As setas a azul indicam as zonas de infiltração dos guerrilheiros da FRELIMO Como se pode observar, na região sul de Olivença, até finais de 1965, não existia qualquer Aquartelamento colonial, pelo que não foi difícil à FRELIMO, continuar a realizar as suas operações militares pois eram praticamente despovoadas, estas áreas estavam livres da dominação colonial portuguesa. A presença do poder colonial nestas áreas só estava representada por meio de pequenos postos cercados e isolados. Entretanto, face à reacção colonial, aliada ao reduzido número de guerrilheiros e à grande desproporção em armamento militar, os guerrilheiros da FRELIMO viram-se forçados a recuar até a fronteira com a Tanzânia para se proteger das crescentes perseguições da tropa colonial, particularmente da PIDE e se reorganizar (solicitar reforço em homens e armamento militar). Teixeira (2019), Amadeu (2019) e Nataniel (2019), ex-elementos da tropa colonial portuguesa, em entrevista para presente tese, afirmaram que a formação militar da tropa portuguesa era extremamente deficiente, uma vez que era dada por cabos ou furriéis milicianos, sem nenhuma qualificação ou experiência em teatro de guerra, pelo que pouco ou quase nada podiam ensinar, daí o fraco desempenho da tropa colonial portuguesa numa primeira fase. As armas de defesa do Aquartelamento de Olivença, eram até finais de 1965, poucas e de eficácia duvidosa, em caso de ataque em massa pela FRELIMO. As operações militares pela mata adentro obrigavam a tropa portuguesa a percorrer distâncias enormes até às zonas de infiltração e as suas movimentações eram facilmente detectadas pela população onde estavam infiltrados elementos ligados a FRELIMO, que comunicavam aos guerrilheiros tudo que viam. Daí que, para os guerrilheiros da FRELIMO, a acção da tropa colonial não constituísse qualquer perigo, porque tinham uma vasta área para se movimentarem. Outro constrangimento para as tropas portuguesas, era a travessia do Rio Messinge
Travessia do Rio Messinge com botes dos Fuzileiros |
Diante da actuação dos guerrilheiros da FRELIMO principalmente no recrutamento da população para os seus acampamentos onde iriam produzir alimentos e desenvolver outras actividades do seu interesse, a tropa portuguesa levou a cabo o programa que ficou designado por acção psicossocial que foi caracterizada pela distribuição de alimentos, medicamentos e pelo contacto social que foi granjeando alguma simpatia por parte da população onde a tropa era acolhida. Analisando as diversas documentações militares a que se teve acesso, observa-se que a tropa portuguesa na região do Niassa não chegou desenvolver uma estratégia militar destinada a impedir o acesso dos guerrilheiros ao território, focando a luta, em primeiro lugar, as regiões de Mitomone, Miandica, Olivença e Lunho, onde tinham os seus aquartelamentos e, em segundo lugar, preocupando-se com a construção de vias-férreas que garantisse o apoio logístico.
Aquartelamento do Lunho |
Aquartelamento de Miandica |
Para a execução das suas acções visando conter as incursões dos guerrilheiros da FRELIMO, o exército português contou sempre com apoio da população que representava, uma fonte-chave de informação e era na verdade o campo de batalha primordial da insurreição”. O soldado português era doutrinado em termos clausewitziano, o “centro de gravidade” baseado em conter a subversão inimiga e era instruído para, nas suas relações com a população, ter sempre de procurar informações sobre o momento de reencontro, sobre a natureza do armamento e o número das forças guerrilheiras. Não só devia estar em alerta a toda a informação acerca do inimigo, como também devia proteger a sua principal fonte de intimidação dos guerrilheiros. Esta estratégia, por vezes, resultou e quanto mais alto fosse o nível de confiança da população na capacidade de protecção dos soldados portugueses, maior era a quantidade de informação fornecida. Mas, por outro lado, havia que contornar a intimidação que os guerrilheiros faziam à população para que se mantivesse em silêncio, uma acção que obrigava a paciência, tempo e boa vontade. A captura de guerrilheiros da FRELIMO representou, um potencial, pois eles eram a melhor fonte de informação para o exército português e, por isso, A doutrina clausewitziana da guerra ou a apologia política do militarismo estatal em função da "raison d’état" e tem como referencial histórico empírico o "concerto" dos Estados-Nações europeus cuja liderança política tem a supremacia frente à liderança militar dos respectivos estados. A partir daí, constrói um modelo teórico onde propõe que a ratio da guerra é a destruição militar do adversário e a sua consequente submissão política ao vencedor. um guerrilheiro capturado vivo era muito mais valioso para fins de recolha de informação do que morto”. Daí que, para materializar estes actos, as patrulhas de reconhecimento eram muitas vezes incumbidas, como segunda missão, de capturar prisioneiros, o que exigia uma preparação cuidadosa e treino especial. Quando capturado, o guerrilheiro da FRELIMO, era imediatamente interrogado de modo a se retirar informações actuais acerca da região, da presença de outros guerrilheiros, dos seus acampamentos e pontos de actuação, do seu equipamento, linhas de avanço e de retirada”. Estas informações eram imediatamente testadas para confirmar a sua solidez. Também constituía preocupação do exército português no Distrito do Niassa, de acordo com Relatório dos incidentes ocorridos nesta região, a existência de minas e as armadilhas. Geralmente, pedia-se aos guerrilheiros capturados para localizar e desarmar estes dispositivos para que fossem destruídos. Nem todos chegaram a cooperar, dependendo do seu medo e da proximidade dos guerrilheiros seus camaradas. Desacreditar a FRELIMO ou o inimigo, tido pelo exército colonial como “terrorista ou turras”, constituiu uma estratégia ideológica adoptada pelo exército colonial com o objectivo de “fragilizar o movimento nacionalista, serviam cabalmente a propaganda portuguesa a nível internacional. Com isso, várias foram as investidas, desde campanhas para demonstrar às comunidades que a Direcção do movimento vivia muito bem e as bases (as milícias) viviam na miséria.
