INTRODUÇÃO
Paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Nangololo; Padre Jan Guilherme Meels |
Devido à morte do meu pai, em Maio de 1960, passei a residir, juntamente com a minha mãe, na zona de Kunajajalo, missão de Imbuho, sua terra natalícia, onde continuei a frequentar as aulas, desta vez, na Missão de Santa Teresinha do Menino Jesus do Imbuho, criada em 1940. Nesta, estudei a 2ª e 4ª Classe, tendo sido meus condiscípulos, entre tantos, da minha faixa etária, Agostinho Henriques Lidimu, Zacarias Lourenço, Victor Lourenço, Zacarias Julião, Marcos Mwashimwamba, Maria Ema Anshunala, Valério Fernando Anapulula, Martins Nkamati, Zacarias Nkamati, Lucas Vintam, Oreste Lucas, João Marino Focas e TeresaSimão.
Novo edifício da Missão de Santa Teresinha do Menino Jesus de Imbuho, O anterior, que funcionou até ao início da Luta Armada destruída |
O meu sonho de infância era o de ser padre, porém, este desiderato não se concretizou, porque vi-me na contingência de muito cedo contribuir para o sustento da minha família, já desprovida do seu chefe, como referi. Destarte, procurei seguir o professorado, a segunda opção profissional que se oferecia aos jovens do Planalto dos Makondes, em particular e, de Cabo Delgado, em geral. O curso de professor era leccionado na Missão de Santa Isabel de Chiúri Novo - Escola Normal de Formação de Professores Indígenas. Tomada a decisão de ingresso nesta missão e, chegado o diada viagem, o amor de mãe falou mais alto. A Dona Cristina não aceitou separar-se de mim, seu filhinho, tendo ficado com a minha mala, exactamente na hora do embarque no camião que nos levaria para a missão. Sem esta bagagem, o padre João Brunet, responsável pela nossa viagem, respeitando e conformando-se com o desejo da minha mãe, deixou-me em terra, tendo dito que "a tua mãe não quer que viajes, então vais ter que ficar!...".
Centro de Instrução de Bagamoyo |
Mohandas Karamchand Gandhi |
De 18 a 24 de Abril de 1955, realizou-se a conferência de Bandung, na Indonésia , um encontro que reuniu representantes de de 29 países asiáticos e africanos, cujo principal resultado foi a definição da política de não-alinhados, um posicionamento nem a favor, nem contra os dois blocos beligerantes da Guerra Fria. Tratava-se de uma experiência que viria a inspirar a política diplomática da FRELIMO, iniciada por Eduardo Chivambo Mondlane e continuada por Samora Moisés Machel. A propósito , na comunicação à imprensa, feita a 26 de Junho de 1964, a FRELIMO posicionou-se claramente, nos seguintes termos: " A Frente de Libertação de Moçambique adere ao espírito de Pan- Africanismo e da neutralidade da Guerra Fria".
Contrariamente, Portugal pautou pelo endurecimento de medidas políticas, ao quue se socorreu de subterfúgios político-jurídicos e religiosos. Politicamente, as décadas de 1950 e 1960 foram marcadas por várias incongruências por parte da corôa portuguesa, no seu relacionamento com as colónias. Por um lado, Portugal procurava justificar-se junto das Nações Unidas, como uma"Nação Portuguesa Vasta, mas Una, do Minho ao Timor" ; por outro, desenvolvia atitudes discriminatórias, recorrendo a aspectos como a origem ou não na metrópole e, à raça, no acesso à educação, saúde, emprego e participação política, entre outros domínios da vida quotidiana.
2.2. Situação política a nível nacional
2.2.1. Ventos nacionalistas na Circunscrição dos Makondes
Depois da invasão portuguesa ao Planalto dos Makondes, esta região foi transformada em território agrícola para produtos de exportação. tais como sisal e o algodão, tendo sido integrada,parcialmente, na Companhia do Niassa. Assim, a população passou a servir à industria têxtil em detrimento da agricultura familiar, em que entre os principais produtos figuravam, milho, mandioca, amendoim, gergelim e mapira. Os produtos acima eram a base de troca nas lojas locais, espalhadas por Cabo Delgado. bem como em algumas regiões transfronteiriças com o Tanganyka. Com os recursos pecuniários obtidos, especialmente aquele país, a população adquiria bicicleta e armas (mais conhecidas por espera pouco) e outros produtos industrializados, nomeadamente tecidos, açúcar, sal, etc....e ainda, fazia o pagamento de impostos.
A propósito de impostos ,refira-se que a implantação do sistema político-administrativo colonial no Planalto dos Makondesfoi bastante duro para as populações locais. O trabalho nas machambas de algodão, sisal e milho era pouco remunerado, o que exigia muito esforço na colecta do valor para pagamento do imposto, fixado na década de 1950, em Sessenta os (60$00), por adulto. O Quilo do milho era vendido a Vinte Centavos ($20). Este aspecto mostra que as populações tinham que de apresentar às lojas 300 quilos para atingirem o montante acima exigido para o imposto. Assim, percorriam longas distâncias, cerca de 40 Kms transportando pesadas quantidades de milho. Outro exemplo era da venda de cabritos, avaliados em cento e vinte escudos (125$00),mas que aos criadores pagavam somente Dois Escudos e Cinquenta Centavos (2$50). O mesmo tipo de especulação acontecia na venda de galinhas e ovos.
As pessoas que por alguma razão não conseguissem pagar o imposto eram submetidas a várias sevícias; torturas nas cadeias, trabalho forçado, extorsões de bens alimentares, como galinhas e outros bens, atitude praticada pelos sipaios, régulos, entre os demais agentes do regime. A respeito das sevícias, de forma melancólica, a quase centenária Cristina Madidi, minha mãe, afirmou o seguinte:
No período colonial, tivemos uma vida dera e humilhante. Não éramos considerados pessoas, mas sim macacos. Tínhamos de vender milho e amendoim para conseguirmos dinheiro para o pagamento de impostos. Ainda retenho na memória imagens de pessoas perfiladas, homens e mulheres amarrados, levados para a cadeia de Mueda, alegadamente por terem-se furtado ao pagamento do imposto. De modo a nos identificarmos como não refractários, produzíamos colares, em que amarrávamos um pedaço de bambu, contendo a senha que confirmava o pagamento de imposto e circulávamos ruas com isso. Era assim que prcedíamos, para evitar os
incómodos dos sipaios. Aliás, o mesmo acontecia com o sti sha masikeli. (Imposto de bicicleta), em que se pendurava o comprovativo no garfo dianteiro do quadro da bicicleta.
A entrevista a Cristina Madidi foi feita em Mueda a 10 de Março de 2018
António André Chukumene, meu primo, contribuindo na busca de memórias. referiu que os refractários eram encaminhados para o trabalho forçado, em MPanga, Mocímboa da Praia, na abertura de estradas e plantação de sisal, por um período de 6 messes. Acrescentou que mais tarde as mulheres deixaram de pagar imposto, tendo asseverado que, em caso de fuga dos incumpridores, os seus parentes, especialmente maridos, esposas e filhos, eram encaminhados para a cadeia. Tratava-se, na verdade, de uma forma de pressionar os fugitivos a apresentarem-se novamente às autoridades administrativas.
Entrevista a António Chukumene realizada em Nangololo, Muidumbe, a 13 de Março de 2018
António André Chikumene |
Musssa Chilangade Pilimita, ancião que em 1968 recebeu o Presidente Eduardo Mondlane, aquando da sua visita às Zonas Libertadas, especificamente aos povoado de Chlindi, afiançou que o cultivo do algodão servia para a aquisição de dinheiro destinado ao pagamento do imposto. A mesma fonte acrescentou, ainda, que havia casos de refractários submetidos ao cultivo forçado deste produto na Sociedade Algodoeira do Sagal.
Entrevista a Pilimita realizada em Chilindi, a 9 de Março de 2018
Referindo-se às humilhações apontadas por Cristina Madidi, o velho Pilimita frisou que as autoridades coloniais, na sua política de"dividir para reinar", chegaram ao extremo de desencorajar casamentos entre indivíduos de povoados diferentes, tais como Mueda, Muidumbe, Nangade e NGapa (Mocímboa do Rovuma).
Com esta medida, pretendia-se controlar a expansão do movimento contestatário, cujo ideário ganhava contornos crescentes ao nível do Planalto dos Makondes. Adicionalmente, os cidadãos eram obrigados a trabalhar de graça, na abertura de estradas e, sempre que reclamassem, eram barbaramente castigados, alegadamente castigados, alegadamente por desobediência ao sistema colonial.
2.2.2. Principais reacções à exploração colonial
O movimento nacionalista do Planalto dos Makondes acabou por representar um marco histórico indelével na reacção ao sistema colonial em Moçambique. Como se referiu, depois da ocupação colonial portuguesa do Planalto, estabeleceu-se uma economia de plantações. A forte agressividade do regime colonial levou a que muitas pessoas abandonassem a região e atravessassem o rio Rovuma, para o Tangantika, fugindo do trabalho forçado, pagamento de pesados impostos e políticas discriminatórias, entre outras arbitrariedades. Por sinal estes, são os factores políticos e sociais, entre outros, que conduziram a massacre de Mueda. a 16 de Junho de 1960.
A par das questões acima elencadas, havia outro tipo de causas que obrigavam as populações a se deslocarem para Tanganyika, destacando-se a criminalidade. Com efeito, algumas pessoas saíam do Planalto fugindo da perseguição das autoridades administrativas coloniais, devido à prática de roubos, furtos, homicídios e rapto de esposas dos seus concidadãos. Convém realçar que estes aspectos consubstanciam os argumentos dos dirigentes da FRELIMO na análise das causas do desvio da conduta moral e deontológica, no seio dos guerrilheiros, como veremos adiante.
No que diz respeito à génese e desenvolvimento nacionalista do Planalto dos Makondes, são de salientar três grandes dimensões. A primeira, situa-se a nível associativo, a segunda, familiar e das lideranças políticas locais e, a última, na Diáspora. O associativismo político foi trazido pela Ligwilanilo, uma associação fundada nos finais dos anos 50, liderada por Mzee (significa velho. em Kadministrativacolonial. Diferentementeiswahili) Lázaro Jacob Nkavandame. Nela militaram, entre ouros, alguns cidadãos que se revelaram excelentes comandantes e dirigentes, tornando-se assim, figuras incontornáveis da história da Luta Armada de Libertação Nacional. São os casos de Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa.
A Ligwilanilo funcionava como uma associação de cultivo de algodão, mas, na essência, tinha um carácter nacionalista, pois dedicava-se, pois dedicava-se à mobilização de cidadãos para se rebelarem contra a ordem política e administrativa colonial. Diferentemente dos grandes centros urbanos, onde se podiam formar associações e actuar politicamente de forma discreta, a sua criação nos moldes agrícolas perseguia outros modelos de luta clandestina. Este modelo tinha sido aconselhado a Nkavandame por Julius Nyerere, Presidente do Tanganyka, considerando a grande dispersão da população rural e as consequentes dificuldades de militância política, face à vigilância política das autoridades coloniais. Não obstante as cautelas observadas, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado, (PIDE/DGS) descobriu a verdadeira actividade e objectivos desta associação, tendo retirado o seu líder (Nkavandame) de Mueda para Mariri, visando o seu desmantelamento.
Com vista a colmatar essa situação e perseguindo os mesmos objectivos, os membros passaram a compor-se em pequenas em pequenas associações agrícolas, congregando 25 membros cada, em que, mais uma vez, Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa militaram. Vale a pena referir que 25 era o número máximo admitido pelas autoridades coloniais. julgando que fosse suficiente para conseguir manter o controlo das actividades subversivas no Planalto de Mueda. Ultimamente, a memória popular a respeito do "Vinte e Cinco" remete mais à exploração agrícola das baixas de Mueda e, cada vez menos, ao carácter nacionalista por detrás da criação destas machambas. Propositadamente, 25 corresponde a importantes datas nacionais, "25 de Junho" e "25 de Setembro"!..
No Planalto dos Makondes assistiu-se a outras formas de luta clandestina, algumas com a participação de heróis nacionais, como Tomás Nduda e Romão Fernandes Farinha. Nduda, um exímio comissário político, operou na região de Nampanha, actual Distrito de Muidumbe, onde se infiltrou nos grupos coloniais de patrulhamento nocturno, alegadamente para efeitos de segurança. Na verdade, pretendia passar mensagens nacionalistas no seio da população. Por sua vez Farinha, actuou como professor na Missão de Nangololo, tendo proferido intervenções emocionantes, visando chamar a atenção dos alunos para o seu engajamento nos estudos. Na essência, fazia a mobilização destes para as causas nacionalistas.
O exemplo da luta clandestina mais badalado é o de formação de núcleos, com o objectivo de propagar as ideias da FRELIMO, e recrutar jovens para ingressarem nas suas fileiras. Este processo ocorreu em várias regiões do País, tendo havido porém, diferença entre as zonas urbanas e rurais. enquanto nas primeiras, os núcleos eram numericamente restrito (mínimo de 3 e máximo de 6); nas segundas, o número podia ser maior (25). No entanto, outros exemplos podem ser considerados, como o do Niassa, onde o número podia ser ligeiramente superior a 6 membros.
Ainda no caso das zonas urbanas, como da cidade de Lourenço Marques (actual Maputo), entre os 6 membros que acompanham um único núcleo, somente 3 deles é que se conheciam, por razões de segurança . Importa referir que, tanto em Lourenço Marques, Beira,Nampula, Quelimane, como noutras cidades e vilas, alguns combatentes da luta clandestina entrincheiraram-se nas organizações artístico-culturais e realizaram um trabalho brilhante. Constituem exemplos, no domínio na literatura, José Craveirinha, Marcelino dos Santos e Noémia de Sousa; nas artes plásticas Reinata Sadimba, Malagatana Valente Nguenha, entre outros.
