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Batalhão de Caçadores 598, na zona de Cobué, Niassa |
O comandante - chefe de Moçambique general João Carrasco, estava confiante que conseguia, de uma penada, acabar com a guerrilha no Planalto dos Macondes. Põe em marcha a Operação Águia. As unidades envolvidas - Batalhão de Caçadores 558, batalhão de Caçadores de Nampula e Batalhão de Caçadores 729 - cumpriram as ordens. Mas os objectivos com que sonhava o quartel general, instalado em Lourenço Marques, não foram alcançados. o planalto continuou como santuário dos guerrilheiros da FRELIMO.
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Major Costa Matos Governador o Niassa, acompanhado por Régulos |
Os guerrilheiros entraram pela primeira vez no norte de Moçambique em Agosto de 1964.Vieram das bases de Mtaware e de Nachingwea, na vizinha Tanzânia,e atravessaram o rio Rovuma em direcção ao planalto dos Macondes, no Distrito de Cabo Delgado. Os comandos militares não deram por isso. O comandante-chefe general, João Carrasco, desmantelara um serviço de informações posto em prática pelo capitão Costa Matos - que fora à Argélia, juntamente com mais cinco oficiais, em 1959, aprender com os franceses alguma coisa sobre a guerra subversiva. Os ataques levados a cabo pela guerrilha foram, por isso, uma surpresa total.
A experiência francesa no norte de África de nada serviu à elite política e militar de Lisboa. a revolta estalou na Argélia em Novembro de 1954. O governo francês , com a mesma imprudência que o levara à derrota na Indochina, imaginou que em menos de um fósforo esmagava a rebelião, Não foi assim. Um exército imenso tentou, sem êxito, dominar os guerrilheiros do Fronte de Liberation Nationale. Meio milhão de homens, equipados com todo o material moderno, carros de combate e aviação, não chegaram para cantar vitória sobre uns escassos milhares de guerrilheiros mal armados. A França aprendeu uma dura lição; não há solução militar para uma guerra de guerrilha.
Em Setembro de 1964, já os combates iam sonhados em Angola e na Guiné, estala a guerra em Moçambique, Salazar e os seus generais, insensíveis aos tormentos por que passaram os franceses na Indochina e na Argélia, só confiaram na pólvora para acabar com os movimentos da guerrilha. O comandante - chefe nomeado para Moçambique, general Carrasco, era um fiel adepto da estratégia do mata e esfola.
Costa Matos, um dos oficiais enviados à Argélia, é mandado para Moçambique, ainda em 1959, com a missão de criar um serviço de informações. Monta um eficaz esquema de vigilância das zonas fronteiriças. Mas as patrulhas não se limitavam a acções estritamente militares. Levavam médicos e enfermeiros. Tinham especial atenção para com as populações. Tratavam doentes doentes e alimentavam aldeias inteiras. Costa Matos deitou a mão a outro truque. Criou as chamadas brigadas de caça - uma em Cabo Delgado e duas no Niassa - formadas por militares à paisana com identidades falsas.
Este grupo, cada um constituído por uma dúzia de homens, movimentavam-se ao longo de toda a fronteira com a Tanzânia. Gozavam de total liberdade de movimentos e não custavam um centavo aos cofres públicos; caçavam e vendiam carne, tinham acampamentos, recebiam turistas americanos e europeus endinheiradas dispostos a pagar muito dinheiro por uns dias de emoção, traficavam marfim. Mas a verdadeira missão destes caçadores, que falavam os dialecos do Norte de Moçambique e alguns deles casados com as filhas dos régulos, era a recolha de informações - tão necessárias quanto a água para peixe. O general João Carrasco acabou com as brigadas de caça mal chegou a Moçambique. Quando os primeiros guerrilheiros passaram a fronteira e se instalaram e se instalaram numa aldeia do Planalto dos Macondes ninguém soube,
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General João Carrasco |
Primeiros ataques
A noite de 24 de Setembro, quinta-feira. caiu na região de Porto Amélia (Pemba), no Distrito de Cabo Delgado, Norte de Moçambique, com uma inclemente bátega de água. Era o início da época das chuvas. Às primeira horas da manhã de sexta-feira, o capitão José Verdasca, comandante de uma das companhias do Batalhão de Porto Amélia, formado por tropa nativa, é chamado ao gabinete do comandante . O tenente-coronel dá-lhe uma missão;"Reúna metade da companhia junte-lhe os serviços necessários e siga para Chai, onde o posto administrativo foi atacado por terroristas". E acrescenta: "O nosso general quer a situação resolvida em 15 dias", Verdasca já andava desconfiado com a preparação dos altos comandos militares para a guerra de guerrilha que ia em brasa em Angola e Guiné e acabara de eclodir em Moçambique. Depois de ouvir do seu tente-coronel as ordens do comandante-chefe, general João Carrasco, ficou esclarecido.
