Bem vindo

bandeira-portugal-imagem-animada-0007 bandeira-mocambique-imagem-animada-0006

Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


domingo, 17 de agosto de 2025

OS MEIOS E DISCURSOS ANTES DA GUERRA

 CAPÍTULO III OS MEIOS E DISCURSOS ANTES DA GUERRA 

Por conta da desumanização que ocorria em quase toda a parte do território moçambicano pelos portugueses, os nacionalistas decidiram extinguir a situação. Diante disso, acreditaram que a melhor solução que poderia ser encontrada perante a selvajaria a que estavam sujeitos seria de aderir a luta armada contra os colonizadores como forma de expulsá-los dentro do território moçambicano. Entretanto, em todas colónias portuguesas, os nacionalistas estavam dispostos às negociações políticas, antes que as armas fossem levantadas. Porém, aconteceu que Salazar, primeiro-ministro português na altura, não se mostrava aberto e nem queria ouvir quaisquer assuntos relacionados à descolonização. Para isso, bloqueou todas as possíveis vias negociáveis, vetando assim a emancipação desses territórios, como foi acontecendo. Sem soluções à vista, os nacionalistas decidiram aderir à luta, via armada, como solução viável para expulsar os colonizadores dos seus territórios, uma vez que não aceitavam a retirada pacífica e estavam indisponíveis aos diálogos. Em Moçambique, concretamente no Niassa, a situação não foi diferente, os nacionalistas criaram ambientes de debates e reflexões sobre a necessidade de luta, onde, por meio de discursos em grupos reduzidos, iam explicando à população sobre a necessidade de se verem independentes, definiam pontos estratégicos, logística para o início da guerra, recrutaram mais jovens para engrossar as fileiras da FRELIMO, entre outros aspectos. Contudo, Portugal não se apartou do cenário que já indiciavam o início de uma guerra, sempre estava presente para interromper as acções dos nacionalistas. Nisso, mandava tropas para acabar com os movimentos que estavam sendo criados pelos africanos na região. No presente capítulo, procura-se abordar os meios e os discursos usados por elementos da FRELIMO para formar a sua autoridade antes do inicio da guerra destacando-se os actos preparativos da Luta de Libertação de Moçambique (recrutamento dos guerrilheiros, formação militar e educação política). Far-se-á referência ao contexto do início da luta armada, as estratégias da guerrilha, as principais frentes de combate, a contra-ofensiva da tropa colonial, os aldeamentos e a propaganda exercida pelas partes beligerantes. 

3.1. Os Núcleos clandestinos 

A FRELIMO foi o grupo que desde logo, se mostrou estruturado e com possibilidade de absorver os outros grupos menores, por isso usufruiu imediatamente das facilidades de apoio em especial da Tanzânia, daí que se justifica a sua actuação a partir da área do Niassa, onde começa a se instalar através de núcleos clandestinos que eram pequenos grupos de indivíduos que, serviam de elo de ligação entre a população e os nacionalistas moçambicanos. Os núcleos clandestinos de elementos da FRELIMO no Niassa foram montados em Janeiro de 1963, por decisão do Departamento da Organização do Interior, com o objectivo de acelerar o recrutamento de jovens para ingressar nas fileiras da FRELIMO, e por meio destes, depois de um treinamento, desenvolverem actividades de reconhecimento para mapear zonas estratégicas para o início da luta armada e localizar posições do exército colonial. Para além destas actividades, os núcleos serviam de ponto de mobilização e distribuição de cartões da FRELIMO. Recebiam material propagandístico da FRELIMO proveniente da Tanzânia e disseminavam clandestinamente na comunidade. Estes núcleos também eram responsáveis por engrossar o número de guerrilheiros a serem formados pelos nacionalistas. O primeiro núcleo foi criado na área de Chigoma- Cóbuè, este recrutou a maior parte dos guerrilheiros da FRELIMO na Província do Niassa e foi a partir deste que se formaram muitos outros que se estenderam pela faixa litoral do Lago Niassa até Messumba, chegando mesmo a se implantar na Vila Cabral, em 1964. Neste processo, destaca-se o núcleo da Missão de Messumba na Circunscrição do Lago, que, a partir de Agosto de 1963, acolheu várias reuniões presididas pelo Padre Litumbe. 