Existiram outros modelos de luta na clandestinidade, como o de pescadores. Com efeito, referindo-se ao domínio da pescaria o Coronel na Reserva, Eusébio Raposo, meu companheiro de trincheira durante longos anos de luta, partilhou a sua experiência, salientando o seguinte:
Ingressei na FRELIMO em 1968. Tal se deveu a um pescador de Macuse (Zambézia), onde nasci e cresci, de nome Capece Kumba, que levava os jovens para o mar e sob pretexto da pescaria, os mobilizava para irem para a FRELIMO. Isso aconteceu comigo. Depois de anuir ao convite, foi ele quem me conduziu de Quelimane até Nsange no Malawi, onde me inscrevi na Representação da FRELIMO. Na altura. o representan era Binifácio Gruveta, coadjuvado por Ambrósio Labuquene. (Entrevista em Pemba a 13 de Março de 2018
Ao nível familiar e das lideranças políticas tradicionais, assistiu-se a fortes campanhas de sensibilização As pessoas acediam às mensagens radiofónicas de várias fontes, entre elas, A Voz da Revolução emitida pela FRELIMO e, replicavam-nas no seio das suas famílias, amigos e vizinhos.(Entrevista em Pemba a 13 de Março de 2018
Também merece destaque o papel da RÁDIO Moscovo, escutada em Moçambique, A qual "denunciava o fascismo, denunciava a opressão colonial, denunciava a opressão colonial,denunciava a discriminação racial, desfazia a teoria da missão civilizadora de Portugal e informava o que se passava nas Nações Unidas, sobre estas matérias.
A respeito do envolvimento das famílias, gostaria de partilhr depoimentos de dois camaradas da Luta Armada de Libertação Nacional.
Mugalla, frisou que:
Na sequência do ataque à Missão de Nangololo, em 1964, que resultou no assassinato do padre Daniel, refugiei-me juntamente com a minha família, na região de Xivone, Foi aqui onde um charman, ao serviço da FRELIMO, recrutou a mim e ao meu irmão para servirmos a comunidade local. Enquanto eu leccionava, o meu irmãoprestava cuidadosde saúde. Passadopouco tempo, eu seria encaminhado para Bagamoyo e depois para Nachingwea, a fim de receber preparação política-militar, ingressando, deste modo nas fileira da Luta Armada
Mugalla natural de Muatide, distrito de Muidumbe
Por sua vez, Simão, referiu o seguinte:
Depois de concluir a 4ª Classe, em 1964, fui colocado na Nova Missão de Xitolo, como professor, onde igualmente residia. Só que um dia, de visita à casa dos meus pais, em gozo de férias disciplinares, Simão Mabanda, meu pai, chamou-me secretamente para um canto da casa e exibiu-me um cartão. Ao perguntar-lhe do quese tratava, disse-me que era um cartão, e que a partir daquele momento eu deveria saber que era membro da MANU. Entendi rapidamente a mensagem, aliás, era professor! Na zona de Irimba, hoje Aldeia Pangero, andava um Charan, mais conhecido State Slaus, a vender cartões da MANU. o que concorreu para a minha rápida compreensão do recado transmitido pelo meu pai. Eis que em 1964 arrebenta a guerra, os padres abandonam a missão e nós fugimos para o mato. De volta à minha povoação não encontrei a família, porque também tinham abandonado a região. No dia 14 de Abril de 1965, apareceu-me um recrutador, conhecido por Kalatasse, que me mobilizou e conduziu-me ao Comando de Destacamento de Tete, situado a 10 Kms do Posto Administrativo de Diaca, onde recebo o primeiro treinamento. Aproveitando-se das minhas qualidades de professor, fui indicado secretário de Destacamento do Destacamento. Foi assim que ingressei na FRELIMO
Simão nascido em Diaca, distrito de Mocímboa da Praia
Quanto à Diáspora, importa sublinhar que depois de atravessarem o rio Rovuma, muitos concidadãos encontravam nos países vizinhos, como a Tanzânia e o Quénia, liberdades de associação, melhores condições de trabalho e de formação, o que provocou o êxodo de alguns moçambicanos. No que concerne a este assunto Dias e Guerreiro citados por Cavaco afirmam:
Vários outros negros me disseram que lhes agrada mais a maneira de ser dos ingleses, do que a nossa. Dizem que os ingleses ouvem as razões dos pretos, pesam as queixas e levam a tempo a tomar uma decisão. Os portugueses, não; zangam-se logo, berram muito e dão muita porrada.
José Luís Cabaço nascido em Lourenço Marques. Foi Ministro de Transportes e Comunicações e posteriormente Ministro da Informação nos Governos de Samora Machel
José Luís Cabaço |
Simon Ntshusha |
2.2.3. Massacre de Mueda
O Massacre de Mueda ocorreu a 16 de Junho de 1960. De entre os factores que explicam este acontecimento, destaca-se a contestação popular contra a ordem político-administrativa colonial portuguesa e as tentativas do regime, de ludibriar o sistema tradicional de defesa da populações locais.
No que se refere à contestação, faz-se referência a uma série de emissários a Mueda, idos de Dar-es-Salaam, de entre eles, Domingos (1957) Simon Kunkhengam Samuli e Tiago (1958) e Faustino Vanomba (1959). No entanto a prisão de Simon Ntshusha e do seu grupo, associada aos factores supracitados, foi a "gota de água" que precipitou o Massacre. Este argumento prennde-se com o facto de Faustino Vanomba e Kibiriti Diwane, terem sido presos a16 de Junho, quando exigiam a Independência Nacional e a libertação Simon Ntshusha, encarcerado no mês anterior, pela mesma causa.
O Presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, que a princípio não chegou a relacionar-se com Ntshusha, partilhou de forma indirecta da visão deste nacionalista, em dois aspectos. O primeiro é referente à visão deste nacionalista, em dois aspectos. O primeiro é referente à visão multiénica (para Mondlane, anti-étnica), e de dimensão nacional, tendo mostrado a sua inquietação pelo facto de os movimentos nacionalistas embrionários terem reflectido visões tribais. O segundo, é relativo ao uso da violência como alternativa incontornável para a conquista da Independência de Moçambique.
Com efeito, exteriorizando o seu pensamento, Mondlane enalteceu o uso da violência, associando-a, inclusivamente ao Massacre de Mueda, argumentando seguinte:
Estas manifestações, actuou como catalisador sobre a região e muitos daqueles que até então não tinham encarado bem o uso da violência, denunciavam agora a resistência pacífica como fútil
Comparando o Massacre de Mueda à série de reivindicações anteriores, havidas especialmentena Zona Sul do País, José Luís Cabaço destaca a primazia da consistência políticado idário nacionalista do Planalto dos Makondes.
Depois das greves nos caminhos de ferro de Moçambique, em 1947, no porto de Lourenço Marques, em 1949, os incidentes na açucareira de Xinavane, em 1954 e na pedreira de Goba, em 1954, a primeira manifestação reivindicativa de autonomia ocorreu em Cabo Delgado, norte de Moçambique, e que seria afogada em sangue, em 16 de Junho de 1960, em frente do edifício da administração de Mueda,
No tocante à ludibriação do sistema tradicional de defesa das comunidades locais, refira-se que a administração colonial portuguesa recorreu a uma estratégia que viria a apanharas populações de surpresa. Na prática, no Planalto, as populações tinham a tradição de andar providas de meios de suporte defesa, utilizando armas, tais como canhangulo, azagaias, catanas, facas, flechas, etc...adquiridos, em geral, na Tanzânia , em troca de produtos agro-pecuário, como foi referido.
Traindo o sistema de segurança, poucas semanas antes do Massacre, aos Domingos, alguns padres, sob pretexto da civilização, começaram a pregar para que as pessoas não andassem munidas de instrumentos contundentes. Assim, longe de se aperceberem desta traição, acataram as recomendações dos clérigos. As consequências desta situação manifestaram-se negativamente no dia 16 de Junho,pois as populações estavam completamente desarmadas. Contrariamente, o pelotão colonial que as massacrou, teria sido dizimado naquele dia.
A despeito deste massacre ter tido grandes repercussões a nível nacional e internacional, foi mantido em silêncio pelas autoridades coloniais, particularmente no seio das comunidades negras, aspecto facilitado pelo fraco acesso à informação, naquela época. Na esteira deste episódio, o Presidente Joaquim Chissano referiu que ele e Pascoal Mocumbi, ( Combatente da Luta Armada de Libertação Nacional. No período pós independência exerceu as funções de Director Provincial de Saúde na Província de Sofala, Ministro da Saúde e Primeiro-Ministro da República de Moçambique).
Local da mobilização popular para a reunião que culminou com o Massacre de Mueda |
Fotografia original do Massacre de Mueda |
Lino, antigo deputado da Assembleia Popular |
2,2,4 Meu ingresso na FRELIMO
Acabo de partilhar o que considero ter sido o cenário político-estratégico internacional e nacional que vinha formatando a minha personalidade na fase juvenil. Ademais, nos finais de 1963 e início de 1964, os efeitos da preparação da Luta Armada, fruto deste cenário, já se sentiam no Planalto. Os meus antigos professores, Alberto Joaquim Chipande, Raimundo Lourenço Pachinuapa e Simão Virgílio Minga, entre outros, tinham trocado o quadro e o giz, por armas do tipo MATTS (PPCH) que as exibiam nas nossas comunidades, em acções de mobilização.
Recordo-me que os camaradas Alberto Chipande, Raimundo Pachinuapa e Cândido Ayuba, vinham a Imbuho, às noites, onde se reuniam com o meu padrasto, Vintam Mbau, que era um chairman, para traçarem estratégias de mobilização e recrutamento de jovens. Eu e o meu irmão Mauro Damião fingíamos estar a dormir e a não acompanhar as suas conversas, mas, na verdade, captávamos tudo.
Os guerrilheiros traziam armas, cujos canos tinham vários furos lateralmente, e eles diziam que as balas saíam por aquelas perfurações. Calçavam botas grandes, conhecidas localmente por"Ben Bella", em alusão ao Presidente da Argélia, Mohamed Ahmed Ben Bella, que as tinha oferecido à FRELIMO. Era motivo de admiração para a juventude e, sobretudo cobiça, de um dia sermos portadores delas. Já adultos, compreendemos que a informação sobre as armas não correspondia à verdade, mas também, passámos a entender que os emissários procuravam transmitir-nos mensagens de coragem e valentia.
De um modo geral, as investidas dos guerrilheiros na região de Imbuho servira de estímulo à juventude, a qual se ia aliando directamente à Luta Armada. Depois de iniciar a Luta Armada, lembro-me de uma emboscada contra soldados portugueses, na zona de Lipanyangule, entre a Missão de Imbuho e Namaua, na qual, entre outros guerrilheiros, estava Alberto Chipande. Outro acontecimento ocorreu na aldeia de Shilangolo, às 6.00 horas, entre 8 e 9 de Dezembro de 1964, protagonizado pela tropa colonial, tendo consistido no cerco e bombardeamento à base de Namachude (a distância entra a base de Nammachude e a aldeia de Shilangoloé de cerca de 6Kms). perto da aldeia Kunananguvo, empregando 2 bombardeiros Havards T-6
Nas altura da aproximação de uma das aeronaves, orientei aos meus familiares, nomeadamente a minha mãe, padrasto e irmão, para aplacarem, enquanto me mantinha de pé, observando os movimentos das aeronaves, Importa notar o facto de, ainda em criança, ter tido a capacidade de contrapor à intenção da aviação, o que na minha opinião só pode ter reflectido o espírito guerreiro que caracteriza os Makondes.
Um dos aviões foi abatido, num sábado, por um popular de nome Afonso, membro da Youth League (miliciano), da Brandh de Mwanako, pertencente à jurisdição do chairman Simão Simon Silasi. Afonso, a partir de um xitala (alpendre), usou um canhangulo (espera pouco) com o qual atingiu a asa direita da aeronave. Quando a mesma caiu, os populares recolheram as raízes dos arbustos arrancados no embate, pois acreditavam no mito de que eram propícias para armadilhar gazelas. Refira-se que este é o primeiro avião derrubado durante a Luta Armada de Libertação Nacional.
Harvard, primeiro avião abatido durante a Luta Armada, em Imbuho. por um popular de nome Afonso, em 1964. |
Face ao recrudescimento da Luta Armada, o regime colonial intensificou o controlo da população, assim como o recrutamento de jovens para as suas fileiras. Numa espécie de "caça ao homem", procurava capturar todos os jovens da minha aldeia, o que me pode conduzir a evocar, ainda que não taxativamente, o postulado bíblico relativo à "caça" de Jesus Cristo pelo Rei Herodes que, para o efeito, acabou matando várias crianças do sexo masculino, da idade de Cristo.
3. Génese e Desenvolvimento da FRELIMO
3.1 Algumas organizações Políticas antes do surgimento da FRELIMO
A criação da FRELIMO e o início da Luta Armada de Libertação Nacional foram antecedidos pela existência de vários movimentos independentistas moçambicanos. Esta situação configura-se na resposta encontrada na altura, diante do outro, sofrimento do povo moçambicano, nos diferentes cantos deste País, vítima do colonialismo português. A caracterização comum de todos os movimentos, foi o facto de terem sido, por um lado, influenciados pela conjuntura política e geoestratégica internacional e, por outro, acolhidos pelos países vizinhos, onde o ambiente político era fértil e aberto.
Deste modo, a génese destes movimentos está associada , grosso modo, à promoção de ideais de liberdade e autodeterminação dos povos do mundo inteiro. De forma específica, ao nível da África Austral, o país que inicialmente contribuiu para a elevação da consciência nacionalista foi a África do Sul, onde surgiu o Congresso Nacional Africano (ANC), a 8 de Janeiro de 1912. Este movimento foi criado não necessariamente para exigir a independência, mas sim, a liberdade para a maioria da população negra e o fim de todas as formas de discriminação naquele país.
Além da África do Sul, contribuíram outros vizinhos, cujo colonizador, a Inglaterra, tina uma política pacifista, o que permitiu a muitos moçambicanos entrarem para "o mundo da política". Com o efeito, o desenvolvimento da economia das plantações e o início da industrialização na Tanzânia, Rodésia do Norte (Zambia), Rodésia do Sul (Zimbabwe) e Niassalândia (Malawi), acicataram o êxodo de moçambicanos para estes países.
Na Tanzânia, por exemplo, desenvolvia-se plantações de milho, sisal e amendoim, na Província de Mtwara, em regiões como Newala, Massassi e Mikindani, actividades que atraíram uma grande parte de moçambicanos. Nesta última praticava-se , predominantemente, a actividade piscatória. Obtinham dinheiro, como referi, para a aquisição de produtos que escasseavam no Planalto de Muueda, bem como para o pagamento do dote (mali) (pagamento de dote à família da noiva). Depois de cumprirem esta função ritualística, as armas eram empregues na caça.