Campanhas de boatos foram realizadas para denegrir a integridade e honestidade dos dirigentes da FRELIMO; as dificuldades e sacrifícios vividos pelos guerrilheiros eram por eles imputados aos dirigentes do movimento, visando, assim, promover um ambiente de desconfiança no seio dos guerrilheiros. Os dirigentes da FRELIMO, por seu turno, visando contrariar as acções do exército colonial em geral, empreenderam inúmeros esforços para erguer e manter a autoridade na frente do Niassa, dada a presença massiva dos diferentes organismos de segurança colonial na região. O descrédito sobre a acção da FRELIMO ocorreu de várias formas e contou com diversos sistemas de actuação das autoridades coloniais no seu todo e constituiu uma estratégia relevante para que as comunidades de algumas aldeias rejeitassem a FRELIMO como um movimento libertador, pois 141 a tropa colonial comunicava à população que, na prática, a FRELIMO pretendia mergulhar ainda mais o povo na miséria. Para justificar o seu discurso de acusação, a tropa colonial propalava que: “o dinheiro que vem da Tanganica e dos Chineses é para comprar coisas que os africanos estimam que é a terra que também é dos negros, deveria ser usado no sector de trabalho, lavoura, pesca e outras actividades. Portanto, através de vários discursos psicossociais, a estrutura militar portuguesa procurava, de todas as formas possíveis, mostrar à população que existia igualdade profissional, laboral e na remuneração entre os brancos e negros na região, o que, em termos práticos, não passou de estratégia visando granjear simpatia da população. Uma outra estratégia usada pela tropa portuguesa no Niassa com vista a descredibilizar a actuação da FRELIMO foi, conforme análise feita ao Relatório dos incidentes ocorridos no distrito do Niassa, o uso da acção psicossocial que, posteriormente, foi designada por Apsic ou simplesmente por Psico. Tratou-se de uma acção que visava influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos, sobretudo, isolar os guerrilheiros da FRELIMO das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito, quer na sua acção, quer na dos seus chefes.
Para o efeito, utilizaram-se cartazes e panfletos que foram lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso às povoações, o uso de emissões de rádio, apelando à sua rendição e entrega a forças militares ou administrativas, garantindo-lhes bom tratamento e explicando-lhes que a participação na guerra constituía um acto praticado de má-fé com objectivos de lesar ou ludibriar o povo moçambicano. Dos panfletos analisados, e que foram atirados às aldeias por um avião na circunscrição de Cóbuè, Metangula e Maniamba, escreviam-se, de facto, palavras visando desencorajar a população, usando a língua portuguesa e ci-nhanja em que podiam se ler expressões como: “Gente foi trabalhar, FRELIMO- FRELIMO engana- FRELIMO esta a perder Guerra- Força FRELIMO esta acabar – Toda gente deixar FRELIMO, acaba milando mesmo com governo português” Em outros panfletos, pode-se ler: “Vai apresentar autoridades governo: Autoridade é administrador, chefe de posto, tropa e milicia – Quando apresentar, o governo vai perdoar, ninguem castiga – Quando apresentar, acaba fome, acaba frio, acaba doença, acaba sofrer”. 142 “Quando apresentar, tem mulher, tem filho, tem amigo, tem machamba, ninguem chateia. Muita gente FRELIMO enganou, já deixou mato, acabou milando, vive bem, tem sorte Governo português tem muita força para defender toda gente. Gente fugiu mato e gente fez serviço – Guerra FRELIMO só pode apresentar quando ver dia, para mostrar direito – Deixou mesmo FRELIMO.