Agosto de 19967, Furriel Amadeu Silva na rua principal de Messumba

Delas tomavam parte, para além de António Chizoma que fora encarregue por Alexandre Ngalamba de vender os cartões da FRELIMO que trouxera da Tanganica aos Padres; Guilherme José Macuenda, Pedro Chizuzu, Zefanias Ambessine, Tomás Polela, João Polela, João Sululo, Manuel Catequeta, Jaime Cassimo, os professores Aidão Lilinga, Jaime Caomba, Jaime Farahane, José Farahane, Salatiel Chizuzo, Samuel Caomba, Jaime Goiane, Guilherme Cadalamba, Tiago Metaiba e outros.  Diante da acção repressiva levada a cabo pela autoridade colonial portuguesa, o ódio dos moçambicanos contra estes, foi-se multiplicando dia após dia e os núcleos clandestinos da FRELIMO foram desenvolvendo a sua actividade com firmeza e coragem em todos os povoados, mobilizando jovens a aderirem ao movimento. Existiam na região, grupos culturais da dança Chioda, M’uganda e outros cujos coros se referiam à necessidade de se juntar ao movimento para o alcance da independência, apesar de agentes da PIDE estarem frequentemente a vigiá-los com o objectivo de deter os protagonistas destas ondas. Aos poucos, os núcleos foram se multiplicando desde Ngombe na fronteira com a Tanzânia, até Messumba na grande Missão Anglicana. É importante referir que os ideais nacionalistas em Niassa foram chegando por diversas vias e é claro que contou com os acontecimentos de Gana, as acções dos Mau-Mau, as emissoras de rádios clandestinas como foi o caso da Radio Moscovo, do Cairo, do Senegal, a rádio Brazzaville, a de Dar-es-Sallaam transmitidos em língua portuguesa, Ronga, Suaíli, Macua e Ajaua. Foi pelos núcleos clandestinos que escutavam diferentes emissoras radiofónicas que os residentes do Niassa foram se apercebendo da necessidade da unidade nacional, de libertação e independência. Ainda assim, a FRELIMO através destes núcleos clandestinos dispersos pela região foi mostrando a população a sua autoridade. Niassa é uma região com menor população a nível do território Moçambicano, mas estas, se prolongam até ao território tanzaniano. Dentre eles, assinalam-se três grupo, todos eles envolvidos no conflito armado: 1- Nianjas- no Niassa ocidental, com povoados e actividades não só na Tanzânia, mas também, em pequeno número no Malawi 2- Ajauas- no Niassa oriental e centro-ocidental, com ramificações importantes na Tanzânia e Malawi, passaram à acção, mas sem grande convicção, em virtude da pressão exercida pelos Nianjas e foi assim que colaboraram, a força, no preenchimento expressivo dos efectivos da guerrilha. Na região sul, encontram-se os Macuas espalhados pelo Marrupa, até Cuamba e misturados com a os Cheuas em Mecanhelas. A continuidade étnica permitiu a soliedariedade política, ideológica e pan-africana. Ela, também sugere a solidariedade dos países vizinhos de Moçambique que já se encontravam independentes como Malawi, Tanzânia e Zâmbia que vão autorizar a movimentação em seu solo, aos guerrilheiros da FRELIMO. Este facto foi bastante explorado pelos guerrilheiros da FRELIMO em diferentes momentos com destaque para a movimentação para Tanzânia, nas actividades de reconhecimentos do interior do Niassa, no momento de introdução de material bélico e até no contexto da indicação de pistas sobre a movimentação dos guerrilheiros da FRELIMO no interior. Diferentemente de Cabo Delgado, a dispersão da FRELIMO foi precedida pela execução de alguns chefes tradicionais por serem contra a guerra, no Niassa, o cenário na sua maioria foi receptível com alguma excepção ocorrida na região de Mecanhelas onde uma companhia que devia passar para Zambézia viu o seu plano abortado porque o régulo local recusou-se a colaborar com elementos da FRELIMO, tendo alertado as autoridades coloniais sobre a presença de guerrilheiros e sensibilizado a sua população para não apoiar os guerrilheiros em alimentos, abrigos e esconderijos. Nesta região, o clima de violência foi conhecido pelas autoridades coloniais porque estas tinham criado equipas especiais de recolha de informações cujo núcleo era constituído por militares que se faziam passar por caçadores profissionais, mais que, na realidade, tratava-se de uma rede de espiões e confidentes que cobriam especialmente as fronteiras do Norte. De acordo com Relatórios de Incidentes no Niassa, contra o habitual, os movimentos para esta região foram superiores aos de Cabo Delegado, traduzindo-se na infiltração de considerável quantidade de material de guerra sobretudo na região de Cóbuè. Portugal sempre teve grandes dificuldades em estabelecer nas suas colónias africanas uma população metropolitana branca. Grande parte da população que ia para as colónias africanas era constituída até ao principio dos anos 1950, por camponeses, exilados políticos mais conhecidos como degredados apoiados por verbas que eram atribuídos por fundos de colonização que lhes fornecia subsídio e pagamentos de passagens, apoio a sua instalação, reserva de terras e sua preparação tanto como instrumentos de trabalhos. A deficiente e fragilizada ocupação administrativa, associada a uma incipiente e mal preparada força militar (existente no Norte de Moçambique até 1964), de maneira nenhuma estava apta para o tipo de hostilidade a seguir, permitindo assim, com relativa facilidade que a FRELIMO desenvolvesse uma apreciável actividade de guerrilha e, simultaneamente, conseguisse o aliciamento das populações. A nível da região do Niassa sobretudo nas zonas do interior, sempre houve uma reduzida presença de população de origem europeia com quem as autoridades coloniais podiam contactar visto que, por exemplo, até 1960, o único sinal da presença portuguesa em Cóbuè era o chefe do posto que vivia numa casa do estilo mediterrânico e dependia da Missão anglicana da Niassalândia para a obtenção de muitos dos seus abastecimentos. 