O relativo clima de tranquilidade política nestes países, caracterizado pela abertura governamental pata a formação de associações e de movimentos políticos, impulsionou os moçambicanos a formarem os seus movimentos independentistas, Foi assim que em 1920, na Àfrica do Sul , surgiu o Congresso Nacional Africano de Moçambique, inspirado pelo ANC local. Militaram, entre outros, Jeremias Nhaca, João Tomás Chembene, José da Conceição Hobjana, Lindostrom Mathithe, Carlos Matsolo e Hassam Tricamo.
Por volta de 1946/47 surgiu, dentro do nosso País, a Organização Comunista de Moçambique (OCM), na qual figuravam como membros, João Mendes, Sobral Campos, Caciano Caldas, Henrique Beirão, e Maria Sofia Pomba Guerra. Este movimento tinha-se ramificado do Partido de Libertação de Moçambique, formado por cidadãos oriundos de Portugal. Todavia, por razões pouco claras, era considerado sem objectivos nacionalistas. Esta organização teve uma duração efémera, Porque a PIDE/DGS prendeu os seus membros.
Em data pouco precisa, foi criado um outro movimento de nome Congresso Nacional Africano de Moçambique. (MANC) sigla proveniente do inglês, Mozambique African National Congress, liderado por Kamba Simango, inspirado, igualmente, na experiência sul -africana,. De acordo com o Presidente Joaquim Chissano, o MANC "não teve muita repercussão e quase desapareceu muito cedo, apagado pelo aparecimento de novos movimentos a UDENAMO e a MANU.
Em 1958/59 surgiu em Dar-es-Sallam, a União Nacional Africana de Moçambique, (MANU) liderada por Mateus Mmole, integrando cidadãos como, Lourenço Milinga Milinga, Samuli Ndyankali e Daude Atupale.
No ano de 1960, emergiu, igualmente, em Dar-es-Sallam, a Associação dos Africanos de Moçambique (SAM), encabeçada por Simon Ntshusha. Devido à prisão deste e de outros correlegionários na antecâmara do Massacre de Mueda, esta associação teve desaparecimento precoce.
No mesmo ano, 1960, foi fundada a UUnião Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO) em Bulawayo, liderado por Adelino Guambe. Foram membros deste movimento, alguns cidadãos que se iriam tornar figuras de relevo na FRELIMO, tais como Uria Simango, Feliciano Gundana, Mariano Matsinha, João Mungumbe e Lopes Tembe.
EM 1960, igualmente, foi criada União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI), em Moatize, província de Tete, sob a liderança de Baltazar Changonga, Evaristo Gadaga e Inácio António Nunes.
Há ainda indicações de que por volta de 1960 surgiu outro Congresso Nacional Africano de Moçambique (MANCO ou MANC), na Zâmbia, tendo sido seus líderes , Peter Balamanja e Jeque Tundumula.
Em 1962 foi formada a Convenção do Povo de Moçambique (CPM), na cidade de Durban, sob a liderança e Dinis Monjane e Tomás Betulane Nhantumbo.
Estes movimentos foram surgindo desde a década de 1920, apesar de incorporarem valores nobres dos seus antepassados, pecavam por possuir bifurcações quanto aos objectivos nacionalistas. Houve, por isso, a necessidade de criação de um só movimento que aglutinasse os ideais e os anseios do povo moçambicano. Neste sentido, entende-se que estas formações políticas viriam a "descarregar" as suas visões num único embrião, cuja gestação deu origem à FRELIMO.
Assim, diante destes aspectos, oferece-se inferir que a FRELIMO é o produto da congregação dos seguintes factores:
-Tomada de consciência do povo moçambicano sobre a necessidade da sua libertação do jugo colonial. - Amadurecimento do ideário nacional, que se se tornou favorável à liberdade e à independência - Irredutibilidade do regime colonial português,
3.2. Constituição e Estruturação Político-Militar da FRELIMO
3.2. 1. Constituição e Estruturação Política
A origem geográfica da FRELIMO é envolta de um debate controverso, havendo, por um lado, afirmações que remetem a Acra e, por outro, argumentos que advogam Dar-es-Salamm, como berço do Moimento. O primeiro debate associado a dois dos três movimentos predominantes, que consubstanciaram a sua fusão, nomeadamente a MANU e a UDENAMO, aspecto referido por combatentes envolvidos na sua génese, entre outros, Lopes Temba Ndlana e João Munguambe. Estes sustentam que, em Junho de 1962, participaram da reunião do All Freedom Fighters (Congresso Pan - African, Laurence Mo), realizando em Acra, os cidadãos Adelino Guambe, Fanuel Mahluza e Calvino Mahlaieie, representando a UDENAMO e, por parte da MANU, Mathew Mmole, Laurence Milinga Milinga, Samuli Diankali e Daude Atupale.
No término do encontro, ainda em Acra, Adelino Guambe, falando numa conferência de imprensa, anunciou a criação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Esta notícia, veiculada por agências noticiosas internacionais, teve grandes repercussões no mundo. Refira-se que nesta mesma altura estava em preparação a reunião da Comissão Constitutiva da FRELIMO, a qual ainda não tinha tomado qualquer decisão sobre o nome do movimento a sair da fusão da MANU, UDENAMO e UNAMI. no entanto, acabaria por adoptá-o na Conferência Constitutiva, realizada em Dar-es-SALLAM, a 25 de Junho de 1962.
A segunda tese, verossímil, tem como paladino Joaquim Chissano, que entrou neste debate procurando esclarecer que a FRELIMO teve origem em Dar-es-Sallam. O anúncio deste nome em Acra, de forma precipitada, na sua óptica, visava o protagonismo por parte dos seus actores:
Quando ele (Eduardo Mondlane) chegou a Dar-es-Sallam, Guame e Mole estavam em Acra, Gana, convidados para uma reunião de Partidos Políticos , em Maio /1962). Mondlane teve que esperar pelo regresso deles. Mas, sabendo que havia um debate sobre a unificação dos movimentos de libertação, Guambe e Mole quiseram "puxar o tapete" e assinaram à pressas um documento de criação da FRELIMO, em Acra. E acrescenta (...) Portanto, é falso dizer que a Frente de Libertação de Moçambique foi formado em Acra. É formada em Dar-es-Sallam, porque os próprios concordaram em enviar as suas delegações para debaterem a unificação dos movimentos. E na verdade debateram e só a 25 de Junho é que se chegou a conclusão de formar a Frente de Libertação de Moçambique.
De modo a legitimar o surgimento da FRELIMO, realizou-se de 23 a 28 de Setembro de 1962, o I Congresso, evento no Hotel Arnatouglu, em Dar-es-Salamm, a mesma estância turística que acolheu a sua Conferência Constitutiva. O Congresso foi um acontecimento deveras importante, porquanto definiu a imperiosidade da Luta Armada como alternativa principal para a libertação do povo moçambicano do jugo colonial. Para a prossecução deste desiderato, criou uma força militar como seu braço armado, que viria a ser designado Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM)
Membros do Comité Central saídos do I Congresso
1) Eduardo Mondlane - Presidente da FRELIMO2) Uria Simango - Vice- Presidente
Amílcar Cabral. Presidente do PAIGC (GUINÉ) |
Em primeiro plano: Filipe Samuel Magaia |
Gabriel Simbine, à direita |
De facto, como Mondlane explicou aos participantes do II Congresso da FRELIMO, o governo tanzaniano cedeu-nos espaço no seu território para a formação dos guerrilheiros, tendo sido Bagamoyo, criado em Agosto de 1963, o nosso primeiro campo de treino político-militar. Depois de garantido este lugar, seguiu-se ao recrutamento cada vez massivo de guerrilheiros, em todo o País, estabelecendo-se o mínimo de condições para o início da Luta Armada. Bagamoyo seria substituído pelo Campo de Instrução Militar de Kongwa, em 1964. Em 1965 veio a ser criado o Centro de Preparação Político-Militar de Nachingwea, aproximando-se o comando político-militar ao nosso País, porém mantendo-se o comando político-diplomático, em Dae-es-Salaam.
3.2.3. Início da Luta Armada
No âmbito da preparação das frentes de combate, os guerrilheiros foram distribuídos por quatro frentes, para acções de reconhecimento, nomeadamente, as províncias de Cabo Delgado, Niassa, Tete e Zambézia. A Frente de Cabo Delgado foi desdobrada em três grupos, ficando chefes de cada um deles, Raimundo Pachinuapa, para o Posto Administrativo de Muindumbe, Alberto Chipande , Posto Administrativo do Chai e António Saide (Denominava-se por Kwandingwele, ou seja, onde foi o macaco, não volta sem algo), tendo pernoitado em Namatili, a 1 de Agosto de 1964. A Frente do Niassa era chefiada por Daniel Polela, tendo Oavaldo Tazama, como Comandante-Adjunto. Integrava,entre outros combatentes, Mateus Bernabé Malipa, Henriques Calumbaíne e Casimiro Malibane.
A Frente de Tete esteve sob a chefia de Lemos Gouveia, Lucas Elias Kumato (adjunto) e integrava, entre os demais, Benedito Gouveia, Raúl Casal Ribeiro, António Delepa e Artur Fole. Por sua vez, a Frente da Zambézia era dirigida por António Silva e Tomé Joaquim Naculangue (Adjunto), incluindo Eduardo Silva Nihia, Miguel Ambrósio Makwadju, Alberto Chingamuka, Gonçalves Pindula, Jacinto Vitam, Eusébio Damas e os enfermeiros João Luís Cumbitse e David Sithoi, entre outros
Uma vez consolidadas as acções de reconhecimento da situação do inimigo, foi decretada a insurreição geral armada, a 25 de Setembro de 1964, na voz do Presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane.Antes, tinham sido indicados companheiros para contactar os diversos grupos, com vista a transmitir a orientação de Direcção da FRELIMO, a respeito da necessidade dese efectuar os disparos simultaneamente, de modo a criar-se um grande impacto a nível nacional e internacional, sobre o início da guerra em Moçambique.Assim, os mensageiros foram José António Chaúma, antes conhecido por José Chulu, para o grupo de Cabo Delgado, Bonifácio Gruveta (Zambézia) e Luís Pequenino (Niassa). A seguir, vide o texto integral sobre o início da Luta Armada em Moçambique.
Há registos segundo os quais o grupo da Frente da Zambézia não cumpriu a missão no dia estabelecido, devido à chegada relativamente tardia de Bonifácio Gruveta que só se juntou aos camaradas no dia 23 de Setembro. Gruveta, chegou a referir que o seu grupo efectuou um ataque em Lugela (Tacuane), a 24 de Setembro. Sem confirmar esta informação, Miguel Makwadju, integrante desta Frente, salienta que o seu grupo só conseguiu realizar um ataque, na noite de 1 para 2 de Outubro, cujo alvo foi Mongwe.
Na Zambézia, a Luta viria a ser interrompida em Junho de 1965, dada à relutância do Presidente malawiano, Hastings Kamuzu Banda, em se usar o seu território para trânsito dos guerrilheiros, tendo se recusado, inclusivamente, à petição do Presidente Eduardo Mondlane. A este respeito do grupo do Niassa, há informações sobre intervenções nesse sentido, no dia 24 ou 25 de Setembro, tais como, o corte de estradas, picadas e linhas telefónicas, assim como o ataque ao Posto Administrativo de Cóbué. Sustenta-se igualmente, que no dia 26 foi atacada a lancha Castor, aportada na Base Naval de Metangula, uma operação comandada por Osvaldo Tazama.
Relativamente ao grupo de Tete, refere-se que este partiu de Tunduma, região situada nas fronteiras entre Tanzânia, Zâmbia e Malawi, concretamente em Mbangwe, onde foi recebido ppor Dique Gaspar, então tesoureiro da FRELIMO. há referência a um ataque dirigido por Gouveia, em Charre. Porém, outras fontes afirmam que tal não chegou a acontecer, pois, os combatentes foram descobertos pela tropa colonial, antes de qualquer acção. Caíram numa emboscada, em que o camarada Artur Fole ficou ferido numa perna. Este, capturado pelo inimigo, em Doa, foi amarrado a um Jeep e arrastado até à morte. Aliás, foi nas mesmas circunstâncias em que o camarada Milagre Mabote perdeu a vida. Este, num Jeep Willys, foi arrastado da aldeia de Chiulica, até ao Posto Administrativo de Maniamba, Província do Niassa.
A Frente de Tete viria a interromper a Luta devido às mesmas razões que as da Zambézia, ao que se acrescentou, o posicionamento considerado ambíguo tomado pelo , Kennth Kaunda Presidente Zambiano (Incialmente Kenneth Kaunda apoiou a nossa luta de forma bastante tímida, ainda que não se tivesse declarado inimigo da FRELIMO). temendo na altura, a retaliação de Portugal, no uso do porto da Beira, para transacções comerciais com o exterior. Observe-se que a Zâmbia era hospedeira da Mozambique Revolution Council (MORECO) designado mais tarde por Conselho Revolucionário de Moçambique (COREMO) e, tudo fez, em vão, para criar uma fusão entre este movimento e a FRELIMO. Sobre o fracasso de Tete , outras correntes adicionam a longa distância que separava a Frente, dos centros de reabastecimento logísticos. Esta foi reaberta a 8 de Março de 1968, tendo se mantido com sucesso, até à Independência Nacional, não obstante a continuidade de alguns problemas que tinham ditado o seu encerramento, especialmente deficiente relacionamento com o Malawi.
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No que concerne ao nosso inimigo,o sistema fascista português importa caracterizar, ainda que sumariamente, o seu nível de preparação no início da guerra nas colónias. Este aspecto é de suma importância pois, ajuda a compreender a natureza brutal dos métodos de guerra que o regime colonial adoptou, violando grave e sistematicamente os direitos humanos. Em todo o período da luta nas colónias, Portugal socorreu-se dos métodos organizativos, estratégias militares e financiamento da OTAN, na qual se tinha filiado em 1949. Antes da eclosão do conflito armado nas colónias, o seu conceito de guerra era o das "forças massificadas", voltando aos combates somente contra o seu vizinho e então "inimigo histórico", a Espanha. Porém, quando surgiu a Guerra Fria, passou a guiar-se pelo conceito de "forças aeronavais", colocando-se em prontidão combativa contra o bloco socialista.
Como referem Aniceto Simões e matos Gomes (militares portugueses) o início das independências dos países africanos terá alertado a Botelho Moniz, ministro da defesa português, (General português) que substituíra no cargo Santos Sousa, em 1958, a buscar novas reflexões sobre a organização militar do seu país. Sob pretexto de se precaver para os "novos tempos", Botelho Moniz chamou para si a experiência adquirida como adido militar em Washington.
