8.6. Acordos Lusaka e os Partidos Oportunistas
Depois das várias diligências à busca de consenso a criação de um governo de transição e fixação da data de independência de Moçambique, as negociações de Lusaka marcaram o compromisso político entre os beligerantes, Decorridas de 5 a 7 de Setembro de 1974, as conversações removeram o maior obstáculo que ainda separava as duas partes, nomeadamente, a representatividade da FRELIMO, relativamente a todo povo moçambicano. Mas porque razões este assunto foi arrastado por muito tempo? As causas reais configuravam-se nas manobras de Spínola apoiado, entre tantos cabecilhas pró- coloniais , por Jorge Jardim, os quais procuravam, a todo o custo transformar Moçambique em neo-colónia portuguesa.
Entre os factores por detrás deta ronda negocial , merecem destaque, a coesão, a robustez e a clarividência da FRELIMO, adjectivos enriquecidos pela relevância da "Operação Omar), como foi dito, um feito da própria FRELIMO. As exigências coloniais à alegada representatividade da FRELIMO podem ser entendidas, entre outras formas, da análise da situação política desenhada para Moçambique, na década de 1970.
A este respeito destacam-se três forças políticas , nomeadamente "Os Duros do Regime"; "Os Autonomistas" e os "Oposicionistas". A sua característica principal, no caso dos primeiros, reside, como o próprio nome sugere, no endurecimento de posições colonialistas, não vergando perante ideias contrárias. A sua expressão mais visível era o Partido Acção Nacional Popular (ANP), antes União Nacional. O segundo grupo, resume-se nos proponentes das ideias de criação de uma DUI, encabeçado por Jorge Jardim, e o último, na defesa do federalismo, em que a FRELIMO estaria incluída. Esta última facção incluía alguns"nacionalistas inconfessos" que, inclusive,procuravam relacionamento são, com a FRELIMO. De entre os três grupos, o que me pareceu com maior protagonismo foi o dos Autonomistas, pois, como vimos, sob a liderança de JJ. como era tratado Jorge Jardim, já tinha criado fortes alicerces político e militares em Moçambique. Gozando desta reputação JJ procurou influenciar várias pessoas a criar uma corrente de pensamento independentista, ao seu estilo. Esta foi, na minha opinião, uma das armadilhas ideológicas com que a FRELIMO deparou em Lusaka,. Ao exigir representatividade, os seus mentores contavam com partidos que gravitavam em torno do ideário reaccionário,os quais, na hora da eventual aprovação do Referendo, iriam dar a cara, alegando ter legitimidade eleitoral, para concorrer ao lado da FRELIMO. São de se recordar as dúvidas do brigadeiro Hashim Mbita, já mencionadas. Estes partidos não passavam de verdadeiros oportunistas que, à semelhança dos abutres, não caçam, mas, procuram partilhar a caça efectuada por outros animais.
Aqui residem os fundamentos do Referendo, visando a criação do neocolonialismo no nosso país. De entre a série de movimentos"fabricados" ou incentivados pelo sistema colonial fascista, figuram o Gumo (antes FRECOM), liderado por Joana Simeão; Movimento Nacional Unificado de Moçambique (MONAUMO), chefiado por Domingos Cardoso; Movimento Moderado de Moçambique (MMM), de Hermínio Serra; Partido Democrático Afro-Lusitano, de Miguel Dantas; Partido de Coligação Nacional (PCN) de Uria Simango; Frente Independente de Convergência Nacional ou Frente Integracionista de Continuidade Ocidental, de Pires Moreira.Este cenário político em Moçambique orgulhava os seus mentores, pois neles viam robustecidos os seus argumentos em torno do Referendo. Envaidecido, um dos pilares do processo do neocolonialismo português para Moçambique, o General Costa Gomes, é citado como autor do seguinte palavreado, em Maio de 1974.
A FRELIMO, como qualquer partido emancipalista, pode estabelecer-se em Moçambique, desde que cesse com a guerrilha. É evidente que enquanto não cessar com as operações guerrilheiras, não podemos aceitá-la como partido.
