2.4. Aperto ao cerco no Niassa -
As prisões e a violência colonial A autoridade colonial portuguesa, através do seu consulado geral em Salisbury, tomou conhecimento, através dos seus órgãos de espionagem, da movimentação de elementos da MANU e da UDENAMO tendentes a levar a cabo acções de revolta no território moçambicano e o apoio que Nyerere dava aos países como Moçambique e Angola no sentido de alcançarem a independência a partir de 1961 a 1962. A maior ameaça em torno de uma possível revolta no território moçambicano para as autoridades portuguesas em Salisbury residia no facto de em Dar-es-Salaam estarem presentes missões diplomáticas e consulares comunistas e americanas. Também constituía ameaça o regresso de africanos de Moçambique treinados em Gana. Por fim, o trabalho subversivo dos agentes indianos e goeses, gerava a hipótese de desembarque de armas indianas e de outras origens em Dar-esSalaa. A propaganda e organização levada a cabo no sul de Tanganica por pastores protestantes, principalmente os anglicanos como Michael Scott e Hudleston, engrossavam a lista de ameaça a uma possível revolta dos africanos em Moçambique. Estes factores obrigaram a autoridade colonial a imprimir uma maior atenção na região junto a fronteira com o Niassa. A partir de um ofício n.º 391 de 27 de Março de 1962, do Consulado Geral de Portugal em Salisbury, compreende-se a preocupação deste órgão consular com uma possível eclosão de revolta principalmente ao reportar sobre o apoio que as organizações nacionalistas africanas de Moçambique iam recebendo do Governo de Tanzânia, incluindo a declaração aberta de Julius Nyerere em conceder apoios aos nacionalistas africanos de Moçambique que se encontravam na Tanganyika. Olhando para a gama de ofícios que eram enviados para Portugal e outros que circulavam a nível do território colonial, é notório que a informação constituiu uma chave fundamental para a contrainsurreição. Tudo porque as autoridades coloniais compreenderam de início que o fluxo centralizado de informação era um elemento fundamental para as suas acções, visando garantir resposta a uma possível revolta armada, e que esta informação só podia vir da população. Consequentemente, planearam e montaram a sua máquina de recolha de informação para trabalhar neste meio especial. Esta estratégia foi usada pela tropa portuguesa no decurso da guerra na medida em que os guerrilheiros da FRELIMO capturados eram interrogados e forçados a dar informações sobre as acções, apoios, estrutura e meios do movimento de libertação. Outro elemento que evidencia o uso crucial de informação pelas autoridades coloniais neste contexto é o oficio em que o Governo-geral da Província de Moçambique, por determinação e através de um telegrama 505/GOV de 26 de Setembro de 1960 enviado ao Governo do Distrito do Niassa, após tomar conhecimento de que na região de Kota-Kota (Niassalândia) o Dr Kamusu Banda realizou no dia 01 de Outubro de 1960 uma reunião em que provavelmente estiveram presente de forma clandestina alguns moçambicanos.
Diante desta informação, o Governo Geral da Colónia emitiu uma nota, orientando para prender todos os “indígenas” acusados de terem assistido do comício do Dr. Banda. Tendo também orientado a se instruir o processo a fim de apurar a veracidade dos factos. Jovens, concretamente os Nyanjas residentes ao longo da margem do Lago Niassa nas regiões de Messumba, Cóbuè, Lunho, Ngoo, Wikihi (Lipoche), tinham parentes a residir na Tanzânia, rapidamente, foram tomando conhecimento por diferentes vias (visitas aos parentes, emissoras radiofónicas tanzanianas, deslocação em férias e indivíduos que foram chegando a região de Cóbue com cartões da FRELIMO) da existência do movimento e paulatinamente souberam dos seus objectivos e tomaram consciências nacionalistas.
