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Livros da guerra colonial

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sábado, 11 de outubro de 2025

CAPITULO V "OS DISCURSOS DE AUTORIDADE, UNIDADE E LEGITIMAÇÃO"

 CAPITULO V OS DISCURSOS DE AUTORIDADE, UNIDADE E LEGITIMAÇÃO 

O presente capítulo procura apresentar elementos e factos que evidenciam o processo de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa, considerando que este processo tem inicio, quando os primeiros emissários chegam as regiões de Cóbuè, Metangula, difundindo para as comunidades, ideais do movimento, vendendo cartões e explicando clandestinamente os objectivos da FRELIMO. Estas e outras acções discursivas incentivaram jovens a juntarem-se a FRELIMO e rapidamente, evidenciou-se como uma autoridade diante das populações. Nos estudos desenvolvidos sobre a Luta de Libertação em Moçambique e, em particular, sobre o Niassa, tanto quanto obras de memórias de combatentes, aproxima-se da ideia de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa. No seu primeiro capítulo, intitulado População do Niassa adere à FRELIMO, aborda episódios vivenciados pelos guerrilheiros que remetem a um processo de formação de autoridade. O processo de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa teve início depois da fundação da FRELIMO e se desenvolveu com o início da luta armada, durante a luta e teve a sua continuidade com a criação das zonas libertadas, onde a FRELIMO passou a ter algum controlo das populações. O processo de mobilização da população para aderir a sua causa da FRELIMO sinaliza a formação da autoridade, com isso, algumas comunidades imediatamente aderiram a sua iniciativa libertaria. Outros, como foi o caso de clérigos, catequistas e professores sobejamente conhecidos, aderiram a iniciativa, mostrando disponibilidade em apoiar na mobilização, disseminação de mensagens e vendas de cartões nas comunidades, uma acção que foi levada a cabo por diferentes indivíduos e alguns chegaram mesmo a ser presos

É possível perceber que a construção da autoridade política da FRELIMO no Niassa procedeu através da mentalização e encorajamento da população local, na medida em que ocorreram infiltrações de diversos agentes da FRELIMO provenientes de Dar-es- Salem Os primeiros guerrilheiros esperavam pelo lançamento da insurreição armada desdobraram-se nos esforços de mobilização popular. Através de propaganda feitas em diferentes emissoras radiofónicas e textos que eram laçados em diferentes locais, disfarçando-se no seio das populações, os quais, de povoação em povoação, foram disseminando a propaganda do movimento, fazendo promessas de liberdade, paz, ocupação de cargos e outros. Este discurso era conjugado com dois factores, nomeadamente: religioso e respeito a ancentralidade. O religioso consistia em manter respeito a religião predominante na região sempre que se juntasse a comunidade e o respeito pela ancentralidade era mantido mediante demonstração de respeito aos rituais locais ao estabelecer primeiros contactos suas autoridades. Dai que a necessidade de inclusão de indivíduos nativos nos grupos de mobilização local. Analisando as acções dos elementos do movimento tendentes a obter autoridade na região, percebesse que o principal objectivo foi a conquista do poder político simbólico e material. Nesta perspectiva, refira-se o poder político simbólico equiparado ao que  alude como a conquista da simpatia das populações onde estes grupos actuam. Um processo que pode acontecer de duas principais formas, nomeadamente: “intimidação e a construção de narrativas”. Portanto, a intimidação da população visa a conquista da simpatia através da intimidação que ao longo prazo se transforma em síndroma de Estocolmo- estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor”. O poder simbólico é aquele que “faz ver e faz crer”, transforma a visão e a acção dos agentes sociais sobre o mundo. Trata-se de um poder “quase mágico que permite obter o equivalente ao obtido pela força física ou económica, e só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, um poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Portanto, em certa medida, o poder exige a cumplicidade do outro e a violência simbólica, para ser exercida, precisa do reconhecimento do dominado. A construção de narrativas pelos elementos da FRELIMO visava a conquista das mentes e dos corações da população, para que estes se posicionassem contra o Governo colonial. As mesmas narrativas visavam, também, o recrutamento de novos membros para o movimento (um processo que foi levado a cabo de forma individual e colectiva, influenciado por factores, locais como a língua, ambiente político e outros). Um aspecto importante nas narrativas é que elas, :ganham cada vez mais importância e força quanto mais recontadas”, por essa via, as narrativas se tornam verdades incontestáveis aos olhos dos contadores, neste caso os guerrilheiros que realizavam estas acções, procuravam recontar com frequência as mesmas narrativas em todos locais que pudessem.