Estas acções de propaganda anti-FRELIMO levadas a cabo pela tropa portuguesa foram alvo de denúncias por Pedro Juma na imprensa Mozambique Revolution, nº 45, de Outubro/Dezembro de 1970, cujas cópias tivemos acesso. No mesmo jornal, Juma revela que as autoridades coloniais transmitiram por meio de altifalante de aviões que voavam a baixa altitude e lançaram milhares de panfletos exortando o povo a abandonar a FRELIMO e a regressar aos portugueses, pois que a população tinha sido forçada a sofrer por causa das actividades dos combatentes que não eram das terras, mas que vinham do Niassa ocidental e até de outros distritos. Mas, o povo não lhes prestou atenção. Observando a estratégia adoptada pela tropa colonial portuguesa no processo, visando inviabilizar a acção da FRELIMO, é notório que houve necessidade de obter o apoio da população para desmoralizar e captar a actuação do inimigo tanto como para fortalecer a moral das suas forças mediante três princípios estritamente relacionados nomeadamente: a acção psicológica, a acção social e psicossocial e a acção de presença. Uma outra medida adoptada pela autoridade colonial no Niassa para evitar que as comunidades aderissem as orientações e se juntassem as fileiras da FRELIMO foi a necessidade de prevenção e instrução as comunidades, na qual foi apelado aos chefes das povoações para escolherem, 4, 5 ou 6 homens bons e valentes para defenderem as suas povoações. As mulheres e jovens para que fossem mais vigilantes e, sempre que notassem a presença de indivíduos estranhos nas suas actividades diárias, que denunciassem às autoridades o mais rápido possível e seria premiada. Quem não comunicasse, a mão do governo ser-lhe-ia muito pesada. Visando desacreditar cada vez mais a FRELIMO, as autoridades coloniais, procuraram valer-se dos dissidentes do movimento, usando estes nas suas campanhas de sensibilização, tanto como recorrendo a diferentes serviços militares como a PSIc. O regime colonial pretendia que os dissidentes da FRELIMO se tornassem numa arma afectiva, desmoralizando os guerrilheiros e promovendo contradições e tribalismo no seu seio, principalmente na zona oriental como descreveu o comandante militar Pedro Juma na imprensa da FRELIMO, Mozambique Revolution nº 45 de Outubro / Dezembro de 1970. Nesta correspondência, segundo a mesma fonte, a partir do Niassa, Pedro Juma descreve a sua digressão a Niassa, concretamente às áreas de Mataca, Unango e Maniamba, na companhia de cineastas brancos onde constatou que o povo descrevia os portugueses como Bebedor de sangue. Juma procura mostrar o trabalho que vinha sendo desenvolvido pelos Comissários Políticos da FRELIMO, nomeadamente, denuncia das acções de atrocidades das autoridades coloniais, visando angariar mais membros e de mais actividades nas zonas consideradas libertadas. Revelou às comunidades que a FRELIMO estava cada vez mais confiante na força da sua organização, na educação e nas responsabilidades confiadas pelo povo. Abordou a extensão da guerrilha que já alcançara os 30 ou 40% para o interior do território nacional, o que estava forçando a população portuguesa, tanto civis como militares, a se confinar a uma reduzida área guarnecida, nomeadamente Metangula, Maniamba, Cóbuè, Olivença (Lubiliche) e Nova Coimbra (actual Machumua).
Vista parcial do aquartelamento de Nova Coimbra (Mevchuma) |
Na mesma ocasião, Juma referiu-se também a formas de actuação militar dos guerrilheiros que eram maioritariamente baseadas em sabotagem e emboscadas. Explicou que a FRELIMO estava diariamente a receber novos combatentes provenientes do interior de Moçambique e que as suas operações militares iam se expandindo de modo a atingir todo o distrito do Niassa. Apelou à população portuguesa a revoltar-se contra o seu governo, que, segundo ele, tratava-se de um governo de exploradores e assassinos, pelo facto de este ter enviado uma bomba escondida numa encomenda a um comerciante de nome Manuel, proprietário de uma cantina em Malica, que, ao abrir, explodiu e danificou-lhe as mãos, pois este era suspeito de colaborar com a FRELIMO. Em um outro desenvolvimento, explicou o significado da expressão “Reconstrução Nacional” que, para a FRELIMO, significava uma modificação ideológica; rejeição de estado de atraso e a dedicação a uma nova vida e sociedade. Denunciou o fraco empenho das autoridades coloniais com vista a desenvolver a província no que diz respeito a educação e assistência médica da população o que a FRELIMO já estava a fazer nas zonas libertadas. Com estas acções, é notória a preocupação dos guerrilheiros da FRELIMO e da sua direcção em contrapor a actuação da tropa colonial para consigo, ter a população.
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