Com efeito, no mesmo ano da sua nomeação, iniciou a modernização do exército: intensificou-se o envio de oficiais portugueses para frequentar cursos em Espanha (pára quedistas), Bélgica (pára-comandos) , EUA ( pilotos, Estado Maior, informações, ranger) Grã-Bretanha (informações, fuzileiros). na mesma toada, Moniz buscou os conhecimentos de guerrilha dos francesees, adquiridos aquando da guerra contra os argelinos, enviando para a Argélia, em 1959,duas missões militares, onde cursaram "Pacificação e guerrilha"
Reunido este manancial técnico-militar, Portugal expôs publicamente as suas acções combativas, ara enfrentar a guerra em África, ao alterar o seu conceito estratégico, em que já não era mais o Bloco Socialista a sua principal ameaça mas sim, os territórios ultramarinos (Directiva de 1960) A seguir, publicavam-se estudos sobre a guerra subversiva, com destaque para "O Exército na Guerra Subversiva", cujos volumes foram lançados em 1963 e 1966.
De acordo com David Martelo, na década de 1960, Portugal continuou a inspirar-se nos modelos teóricos franceses, tendo os aplicados na sua Academia Militar. Aqui a base da literatura era a trilogia de Jean Lartégury, "Os Centuriões; Os Pretorianos; Os Mercenários, que recria o ambiente das guerras francesas na Indochina e na Argélia!
Perante toda esta investida, a Direcção da FRELIMO organizou-se para contrariar esse conhecimento livresco, através da aplicação das experiências obtidas noutros horizontes, tais como, a China, Argélia, Egipto e URSS, alinhado-as com o conhecimento tradicional.
3.2.4. Evolução das Estruturas do Comando Político-Militar
As primeiras estruturas que criámos no interior do País, especificamente na Frente de Cabo Delgado, foram bases e destacamentos. Nesta Frente, abriu-se em 1965, a Base Central, também conhecida por Base Moçambique. Como ainda fosse de dimensão, foi tratada por destacamento. Era conhecida no seio da população por liguengue (guerrilheiro). Simão Vitgílio Minga acrescenta que se usava, igualmente a expressão madade para designar os guerrilheiros.
No mesmo período foi criado o Centro de Instrução de Lipelva, na baixa de Muidumbe. Este seria transferido para Nangade, passando a chamar-se Base Beira. A sua passagem para a zona planáltica é explicada por aspectos logísticos, sobretudo, os que se prendiam com a redução de distancia relativamente à fronteira do rio Rovuma, donde provinha todo o tipo de reabastecimento das nossas forças.
Na Frente do Niassa , a primeira base a ser criada foi a de Ntumbi, em Setembro de 1964. Tratava-se de uma base de concentração e desdobramento, que depois foi substituída pela Base Ngombe. Importa referir que a maior base que se viria a constituir em Niassa, foi Mbembe (Base Central), localizada numa caverna, entre Mandambúzi e Miandica.
No cômputo geral, com a criação das bases pretendia-se estabelecer posições de rectaguarda, reforçadas por aglomerados populacionais, os quais se viria a constituir em zonas semi- libertadas, a partir de 1965. A respeito desta última questão, o Departamento de Informação e Propaganda da FRELIMO, em 1966, anunciou o seguinte:
As províncias de Cabo Delgado e Niassa constituem hoje regiões semi-libertadas, onde a FRELIMO está estabelecendo o poder político-administrativo moçambicanos, procedendo a reorganização da economia, a criação de escolas, de hospitais, etc... Nestas províncias a FRELIMO está, em suma, a criar uma vida nova, em que o povo começa a assumir, ele próprio, as responsabilidades do seu destino.
Alunos nas zonas libertadas |
DE 1964 A 1966, A linha de comando político-militar das FPLMM possuía no seu topo, o Congresso e o Comité Central da FRELIMO, seguido pelo Departamento de Segurança e Defesa (DSD) que sua vez tinha sob a sua subordinação, os centros de formação político-militar e as bases centrais. Era assim que funcionava esta linha, enquanto a guerra recrudescia.
Refira-se, porém, que com o aumento do número de guerrilheiros e das áreas operativas tornou-se inevitável a criação de um órgão que pudesse imprimir maior vigor e eficácia às actividades político-militares. Foi neste contexto que se iniciou com a organização dos comandos, a nível central, provincial e sectorial.
3.2.4.1. A nível Central
De 1966 a 1972 estabeleceu-se uma estruturação substancia, procurando-se superar os desafios operacionais anteriores, que se resumiam na ineficácia do fluxo de informação, sabido que este é fulcral em quais quer intervenções militares. Presidente Eduardo Mondlane destacou três desafios, de entre os vários que existiam na organização inicial dos guerrilheiros da FRELIMO, nomeadamente. 1) a Estruturação Central de todo o Corpo Militar, 2) a Coordenação das Forças Armadas 3) o Abastecimento. Estes desafios eram realmente estruturantes e obedeciam, sobretudo, a uma hierarquia entre si, no sentido que não se podia resolver um, deixando-se os outros.
No que diz respeito à Estruturação Central de todo o Corpo Militar, esta acção surgiu da necessidade de se fazer face à inexistência, nos dois primeiros dois anos e meio do início e evolução da guerra, de um órgão central que comandasse, efectivamente, os guerrilheiros. Existia o Departamento de Segurança e Defesa( DSD), o qual tinha um chefe, nesse caso um Secretário, à semelhança dos outros secretariados. No entanto, em 1966/67 o Exército da FRELIMO já não tinha uma estrutura preparada à altura da evolução da guerra, com 8 milhomens. Cefeito, em 1968, justificando a necessidade da estruturação operada a partir de 1966, Samora Machel pronunciou-se nos seguintes termo:
Podemos afirmar que até Novembro de 1966 o Departamento de Defesa funcionou sem estrutura. Praticamente, todas as responsabilidades estavam incorporadas no Secretário do Departamento, chefe do DSD. Este sistema, Com o desenvolvimento da Luta revelou-se ineficaz: a partir de certa altu, um Gabinete de ra começou a fraquejar , porque era humanamente impossível ao Secretário do Departamento abarcar todas as tarefas relacionadas com a luta. É assim que em Janeiro e Junho de 1966, foi decidido numa reunião do DSD, em que participou o próprio secretário Filipe Samuel Magaia, que uma nova estrutura deveria ser criada.
A proposta inicial para a nova estrutura preconizava a criação de um "Conselho de Guerra" com ramificações no interior de Moçambique ao nível das províncias. Teria, certamente um Gabinete de Planificação quese chamaria por "Estado Maior" - o seu órgão operativo. Esta ideia por Magaia, (foi alvejado a tiro no dia 10 de Outubro de 1966, por Lourenço Matola, um camarada de trincheira e morreu na manhã do dia seguinte.) num debate em que ele própria envolveu alguns comandantes militares. Alberto Chipande, que esteve presente no encontro, referiu que Magaia pensou assim porque a Luta estava deveras avançada, necessitando de uma estrutura especializada e fortificada para organizar a logística e coordenar as operações.
Uma das medidas tomadas em 1966, tem que ver com a divisão do DSD em duas ramificações distintas, passando a existir, por um lado, o Departamento de Defesa (DD) e, por outro, o Departamento da Segurança (DS) De acordo com Samora Machel, o desmembramento do DSD visava a criação de maior eficácia na área da defesa, ao que se associavam, obviamente, as questões de segurança. Neste sentido, na relação com os factores que explicam esta divisão, Machel enumerou alguns desafios, tais como o reforço da disciplina militar, controlo das deserções, êxodo populacional, correcto enquadramento das raparigas nas fileiras dos combatentes e a definição clara das actividades produtivas dos combatentes. Buscando exemplos de constrangimentos com que a FRELIMO se deparava, Machel referiu-se acasos de indisciplina nos centros militares do exterior, nomeadamente, nos de Bagamoyo, Kongwa e Ilala, que se julgavam advirem da inexistência de uma política militar destinada à regulação de conflitos no seio dos comandantes, especificamente, face ao êxodo das populações para a Tanzânia.
Conforme Machel, ainda havia um elevado índice de deserções no interior do País, aspecto evidenciado pela enorme concentração de guerrilheiros nos postos fronteiriços de Songea, Tunduru, Mbeya e Mtwara. O "fenómeno deserções" era entendido como derivado da falta de controlo, aspecto que justificava, inclusivamente, os casos de venda de armas ao inimigo. Retenho na memória o caso de um guerrilheiro de nome Mutuka que saído da Base Beira, vendeu uma arma tipo AKM-70 a um preço irrisório, de 25$00, 4 latas de sardinha (Bom Amigo) e 4 latas de canned beef (carne enlatada)
Nessa perspectiva organizacional, foi criado um órgão central de comando, tendo sido proposto nomes, alguns nunca adoptados, tais como Estado Maior General, Conselho Nacional de Comando, Comité Executivo, Alto Comando, Conselho Nacional do Exército, Comando Nacional e Escala Nacional. No entanto, desta lista de nomes, a Escala Nacional foi a designação mais divulgada entre os combatentes, tendo os restantes "sobrevivido" em documentos oficiais, como se pode depreender. De acordo com Rafael Rohomoja, a Escala Nacional, tinha a seguinte composição de 1968 a 1974,
1. Samora - Machel Chefe do Departamento de Defesa2. Alberto Chipande - Chefe-Adjunto do Departamento de Defesa
Membros da Escala Nacional Vs Estado Maior General em Nachingwea |
Em Agosto de 1967, a nível central, foram criadas secções, integrando serviços operativos, tanto
no Departamento de Defesa (DD), como no Departamento de Segurança (DS). Deste modo, no DD
passamos a ter:
1) Operações
2) Recrutamento e Formação de Quadros 3) Logística 4) Reconhecimento 5) Comunicação e Transmissões 6) Administração 7) Finanças 8) Saúde 9) Comissário Político 10) Pessoal Por sua vez, no DS foram descentralizados os Serviços de Reconhecimento (SERECO) .
1) Comandante da Defesa Provincial
2) Comissário Político
3) Adjunto-Chefe do Departamento de Defesa Provincial (Chefe de Operações)
4) Chefe de Segurança
5) Chefe de Reconhecimento
6) Chefe da Artilharia
7) Chefe do Destacamento Feminino
A descentralização da linha de comando estendeu-se aos sectores operacionais, com o objectivo de reforçar a luta nas zonas de actuação do inimigo, ou seja, as povoações, o que fez emergir os comandos sectoriais. As frentes de Cabo Delgado e de Tete foram divididas em quatro sectores cada, e a do Niassa, inicialmente em duas regiões e depois em três.
Os sectores estavam delimitados, maioritariamente, por rios principais. Por exemplo, na Frente de Cabo Delgado, havia somente um único caso em que a estrada constituía o limite de referência. Assim, o Primeiro Sector era limitado, a Norte, pelo rio Rovuma; a Sul, pela Estrada Mocímboa da Praia -- Mueda; a Este, pelo Oceano Índico e; a Oeste, pela Província do Niassa. O Segundo Sector era limitado, a Norte, pela Estrada Mocímboa da Praia -- Mueda; a Sul, pelo rio Messalo; a Este, pelo Oceano Índico e; a Oeste pela Província do Niassa. O Terceiro Sector era limitado, a Norte, pelo rio Messalo; a Sul pelo rio Montepuez a Este pelo Oceano Índico e , a Oeste pela Província do Niassa. Finalmente o Quarto Sector era limitado, a Norte, pelo rio Montepuez; a Sul, pelo rio Lúrio; a Este, pelo Oceano Índico e; a Oeste, pela Província do Niassa,
As regiões da Frente do Niassa foram, Niassa ocidental e Niassa Orienta. Posteriormente, viria a ser criada a terceira região, designada Catur, mais conhecida por Niassa Austral.
Localização dos Sectores da FRELIMO em Cabo Delgado |
3.3. Desenvolvimento da Luta Armada
Na fase inicial da Luta, por vários factores, tivemos limitações no que se refere no que se refere ao equipamento bélico. De modo a inviabilizarmos o potencial do inimigo, no lugar de efectuarmos operações, como o ataque aos seus quartéis, apostávamos noutras estratégias. Realizávamos emboscadas e sabotagens, através da colocação de minas, obstruindo frequentemente as vias de acesso e infra-estruturas. Dentre os vários tipos de minas que usámos, destacam-se PDM (ANTI-ANFÍBIA), PMM e TM-46 (anti-carro) e POMZ (anti-grupo)
Estima-se que de Junho de 1965 a Junho de 1970, tenham sido colocadas pela FRELIMO, 5.290 minas, sendo que 1.894 foram accionadas. Data de 1965 o registo de accionamento ds primeiras minas pelo exército colonial português em Moçambique. A primeira foi accionada a 29 de Maio, em Nova Coimbra (Mitchumwa, Niassa) e, a outra, anti pessoal, no mês seguinte, a 14 de Junho, em Cóbué (Niassa). Na Frente de Cabo Delgado, a primeira mina foi accionada em 4 de Julho, em Nancatari e a segunda, anti-pessoal , a 10 de Outubro no Sagal, estrada Mueda-Mocímboa da Praia.
O tipo de pressão exercido sobre a tropa colonial faz-me recordar uma situação ocorrida na Frente de Tete, em que o inimigo reagiu ao encurralamento que fazíamos. Recorrendo a uma espécie de piada, um camarada nosso achou um panfleto atirado de um avião, com um texto que dizia o seguinte: "Vocês podem minar as estradas e impedir-nos de circular por elas, mas vamos a ver se serão capazes de minar o espaço aéreo, nós vamos começar a nos deslocar por ar"
Tipo de minas usadas pela FRELIMO |
A respeito do encurralamento do inimigo, José Moiane, antigo combatente, também fez um pronunciamento bastante elucidativo, recorrendo ao episódio de um soldado colonial , aparentemente esvairado, mas que, no fundo, minimizava a capacidade dos guerrilheiros. Esta atitude viria a custar a vida a este soldado. Referiu-se nos seguintes termos:
Nós vimo-nos forçados a minar o cruzamento entre Maniamba e Metangula. Foi nesse cruzamento onde foi vítima de minas um capitão colonial português apelidado de pelo nome de Fanfarrão.. Esse capitão era tão arrogante, mas tão arrogante de tal forma que chegou a dizer que não precisava de armas para acabar connosco e que era um desperdício gastar balas com guerrilheiros que podiam ser mortos à mão. Acabou morto por uma mina colocada por guerrilheiros, aqueles a quem dizia serem desprezíveis (...) O carro em que viajava foi lançado para o ar pela força da mina e, o fanfarrão ficou desfeito em pedaços.
