centro de Estudos Africanos, na Casa de África e Clube Marítimo Africano, para Mondlane, “não foi sua a decisão de lutar pelo seu povo, mas sim ter sabido integrar-se na realidade do seu país, identificar-se com o seu povo”, portanto, a capacidade de transpor o abismo entre os poucos e muitos e de suscitar a participação de massas  conduziu a FRELIMO ao êxito. Daí que se torna não só arquitecto do desenvolvimento da FRELIMO, mas também do grupo dos exilados até ser um movimento popular e também o timoneiro durante alguns anos mais difíceis da FRELIMO. Em 1962, Mondlane, muda-se então para a Tanzânia, onde se torna um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Aqui, no seu programa de acção, largamente anunciado, na sua instalação em Dar-es-Salaam promoveu o aparecimento dos primeiros panfletos subversivos de propaganda da FRELIMO no Niassa apelando a população para a necessidade da luta e envolvimento de todos nela porque constituíam base indispensável para o êxito de toda a guerra de libertação. O impulso nacionalista e de unidade em Moçambique exigia a confirmação da existência de um povoamento na região do Niassa o que se mostrou exíguo e exigiu maior sacrifício por parte dos guerrilheiros da FRELIMO ao passarem por privações de alimentos, frio por falta de abrigo e muito mais. Analisando as acções de Mondlane, principalmente nos seus apelos feitos por meio de panfletos com teor de propaganda da FRELIMO no Niassa, em que este apelava à população para a necessidade de apoio e entrega à luta de libertação de Moçambique, podemos concluir que este, para além de expandir os ideais do movimento de libertação, procurava apresentar a FRELIMO às comunidades como uma futura autoridade a qual todos deviam se juntar para o sucesso dos seus objectivos que era a independência, em seus discursos apresenta-se claro o apelo a unidade para que se alcance o sucesso da luta. 




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