 Olhando para a perspectiva anterior e analisando as reportagens, visualizasse que a construção da autoridade política da FRELIMO nesta região também contou com algumas acções ou métodos coercivos! A título de exemplo, foram os recrutamentos na área de Cantina Dias (Actual Aldeia de Mbemba) no Distrito de Sanga, em que o Sr. João Mário, proprietário de uma cantina no local, recusou a solicitação dos elementos da FRELIMO. Para além disso, reuniu a sua família e avisou-a para não acreditar nas suas palavras e não lhes dar auxílio nenhum. Na mesma noite, foi raptado, amarrado, levado ao acampamento da FRELIMO, lá foi interrogado e torturado. Escapou porque houve um ataque das tropas coloniais em que os elementos da FRELIMO saíram em debandada. Um outro exemplo de coercividade neste processo são as áreas libertadas que eram controladas pelos “Chairmen” no qual este tinha poderes quase ilimitados nas áreas que lhe confiara o então Comité Dirigente, desde o controlo da movimentação da população (saídas e entradas), a população devia prestar todos os serviços por eles determinados para o benefício do guerrilheiro (arranjar alojamento, comida, e em caso de tentativa de fuga o Chairman tinha a prerrogativa de juiz). Portanto, entende-se nesta narrativa de Victor Jorge, que a FRELIMO procurou a dado momento recorrer a medidas rígidas que pudessem garantir o seu reconhecimento como autoridade e que tinha capacidade organizacional. Diferentes estratégias foram adoptadas por guerrilheiros e seus apoiantes visando fazer com que a FRELIMO se constituísse como uma autoridade. O uso de emissoras radiofónicas clandestinas e não clandestinas, não passou despercebida. A título de exemplo, foi a notícia difundida em 1967 sobre a Morte de um temido comandante das milícias no Niassa de nome Francisco Daniel Roxo. Nomenclatura hierárquica da FRELIMO, espécie de governador da área em que actuam os guerrilheiros Francisco Daniel Roxo, natural de Magadouro - Bragança que chegara a Niassa em 1955 fez se caçador.