De um modo geral , era pelas via das sabotagens que conseguíamos, contrapôr o potencial do exército colonial. Inicialmente tinha armamento mais moderno, como Panhards, Fogs, carros blindados ou "granadeiras", meios aéreos e marítimos e, usava ainda, abrigos fortificados,
Panhard |
No domínio da força aérea, Portugal recorreu a vários meios, tais como helicópteros Alouette II e Alouette III, assim como Puma. Quanto aos aviões, utilizou Harvar T6, Fiat G-91, Dornier DO-27, Nordatlas e C-47 para apoio de proximidade, reconhecimento do terreno e transporte, respectivamente.
Debruçando-se ainda sobre a capacidade militar do exército colonial e a resposta dada pela FRELIMO, Moiane acrescentou.
Depois da batalha que fiz referência em Mamdambuzi na Província do Niassa, os portugueses começaram a intensificar, inundando o espaço aéreo com os seus aviões Fiat, ao mesmo tempo que potenciavam os ataques com a Marinha de Guerra na via fluvial. eles bombardeavam tanto por via aérea como por via fluvial. Os nossos apelos foram ouvidos pela Direcção da FRELIMO e foi-nos enviado armamento, Reforçou-se o já existente e também armamento novo. Para além do reforço do material bélico, foi-nos enviado também um reforço em meios humanos num total de três companhias. Dessas três companhias, uma deveria ficar em Mepoxi, outra deveria ir para Catur e a outra ainda avançar para a Província da Zambézia.
O aperto que fazíamos sobre a tropa colonial, no uso das vias terrestres levou a que esta recorresse, às suas boas relações com o Malawi, para o reabastecimento dos seus meios aéreos e marítimos, ao longo de toda a costa lacustre do Niassa, do lado de Moçambique. Estas operações contaram com a intermediação de Jorge Jardim que era, inclusivamente, o cônsul português naquele país. Este aspecto foi-nos trazido por um desertor das Forças Armadas Portuguesas que, durante muito tempo, esteve ligado à logística de combustíveis.
Lancha de desembarque |
À semelhança do Niassa, na Frente de Cabo Delgado, a Luta ia progredindo com maior intensidade. Esta situação era facilitada pela natureza geoestratégica desta Província, com realce para a existência de mais e maiores bolsas populacionais, sabido serem vitais para as guerras de guerrilha. A grande aposta nas acções operativas consistia, igualmente, em sabotagem. Caracterizando a evolução operativa nesta Frente, Josefina Daniel traz a seguinte citação:
Nota-se que, em 1965, a situação político-militar na Frente de Cabo Delgado era de progressos, aina que tivesse retrocedido nos finais do mesmo ano. A racionalidade desta informação é testemunhada pelas constatações comuns, das partes beligerantes e ainda de missionários , Com efeito, em Janeiro de 1965, o Presidente Samora, em alusão à melhoria do ambiente político e militar, disse: "verificam-se sucessos imensos das nossas forças, que começam a actuar com bazookas, e peças, etc. Ampliam-se as zonas libertadas.
Por sua vez, o exército colonial justificaria a Operação Águia, salientando que com ela pretendia contrariar o sucesso que se registava na Frente de cabo Delgado, porque a "situação na zona era sintetizada do seguinte modo: Existência de um inimigo numeroso, fortemente mentalizado, bem armado, sem quaisquer privações ou restrições no emprego de munições e que se habituara a actuar com relativo à-vontade na zona"
De igual modo , o bispo D. José dos Santos Garcia, caracterizou os acontecimentos do mesmo ano, sublinhando que no "mês de Março, os ataques efectuados pelos rebeldes (guerrilheiros da FRELIMO) revelaram uma direcção inteligente e apresentam um armamento bom e eficaz"
Era este o fenómeno que incomodava o exército português, razão por que decidiu realizar operações de grande envergadura, tendo as baptizado por Águia e Limpeza. A primeira foi realizada em 2 de Julho de 1965 e, de acordo com a sua projecção, no primeiro mês teria como objectivo destruir as nossas bases. Esta operação estender-se-ia até 6 de Setembro do mesmo ano, com a finalidade de de demonstrar forças às nossas populações, situadas entre os rios Lúrio e Rovuma. A missão destruidora e, sobretudo, contrária aos direitos humanos, está reflectida na sua ordem de operações. Esta pretendia:
realizar uma nomadização contínua no tempo e tão vasta quanto possível no espaço, na área entre os rios Rovuma e Messalo e desenvolver uma actividade destinada simultaneamente a exercer uma acção de presença junto das populações, destruir os elementos a se acoitam, destruir os elementos armados que entre elas se acoitam, destruir instalações caracteristicamente terroristas, furtantp `do assim aos bandos inimigos todo o apoio por parte das populações, comprometidas ou não.
Na verdade, soubemos contrariar as estratégias do inimigo e imprimir maior ímpeto à Luta Armada, mercê do aumento de efectivos, dada a aderência de mais jovens e de particularmente mulheres, assim como do aumento de armamento. Doravante, a principal estratégia que passámos a utilizar, no lugar de atacar e recuar de imediato, passámos a atacar e ocupar. Enquanto isso, ia-se formando mais combatentes em várias especialidades, com particular enfoque para a artilharia.
Com efeito a 8 de Outubro de 1965, partiu um grupo de camaradas para Simferopole, na URSS, tendo regressado em Maio de 1966. Incluía, entre outros, Francisco Magumbwa, Raúl Casal Ribeiro, Artur Torohate, Erasmo Mulémbwe, Xavier Siiulila, Bernabé Kajika, Rui Fino Machado, José Simango, Jaime Amansi, Rafael Maguni, Matias Juma, Raimundo Simango, Inácio Murrebo, José Humberto, Fernando Mucavele, Domingos Fondo, Vicente Mahluza Mahluza Muyambo, Amândio Chongo, João Mangona, Cândido Jesse, Tobias Sigaúque, José António Sebastião, Alfredo Simango e Ernesto Sambo. Estes camaradas regressaram especializados no manejo de armamento sofisticado, como Canhão sem recuo 75 mm, Morteiro 82 mm e Metralhadora anti-aérea 12,7 mm (DCK)
3.3.1. Surgimento das Zonas Libertadas
A criação de estruturas organizativas no interior do País resultou da decisão do I Congresso da FRELIMO, visando o envolvimento de todo o povo moçambicano na luta multiforme pella conquista da Independência Nacional. Para o efeito,o Congresso mandatou o Comité Central para realizar uma profunda reflexão a respeito da situação política, económica e social, a nível de todo o País. Seguidamente, com os resultados desta acção, desenhar-se-ia um quadro político-estratégico que foi implementado através do Departamento de Organização do Interior (DOI).
Com o conhecimento da realidade social e política, tinha-se em vista encontrar mecanismos que permitissem uma rápida mobilização das populações, tendo em consideração as especfidades de cada camada social. Neste contexto, foram identificados três grupos, nomeadamente, os camponeses, os obreiros migratórios e o proletariado urbano. O primeiro, constituía a maioria esmagadora da população, vivendo sobretudo, nas zonas rurais; o segundo representa a população negra, que tinha domicilio permanente nas zonas rurais, derivado da mesma população camponesa, mas trabalhando nas minas de ouro, carvão e, nas plantações sul-africanas, assim como nas fazendas rodesianas. O último grupo compunha-se de trabalhadores em casas particulares dos colonos brancos e asiáticos e os estivadores dos portos.
O quadro político-estratégico saído desta reflexão recomendava a consideração do grupo de camponeses, como a plataforma da Luta Armada, aspecto que, segundo o Presidente Eduardo Mondlane, era fundamentado pelos "princípios modernos da luta revolucionária no terceiro mundo, em que a organização das massas camponesas mostrou-se a mais indicada". Esta permissiva assentava, entre outras dimensões, no facto destas estarem relativamente menos expostas à observação e vigilância permanente da máquina repressiva colonial.
Ainda relativamente ao grupo de camponeses, as estratégias incluíam o estímulo da sensibilidade ou aproximação às formas sociais de organização produtiva, cooperativas e associações, como aconteceu no Planalto de Mueda, com a participação de Mzee Lázaro Jacob Nkavandame, Jeremias Namashulua, Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa, entre outros nacionalista. Quanto aos obreiros migratórios, refira-se que muitos moçambicanos foram estimulados pela formação políticas nacionalistas dos países vizinhos, aspecto abordado na caracterização do movimento político que antecedeu à formação da FRELIMO. Ao nível dos proletários urbanos, ao lado dos intelectuais emergentes, o movimento nacionalista entrincheirou-se nas associações de auxílio-mútuo, nomeadamente as de índole juvenil, cultural, desportivo e religioso, de onde surgiram vários nacionalistas, tais como, no Sul, Eduardo Mondlane, Mateus Muthemba, Francisco Sumbane e Shaffrudin Kan e, no Centro, Samuel Dlhakama, Uria Simango e Silvério Nungu.
Como se sublinha no discurso de Mondlane, "só depois de se estabelecerem as condições sociais e políticas pelo Departamento da Organização no Interior que o Comité Central decide lançar o resto os programas de acção em cada região de Moçambique, culminando com a intervenção militar contra as forças armadas e policiais dos portugueses.
Em geral, foi esta a filosofia seguida pela FRELIMO, que o DOI actuou. permitindo que houvesse uma forte adesão à nossa Luta, envolvendo diferentes camadas sociais. Nas cidades e vilas crescia o movimento da luta clandestina, desfiando a PIDE/DGD. a qual respondia cruelmente, através de prisões em massa, assassinatos e desaparecimento de muitos concidadãos, muitos dos quais, até então, não se tem pista. DE igual modo, nas zonas rurais recrudescia o movimento nacionalista. Como realçou o Presidente Mondlane, em alusão à época:
Os jovens ingressam nas fileiras do Exército da FRELIMO, os mais velhos alistam-se nas milícias, o resto da população participa nos programa de apoio à Luta tais como a produção agrícola, o carregamento de material de guerra, de mantimentos e medicamentos, enquanto vigiam os movimentos do inimigo em toda a região.
É no contexto da valorização das zonas rurais, em quese insere o surgimento das Zonas Libertadas ea actividade significativa do DOI. Como foi referido, a partir dos anos de 1965 e 1966, os combatentes conheceram uma grande intensidade, sobretudo devido ao uso de bazookas,. Face ao abandono progressivo dos territórios por parte das instituições sócio-económicas e administrativas coloniais, impôs-se a criação de mecanismos de retenção imediata das populações. Era preciso repôr o funcionamento normal da vida de 8 mil habitantes, sob nosso controle, em Niassa e Cabo Delgado.
Estes pressupostos estão plasmados no relatório de 1968 do Departamento de Defesa, ao Comité Central, que temos vindo a citar. Neste sentido, Samora pronunciou-se nos seguintes termos:
1965, Janeiro: Verificaram-se sucessos imensos das nossas forças que começam a actuar com base em bazookas, peças, etc...Amplas regiões são libertas . Fim de 1965: Expulsão dos portugueses fez surgir problemas de alimentos, de medicamentos e vestuário. As populações não estão preparadas para aguentar e fogem para a Tanzânia.A saíde de populações cria problemas para os guerrilheiros.
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Supunha-se que os rendimentos adquiridos fossem em benefício dos camponeses e do desenvolvimento da L. Porém, em seguimento do espírito de ambicioso, Nkavandame chamou para si estas qualidades desabonatórias para a Luta Armada, usando o produto das vendas em proveito próprio.
4. Minha contribuição em Niassa e Masasi
O meu contributo para o sucesso da Luta Armada de Libertação de Nacional aconteceu à luz da decisão tomada em 1965, visando contrariar a ordem política-administrativa então vigente, a colonização. Com efeito, operei na Frente do Niassa (1966-1968) e em Masasi (1969-1971), expondo a minha juventude à guerra.
A minha contribuição consistia em servir o povo o povo moçambicano e a Pátria Amada, característica que ainda hoje me acompanha. O marco indelével da operacionalização deste desiderato reside na operação que comandei no ataque e assalto ao Quartel de Omar, a 1 de Agosto de 1974. Refira-se que esta data coincide com a pernoita neste local, a 1 de Agosto de 1964, do primeiro grupo de guerrilheiros, aquando da preparação do início daLuta Armada , em Cabo Delgado.
4.1. Frente do Niassa ( 1966-1968)
Uma vez iniciada a Luta, em 1964, foram realizadas campanhas massivas de sensibilização das populações para se juntarem à FRELIMO. De igual modo, procedeu-se ao aumento de efectivos. É de notar que esta Frente passou a ter um comando militar quando, em Março de 1965, se juntou ao grupo do início da Luta, o primeiro contingente dos 70 guerrilheiros, acompanhados por Filipe Samuel Magaia, Chefe do DDS e Samora Moisés Machel, responsável do Campo de Instrução Militar de Kongwa. O " Grupo 70" integrava, entre outros quadros, José Moiano e Sebastião Marcos Mabote.
O novo comando formado em Chiwindi, na fronteira entre Moçambique e Tanzânia, foi chefiada por Oswaldo Tazama e António da Silva, este, como Chefe de Operações. Faziam parte do comando José Moiano (Adjunto-Chefe de Operações e Chefe de Sabotagem) , Sebastião Mabote (Comissário Político), Jaime Dique ( Comissário-Político- Adjunto) e José Fernando Anapulula (Chefe de Material).
O segundo contingente que foi reforçar a Frente Niassa chegou em 1966 e era constituído pelo 1º Batalhão treinado em Nachingwea, o qual, por fim dos treinos fora dividido em três companhias. Eram comandadas, a primeira, por Matias Victor, a segunda, Mateus Aníbal Malichocho, e a terceiro, por Joaquim Mtamanga. As companhias foram ocupar a região Austral, a Base Mepochi e a região Oriental, respectivamente. Langa refere que, com a chegada deste grupo, intensificaram-se as operações de guerrilha, através do desencadeamento de várias acções militares, como sabotagens, emboscadas, ataques aos aquartelamentos coloniais, resultando em baixas humanas, destruição de equipamento e infra-estruturas militares portuguesas.
O terceiro contingente afecto à Frente Niassa chegou em Junho de 1966. Foi o 2º Batalhão, que deu lugar à formação de três companhias, comandadas por Lino Abrão, a primeira, por Eduardo Silva (também conhecido por Mtoto, que significa baixinho), a segunda, e Francisco Orlando Magumbwa, a terceira..
