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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


domingo, 20 de julho de 2025

A GÉNESE DO NACIONALISMO MOÇAMBICANO

 2.2. A génese do nacionalismo moçambicano Os povos colonizados em África nunca cessaram de se opôr à exploração. Mesmo depois de vencidos nas campanhas de pacificação, optaram e seguiram no começo da década 1920 por uma resistência não armada que foi crescendo e se multiplicando para diferentes quadrantes do continente. As ideais nacionalistas, nas colónias portuguesas começam a florir concretamente em finais da década de 1950. No mesmo período, estas ideias começam a significar alguma coisa para a maioria dos povos nas colónias. A causa da chegada tardia deste pensamento nestas colónias deveu-se ao facto de, antes, os poucos privilegiados capazes de procurar uma estratégia de autodefesa nas ideias do nacionalismo europeu estavam muito separados da grande maioria dos seus compatriotas. Em Moçambique, a dominação colonial e militar, afirmada na década de 1880, esteve consolidada apenas no decorrer do século XX pelos portugueses, após 1935, a região da África Austral representava a parte mais importante do continente por factores económicos e geopolíticos, como a vasta fonte de minérios e o tráfego entre a Ásia e o Ocidente através da rota do Cabo. Essa região esteve sob domínio colonial até fins da década de 1970. A luta pela autodeterminação política na África colonial decorreu em quatro etapas, por vezes entrecruzadas nos factos, mas, nitidamente passiveis de análise. Antes da Segunda Guerra Mundial, desenrolou-se uma fase de agitação das elites em favor de uma maior autonomia. Seguiu-se um período caracterizado pela participação das massas na luta contra o nazismo e o fascismo. Adveio, em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, a luta não violenta das massas por uma total independência. Finalmente, sobreveio o combate armado pelo reino político: a guerrilha contra os governos de minoria branca, sobretudo a partir dos anos 1960. No caso de Moçambique, em que a sua economia era organizada pelo sistema de exportação de mão de ob, mantida pela reserva de domínio de terras para portugueses e a mão-de-obra migrante. Onde a circulação de nativos entre Moçambique e as nações limítrofes para o trabalho nas fazendas e minas trouxe como consequências o aumento das desigualdades raciais, a dificuldade de uma resistência anti-colonial e a fragmentação dos núcleos familiares, de modo que em sua maioria, as mulheres passaram a ser responsáveis pela economia familiar e o trabalho doméstico. Por seu turno, os códigos de trabalho da metrópole portuguesa mantinham diferenças legais para os europeus, considerados “civilizados”, e para os chamados “indígenas”, tidos como não civilizados. Em 1899, foi criado o primeiro código de trabalho obrigatório para os nativos, chamado em Moçambique por “Chibalo” que, até 1950, o trabalho indígena constituía a principal mão-de-obra para as construções e obras estatais, quando se inicia o aumento do sector secundário e a indústria, avançando o capital em áreas de habitação e construção comercial, expandindo as oportunidades de trabalho livre para os africanos, tornando o Chibalo algo desnecessário e inaceitável, pois já existiam maiores possibilidades de trabalho no meio urbano. O engajamento político anti-colonial em Moçambique, é visível no final da década de 1940, com o final da Segunda Guerra Mundial, quando as políticas coloniais são exaradas e o engajamento de estudantes e trabalhadores conduzem inúmeras greves e paralisações na região de Lourenço Marques em áreas urbanas e rurais, culminando em intensas repressões. Nos anos de 1950 a 1960, ocorre a proliferação de movimentos de libertação nacional em colónias como a África do Sul, Rodésia, Angola, Moçambique e Namíbia. Estes movimentos tinham reivindicações em comum, como a rejeição do colonialismo, capitalismo, racismo e a adopção de teses do socialismo marxista-leninista. Para o caso de Moçambique, o momento de ebulição dos movimentos de organização da luta armada é assinalado com o Massacre de Mueda – actual distrito da província de Cabo Delgado, centro da população maconde no dia 16 de Junho de 1960. 