Vila Cabral (Lichinga) no início dos anos 60

Na então Vila Cabral (Lichinga), até 1962, altura em que Padre Paul Padre da Igreja Anglicana de Messumba) se deslocou a região, havia menos de 50 europeus e um elevado número de indianos e muitos africanos, na sua maioria Yaos. Este elemento também pode ser apontado como o que facilitou a infiltração e movimentações de elementos da FRELIMO na região. Outro factor que permitiu o desenvolvimento de ideais nacionalistas, impulsionou e flexibilizou o contacto da população e tanto como a tomada de conhecimento sobre a existência da FRELIMO foi a escuta da emissora de rádios estrangeiras. Neste aspecto, destacou-se Amós Sumanel. Este, após regressar a Messumba em finais 1962, ido de Lourenço Marques (onde esteve a estudar), reunia um certo número de pessoas pensadoras da região ao seu redor, incluindo alguns estudantes da Missão de Messumba para ouvir as transmissões feitas pela Rádio Tanzânia. Este professor já teria ouvido falar, na segunda metade do Século 20 Em 1953, o decreto 20 887, de 13 de Fevereiro, aboliu a pena de degredo e substituiu pelo internamento numa colónia penal agrícola. Professor da Missão de Messumba, que como outros jovens da região, juntamente com alguns colegas, pessoal do hospital de Messumba, mais tarde, em 1963, se deslocou a Tanzania em gozo de férias e não mais regressou a Messumba, pois juntou- se a FRELIMO em 1962, da formação em Tanzânia da FRELIMO e os jovens com que se reunia mostravam-se interessados nas suas actividades. A recepção da transmissão de rádio vindas de Lourenço Marques era considerada muito má pelas autoridades coloniais e, nos seus comentários, Erasto FARAHANE referiu que não havia qualquer programa transmitido em língua Chinyanja até aos finais da década de 1960, dai que era natural que a população, sobretudo os jovens, ouvissem as transmissões da rádio Tanzânia e as provenientes de Niassalândia já independentes. Só que a partir de 1962, assim que as autoridades coloniais tomaram conhecimento destas escutas, a vigilância e repreensão foi accionado a todos que fossem suspeitos de estarem a acompanhar estas emissoras, eram alvos da PIDE. 