Eu fazia parte da 2ª Companhia, que tinha Alfredo Maria Manuel, como Comissário Político e Casimiro Chenjerani, Vice-Comissário Político. Nesta companhia, eu pertencia ao 2º Pelotão, comandado por Feito Tudo, tendo sido Vice-Comandante Xavier Laquimane. Integrava ainda, Agostinho Lagos Henriques Lidimu (Secretário), Benjamim Ervas Ndingwekwe (Chefe de Armazém) e Pascoal José Dimaka.
Marcha da 2ª Companhia do 2º Batalhão, a caminho da Frente do Niassa Oriental, partindo de Chamba - Tanzânia |
Segundo acontecimento:
Contorcendo-se com dores, o alvejado, Kilian, lançava enormes gritos, pronunciando palavras como: "Ajala nangu Kupela, leka ngumanyite, angunaide ku-ing ondo" que significa "i mãe, estou morrendo, se eu soubesse, não teria vindo à guerra". Nós, grupo dos "12 makondinhos", aconselhando-o dizíamos: "cala-te, na guerra morre-se e pode-se ficar ferido". este combatente foi enviado para tratamento na Tanzânia, onde viria a melhorar e mais tarde ficou instrutor do CPPM - Nachingwea.
Valentina Faquirá; em primeiro plano; Maria Namwedi; Armando Abel Assikala e uma criança órfã, na sede do Distrito de Nangade, em 1972 |
Armas expostas no Museu de Chai, Cabo Delgado |
As primeira rotas de distribuição de material, desde a chegada à Tanzânia e seu transporte pelo interior de Moçambique, obedeciam a vários pontos. Uma vez chegados aos portos da Tanzânia, passava, como é óbvio, por um processo de desalfandegamento. Neste processo, os nossos serviços administrativos entravam em acção, em alinhamento com os serviços migratórios e militares tanzanianos. De entre os combatentes que se distinguiram na logística, figuram Felisberto Vanchalangue e Fernando Juma. Este último granjeou a confiança do Presidente Samora Machel, pela sua dedicação a este trabalho de grande responsabilidade.
Guerrilheiros atravessando o rio Rovuma, utilizando um barco pneumático. |
Camião ZIL 130, descarregando material em Lukwika (Kisulu), naTanzânia |
Guerrilheiros transportando material de guerra, na frente de Cabo Delgado. |
5. Operação Nó Górdio
5.1. fundamentos Político. estratégicos da Operação
Nos finais da década de 1960, não obstante os avanços militares, as contradições no seio da FRELIMO tinham atingido níveis preocupantes. tendo se traduzido em assassinatos e deserções. Com efeito. a 9 de Maio de 1968, nos escritórios da Frelimo, em Dar-es-Salaam, foi selvaticamente agredido Mateus Sansão Muthemba, vindo a morrer a 9 de Junho do mesmo ano. Já no fim desse ano, a 22 de Dezembro, foi assassinado Paulo Samuel Kankhomba, na região de Mkunya, território tanzaniano junto ao rio Rovuma, quando este se preparava para entrar em Moçambique.
No início do ano seguinte, a 3 de Fevereiro de 1969, morreu também por assassinato, o Presidente Eduardo Mondlane, em Dar-es-Salaa.A Operação foi levada a cabo, de 1 de Julho a 6 de Agosto de 1970, tendo sido testemunhada, no primeiro dia, pelo seu mentor, o general e católico Kaúlaza de Arriaga. Refira-se que neste triste dia e indelével na memória de muitos guerrilheiros moçambicanos, o chefe máximo da Igreja Católica, Papa Paulo Vi, recebia no Vaticano, os guerrilheiros Marcelino dos Santos, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Este aspecto será analisado no capítulo sobre a Religião e a Luta Armada.
Kaúlza de Arriaga, de bengala, com o seu Estado Maior na Base Nampula |
Tropa colonial portuguesa em marcha |
Kaúlza de Arriaga, de visita ao quartel de Mueda |
6. Ofensiva Generalizada para todas as Frentes
6.1. Pressupostos Político-Estratégicos da Ofensiva
Os anos de 1971, 1972 e 1973 continuaram a ser bastante violentos no "teatro de operações". Por um lado, o regime colonial pretendia ainda salvar a honra já perdida na Operação Nó Górdio e, por outro, a FRELIMO desdobrava-se na recuperação dos progressos da Luta, que tinham retrocedido devido a esta Operação. Para o efeito, a FRELIMO reforçou as suas estratégias no campo militar e intensificou os combates. O aspecto mais marcante foi o uso de acções combinadas, entre as especialidades de infantaria, comunicações e infantaria, em que esta última desempenhou um papel primordial.
Convém referir que, o quadro político-militar que se seguiu ao fim do Nó Górdio era de uma batalha ganha, porém, como é apanágio das guerras, tinha havido algumas baixas do nosso lado. Em 1972, o Departamento de Defesa efectuou um trabalho profundo nas regiões flageladas pela Operação, o qual foi classificado por "Estudo Sobre os Sub-Distritos".
Assim, de 1 a 12 de Março, decorreramestuos sobre Mueda, Negomano, Ngapa e Nangade, com o objectivo de avaliar o estágio geral da prontidão combativa. Constataram-se cenários desafiantes, caracterizados por falta de motivação de alguns comandantes nossos, fuga de guerrilheiros dos destacamentos, falta de roupa para os guerrilheiros e incumprimento do plano dos 3 combates por semana.
Do lado das populações, eventualmente devido à estratégia de "mata e esfola" utilizada por Kaúlza de Arriaga, notou-se que muitas deslocou-se à Tanzânia, a pretexto de visitas a familiares, não tinham regresso. Assistiu-se também, ao abandono de material de guerra carregado das fronteiras para as bases, mulheres que lamentavam falta de maridos, ausência generalizada de instrumentos de trabalho, como enxadas e catanas, ainda, a escassez desal e vestuário, assim como a infiltração massiva de agentes do inimigo.
Vivia-se, desta forma, uma situação de debilidade, tanto na Frente do Niassa, como na de Cabo Delgado. Contudo, estávamos imbuídos do espírito de vitória, o que nos galvanizou a desrnharmos estratégias de avanço da extensão da Luta para outras províncias. Foi com base nesta realidade que o Comité Central da FRELIMO, em Dezembro de 1972, tomou a decisão da realização da "Ofensiva Generalizada para todas as Frentes".
Presidente Samora Machel, mobilizando os guerrilheiros. |
Na sequência da Operação Nó Górdio, a FRELIMO decidiu reforçar algumas especialidades, efectivos e adquirir armamento mais sofisticado. Foi assim que em Março de 1972, fui enviado à URSS, no Centro de Instrução de Simferopole, localizado na Crimeia, Ucrânia. A minha integração no grupo é algo em emorável, pois eu não tinha sido seleccionado, mas no dia da viagem, o camarada que devia ir à formação, Cândido Mondlane, não se apresentou para o efeito. Estava a dormir, eventualmente exausto! Beneficiei do salvo - conduto que tinha, na sequência de uma viagem que fizera a Pyongyang, na Coreia do Norte, em 1971, na Conferência Internacional da Juventude, para representar a Juventude Moçambicana, tendo sido Chefe da delegação, Eduardo Coloma.
ILAÇÕES:
7 . Operação Omar
7.1. Contexto Político - Militar e Diplomático
A Ofensiva Generalizada para todas as Frentes, como foi referido, tinha sido a força motriz que a Direcção da FRELIMO encontrara para galvanizar a Luta Armada, depois do Nó Górdio. Porém, em torno deste desiderato, alguns desafios fizeram-se de forma inquietante, nos domínios político-militar, social e diplomático. Foi visando fazer face a este cenário, que a Direcção da FRELIMO encarregou-me pelo ataque ao Quartel de Omar/Namatili.
No domínio militar, os desafios manifestavam-se pela existência, no 1º Sector, de vários aquartelamentos coloniais de guarnição, instalados ao longo da margem direita do rio Rovuma, numa extensão de cerca de 265 Kms. Estes aquartelamentos formavam uma muralha, dificultando a travessia deste rio, aos guerrilheiros e a população, na introdução de material bélico para o interior de Moçambique, na evacuação de doentes para hospitais tanzanianos, assim como na comercialização dos seus produtos, na Tanzânia. Estes 8 aquartelamentos, localizados ao Norte do 1º Sector, distanciando entre si, cerca de 25 Kms, estavam situados nas povoações de Quionga, Nhica do Rovuma, Pundanhar, Nangade, Namatili/Omar, Mocímboa do Rovuma (Ngapa), Nazombe e Negomano.
Dispositivo militar português em Cabo Delgado em 1974 |
Presidente Eduardo Mondlane, ao lado de sua esposa Janet, de visita à Suécia |
Como a nossa independência, o principal pomo de discórdia com Portugal interessava, igualmente, a muitos povos e organizações amantes da paz, estes juntaram-se a nós e aceitaram colaborar na nossa Luta. Foi este aspecto que possibilitou o estabelecimento de representações nos seus países. De facto, auxiliados por organizações, como o Comité de Libertação da OUA. a Associação afro-Asiática e a Organização de Solidariedade Tri-Continental, criámos centros de representação em vários quadrantes estratégicos do Mundo. Entre eles, merecem destaque o de Dar-es-Sallam, Cairo, Lusaka, Argel, Nova Iorque, Moscovo, Estocolmo,é outrod
Atanásio Mtumuke,(1975) ostentando o casaco oferecido por Samora Machel, no aniversário natalício. em Nampula |
Atanásio Mtumuke, em 2019, exibindo o casaco oferecido por Samora Machel, em Maio de 1974 |
Armando Nkalimile recebendo das mãos do Presidente Samora Machel, a Bandeira de compromisso para a Operação Omar |
Felisberto Sambino Simo, Comandante da 2ª Companhia, recebendo das mãos do Presidente Samora Machel, a Bandeira de compromisso para a Operação Omar |
Avanço para a Operação
No dia 29, às 18 horas, todas as sub-unidades marcharam saindo do ponto de partida, zona de Chibabedi, onde estavam acampadas, em direcção ao alvo. A Supervisão e o Comando da Operação, estabelecidos na Base Beira, partirautonomiados guerrilheiros e das populaçõesam na mesma altura que as sub-unidades e, chegados à região de Machokwe, desmembraram-se. Uma companhia protegeu o Posto deSupervisão, onde estavam Alberto Chipande e Salésio Nalyammpipano. As restantes 4, juntamente com o meu comando, continuámos a marcha até à zona de Chilindi, onde chegámos no dia 31, às 12 hora.
Em Chilindi, fizemos o reajustamento das forças. A chegada àquela hora, fora propositada, pois i inimigo tinha o hábito de efectuar o patrulhamento da zona, retirando-se por volta das 11 horas,para almoçar no quartel. Nesta região de regulação, confeccionámos comida quente para garantir autonomia dos guerrilheiros e das populações, durante 24 horas. A nossa presença às 12 horas tinha em vista evitar que a fumaça produzida na cozedura dos alimentos fosse visível à distância. O mesmo acontecia em relação às vozes, em que pretendíamos evitar que estas estivessem ao alcance do inimigo. Aliás, a título de exemplo, um guerrilheiro fez um tiro, alegadamente involuntário .porém, por nossa sorte, o inimigo não se apercebeu do barulho, Relativamente a este guerrilheiro foram tomadas as devidas medidas.
Guerrilheiros na região de Chilindi, avançando para o combate |
Cerco ao Quartel de Omar
Atnásio Salvador Mtumuke á esqª e Armando Abel Assikala., Comandante e Comandante Adjunto da Operção, respectivamrnte. Noite de 31-07-1974 |
Depois da ordem de rendição dada por Assikala, e seu apelo à resposta ao VIVA FRELIMO (INAME FRELIMO), em jeito de exibição da sincronia entre os 734 guerrilheiros e 800 populares (que transportavam material de guerra para remuniciar) , associando ao júbilo pela magnífica vitória, estes gritaram, estrondosamente e em uníssono: INAAAAAMEE! Este grito matinal e sobre uma colina, ampliou-se vivamente, o que assustou o já amedrontado e atrofiado contingente colonial.
Guerrilheiros festejando o sucesso da Operação Omar |
Soldados portugueses capturados dirigindo-se ao Posto de Machokwea |
Em Machokwe, o camarada Chipande ordenou ao pelotão da escolta para prosseguir até a Mkunya. Visando quebrar o silêncio da marcha e, sobretudo, mostrar a justeza da luta da FRELIMO, os prisioneiros foram sendo sensibilizados sobre o sistema fascista-colonial português, como o nosso inimigo comum.
Salésio Teodoro Nalyambipano |
Atanásio Salvador Mtumukeà dirª interagindo com o Presidente Samora a propósito da Operação Omar. À esqª Joaquim Munhepe |
Prisioneiros tomando refeições em Ngapa |
7.3. Contra - ataque da tropa colonial
No decurso da comunicação com o Presidente Samora, que esta em Mkunya, informei-o, entre outras coisas que os soldados portugueses capturados já tinham ido ao "mato" e que estávamos nas posições. A minha conversa com o Presidente não chegou ao fim, devido à presença de um Dornier, avião de reconhecimento. No entanto, realcei que estávamos perante um prenúncio de um contra-ataque aéreo. Ainda assim, o Presidente Samora foi a tempo de proferir a seguinte expressão: "filho, toma conta da situação"
Dornier D.O-27 (Namanyalomba) |
De facto , o contra - ataque aéreo aconteceu. Logo a seguir ao Dornier, veio um par de aviões FIAT G-91, e cada avião lançou uma bomba napalm sobre o quartel de Omar. Os portugueses recorreram a esta táctica porque temiam os nossos mísseis terra-ar, Strella 2 M, ainda em posição de fogo. Face àquele tipo de incursão (voo rasante), não pudemos lançar os mísseis Strella 2 M.
Um popular vítima da bomba Napalm |
Importa referir que, no dia 3 de Agosto, já na Tanzânia, os 137 prisioneiros foram gentilmente recebidos pelo Presidente Samora Machel. A esse propósito, , o Alferes afirmou que "Samora Machel (...) fez questão de nos cumprimentar um por um. Esta atitude mostra, mais uma vez, o carácter humanitário que sempre norteou a política da FRELIMO.