Profº Amós Sumane |
De seguida, elementos da FRELIMO, nomeadamente, professores como foi o caso de Amós Sumane, catequistas e outros que estiveram na Tanzânia, começaram a realizar reuniões clandestinas com alguns elementos da comunidade, sobretudo jovens estudantes das missões, concretamente em Messumba, onde abordavam assuntos ligados aos mecanismos de adesão ao movimento, encorajamentos a apoiar de todas as formas a luta de libertação dos colonialistas portugueses e incluía escutas a emissoras radiofónicas da Tanzânia. Face a estes movimentos, as autoridades coloniais enviaram principalmente “para Cóbuè muitos agentes de espionagem. Mas mesmo assim, os militantes da FRELIMO continuavam a trabalhar clandestinamente”. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado - PIDE imprimiu acções de vigilância, detenções e repreensão contra todos indivíduos suspeitos de se envolverem em acções manifestamente expressas contra o regime colonial. Neste contexto, no então Distrito do Niassa, iniciaram-se as detenções, repreensões e torturas levadas a cabo por elementos da PIDE. Foi assim que na Vila Cabral foi detido João Massanche que, “este encontrava-se a beber num bar e tinha sido ouvido a dizer que os portugueses deviam imitar os outros países europeus e sair de África”. Depois de os companheiros o abandonarem, este foi apanhado pela polícia, fechado num armário sem espaço para se sentar durante alguns dias. Em Messumba, no mês de Agosto de 1963, alguns professores da Missão de Messumba com destaque para Amós Sumane, algum pessoal do hospital da Missão e ainda, alguns estudantes não regressaram das férias que teriam ido gozar na Tanzania, presumindo-se desta forma que tenham se juntado a FRELIMO.
Igreja Anglicana de Messumba |
Essa presunção afectou a atitude oficial do governo local em relação a Messumba de tal forma que o então administrador da Vila Cabral, Costa Matos, chegou a apelar aos padres de Messumba para manter uma vigilância estreita sobre os seus empregados de forma a evitar mais deserções para a FRELIMO. Nesta contenda, o Padre Paul foi suspeito pelo não regresso dos professores, pessoal do hospital e alguns estudantes da Missão que teriam ido a Tanzânia em gozo de férias. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado, foi criada pelo Decreto-Lei n.º 35 046 de 22 de Outubro de 1945, em substituição da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. Chegou a ser considerada como um organismo autónomo da Polícia Judiciária. No âmbito das funções de repressão e de prevenção criminal, tinha competências de realizar instrução preparatória dos processos respeitantes aos diferentes crimes, tanto como prendia e interrogava coercivamente os suspeitos. Outro indivíduo preso no dia 24 de Dezembro de 1963 foi António Chizoma, que teria ido de férias a Tanzânia na companhia de Amós e outros. Este, no seu regresso, levou alguns cartões da FRELIMO que estivera a vender a 17$50 cada em Messumba. Um informador da administração, depois de várias tentativas fracassadas, conseguiu comprar um desses cartões. No dia anterior, também tinham sido presas outras pessoas, incluindo o catequista de Metangula,mais duas pessoas de Chigoma. Estes foram levados para Maniamba de onde posteriormente foram encaminhados para Vila Cabral onde foram interrogados pela PIDE. Do interrogatório feito envolvendo torturas severas, Chizoma confessou tudo, tendo mencionado os nomes de todos que consigo compraram cartões da FRELIMO e de lá foi conduzido a Lourenço Marques. Salatathiel, foi solto alguns dias depois e seguiu rumo a Malawi. Outros indivíduos que também foram presos em Messumba foram Reggie e Mário, funcionários da Missão (operários) e que viajaram no barco a Metangula idos de Wikih, onde participaram numa visita pastoral com o padre Paul e coincidiu com a aparição de panfletos da FRELIMO na estrada entre Messumba a Metangula. Por este incidente, foram os dois operários acusados por terem estado na embarcação e, de seguida, foram presos em Vila Cabral quando para lá se deslocaram na companhia do Padre Paul. Aí, foram levados a cadeia, onde foram torturados até desmaiar e jogados água fria para voltar a si, uma acção que foi continuada durante uma semana e depois foram soltos sem nenhuma confissão de culpa. Outro professor da Missão, que também foi preso acusado de ter transportado panfletos da FRELIMO e espalhado em Messumba foi Alexandre Nkalamba. Disseram que foi ele quem trouxe os panfletos no barco e que tinha espalhado entre Messumba e Metangula e que também havia conseguido que o resto dos panfletos fosse levado por qualquer outra pessoa de bicicleta para Vila Cabral. Alexandre foi preso e levado para Lourenço Marques e só foi liberto em fevereiro de 1971 e de acordo com o seu testemunho apresentado por escrito a Comissão das Nações Unidas de Direitos Humanos em 11 de Agosto de 1972 em