Neste episódio, uma multidão de macondes se reuniu para ouvir a delegação da MANU e o discurso do Governador de Cabo Delgado, Teixeira da Silva, que, ao contrário do esperado, não tratou das questões de terras do povo Maconde e apenas foi vaiado. Neste dia, a população foi encurralada pelo exército e outras pessoas foram mortas a tiros. Este episódio, foi muito funcional para a mobilização moçambicana, pois foi utilizado como legitimador da necessidade de uma luta armada para a conquista da independência, pelo que viria a se constituir FRELIMO. O massacre de Mueda, serviu de meio para incentivar o engajamento político da população moçambicana, de tal forma que a FRELIMO reproduziu amplamente relatos e interpretações do ocorrido. A partir deste período (1960), com o desencadear da luta armada nas colónias portuguesas, se intensifica a repressão colonial, diminuindo as possibilidades de luta interna em Moçambique. Isso ocorre principalmente após 1961, com o início da revolta e guerra colonial em Angola, que gera uma grande quantidade de refugiados nas regiões vizinhas, particularmente na Tanzânia. Os exilados criaram associações de refugiados, ainda não pertencendo a nenhuma das organizações políticas já existentes e exerceram uma forte pressão para a criação de uma única frente de libertação. A província do Niassa não constituiu uma ilha face aos acontecimentos internacionais, regionais e de Moçambique, em particular, tendentes à insurgência face a actuação do regime colonial português em África, incluindo as acções que já eram desenvolvidas por povos da região e colónias portuguesas visando acabar com as diferentes formas de dominação e exploração promovidos por minorias brancas em África. Neste constexto, em finais de 1960 a 62, sobretudo na circunscrição de Maniamba, concretamente em Cóbuè, Metangula e Messumba, começaram a aparecer ideais revolucionárias propalados por indivíduos que visitavam seus parentes residentes na Tanzânia e no Malawi e constatavam a existência de diferenças na forma de tratamento e de convivência social entre os europeus e africanos. 



Estes também viam nestes países vizinhos a emergência de liberdade de expressão política e alguns princípios de igualdade entre os homens. Desta forma, começou a tornar-se clara a necessidade de encontrar uma estratégia de erradicação do sistema colonial que vai ser estimulada pelo surgimento da FRELIMO, em 1962, pois alguns moçambicanos residentes concretamente em Ngoo, Metangula, Cóbuè e outras regiões do Niassa especificamente, aderiram à causa da libertação nacional difundida pelos emissários deste movimento nacionalista. Algumas colónias britânicas situadas na região austral de África, como Malawi e Tanzânia, vizinhos de Moçambique e que fazem fronteiras com a extensa província do Niassa, já tinham alcançado as independências e começado com o projecto de construção de nação democrática. Portugal manteve-se sempre relutante em admitir o direito à auto-determinação dos povos nas suas colónias, consequentemente os moçambicanos decidiram envolver-se no caminho mais radical possível, a independência completa em relação a Portugal. Só que este estava determinado e por todos os meios possíveis, incluindo a força das armas, a manter-se em Moçambique.  A questão da independência de Moçambique foi sempre apresentada ao governo português de todas as maneiras possíveis, mas este procurou de formas diferenciadas manter o seu sistema de exploração e repressão política fascista, baseado em desenvolvimento desigual alicerçado na divisão racial, impedindo o desenvolvimento dos povos que oprimia. Para perpetuar as suas acções procurou sempre envolver a fé católica romana nas suas ambições imperialistas de dominação e exploração. Para compreender as acções dos Moçambicanos face a dominação colonial e o surgimento da FRELIMO e o contexto do nacionalismo, é necessário olhar para a importância geoestratégica do continente africano além da sua orla mediterrania que foi posta em relevo na pratica após a II ª Guerra Mundial e especialmente apoios à constituição da OTAN16, pois, foi a partir desta altura que África passou a ser um teatro de operações, ambicionado pelas superpotências que tinham em vista atingir objectivos decisivos para dominação mundial. Estas nações “apoiaram as ideologias e movimentos independentistas, que lhes facilitavam a expulsão dos colonizadores europeus dos seus territórios. A consciência política começa a adquirir força nacionalista, principalmente com a derrota do fascismo e principalmente com o desenvolver de um movimento anticolonialista por todo o mundo. Na esfera política, observou-se que a criação da ONU, em 1945, e a luta pelo voto que ali imperou, sobretudo nos anos 1950, impulsionaram a descolonização de África. As independências do continente asseguraram um manancial de votos, na assembleia geral das Nações Unidas. Com a formação dos blocos opostos e em equilíbrios de força, surgiu uma nova estratégia, a penetração ideológica e a subversão revolucionária. A guerra vai transbordar do campo das armas para o campo das ideias e das reivindicações sociais e passou a processar-se em âmbitos territoriais nacionais com amplitude internacional. Também pode-se apontar a conferência de Bandung, em 1955, que reuniu os países não-alinhados como um dos antecedentes por ter marcado decisivamente o aprofundar do movimento anticolonialista africano ao aprofundar sobre a necessidade de se impulsionar a revolução africana através do seu comunicado de autodeterminação dos povos e nações tal como se referia na carta da Organização do Tratado Atlântico Norte da ONU, deplorando ainda as políticas e práticas segregacionistas e descriminação racial que estavam em voga nas bases dos governos e das relações humanas em grandes regiões de África. 