Presidente Samora, em Mkunya, falando com os soldados capturados em Omar |
7.4. Depoimentos de algumas figuras do assalto
Esquema desenhado por Alf. Monteiro (25-6-2018) sobre o dispositivo do equipamento da guarnição do Quartel de Omar |
José Monteiro, conversando telefonicamente com Atanasio Mtumuke (25-06-2018) 44 anos depois da Operação Omar.: "Inimigos de ontem, amigos de hoje" |
José Monteiro à esqª e Fernando Dava, após a entrevista, Pombal, 25-6-2018 |
Oreste Simão e Eusébio Raposo, integrantes da Operação, concederam uma entrevista sobre este acontecimento memorável. A respeito da sua intervenção no domínio das comunicações. Oreste afirmou:
Eusébio Raposo, Chefe da Artilharia Terrestre |
Modesta Daniel, combatente e viúva de Assikala, revelou alguns episódios respeitantes ao assalto de Omar. Em relação ao texto da rendição, referiu que o seu esposo segredou-lhe que não conseguiu lê-lo, conforme estava previsto, devido à escuridão. Informou-lhe que recorreu à sua memória, pois tinha o lido várias vezes. Destaca, igualmente, o facto do marido não lhe ter dito a verdade relativamente à ida para esta missão. Modesta acrescentou, ainda o seguinte:
Armando Abel Assikala e sua esposa Modesta Daniel |
Manuel Bernardo Gondola |
Recepção dos guerrilheiros da Operação Omar, na Base Beira. Atanásio Mtumuke, na formatura, fazendo um breve informe sobre a Operação |
Chegados a este ponto oferece-se fazer algumas leituras. Ficou subjacente na abordagem deste assunto que o sucesso de uma operação militar depende de uma diversidade de factores, tais como:
ILAÇÔES
Canhão 8.8 capturado na Operação Omar |
FIAT G91 pintado com uma tinta anti-radiação para limitar a acção dos mísseis Srella |
Omar, 1 de Agosto de 1974. Aquartelamento da 1ª/BCAV 8421 |
8. Vislumbrar da Independência Nacional
A operação Omar foi antecedida e sucedida por um coquitel de acontecimentos que viriam a marcar o processo conducente à conquista da nossa liberdade. Refiro-me concretamente ao:
1) Posicionamento do MFA face à política ultramarina2) Rebeliões
8.3. Negociações Centrais e Locais
A partir dos finais do primeiro semestre de 1974, desfilaram várias negociações , em Lisboa, Lusaka, Dar-es-Salaam, Amesterdão, Mueda e Montepuez, estas duas últimas em Moçambique. Estas conversações visavam a aproximação dos beligerantes, relativamente ao fim da guerra. Portanto, existiram negociações encabeçadas pelo MFA Central, isto é, por emissários vindos ou representantes directos de Lisboa e as que eram da iniciativa dos comandos locais, entre interlocutores regionais e dos próprios quartéis coloniais.
8.3.1 Negociações Centrais
No que concerne às negociações, as primeiras movimentações neste sentido, tiveram lugar em Lusaka. Com efeito, a postura pouco clara manifestada por alguns membros integrantes da Junta de Salvação Nacional,foi considerada propensa às manobras de agentes internacionais atentos, ao conflito entre Portugal e as colónias, dispostos a tirar partido, à primeira oportunidade. Recorde-se o contexto da Guerra Fria, em que a nossa Luta decorria e os novos desenvolvimentos políticos na Áfrca Austral. Aqui destaca-se o regime do Apartheid, na África do Sul, e a DUI no Zimbabwe, em que seus agentes viam a nossa independência uma ameaça, cujos objectivos eram contrários ao racismo,tribalismo e todas as formas de segregação social, política,económica, cultural e religiosa, em voga naqueles países.
foi na sequência desta leitura que, antecipando a muitos países africanos, a Zâmbia manifestou a sua disponibilidade para a mediação das negociações entre FRELIMO e o Governo português e,, tomou as devidas diligências, directamente junto do Governo americano e indirectamente, através deste, junto do Governo Luso. Para o efeito, o Presidente Kaunda mandatou ao seu conselheiro Mark Choa, contactar a embaixadora americana na Zâmbia. A administração americana deveria advogar junto de António de Spínola, para este aceitar negociar com as colónias portuguesas.
Abrindo parêntesis, cabe aqui uma questão: por que os acordos viriam a ser assinados em Lusaka? Na Tanzânia havia refugiados e combatentes da FRELIMO, ANC, MPLA; SWAPO, ZANU, ZAPU. Por razões de segurança, entre outras, não era salutar levar o inimigo para o bastião de acolhimento dos movimentos de libertação!
Em Lusaka realizaram-se dois encontros, um, a 3 de Maio de 1974 e outro a 27, do mesmo mês. estas acções iam sendo coordenadas entre os Presidentes Kaunda e Nyerere com o Presidente Samora Machel que, entretanto, não tinha ainda feito diligências junto do novo Governo Português.~
Presidente Samora Machel, ladeado pelos presidentes Nyerere e Kenneth Kaunda |
A iniciativa negocial com a FRELIMO viria de Portugal, ao que parece, atravessando a ponte estabelecida pelos Governos zambiano e tanzaniano, alicerçado pela administração americana. Com efeito, o Secretário-Geral do Partido socialista Português, Mário Soares, teria endereçado um convite à FRELIMO, para um encontro em Bruxelas, no dia 6 de Maio de 1974. Porém, este seria rejeitado pela FRELIMO, por alegada falta de transparência do dirigente português . Ou seja, para a FRELIMO, não estava claro se Soares formulava o convite na sua qualidade de dirigente político ou de membro do Governo, ao que se lhe pediu, inclusivamente,que clarificasse a agenda do encontro. Sérgio Vieira resume a resposta da FRELIMO, do seguinte modo:
1. Que aceitamos com agrado um encontro com Mário doares
2. Que ignoramos a qualidade em que deseja encontrar-se connosco, se como: a. Secretário Geral do Partido Comunista Português, partido com quem mantemos relações amistosas? b. Ministro dos Negócios Estrangeiros, de uma potência com quem nos encontramos em guerra?
3. Que mesmo entre partidos amigos, para se reunirem, normalmente estabelece-se, por comum acordo, a agenda e igualmente, a data e o local do encontro.
4. Que, materialmente, e dada a distância a que nos encontrávamos de um aeroporto não podíamos estar em Bruxelas dois dias depois.
Após essa celeuma, o encontro entre as partes (FRELIMO Governo Português), teria lugar em Lusaka, um mês depois, a 6 de Junho de 1974, preparado para Zâmbia e a Tanzânia. Há indicações de ter havido outros contactos prévios, estabelecidos por Soares com alguns movimentos de libertação e líderes africanos, tais como:
1) PAIGC, em Conackri; 2) PAIGC, na pessoa de Aristides Pereira 3) Agostinho Neto, em Bruxelas 4) Comité de Libertação de África, em Londres 5) Comité de Libertação de África, na Holanda
As delegações a Lusaka eram encabeçadas, do lado da FRELIMO, por Samora Machel, integrando Joaquim Alberto Chissano, Mariano Matsinha, Óscar Monteiro, Saúl Mbaze, Jacinto Veloso, Guideon Ndobe, Fernando Honwana, Isabel Martins, Sérgio Vieira e Alberto Chipande. Do lado de Portugal, chefiava Mário Soares, acompanhado por Otelo Saraiva de Portugal e Casanova Ferreira. A delegação moçambicana tinha preparado as conversações, observando todos os pormenores protocolares, desde as saudações às intervenções, passando pela postura. Porém, tais procedimentos acabaram por não se observar, pois o chefe da delegação portuguesa quebrou o protocolo começando o encontro com um abraço ao Presidente Samora Machel. Para todos os efeitos, o gesto foi entendido como de criação de um bom ambiente para o início das negociações.
No que diz respeito aos aspectos essenciais desta ronda negocial, é de se destacar o facto de ter sido antecedida por uma orientação militar do Presidente Samora, que consistia na intensificação de acções combativas, até que viessem ordens de cessar-fogo, uma clara intenção de buscas de vantagens políticas. Recorde-se que neste período eu já tinha recebido a missão de preparar o assalto ao Quartel de Omar. A outra questão consistiu na clarificação de posições, em que a delegação moçambicana declarou que a discussão do cessar-fogo não podia nunca, se separar da resolução da causa que implicara o início da guerra. Tratava-se de uma posição inequívoca da FRELIMO, face às manobras da delegação portuguesa que, apesar de reconhecer a acusação que lhe era imputada, de que não vinha devidamente preparada para estas negociações, insistia em não aceitar a FRELIMO como o único e legítimo representante da luta do povo moçambicano pela sua independência.
Por sua vez, vendo-se incapaz de satisfazer este ponto, a posição da delegação portuguesa consistia no pedido de adiamento das negociações, para a realização de consultas junto do seu Governo. No entanto, mostrou-se preocupada com outros aspectos, entre eles, a continuidade da guerra, face às declarações de Samora. Refira-se que para o Governo Português, este encontro não significava " negociações de facto, mas ensaio de um balão de oxigénio. Na verdade, estava empenhado na montagem de armadilhas políticas em que esperava que a FRELIMO caísse - aceitando um Referendo. A este respeito, em 1979, volvidos 5 anos da ronda negocial, Melo Antunes concedeu uma entrevista ao Jornal Expresso, em que consta o seguinte:
Spínola ao enviar Mário Soares a Lusaka não tinha feito mais do que tentar ganhar tempo, como um manobra dilatória (...) um compasso de espera necessário à organização de reformas plíticas em Moçambique que apareceriam oportunamente no tabuleiro, a reclamar a representatividade no diálogo com Portugal; e simultaneamente, ao enfraquecimento do ardor combativo das forças guerrilheiras, naturalmente desejosas também de uma paz rápida.
Do ponto de vista político, estas conversações foram consideradas um autêntico fracasso. Realmente, não tinham sido criadas as bases profundas para um diálogo profícuo entre as partes. Reconhecendo este aspecto, a FRELIMO tomou medidas estratégicas, procurando no seio do novo Governo Português saído do golpe do 25 de Abril, personalidades capazes de agilizar o processo negocial, ora em curso. No que concerne a esta questão, Sérgio Vieira sublinhou que:
Na análise levada a cabo pela FRELIMO, sob a direcção de Samora Machel, após o fracasso das conversações de Junho de 1974, Lusaka I, deduziu-se que haveria em Portugal vários centros de poder e que importava detectar quem efectivamente, podia decidir sobre a questão da paz ou da guerra.
Foi na sequência desta compreensão que o Presidente Samora Machel enviou a Lisboa, o seu conselheiro Tomaz Aquino Messias de Bragança, mais conhecido por Aquino de Bragança. Constituíram seus facilitadores, alguns moçambicanos que residiam em Portugal, entre eles Prakash Ratilal, Hermenegildo Gamito, Murade Ali e Leite Vasconcelos. Terá sido este último quem, através da amizade que tinha com um jornalista português , augusto Carvalho, conduziu Aquino de Bragança a Melo Antunes.Com efeito, as diligências deste mandatado académico e político reconhecido internacionalmente, revelar-se-iam frutuosos.pois, Ernesto de Melo Antunes e Almeida Santos, viriam ser preponderantes, em todos os processos negociais subsequentes.
TomazAquino de Bragança |
Em decorrência dos contactos encetados por Bragança, no mês de Julho de 1974, houve negociações de carácter secreto, em Amesterdão, envolvendo José Óscar Monteiro, em representação da FRELIMO. Do lado de Portugal participaram alguns membros da Comissão Central do MFA , chefiados por Ernesto Melo Antunes, cuja delegação integrava Almeida Santos e o Embaixador Cunha Rego. A questão de fundo desta reunião foi a busca de consenso para a necessidade de se preparar cuidadosa e minuciosamente os encontros oficiais. Pretendia-se deste modo, criar maior transparência nos pontos de agenda, ultrapassando a situação que acontecera na reunião de Lusaka.
Matusse traz um excerto sobre os objectivos deste encontro, retirados da entrevista concedida por Melo Antunes, ao Expresso, a 17 de Fevereiro de 1979:
(...) tinha vista, em face do relativo malogro das conversações de Lusaka, assentar com a FRELIMO a metodologia mais conveniente para manutenção dos contactos, tendo-se chegado a conclusão que deveriam evitar-se mais encontros formais do tipo do "encontro de Lusaka", enquanto não se tivesse avançado na remoção dos obstáculos que permaneciam após aquele encontro.
Os meses de Julho e Agosto de 1974 foram caracterizados por negociações simultânea, entre a FRELIMO e o Governo Português, porém envolvendo separadamente, a Comissão Central do MFA, por um lado e, comandantes de alguns quartéis portugueses, em Moçambique, por outro. Ao nível do MFA realizaram-se três reuniões, em que a primeira aconteceu a 31 de Julho a 2 de Agosto, em Dar-es- Sallam, chefiada pelo capitão Melo Antunes. A segunda , foi de carácter secreto, chefiada igualmente por Antunes e, a terceira, teve lugar a 15 de Agosto, liderada por Mário Soares. Refira-se que Melo Antunes, acompanhado por Victor Crespo e Almeida Santos, chegou a Dar-es-Sallam, na tarde de 31 de Julho de 1974. No mesmo dia a delegação da FRELIMO, chefiada por Samora Machel, integrando Marcelino dos Santos, Joaquim Chissano, Jorge Rebelo, Óscar Monteiro e Armando Panguene, concentrava-se na capital tanzaniana. Na mesma data decorreu a primeira sessão de trabalho, das 19h30 minutos às 21h15 minutos.
A essa hora tínhamos cercado o quartel de Omar, aguardando pela madrugada do dia 1 de Agosto para o ataque, assalto e ocupação. É motivo para dizer que estávamos a cruzar duas frentes, por um lado a militar e, por, a político-diplomática, esta última que não era do meu conhecimento.
De acordo com Almeida Santos, paraaspectos, que colocariam este reunião, Melo Antunes tinha sido recomendado por Spínola a fazer uma série de concessões, mas salvaguardando dois aspectos que colocariam os moçambicanos numa condição de contínua dependência política de Portugal. De acordo com a proposta, deveria existir um período de transição de 4 a 5 anos e que o respectivo governo seria composto por três quartos de membros nomeados por Portugal e um quarto, designado pela FRELIMO.
A segunda reunião revestiu-se de um carácter secreto. O capitão Melo Antunes, acompanhado por Victor Crespo, encontrou-se com o Presidente Samora Machel, em Dar-es-Sallam, de quem recebeu a proposta do texto dos Acordos de Lusaka. Deste encontro depreendem-se duas leituras, complementares entre si. Uma, que evidencia o postulado português plasmado no Comunicado do MFA, pós golpe de 5 de Abril, o qual defendia claramente que o cessar-fogo dependia de uma solução política e não militar. A outra, indica que a FRELIMO tinha encontrado, de facto, as pessoas certas para um processo negocial frutuoso. Neste aspecto, o mérito vai, particularmente para o conselheiro Aquino de Bragança e em geral para todos os guerrilheiros.
