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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


domingo, 28 de setembro de 2025

AS ZONAS LIBERTADAS

 4.4. As zonas libertadas 

O primeiro Congresso da FRELIMO criou uma estrutura organizativa para o interior do país visando o envolvimento de todo o povo moçambicano na luta multiforme pela conquista da independência do povo moçambicano. O Congresso mandatou o Comité Central para analisar a situação política, económica e social de todo o país. Como resultado, desenhou o quadro político estratégico que foi implementado através do Departamento de Organização do Interior (DOI). Este departamento procurou encontrar mecanismos que permitisse encontrar uma rápida mobilização das populações, considerando as diferentes camadas sociais. Depois de estabelecidas as condições sociais e políticas pelo DOI, estabeleceu-se o resto dos programas de acção em cada região de Moçambique que culminou com a intervenção militar contra as forças armadas portuguesas. Os primeiros guerrilheiros da FRELIMO (que iniciaram a luta armada) sobreviveram a repressão militar subsequente e, gradualmente, aumentaram a sua influência e eficiência nas comunidades por onde passavam. Os mais jovens ingressam imediatamente nas fileiras do exército da FRELIMO, ao mesmo tempo que outros elementos das comunidades participaram nos programas de apoio a luta com a produção agrícola, carregamento de material de guerra e medicamentos enquanto vigiavam a movimentação da tropa colonial. Mas ainda não tinham uma área libertada, mas, sim, pequenas áreas contestadas. Nenhum dos dois lados, exercia um controlo geral de segurança nessa área contestada, mas cada um procurava mecanismo de conseguir, o que só viria a acontecer, em finais de 1965 quando a direcção máxima da FRELIMO constatou que as vias terrestres que facilitavam a ligação de um posto para o outro estavam totalmente sob seu controlo. Portanto, havia um entendimento de que a ligação de um posto ao outro só era possível por aviões e barcos. A actuação das massas populares residentes nas zonas rurais, visando garantir todo o tipo de apoio aos guerrilheiros da FRELIMO, permitiu que o movimento passasse a valorizar mais estas zonas. A partir de 1965-1966, os combates conheceram uma grande intensidade devido ao uso de bazzokas. Ocorreram progressivos abandonos de territórios por parte das instituições socio-económicas e administrativas coloniais. Neste contexto, impôs-se a criação de mecanismos de retenção imediata das populações e o funcionamento normal da vida das populações sob controle da FRELIMO em Niassa, surgindo assim as chamadas Zonas Libertadas. As primeiras zonas libertadas abarcavam, as regiões de Lago, Sanga, Muembe, Mavago, Mecula, Majune e pequenas áreas de Lichinga, Ngauma, Maua, Marrupa e Mandimba.



 Nestas regiões, a FRELIMO, paulatinamente foi organizando a vida das populações, providenciando educação, estruturas económicas e serviços de saúde. Através de órgãos de comunicação no exterior, a FRELIMO ia anunciando que estava a conseguir o controlo de determinadas áreas. Quando os guerrilheiros passaram a constituir unidades móveis de combatentes em tempo integral; quando esta força se tornou suficientemente forte em determinada área e com capacidade de induzir o inimigo a dispersar as suas próprias forças por certo número de guarnições fixas em acampamentos defendidos; e quando esses acampamentos foram contínua e eficazmente cercados de tal modo que as suas guarnições só podiam atacar no exterior abrindo caminho para deles saírem por meio da luta, então a zona em questão podia justamente chamar-se de área libertada. Pode chamar-se de zona ou área libertada a partir do momento em que esta obedece a duas condições essenciais para o trabalho de renovação social e política como: A primeira tem a ver com a situação militar da área contestada que se tornou área libertada, como defender dos ataques dos inimigos. Trata-se da variável contraofensiva do exército da ocupação. O segundo reside no desenvolvimento da luta, aprofundar o trabalho político entre as forças armadas evitando o comodismo militar, heroísmo e manter o espírito de unidade. Para estas áreas, no geral, foram criados os comissários políticos que tinham como tarefa assegurar que o exército continuasse a ser um exército político e a colocar sempre os factores políticos em primeiro lugar, quer em relação ao inimigo ou a população civil, quer em relação as atitudes e hábitos no seio dos familiares. As milícias garantiam a segurança destas áreas, pelo que houve necessidade de aprovisionar algum armamento. Nestas zonas, a FRELIMO tinha a tarefa de realizar actividades como o ensino e aprendizagem, a promoção de cuidados de saúde assim como a organização de toda cadeia produtiva e comercial. Assim, as Zonas Libertadas constituíam uma espécie centro da logística dos guerrilheiros em que a palavra de ordem era Combater, Produzir e Estudar. O exército português tentou anular estes esforços por duas vias, nomeadamente: através de bombardeamentos massivos às zonas tidas como libertadas e redobraram esforços para encurralar as populações rurais no interior do arame farpado de campos defendidos, precisamente para impedirem os guerrilheiros da FRELIMO de tirarem partido das zonas deixadas livres do seu controlo por meio dos aldeamentos. A FRELIMO, ao longo da luta armada, procurou resolver as contradições políticas da luta de libertação pela via da conquista de zonas libertadas e pelo discurso textual, pelo qual desenvolvia, por textos oficiais e meios do Departamento de Informação (DI), a escrita da história de libertação nacional do país. De forma geral, as zonas libertadas constituíram uma espécie de um novo Moçambique que ia tomando forma no seio dos moçambicanos e visitantes que para lá iam a fim de apurar a veracidade das informações sobre a sua existência. Nelas, existia uma imagem de uma sociedade revolucionária em elaboração. Os guerrilheiros procuravam promover uma estrutura organizacional que se assemelhava a uma sociedade pretendida. De forma geral, olhando para os objectivos do movimento de libertação, e para as acções em curso até ao período do surgimento das primeiras zonal libertadas, pode-se afirmar que estas constituíram um sinal de que a FRELIMO começava a ser uma autoridade. 