Joana Simeão |
Joana Simeão foi recebida em Lisboa, a 3 de Agosto de 1974, pelo Presidente Português General António de Spínola, numa altura politicamente conturbada. Passavam dois dias do ataque ao Quartel de Omar e, na véspera (2 de Agosto), tinha havido uma ronda negocial entre Portugal e a FRELIMO, terminada sob um forte clima de tensão. Neste contexto, não coloco de lado a possibilidade deste encontro ter estado inserido nas "costuras políticas" em que estas duas figuras vinham mergulhadas, para contrariar a independência de Moçambique, sob a batuta da FRELIMO.
É de realçar que no dia 3 de Agosto, Spínola recebia o Secretário-Geral das Nações Unidas Kurt Waldheim, a quem terá manifestado a sua hipocrisia. No aeroporto de Lisboa Kurt Waldheim recebeu saudações de boas vindas de Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Este dirigente destacou o processo de descolonização em curso no seu país, catapultado pelo Golpe de 25 de Abril e, numa espécie de confissão, referiu que o seu governo estava pronto a recuar dezenas de anos para o cumprimento das recomendações da ONU. Sobre este assunto, disse o seguinte:
Como Vxº sabe houve uma viagem histórica na nossa política colonial, referindo-se à Lei 7/74 de 27 de Julho, que nos comprometeu solenemente no processo de descolonização. Agora estamos dispostos a coordenar realmente com a ONU e a chegar com o seu conselho a concretização deste processo. Faço votos para que a sua visita seja uma visita histórica.
Em retribuição às palavras de Soares, o Secretário Geral das Nações Unidas, depois de agradecer o convite endereçado pelas autoridades portuguesas, destacou três aspectos importantes, nomeadamente: 1) o regresso ao regime democrático no país; 2) a questão da descolonização; 3) a predisposição pessoal e das nações Unidas para o saneamento das dificuldades que surgiram no processo- Eis o excerto da sua intervenção:
Estou verdadeiramente feliz por estar em Portugal e, depois aproveitar esta oportunidade para expressar a V.Exª e ao seu governo a minha gratidão pelo seu amável convite que permite a minha visita oficial a Portugal. Grandes mudanças estão em curso neste País e estou confiante que elas ajudarão V.Exª, o Governo eo povo a resolver muitos dos vossos problenas. Desejo fazer especial referência às importantes recentes declarações do Presidente Spínola , que estou certo irão contribuir para solucionar muitos problemas, especialmente os respeitantes aos Territórios de África. Pode ter a certeza, senhor ministro, que as Nações Unidas e eu, faremos todo o possivel que esteja ao nosso alcance para ajudar a resolver este problema.
Nesse dia, o General António de Spínola ofereceu um almoço ao Secretário-Geral da ONU. A respeito da hipocrisia manifesta neste encontro e, à luz das suas intervenções anteriores, é de se conjecturar que o Presidente Spínola tenha camuflado as suas reais intenções neocolonialistas, particularmente em relação a Moçambique, em forte e íntima colaboração com Jorge Jardim. Com efeito, Spínola havia aceite integrar a Comissão do MFA, aliás, sem que partilhasse inteitamente das suas ideias progressivas, democráticas e anticoloniais, tendo inclusive, caluniado a esta Comissão. Chegou a atacar os democratas do MFA, apelidando-os de comunistas disfarçados, agido em coligação com os marxistas da FRELIMO, MPLA e PAIGC.
Para compreendermos como a FRELIMO conseguiu contornar esta série de obstáculos, vale a pena socorrermos-nos do pensamento do grande nacionalista africano, Amílcar Cabral, a respeito dos factores que facilitam a penetração do neocolonialismo em África. Citado por Julião Sousa, Cabral destaca cinco elementos: 1) as divisões reinantes no continente 2) as razões históricas, em alusão à natureza do imperialismo; 3) a debilidade dos próprios países africanos; 4) a ambição e o oportunismo de certos dirigentes; 5) a ausência de estudos cientificamente fundamentados sobre a realidade de cada país e continente.