Dar-es-Salaam, nunca teria sido levado ao julgamento. Os soldados portugueses no início do conflito sempre que se sentissem traídos por conta de uma informação não exacta ou ainda inadequada, torturavam a pessoa ou família do informante. Em determinados casos, chegavam mesmo a cometer assassinatos ou mutilações deliberadas, tal como aconteceu em Ngoo, no ano de 1965, em que alguns meses depois do incidente da Base Naval de Metangula e Messumba, quando numa noite, alguns soldados portugueses pernoitaram na igreja e no dia seguinte partiram e, depois de percorrerem aproximadamente 10km, caíram na emboscada de guerrilheiros da FRELIMO. Na noite seguinte, regressam a Ngoo, extremamente zangados, foram a casa de Afonso Messossa. Este ao se aperceber da presença da tropa, fugiu pela porta traseira da casa. Os soldados foram a casa do Carlos Catatula e quando este respondeu a porta, mataram-no com vinte e seis tiros. Em seguida, foram apanhando outros empregados da Missão de Messumba e levaram para casa do padre Chizuzo tendo espancado e insultado a todos e na “ocasião perante os seus olhos, cortaram a cabeça a Catatula e num acto macabro foram jogando a cabeça deste como se fosse bola de futebol. Depois de eles se retirarem, toda a população da aldeia fugiu para as montanhas excepto o padre Chizuzu e Jacinto Mizaia”. Este acto obrigou o Padre Paul a se descolar a Vila Cabral para contactar o administrador Costa Matos a fim de se inteirar do sucedido e mostrar ao mesmo que se tratou de um acto macabro contra um indivíduo que não esteve envolvido na emboscada que as tropas portuguesas sofreram e nem se quer tinha tentado fugir. No seu regresso, Paul forçou os Padres Chizuzu, Afonso Messossa e Jacinto Mizaia a migrarem para o Malawi tanto como a ida de Bernardo Goi Goi para se juntar a FRELIMO. Os homens que assassinaram Catatula, supostamente, eram os fuzileiros que andavam constantemente pelas aldeias procurando furiosamente por elemento da FRELIMO que raramente apanharam. Neste acto, aterrorizavam os aldeões que, em princípio de 1965, foram migrando para a Ilha de Likoma no Malawi, Tanzânia ou para as colinas onde procuravam a protecção da FRELIMO. As aldeias que a população abandonava, eram sempre queimadas pela tropa portuguesa de forma que os guerrilheiros da FRELIMO não se aproveitassem de nada, à semelhança do que aconteceu em Manda-Mbuzi em que, segundo narrativas do Padre Odala ao padre Paul, “a tropa portuguesa queimou catorze casas”. Na mesma ocasião, visitaram a casa do Padre Odala, perguntaram-lhe se sabia da movimentação de unidades da FRELIMO ao que respondeu negativamente, mesmo sabendo que estes se escondiam nas colinas. Entraram na igreja tendo levado, castiçais, cruzes e pratos da igreja, galinhas e pertences do Padre Odala que, diante do sucedido, fugiu com o seu povo para as colinas e dois meses depois foi a Ilha de Likoma no Malawi.
Mesmo acto aconteceu quando, segundo informações obtidas por PAUL, as tropas portuguesas foram a Ponta Mala e quando lá chegaram começaram a lançar fogo as casas e os que puderam fugiram para as colinas salvando as suas vidas. No entanto, cerca de uma meia dúzia de pessoas foram presas, incluindo o catequista aposentado Geldart Chisaca, e obrigados a caminhar para Cóbuè. Mas, a meio do caminho, foi-lhes ordenado que entrassem no lago e batessem as palmas e depois foram metralhados. Este acto macabro foi contado ao Padre Paul por um sipaio de Cóbuè que esteve na companhia das tropas portuguesas, como geralmente se procedia. O chefe do posto de nome Morais, em finais de 1965, ao chegar a Cóbuè encontrou, de acordo com relatos de PAUL, alguém que pensou que fosse agente da FRELIMO; e mandando juntar toda aldeia incluindo um padre anglicano aposentado, o Padre Polela, pai de Daniel Polela, e mandou matar o homem a tiro. Na mesma noite, a população da aldeia, o Padre Polela e a maior parte dos sipaios do Morais fugiram para a Ilha de Likoma tanto que o padre Pikito (português) foi para Metangula e desde essa altura a região não teve nenhum padre residente. Os portugueses entregaram-se a matanças indiscriminada. A FRELIMO apenas matava aqueles de que tinha razão para suspeitar” e tanto quanto soube fê-lo sem torturas nem qualquer outra brutalidade. Qualquer indivíduo que mostrasse simpatia de qualquer gesto ou mesmo mostrasse satisfação face às investidas dos guerrilheiros da FRELIMO contra os empreendimentos ou aquartelamentos portugueses era alvo das acções da PIDE, que podiam envolver prisões até mesmo torturas. A título de exemplo: Ernesto Alfredo Rachide (guarda auxiliar da P.S.P), Marques Aide (cozinheiro) Manuel Horta Massanho (empregado de telecomunicações) e João Tender (interprete da Administração) estando na Vila Cabral, estes funcionários assalariados manifestaram atitudes favoráveis ao ataque dos guerrilheiros a cantina de Chiulica – Maniamba.