 4.5. As reuniões nas comunidades “banjas”. Para construir a sua autoridade no território do Niassa, a FRELIMO teve de montar um sistema que antecede o início da guerrilha, marcado pelo envio de emissários que deveriam contactar a população de formas a constituir a sua principal base de apoio. A sua estrutura ia até ao nível da aldeia, conselhos, distritos e a nível regional, onde o trabalho dos representantes eleitos era conduzido de modo perfeitamente notável como o dos funcionários, designados pela FRELIMO. Todos estes órgãos baseavam-se em princípios emanados do movimento, concretamente o esforço na responsabilidade de mobilização, respeito e confiança pelo povo, pois sem o povo a FRELIMO não poderia fazer nada. A ligação que os guerrilheiros procuraram sempre estabelecer com os camponeses na região do Niassa foi com vista a garantir ajuda aos guerrilheiros no transporte de material de guerra o que era fundamental na constante confrontação com as tropas portuguesas e ainda no fornecimento de produtos agrícolas. Este ambiente, garantiu maior segurança aos movimentos dos guerrilheiros da FRELIMO e um recrutamento mais acabado de novos militantes a tempo inteiro, dado que existiam elementos que faziam a selecção dos jovens nas comunidades na base de autoconfiança existente, seleccionavam-se os que participavam activamente das reuniões (Bjanjas). Os encontros (banjas) realizadas pelos guerrilheiros da FRELIMO em determinadas aldeias e de forma clandestina constituíram meios para a difusão dos seus objectivos e acima de tudo implantação da sua autoridade nas comunidades, a título de exemplo é a banja realizada no dia 23 de Maio de 1965, pelas 15:00 horas na povoação do chefe Lessile Cambone, em que cerca de 20 guerrilheiros da FRELIMO, realizaram uma “banja” na qual falou apenas um dos chefes dos guerrilheiros ( em língua Nianja do Malawi) e disse entre outras coisas; “(…) esta terra é nossa; temos, portanto, de combater os portugueses, que serão expulsos. Se os portugueses quiserem, podem ficar, mas debaixo das nossas ordens. Agora, já não há-de haver mais << capricórnios >>(informadores) porque os que haviam foram já eliminados. A população das povoações tem de nos dar de comer,  pois, se o não fizer, dão a conhecer que estão do lado dos portugueses, serão mortos. Se os portugueses não cederem, hã- de vir aviões de Tanganhica, que nós temos para lançar bombas e outros explosivos. Nos temos muito material de guerra. Quem faltar as banjas será morto. É possível notar a presença de um discurso coercivo nesta “Banja” tendente a forçar a população a ser leal ao movimento. Outra banja foi realizada no dia seguinte, 24 de Maio do mesmo ano, no regedor Miandica, dirigido por 7 guerrilheiros, que se apresentavam fortemente armados empunhando Metralhadoras, granadas e pistolas, esta, contou com a participação de um elevado número de populares . Mabote realizou uma reunião com cerca de quarenta pessoas em Ngôo, em Setembro de 1964, na qual transmitiu as palavras dos dirigentes da FRELIMO (Eduardo Mondlane, Uria Simango e Filipe Magaia), afirmando que estava aí para angariar simpatia das populações, pregar a doutrina daquela organização e recrutar elementos para a guerra e outros para auxiliar os guerrilheiros. 