À altura das negociações, a FRELIMO preenchia os "requisitos" exigidos por Amílcar Cabral, com maior ênfase para a coesão, robustez e a clarividência. Foi com base nesses pressupostos que a FRELIMO recusou-se redundamente a aceitar a proposta do Referendo, pois sabia claramente a armadilha que este inseria. Associado a estes elementos a FRELIMO tinha nas suas mãos, 137 soldados prisioneiros do assalto ao Quartel de Omar. Representavam, sem sombra de dúvidas, como se veria, um baralho de cartas que poderia jogar a qualquer momento, para arrancar a vitória neste jogo do Referendo. Foi assim que desapareceram muitos paridos oportunistas.
General Spínola, Presidente da República Portuguesa em 1974 |
Protestando contra as negociações de Lusaka, assistiu-se a violentos tumultos na cidade de Loureço Marques, tendo sido protagonista o Movimento de Livre de Moçambique (MLM). De igual modo, registaram-se ameaças de guerra, nos preparativos das cerimónias de celebração de independência Nacional, protagonizadas por Jorge Jardim. A maturidade política e a prontidão combativa da FRELIMO foram, mais uma vez, fundamentais para se evitar a retomada da guerra, face a estes acontecimentos.
Lusaka, 7 de Setembro de 1974. Machel a acusar o Coronel Nuno Lousada de traição. |
8.7. 1. Acção do Movimento Livre de Moçambique
No dia 6 de Setembro de 1974, eu estava em mais uma missão de busca do cessar-fogo local, em Montepuez. Essencialmente, esta missão tinha como objectivo transmitir aos guerrilheiros a necessidade de se parar com os ataques aos quartéis coloniais, bem como as emboscadas. Para o efeito, entrámos em contacto com Manuel Chitupila, que entretanto nos tinha emboscado, porém desactivou a emboscada quando se apercebeu que éramos nós, pois estávamos trajados a pingo de chuva.
A missão era constituída por mim, Salésio Nalyambipano (Chefe), Domingos Fondo, João Vinbambudi (Secretário), Cesário Nantimbo operador de Rádio (R-530 M). Estávamos hospedados no Palácio do Administrador local, António Pissara. Na madrugada do dia 8 tomámos conhecimento da rebelião que estava a acontecer na cidade de Lourenço Marques, protagonizada pelo Movimento Livre de Moçambique (MLM). Eram facções não representadas nos Acordos de Lusaka que, tendo ocupado a Rádio Clube de Moçambique e usando microfones, opunham-se à Independência Nacional. Soubemos que este acontecimento teria levado o Presidente Samora Machel a questionar ao Presidente de Portugal, General Spínola, se a guerra tinha ou não terminado. Em resposta, Spínola teria respondido positivamente, mas que ia provar isso pouco tempo depois. Com efeito, de modo a conter a rebelião, Spínola ordenou ao Comando da Região Militar de Moçambique para repôr a ordem e segurança na cidade de Lourenço Marques. Desta cidade enviou 2 aviões Nordatlas a Montepuez, a fim de levar o Batalhão de Comandos para Lourenço Marques.
Q Presidente Samora reagiu energicamente contra os tumultos, dando orientações para a retomada da guerra em todo o país. Com efeito, enviou uma mensagem ordenando que os combbatentes retomassem a guerra em todas as províncias. Nós, do Comando de Cabo Delgado, deveríamos regressar ao rio Lúrio e progredirmos até Nampula, como era nossa antiga pretensão. Ainda em Montepuez, o camarada Salésio recebeu a mensagem das mãos do nosso rádio-telegrafista, Cesário Nantimbo, tendo ido imediatamente à casa de banho, onde a leu. De volta, discretamente entregou-a a mim e,imediatamente, tive o mesmo procedimento. Eu passei-a ao camarada Domingos Fondo, que também teve, ironicamente, ironicamente, a necessidade de ir à casa de banho. Ficámos todos tristes!...
Esta mensagem tinha sido interceptada pelas Forças Armadas Portuguesas, cujo conteúdo era o seguinte: "Cabo Delgado, atravessar o rio Lúrio e introduzie a guerra na província de Nampula"
Os militares portugueses que interceptaram no QG em Nampula mensagem da FRELIMO , Da esqª para a dirª Cabo Cripto Pedro Silva, Capitão António Melo Carvalho e Cabo Cripto Victor Ferreira. |