O capitão serviu no Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas, em Tancos, e fez um curso de guerra subversiva, no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego.
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Capitão Verdasca, a sua companhia foi a primeira Unidade a responder a um ataque da FRELIMO |
Uma centena de militares, sob o sob o comando do capitão Verdasca, iniciaram então uma viagem de duas centenas de quilómetros a caminho do Planalto dos Macondes. Além dele, apenas dois alferes milicianos, oito sargentos e oito cabos eram europeus - o resto da coluna era formado por nativos de várias etnias. Tinha 15 dias, de acordo com as ordens do general Carrasco, para aprisionar ou eliminar os guerrilheiros,pacificar a região e impedir novos ataques.
O ataque ao posto administrativo de Chai, junto ao Rio Messalo, levado a cabo na madrugada de 25 de Setembro de 1964, está inscrito na história da FRELIMO como a "primeira acção da guerra de libertação nacional".
Mas outros ataques já tinham ocorrido. Em 21 de Agosto, também no distrito de Cabo Delgado, segundo um relatório do Batalhão de Caçadores 558, um carro civil ocupado por colonos brancos é atacado na estrada, entre Mueda e Mocímboa da Praia, a tiros de canhangulo. Não há vítimas. Três dias depois, é atacada a missão protestante de Nangololo; um padre holandês cai assassinado a tiro. A FRELIMO nunca reivindicou estas duas acções; são atribuídas a grupos rebeldes dos dois partidos, a MANU e a UDENAMO, que deram origem àquele movimento independentista.
O ataque em Chai, no dia 25 foi precedido por três acções;corte de estradas nas zonas de Miteda, Nangololo, Muatide e Muindumbe; destruição de pontes em Mocímboa da Praia, Esposende (Sagal), Mueda, Nangade e Machoma; e sabotagem de linhas telefónicas.
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Rio Massalo, na região de Chai, distrito de Cabo Delgado |
A coluna do capitão Verdasca sai de Porto Amélia e chega à região ao final do dia 26, sábado.As primeiras informações são recolhidas em Macomia. Os cipaios, polícias recrutados entre nativos que serviram na tropa, conhecem a aldeia onde estão abrigados os guerrilheiros que atacaram Chai. O capitão Verdasca toma a povoação de assalto. Faz 39 prisioneiros sem disparar um único tiro; prende um chefe da guerrilha com dois anos de treino na China, um outro que fora graduado no Exército do Tanganica, meia dúzia de operacionais - e os restantes são moradores na aldeia que ajudaram os guerrilheiros.
Os prisioneiros conduzidos ao batalhão, em Porto Amélia, não chegaram a ser interrogados. Os altos comandos, convencidos que acabavam com a guerrilha pela força, nem sequer foram ao local fazer uma avaliação dos acontecimentos. O capitão Verdasca sabia que era necessário, a par da força, conquistar as populações para retirar apoio aos guerrilheiros.
"Apercebi-me da incompetência dos comandos, optei por uma actuação independente e desobedeci a ordens que me pareciam estúpidas" - recorda Verdasca. É punido com cinco dias de prisão. Recorde da pena. O processo arrasta-se. É colocado no quartel-general, em Lourenço Marques. Toma a decisão de pedir a demissão do quadro permanente.
Guerra alastra

A guerrilha tinha duas bases importantes para lá do rio Rovuma, na Tanzânia - em Mtwara e Nachingwea. Os guerrilheiros estabeleceram uma primeira linha de infiltração a Mueda, coração do Planalto dos Macondes, na província de Cabo Delgado. Quando a guerra estala, em 1964, o comandante-chefe é o general João Carrasco. Fica conhecido por querer ganhar a guerra com fósforos. Estava convencido de que se queimasse as aldeias indígenas as populações dispersavam e os guerrilheiros ficavam sem apoios.
A guerra tratava-se no extremo nordeste de Moçambique, mas o quartel general continuava alegremente instalado em Lourenço Marques, no outro extremo da colónia. O general Carrasco nunca chegou a perceber a mais importante manobra da contra-subversão; conquistar o apoio das populações. As acções violentas contra as aldeias indígenas tiveram o efeito contrário.A destruição concitou o ódio do povo maconde - que acabou por constituir a espinha dorsal da guerrilha.
Os primeiros guerrilheiros que entraram em Moçambique, em Agosto de 1964, vindos das bases de Mtawara e Nachingwea, não seriam mais que 50 homens. Tinham recebido treino na Argélia. Estavam divididos em três grupos . Um, comandado por Alberto Chipande, actuava entre Macomia e Porto Amélia. Outro,sob as ordens de Raimundo, instalou-se na região de Mueda. O terceiro, destinado a Montepuez, era comandado por António Saide.