Filipe Samuel Magaia

Ao descreverem o envolvimento de Filipe Samuel Magaia na luta de libertação na frente do Niassa, afirmam que, antes de soar das armas, já haviam sido criadas algumas condições para o desenvolvimento da Luta no Niassa através das actividades de reconhecimento das frentes combativas com, localização das posições das tropas coloniais, localização das posições geoestratégicas para instalar as bases militares da FRELIMO, introdução dos materiais de guerra e dos guerrilheiros e, sobretudo, a mobilização das lideranças tradicionais e da população, através dos núcleos clandestinos, o que de certa forma, pressupõe que a população tinha alguma informação ou conhecimento da existência da FRELIMO e quais eram os seus objectivos. O reconhecimento foi uma actividade individual e coordenada, visando garantir o preparo do terreno para a infiltração do material bélico, guerrilheiros e consequente início da Luta armada. Incidiu, na definição dos itinerários, avaliação da capacidade ofensiva do inimigo, definição de locais para a fixação de bases e foram identificados os alvos para o lançamento da ofensiva. A título individual, Carlos Juma abrigava guerrilheiros e recolhia valores monetários de apoiantes da FRELIMO. Para além disso, ele encaminhava jovens aos guerrilheiros e realizava várias reuniões de planificação em sua residência na Vila Cabral. Entrevista feita em Dezembro de 2019 em Lichinga. Para materialização das suas actividades, os emissários da FRELIMO realizavam contactos interpessoais, geralmente na forma de visita familiar, como estratégia para contornar a vigilância das autoridades coloniais portuguesas. Desta forma, os focos de disseminação e acolhimento dos guerrilheiros foram se multiplicando conforme constata na narrativa de Chizoma: Durante as férias de Agosto de 1963 desloquei-me ao Tanganyika, com o meu colega Amós Sumane, ao encontro dos líderes da FRELIMO. Durante o pouco tempo que fiquei em Dar-es-Salaam, apresentei-me ao Presidente Mondlane. Depois de eu ter explicado as razões que me levaram a ir a Dar-es-Salaam e dos contactos efectuados com os meus camaradas em Cóbuè, houve a necessidade de eu voltar à Moçambique para continuar com o trabalho de mobilização e recrutamento de jovens para a FRELIMO em coordenação com os meus camaradas. De regresso, passei de Chigoma, onde reportei o sucesso da viagem a Alexandre Mchikoma e Sidney Namata, que me deram alguns cartões da FRELIMO para eu poder vendê-los em Messumba. Quando cheguei à Messumba, informei ao Padre Paulo Litumbi e o regedor Massange. Comecei a mobilizar as pessoas, principalmente os funcionários, professores e enfermeiros da Missão. A acção do Chizoma incentivou muitos professores, alunos, enfermeiros e jovens das comunidades a seguirem em direcção a Tanzânia a fim de se juntarem à FRELIMO e a título de vários exemplos, “uma equipa de futebol local, na altura sob o comando de Pedro Gaivão Odalah, com o pretexto de adquirir bolas, seguiu ao Malawi, mas ao invés de comprar bolas naquele território, o grupo rumou para Dar-es-Salaam, onde se juntou à FRELIMO. Estas acções não passaram despercebidas das autoridades coloniais e com base na sua ampla rede de informantes e colaboradores, a PIDE foi detendo indivíduos suspeitos de envolvimento com os nacionalistas onde Sidney Namate e António Chizoma foram os primeiros a cair nas suas malhas. Os núcleos clandestinos que já estavam implantados em grande parte da região costeira do Lago Niassa e na Vila Cabral, trabalhavam em estreita colaboração identificando jovens que pudessem engrossar as fileiras dos guerrilheiros. Pequenas células, ligando principalmente pessoas educadas e assimiladas, funcionários públicos, trabalhadores por conta própria e trabalhadores assalariados, desenvolveram atividades clandestinas que vão desde a tarefa política da organização até consciencialização política, propaganda e espionagem, até a tarefa. Antonio Chizoma, entrevista  Pedro Hodala, entrevista de 12/01/2010 – Lichinga, de recrutamento para treino militar no exterior e apoio material e moral aos guerrilheiros.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Páginas

Páginas

Armamento e comunicações

Clique em play-in memories dos camaradas falecidos.