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1º Ministro Chinês Zhon Enlai discursa na Conferência de Bandung
 
Juntamente, no mesmo encontro, se reafirmou a condenação do colonialismo, afirmando-se que a sujeição dos povos a dominação e a exploração estrangeira constituía uma negação aos direitos elementares do homem, era contraria a carta das Nações Unidas e um entrave ao progresso da paz e da cooperação mundial, declarando-se, ainda, o apoio à causa da liberdade e da independência para todos os povos subjugados e convidando-se as potências em causa a acordarem a liberdade e a independência a esses povos. É neste contexto que foi apoiada e desenvolvida em África a acção de revolta ou “subversão” contra a dominação colonial que foi se propagando paulatinamente a partir dos anos 50 por todas regiões incluindo Moçambique onde se localiza a província do Niassa. Em cerca de 20 anos, as potências coloniais europeias foram cedendo, perante a pujança do movimento descolonizador, às reivindicações e a luta dos povos pela sua autodeterminação, o que acabou dando lugar a emergência de uma dezena de países em África, Extremo Oriente e no Médio Oriente. Depois de alcançadas as independências de países como Gana, Marrocos, Tunísia e Sudão, em 1968 já existiam em África 34 novos estados independentes, faltando os territórios africanos da Rodésia, do Saara Espanhol, o Sudoeste africano e os territórios de expressão portuguesa cujo governo de então insistia em lutar pela sobrevivência do tipo de colonialismo que preservava (de exploração, segregação, coerção). O regime de então (Salazarista) não tinha menor intenção de renunciar às suas colónias – pretendia incluí-las como seus territórios no ultramar, uma ideia utópica que com o passar do tempo, mostrou-se tarefa impossível, pois o nacionalismo africano estava estreitamente ligado a tomada de consciência negra e manifestava-se numa pluralidade de formas que permitiram o surgimento de movimentos anticoloniais. Inicialmente, no meio estudantil na diáspora e em menor escala em algumas escolas nos centros urbanos das principais colónias, sobretudo as pertencentes a igrejas. Comunicado final da Conferência de Bandung, protestantes, nas associações culturais e grupos recreativos, nas organizações religiosas, nas comunidades, todas como manifestações clandestinas. Estas manifestações terão sido as precursoras dos futuros movimentos independentistas e outros chamam de Nacionalismo, resultante de uma convergência cultural em que os dirigentes, atento a realidade, caminharam ao encontro do povo, principalmente os camponeses para incutir neles a ideia da necessidade de libertação. No seio de alguns africanos instruidos e alguns “assimilados” surgem indivíduos formados, educados e ocidentalizados que vão criar os movimentos independentistas, paulatinamente dando corpo aos movimentos nacionalistas. Em Moçambique, estes movimentos de opinião de resistência, tiveram alguma expressão inicial apenas nas zonas urbanas bem localizadas como foi o caso da zona sul do país, alicerçadas pelas missões protestantes que educaram basicamente alguns futuros dirigentes nacionalistas. A origem dos movimentos independentistas também esteve associada aos grandes aglomerados urbanos e a emigração aos países vizinhos dado que as condições de desenvolvimento e propagação dos ideais revolucionários nas cinturas dos grandes centros, propiciavam a liberdade de organização política. Esses centros foram também propícios ao recrutamento de apoiantes. O elevado número de comunidades africanas originárias dos territórios portugueses em países vizinhos, onde se consolidara os ideais independentistas e o transfronteirismo étnico e a existência de laços familiares entre eles, facilitaram a permeabilidade desses ideais. Em Moçambique, este fenómeno verificou-se nos centros urbanos do litoral, o que conduziu a uma rarefacção de estruturas administrativas no interior e de maneira geral nas proximidades das fronteiras, esta situação, levou a que a população dessas regiões fosse atraída para os centros urbanos dos países vizinhos não longe destas fronteiras. Para o caso de Moçambique, o desencadear da luta na Angola e a independência da Tanganica estimularam os sentimentos patrióticos, mas, foi o processo de evolução no interior de Moçambique que desencadeou o movimento unificador catalisado pela visita de Eduardo Chivambo Mondlane em 1961, quando este era ainda funcionário das Nações Unidas.