MANIAMBA Aquarelamento das tropas portuguesas |
A P.S.P, em coordenação com os agentes da PIDE, deteve os mesmos logo de seguida, nos anos subsequentes a 1965, os professores da Missão de Messumba eram sempre chamados a Metangula pelas autoridades e não regressavam ou, se voltavam, eram convocados segunda vez e detidos por um grupo de agentes da PIDE de Nampula que se encontrava a trabalhar na região. Assim que qualquer indivíduo ou parente tentasse visitar o preso, era informado que o mesmo estava sendo mantido incomunicável, significava que o mesmo estava degradado fisicamente por conta das torturas que sofria como forma de persuadir a confessar o seu envolvimento com a subversão levada a cabo pela FRELIMO. No Niassa, as prisões prosseguiram e foram frequentes. Constituiu uma das principais armas do exército colonial português para conseguir progredir nas suas acções. Ao longo da escrita das suas memórias, PAUL descreve o que ele chamou de “O sábado Negro” que se deu no dia 24 de Julho de 1965 quando por volta da madrugada ouviram-se tiros esporádicos e ele julgou tratar-se da acção da tropa portuguesa, brincando com espingardas. Pela manhã, depara-se com um homem sendo levado ao hospital com tiro na cabeça, abatido quando fazia necessidades biológicas numa mata a céu aberto. Por volta do meio-dia, foi recebendo notícias de detenções de homens que se deslocavam à Missão de Messumba naquela manhã, levadas a cabo pela tropa portuguesa. Tratou-se de uma operação comandada pelo inspector Campus, funcionário da PIDE em Nampula, acompanhado do Rosa também agente da PIDE. Na mesma tarde, os agentes pediram ao padre Paul para os acompanhar porque queriam ver as casas dos professores e, enquanto isso, dois aviões militares sobrevoaram a região. Nestas buscas, levaram os dois professores superiores que sobravam da missão, sob alegação de que estavam indo a Metangula para responder a certas questões e de lá só regressaram a Missão três anos e meio depois e outro, cerca de sete ano mais tarde. Eram professores com aproximadamente de 50 anos de idade. Naquele dia, a região de Messumba ficou toda cercada de soldados, a PIDE, “tinha prendido aproximadamente 350 pessoas” incluindo algumas da Missão católica romana da Nova Coimbra onde o superior era o padre Inácio Mondine.
Todos os presos foram levados a Metangula, onde cerca de 50 foram soltos por não serem naturais. Em algumas aldeias, os soldados tinham levado toda a gente. Os cerca de 300 prisioneiros em Metangula eram mantidos ao ar livre rodeados de 97 arame farpado construído à pressa e guarnecido por soldados armados, expostos ao frio de Junho que ocorria na região do Lago, e não tinham direito a visitas. Dias depois, os prisioneiros foram levados a Vila Cabral para mais interrogatórios e mantidos sem visita. Estas prisões eram executadas através de equipes de recolha de informações encabeçada pela PIDE. A PIDE foi montada em Moçambique em 1960, cuja Delegação em Lourenço Marques era dirigida por António Vaz, que, depois montou várias subdelegações na Beira, Vila Cabral, Porto Amelia, Nampula e Tete.
Orlando Cristina |
A região norte de Moçambique era dirigida por Orlando Cristina, que tinha sob a sua alçada um conjunto de oficiais milicianos fazendo pesquisas de informações em Cabo Delegado e Niassa. Os milicianos eram liderados por Manuel Gomes dos Santos. Analisando os factos, é notória a acção violenta da autoridade colonial portuguesa por meio da PIDE, face à acção política revolucionária, principalmente a partir de 1963, nas regiões de Cóbuè, e na Missão Anglicana de Messumba, dado o elevado número de indivíduos destas regiões que foram presos, torturados e até mortos. Tratou-se de uma acção de violência visando aterrorizar e acabar com as acções revolucionárias que já eram evidentes. Constata-se também que as autoridades coloniais portuguesas, assim que notassem a presença de indivíduos nativos com suspeitas de ligações ao movimento de libertação de Moçambique, intensificavam a vigilância na referida região através de seus informantes nas comunidades e toda sua máquina de pesquisa de informação com orientações para prendê-los, torturar e eventualmente obter maisinformação sobre o envolvimento de outras pessoas na acção revolucionária encabeçada pela FRELIMO.
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