Num instante a guerra alastra de Cabo Delgado à vizinha província do Niassa. Os guerrilheiros cavam então uma segunda linha de infiltração no Norte de Moçambique a partir da Tanzânia- na zona de Cóbué, em direcção a Sul. Em breve, entram na província de Tete, em Capoche, a partir da Zâmbia.A partir de 1965, a guerra já era intensa por todo o Norte de Moçambique |
Comandante- Chefe, general Carrasco, no Batalhão de Caçadores de Porto Amélia |
Operação no planalto
A primeira mina anti pessoal rebenta no dia 14 de Junho de 1965, na zona de Cóbué, no distrito do Niassa. Esta região, de resto, há-de ficar conhecida entre os combatentes portugueses como o "o estado de minas gerais". Que o diga o alferes António Gomes, sapador do Batalhão de Caçadores 598. Em dois anos de comissão detectou 460 minas.
As companhias que actuavam no Niassa temiam sobretudo as minas - antipessoais e anticarro. As bermas das picadas eram depósito de sucata retorcida.
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O alferes António Gomes do BCAÇ 598 |
No Planalto dos Macondes, no vizinho distrito de Cabo Delgado, as emboscadas eram o perigo que mais receava. O comandante-chefe de Moçambique, general Carrasco, lança nesta região a primeira grande acção militar em Moçambique - a Operação Águia, entre 2 de Junho e 6 de Setembro. Participam o Batalhão de Caçadores 588, o Batalhão de Caçadores de Nampula, o
Batalhão de Caçadores 729 e uma bateria de Artilharia.
A operação executada entre os rios Rovuma, na fronteira com a Tanzânia, e Messalo, tem como principal objectivo esmagar a guerrilha no Planalto dos Macondes. A ordem de operações manda" desenvolver uma actividade destinada simultaneamente a exercer uma acção de presença junto das populações, destruir os elementos armados que entre elas se acoitam, destruir instalações caracteristicamente terroristas., furtando assim aos bandos inimigos todo o apoio por parte das populações comprometidas ou não"
O dispositivo militar em Cabo Delgado estava centrado em Mueda. Foi a partir desta zona no coração do Planalto dos Macondes, onde se cruzam as estradas mais importantes do distrito de
Cabo Delgado, que a operação se desenvolveu.
As tropas movimentaram-se de início em três eixos de ataque sobre outros tantos objectivos; um sobre Nangololo; o outro em direcção a Mutamba; o terceiro sobre Mocímboa do Rovuma. Esta manobra foi executada pelo Batalhão de Caçadores 558 com o apoio de uma bateria de Artilharia. O Batalhão de Nampula parte de Namaúa com o objectivo de ocupar uma linha em direcção ao mar que passava por Esposende, Diaca e Malembe.Uma companhia do 558 marcha de Mutamba sobre Nangade, aonde ocorre o Batalhão de Caçadores 729 vindo de Pundanhar
Dez mortos
As forças portuguesas encontraram sérias dificuldades desde o início da ofensiva. Foram surpreendidas , segundo o relatório da operação, pelo "elevado número de emboscadas e de acções de flagelação". "Nos primeiros seis dias, as acções da guerrilha fizeram quatro mortos e 18 feridos".
A Força Aérea entra em acção no dia 8 de Julho - e descarrega bombas sobre Miteda, Nangololo e Muatide. Nem assim os guerrilheiros abrandam. Entre os dias 14 e 30 de Julho, as emboscadas sucedem-se um pouco por toda a zona de operação. Tombam em combate mais seis militares portugueses e 27 são evacuados com ferimentos graves.
As notícias que chegam ao quartel-general em Lourenço Marques, não são nada animadoras. Os relatórios enviados pelo comando da operação dão conta de "um inimigo numeroso, fortemente mentalizado, bem armado, que se habituara a actuar com relativa à-vontade na zona".
Ao contrário do que planeara o comandante-chefe, general carrasco, já não era possível desalojar os guerrilheiros do Planalto dos Macondes. Os portugueses tinham perdido a batalha da conquista da população - que prestava o inestimável apoio de que a guerrilha tanto necessitava; o povo do planalto era para os guerrilheiros como água para o peixe.
A partir do final de Julho, a Operação Águia foi perdendo intensidade. As unidades instalam aquartelamentos e passam a fazer batidas - até que a operação é dada como terminada em 6 de Setembro. Os resultados finais são modestos em comparação com os objectivos inicialmente pretendidos. JÁ então o Planalto dos Macondes é uma das mais duras zonas de toda a Guerra Colonial; os guerrilheiros são numerosos, estão bem armados e dispõem de bases importantes.