 No início da Luta Armada, ofereceu-se a servir a sua pátria, Portugal como elemento da Psico-social. A seu pedido, foi-lhe dito  “Roxo morreu (…) ferido pelos valorosos militares da FRELIMO numa operação. Os verdadeiros responsáveis pela morte do Roxo, foram os colonialistas de Moçambique que nem souberam salvá-lo, pois, pedido auxílio a tropa portuguesa, esse auxílio não foi prestado, acabando o Roxo por morrer por falta de socorro, abandonado a sua sorte” Na verdade, o Daniel Roxo, não morrera naquele confronto, mas sim ficara ferido com um estilhaço na coxa e foi transportado pelos seus homens para uma povoação mais próxima de onde foi evacuado para Vila Cabral, hospitalizado e tratado. Com essas informações, a FRELIMO, para além de ir fortificando sua credibilidade no seio populacional, pretendia também dar a entender à população que não havia coesão no seio da tropa portuguesa e desencorajar os moçambicanos a se envolverem no apoio e eles. Pode se incorporar no processo de formação de autoridade política da FRELIMO a actuação do Coronel Mateus Oscar Kida, num episódio que teve lugar no Niassa em 1966, em que, depois da abertura de um posto de saúde na região de N`kalapa, surgiu a necessidade de se deslocarem à Tanzânia, concretamente a Xipamanine, a fim de reforçar o estoque de material hospitalar. No decurso da viagem, dos 31 integrantes do grupo, 05 eram guerrilheiros e estavam armados, foram interpelados pelas TPDF na região de Licewo.  Os militares tanzanianos procuraram saber do destino dos membros do grupo, mas não houve compreensão por parte destes, tendo a guarda tanzaniana decidido, na ocasião, encarcerar os guerrilheiros numa esquadra em Songueia e confiscar as suas armas. Os outros elementos civis do grupo foram levados para um campo de refugiados no mesmo distrito, concretamente em Hanga Mputa onde a ACNUR estava acolhendo refugiados. Este incidente gerou agitação no seio das populações, sobretudo no interior, que questionavam sobre as razões da detenção dos guerrilheiros, atribuído uma verba que lhe permitiu formar um grupo de contra-guerrilhas constituídos por 17 elementos por si recrutados, na sua maioria, antigos caçadores, pisteiros e soldados nativos passados a reserve com prática de manejo de armas. Comandou o primeiro grupo de intervenção armada no Niassa que, lançou-se contra os guerrilheiros da FRELIMO, organizando emboscadas e raptando informadores. Era um espécie de comando autónomo dentro do quadro das milícias organizadas. Na documentação colonial aparece descrito como  Tanzania People’s Defense Force ou Forças Populares de Defesa Tanzaniana. Alto Comissariado das Nações Unidas Para Refugiados visto que a Tanzânia apoiava de todas as formas as causas da Luta de Libertação em Moçambique. A agitação chegou a ser intensa ao ponto de surgirem tentativas de emigração para Tanzânia, caso os seus compatriotas não fossem libertados e devolvidos para o Niassa, uma acção que era contrária as estratégias da FRELIMO. Movidas várias negociações pelo enviado Mateus Oscar Kida, então secretario particular de Willis Kadewele (Secretário Provincial), os seus compatriotas foram libertados e Mateus Kida foi novamente incumbido a missão de acompanhar o grupo ao interior de forma a explicar a população que não havia motivo de alarme e que apenas se tratara de um mero equívoco da parte da tropa tanzaniana e que todos que teriam sido presos estavam de volta. Procurou encorajar a população a manter-se firme e a não se refugiar a vizinha Tanzânia. Chegados ao Niassa oriental, Mateus Kida realizou reuniões com a população, exortando-a a garantir o seu apoio a luta de libertação a partir de Moçambique e que a FRELIMO iria apoiar de todas as formas a população com vista a registar os sucessos até então testemunhados. Também teve encontros com oficiais militares com vista a explicar-lhes o que teria sucedido e como foi resolvido. Esta acção levada a cabo por Mateus Kida entende-se como um processo de demonstração de preocupação que a FRELIMO tinha em ser conhecida, transmitir confiança e ser considerada pela população de que se tratava de um movimento com objectivos concretos e que pretendia contar com o apoio da população para a materialização dos seus objectivos de libertação da terra e do povo. De forma geral, o processo de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa definiu-se como um processo histórico que usou textos, transmissões radiofónicas, banjas, canções nas línguas locais e discursos nas zonas libertadas. Por seu turno, a FRELIMO, viu-se reconhecida e aceite pelos moçambicanos no seu discurso de libertação e independência nacional de Moçambique a nível local, nacional e internacional. A aceitação as suas iniciativas libertarias foram visíveis na medida em que a população passou a colaborar com o movimento nas suas diferentes acções e programas. A autoridade política da FRELIMO foi formada por meio de núcleos clandestinos, distribuição de cartões, transmissões radiofónicas, distribuição de panfletos, sensibilização das populações nas aldeias, nas zonas libertadas e outros locais, de forma contínua. 

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