Eduardo Chivambo Mondlanne

 A colonização portuguesa, caracterizada por um sistema de culturas obrigatórias, remunerações deficientes, condicionamento de mobilidade geográfica, elevado imposto de palhota e de capitação, uso intenso do trabalho forçado e as desfavoráveis relações de troca com o comércio local favoreceram o desenvolvimento de actividades políticas de resistência anticolonial de cariz independentista. Em si, a colonização “precipitou a tomada da consciência nacional do colonizado (…) moderou o seu ritmo ao manter o colonizado fora das condições objectivas da nacionalidade contemporânea”. A acção dos colonizados perante o colonizador na perspectiva deveu se ao facto de este não lhe ser permitido desfrutar de atributo algum de nacionalidade; nem da sua, que era dependente, contestada, sufocada, nem, bem entendido, da nacionalidade do colonizador. Portanto, devido a colonização, o colonizado quase nunca fez a experiência da nacionalidade ou da cidadania a não ser de forma privada. Associado a esse conjunto de factores, temos o facto de após a IIª Guerra Mundial, terem surgido grandes potências mundiais como os EUA e a União Soviética que na disputa de zonas de influência vão apoiar a formação dos nacionalistas independentes contra a presença europeia nas suas colónias, apoiando ideológica, doutrinária e militarmente. Neste âmbito, a partir dos anos 1950/1960, nacionalistas africanos começam a estabelecer contactos com as massas. Em Moçambique, várias reivindicações foram feitas, através de canais democráticos disponíveis, mas a atitude negativa de Portugal relativamente a estas exigências desacreditou os métodos pacíficos dando como resposta as estas exigências, massacres como o de Mueda em 1960. Um outro factor é mencionado por  MOYANE então chefe da FRELIMO para Defesa e Secretário Regional de Acção na Província de Tete em 1972, na entrevista a Saul de carvalho (1976) em que faz referência ao seu lento desenvolvimento da consciencialização política como algo que foi alimentado pelos acontecimentos algures, este menciona: a acção do Nkruma no Gana, Nyerere na Tanzânia, a luta contra a federação, a independência do Congo, o alastrar das lutas em Angola e a dramática visita de Eduardo Mondlane a Moçambique (na altura em que este ainda estava a trabalhar nas Nações Unidas) em 1961. Este sentimento vivido por Moyane aconteceu com muitas outras pessoas, incluindo os residentes no então Distrito de Niassa de onde vários 80 moçambicanos partiram com destino a Tanzânia a fim de se juntar a FRELIMO nos princípios da década de 1960. 

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