2º Congresso da FRELIMO, na zona de Sanga no Niassa

Na mesma ocasião, pediu para que ninguém os denunciasse às autoridades portuguesas pois a FRELIMO estava a trabalhar para o bem de todo o povo de Moçambique. Disse ainda no seu discurso, aliciando os presentes, que os soldados da FRELIMO na Tanganica, ganhavam muito dinheiro e que também precisavam de muito mais soldados para lutar e que em pouco tempo estes soldados estariam na povoação e que a comunidade deveria acolher com alegria pois vinham defender a terra dos africanos. Antes de se retirar desta região, Mabote escolheu como “Chairman em Ngôo o Senhor Catonga da povoação de Chissanga e como auxiliar o Chissanga Luembe e Cazembanje, que passaram a ser responsáveis no abastecimento de farinha a um grupo de Guerrilheiros que acampara em Manda Mbuzi.

Sebastião Mabote

Refira-se que esta farinha era angariada pelas diversas pessoas das povoações e, quando tinham dois ou três cestos cheios, eram levados a casa do Catonga para onde os guerrilheiros se dirigiam para levar até a sua base. Individuo que tem a missão de receber os guerrilheiros em sua casa quando se deslocam as povoações e angariar alimentos entre as populações e depois com ajuda de seus auxiliares os transporta para os locais previamente combinados com os guerrilheiros. Alguns clérigos que colaboravam com FRELIMO, chegaram a realizar “banjas” visando mobilizar os mais jovens para o movimento. A título de exemplo, na área de Mecanhelas, em Dezembro de 1974, o padre protestante nativo de nome Izaque Arela realizava reuniões de caracter político com os seus crentes com objectivo de criar um núcleo de pequenos chefes da FRELIMO e já vinha encaminhando os seus fiéis a incorporarem-se no movimento através da compra de cartões, porque, segundo ele, “na FRELIMO, estava a salvação dos pretos em Moçambique”. Este e outros padres e missionários das diferentes missões sediadas no Niassa chegaram a realizar diversas reuniões a fim de tomarem uma decisão sobre a necessidade de vigilância e perseguição de que eram alvos pela tropa e administração colonial e decidirem sobre a permanência ou saída do Distrito. Destes encontros, destaque vai para os Padres italianos da Missão de Unango que até 1966 já teriam abandonado a região e a mesma não foi encerrada por ter se deslocado para la o Padre Jorge Camejo. Padre Mário Terruzzi - Teruzzi (Italiano) se recusou a fazer parte da mesa de uma banja que fora realizada pelo Administrador da Circunscrição de nome Sanja. 

Missão de Unango

Este padre, Superior da Missão dos Santos Anjos de Cóbuè, chegou a ser afastado da Missão por determinação do governador do distrito do Niassa, ao ser acusado de encobrir actividades subversivas (acusado de fazer propaganda e aliciar indivíduos para a FRELIMO). O seu afastamento foi feito por um aparato policial na presença dos fiéis dentro da paróquia, o que causou um surto de ódio das populações para com as autoridades, e que constituiu mais uma vitória para os guerrilheiros da FRELIMO, que procuravam os erros da autoridade colonial para mostrar à população a necessidade de combater a administração colonial portuguesa na região. Essa atitude foi disseminada aos jovens alunos da Missão Católica de Cóbuè, que passaram a recusar assistir as cerimónias do içar da bandeira portuguesa. Analisados os relatórios de informação das banjas realizadas, entende-se que estas constituíram espaços e ocasiões para mobilizar as massas a colaborar de diferentes formas com a FRELIMO, respeitando e considerando como o único movimento que iria libertar o homem e a terra do jugo colonial. Como a autoridade que iria substituir o sistema colonial e que todos deveriam obedecer as suas orientações.  

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