A terceira reunião, chefiada por Mário Soares , integrando Melo Antunes e Almeida Santos, teve lugar no dia 15 de gosto de 1974, na mesma cidade. O Presidente português, António de Spínola, tinha dado outra recomendação à sua delegação - que a FRELIMO pedisse desculpa a Portugal, pelos distúrbios causados, em alusão ao assalto ao Quartel de Omar. Parece que a condição fundamental para a retomada das negociações. À semelhança dos encontros anteriores, este não chegou a nenhum consenso, porque a FRELIMO voltou a embadeirar-se no "Efeito Omar", não só para se contrapor ao Spinola, como também para reiterar o esclarecimento da Lei 7!74, de 27 de Julho acima referida.
Na verdade neste encontro, o "Efeito-Omar" colocou a delegação da FRELIMO numa posição vantajosa face à delegação portuguesa, que não tinha produzido qualquer resultado palpável, desde o início das negociações. Pelo contrario, ganhámos pelo "finca pé" na exigência do reconhecimento do direito do povo moçambicano à sua independência e na situação do princípio de transferência do poder â FRELMO . A adicionar a estas exigências ou ganhos contínuos, a FRELIMO mencionou que nas rondas negociais seguintes deveria constar a data da Independência, que seria fixada no dia 25 de Junho de 1975, coincidindo com o dia da sua criação, em 1962. Invertendo a proposta trazida pela delegação portuguesas, a FRELIMO exigiu que o governo de transição a ser estabelecido, fosse composto por três quartos dos membbros nomeados por si, e um quarto, por Portugal.
Refira-se que existe um debate ainda candente em torno de uma cassete respeitante à rendição da Companhia do Quartel de Omar, havendo duas versões a respeito desta "encomenda". A primeira, sustenta que Antunes teria entregue a Spínola, que, no entanto recusou-se a escutá-la. A outra indica que o capitão, reflectindo sobre a gravidade da situação que encontrara nas negociações, sobretudo o conteúdo da gravação, alegadamente, em nome da disciplina militar, não terá tido a coragem suficiente para transmitir o sucedido ao seu superior hierárquico. Tudo fez para evitar trespassar-lhe aquela informação bastante pesada. A este respeito, Almeida Santos em entrevista ao Expresso, de 17 de Fevereiro de 1979, teceu o seguinte comentário:
Ele era .... Intelectualmente superior, corajoso e muito inteligente. Melo Antunes era também militar. E mesmo Ministro sem Pasta, não deixava de ser um Capitão que, naquela ocasião, se prepara para ir falar com um general.
Ernesto de Melo Antunes, junto a um helicóptero Alluet III, em Angola |
Sobre este assunto,Almeida Santos concedeu uma entrevista, na qual destacou três aspectos relativos às negociações de 15 de Agosto, nomeadamente, a falta de apresentação de desculpas conforme a orientação presidencial, a reeixibição da gravação pelo Presidente Samora e a angústia e o desespero de António de Spínola, devido à humilhação do seu Exército. Referindo-se ao pedido de indulgência, assim se pronunciou:
8.3.2. Negociações Locais
Os contactos com os comandantes de alguns quartéis portugueses, em Moçambique, tiveram início no mês de Julho de 1974, altura em que recebemos o primeiro sinal para as negociações. Os comandantes dos quartéis, estacionados nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Tete emitiram uma série de cartas, em busca do cessar-fogo local. Tínhamos recebido uma missiva, na Base Beira, com a designação "Quem Assina", dirigida a Aníbal Malichocho, na qualidade de Chefe do Departamento de Defesa Provincial. A mesma fora enviada pelo comandante de Mueda, Coronel António de Andrade Lopes, que viria a ser substituído pelo Tenente Coronel Vilhena de Andrade. A resposta à missiva recebida em Julho, foi respondida a 15 de Agosto, depois da Operação Omar. Seguidamente, preparámos um emissário, nomeadamente, Jacob Bragança Daniel para contactar o Comando de Mueda. Depois deste, chegou a vez da nossa deslocação a Mueda, uma delegação que integrava a mim, o camarada Salésio Nalyambipano, João Vingambude e Cesário Nantimbo (Operador de rádio). Fazia-mo-nos acompanhar por 1 pelotão de guerrilheiros que, entretanto permaneceu escondido na mata, em prontidão combativa. Nas proximidades da vila fomos recebidos pelo Capitão Carvalho, pára-quedista, na qualidade de emissário do Comandante do Sector B, Tenente Coronel Vilhena de Andrade. Já tinha havido entendimento entre os beligerantes para a fixação de um lugar, nas proximidades so Quartel de Mueda, a partir do qual os guerrilheiros, poderiam acenar para a tropa colonial, com um pano branco, como sinal de Paz.
Da esqª para a dirª Atanásio Mtumuke, Capitão Carvalho (pára quedista) Armando Abel Assikala (com gravador) e Salésio Nalyambipano |
Em Mueda recebeu-nos o Comandante do Sector B, para uma reunião que culminou com o estabelecimento de um tácito cessar - fogo local (Cabo Delgado). Foi um encontro cordial. Lembro-me que o Presidente Samora tinha nos orientado para que aceitássemos tomar bebidas espirituosas, caso nos servissem, para não nos fazerem passar por boçais. Por conseguinte, entre outras bebidas, fomos servidos com wisky. Eu, que na minha vida nunca tivesse consumido este tipo de bebida, acabei tomando, mas com moderação, misturando-o com GingerAle, tanto mais que não nos sentíamos seguros naquele ambiente de desconfiança mútua.
Primeiras conversações locais em Mueda: Atanáso Mtumuke, Ten,Cor. Vilhena de Andrade e Cap. Carvalho |
Eternizando estas negociações, Nalyambipano, no seu livro "A minha contribuição para a Independência e Edificação do Estado Moçambicano, refere que um dos aspectos aflorados foi o interesse da FRELIMO em terminar a guerra., desde que a contraparte colaborasse. Ainda em Mueda, tínhamos agendado um encontro para a Base Beira, em retribuição à convivência sã havida na Vila. Convidámos os comandantes militares portugueses, mas por razões pouco claras, estes não compareceram, não obstante os preparativos nesse sentido. Recordo-me que a pista para a aterragem dos helicópteros estava completamente limpa. Suspeitámos que a desconfiança no que toca à sua segurança terá motivado esta ausência Porém, a situação foi ultrapassada, e outros encontros, essencialmente de confraternização, teve lugar em Nangade.
No centro e de costas o Major Fernando Augusto Ferro , Armando Abel Assikala, Atanásio Mtumuke ladeados por dois capitães |
A respeito da visita a Nangade, Matilde Estevâo Bento, que integrava o grupo cultural que levámos, deixou a seguinte memória:
Lembro-me que eu, a Hilária Duarte e outros camaradas fomos mandados para Nangade para acompanharmos os chefes. De entre eles estava o Chefe Salésio, o Chefe Mtumuke e o Chefe Assikala. Fomos com os nossos fotógrafos, o José Soares e o Artur Torohate. Retenho na minha memória o convívio que tivemos com os soldados portugueses, o que antes era impossível.
Enquanto estávamos em Nangade, houve revolta no quartel colonial de Meluco. Os soldados portugueses exigiam a presença de um representante da FRELIMO, para dirimir o conflito. A pedido d Tenente Coronel Vilhena de Andrade, destacámos Armando Abel Assikala, que o acompanhou a Meluco. Ao se aproximarem à pista tiveram dificuldades na aterragem do avião, porque os soldados portugueses tinham colocado abatis (obstáculos). Retiraram-nos depois de terem tomado conhecimento da presença do nosso representante, na aeronave. No diálogo, Assikala mobilizou a tropa colonial no sentido de parar com a rebeldi,rea, explicando-lhe que estávamos em conversações para o alcance de um cessar fogo local. É interessante notar que a tropa colonial acatou as palavras de Assikala, regressando ao clima de normalidade. Ainda em Meluco, o Comandante da Companhia irritado, ameaçou o Vilhena de morte a tiro. Estem em jeito dede resposta àquela atitude, manifestando uma certa vergonha perante o nosso Comando, já em Nangade, dirigiu-se ao Chefe Salésio, nos seguintes termos:
"Desculpe Sr. Comandante, aquele homem de pistola, eu ou limpar"
Estes episódios denotam o cansaço que pairava no seio dos soldados portugueses, manifestamente pela desordem e perca de confiança em relação aos seu superiores hierárquicos. O paradoxal pedido de apoio à FRELIMO, pode ter significado o reconhecimento do papel vital que esta desempenhava no processo do cessar fogo local.
À esqª o edifício, residência do Comando do Secto B. |
Matilde Estevão Bento |
Da esqª para a Dirª Artur Torohate, Daniel Maquinasse e Simão Matias Fotógrafos da FRELIMO |
8.4. Correspondência entre a FRELIMO e o Exército Colonial
O grau de "prostituição moral" a que haviam chegado alguns militares portugueses era preocupante. Estas palavras, saídas do próprio Presidente de Portugal, António de Spínola, tinham, na verdade, a real correspondência factual no "teatro de operações", em Moçambique, Como foi referido , enquanto o MFA Central empreendia contactos ao seu nível, localmente, tomava-se iniciativas à busca de cessar-fogo. Pelo conteúdo evidenciado na correspondência entre as partes, do lado colonial, é visível a fadiga ocasionada pela guerra e o desejo ardente de os soldados portugueses se livrarem do que peremptoriamente qualificavam de conflito injusto e injustificável.
Refira-se que, na análise da correspondência, deparei com dificuldades para aceder a informações com datas sequenciadas, a partir das quais pudesse estabelecer uma relação lógica, entre as cartas e as respectivas respostas. Porém, pautei por uma inferência, por um lado, as cartas enviadas para a FRELIMO e, por outro, sistematizando as que nós enviámos para o Exercito Colonial.
8.4.1. Cartas enviadas pelo Comando da Região Militar de Moçambique para a FRELIMO.
Lunho (Niassa) Cap. Salavissa da CART. 7260 a confraternizar com a FRELIMO |
O envio de cartas, grosso modo, data dos meses de Julho e Agosto de 1974. O seu conteúdo principal é o reconhecimento da legitimidade da Luta levada a cabo pela FRELIMO, o forte desejo do fim da guerra colonial, para o qual se solicita a colaboração dos guerrilheiros. Constituem exemplos, as cartas que se seguem:
a) Carta de 26 de Julho de 1974, enviada pelo Gabinete do Comandante do Sector B, Batalhão de Caçadores 15 (Mueda) , Tenente Coronel António Manuel Andrade Lopes.
Aquartelamento de DIACA |
8.4.2. Cartas da FRELIMO enviadas para o Comando da Região Militar de Moçambique.
Vista parcial do Aquartelamento de Mocímboa do Rovuma (NGAPA) |
b) Carta dirigida ao Comandante do Quartel de Nangade, Major Fernando Augusto Castilho Palma Ferro.
NANGADE |
Modesta Daniel, esposa de Armando Abel Assikala |
Em destaque, General António de Spínola |
8.6. Acordos Lusaka e os Partidos Oportunistas
Depois das várias diligências à busca de consenso a criação de um governo de transição e fixação da data de independência de Moçambique, as negociações de Lusaka marcaram o compromisso político entre os beligerantes, Decorridas de 5 a 7 de Setembro de 1974, as conversações removeram o maior obstáculo que ainda separava as duas partes, nomeadamente, a representatividade da FRELIMO, relativamente a todo povo moçambicano. Mas porque razões este assunto foi arrastado por muito tempo? As causas reais configuravam-se nas manobras de Spínola apoiado, entre tantos cabecilhas pró- coloniais , por Jorge Jardim, os quais procuravam, a todo o custo transformar Moçambique em neo-colónia portuguesa.
Entre os factores por detrás deta ronda negocial , merecem destaque, a coesão, a robustez e a clarividência da FRELIMO, adjectivos enriquecidos pela relevância da "Operação Omar), como foi dito, um feito da própria FRELIMO. As exigências coloniais à alegada representatividade da FRELIMO podem ser entendidas, entre outras formas, da análise da situação política desenhada para Moçambique, na década de 1970.
A este respeito destacam-se três forças políticas , nomeadamente "Os Duros do Regime"; "Os Autonomistas" e os "Oposicionistas". A sua característica principal, no caso dos primeiros, reside, como o próprio nome sugere, no endurecimento de posições colonialistas, não vergando perante ideias contrárias. A sua expressão mais visível era o Partido Acção Nacional Popular (ANP), antes União Nacional. O segundo grupo, resume-se nos proponentes das ideias de criação de uma DUI, encabeçado por Jorge Jardim, e o último, na defesa do federalismo, em que a FRELIMO estaria incluída. Esta última facção incluía alguns"nacionalistas inconfessos" que, inclusive,procuravam relacionamento são, com a FRELIMO. De entre os três grupos, o que me pareceu com maior protagonismo foi o dos Autonomistas, pois, como vimos, sob a liderança de JJ. como era tratado Jorge Jardim, já tinha criado fortes alicerces político e militares em Moçambique. Gozando desta reputação JJ procurou influenciar várias pessoas a criar uma corrente de pensamento independentista, ao seu estilo. Esta foi, na minha opinião, uma das armadilhas ideológicas com que a FRELIMO deparou em Lusaka,. Ao exigir representatividade, os seus mentores contavam com partidos que gravitavam em torno do ideário reaccionário,os quais, na hora da eventual aprovação do Referendo, iriam dar a cara, alegando ter legitimidade eleitoral, para concorrer ao lado da FRELIMO. São de se recordar as dúvidas do brigadeiro Hashim Mbita, já mencionadas. Estes partidos não passavam de verdadeiros oportunistas que, à semelhança dos abutres, não caçam, mas, procuram partilhar a caça efectuada por outros animais.
Aqui residem os fundamentos do Referendo, visando a criação do neocolonialismo no nosso país. De entre a série de movimentos"fabricados" ou incentivados pelo sistema colonial fascista, figuram o Gumo (antes FRECOM), liderado por Joana Simeão; Movimento Nacional Unificado de Moçambique (MONAUMO), chefiado por Domingos Cardoso; Movimento Moderado de Moçambique (MMM), de Hermínio Serra; Partido Democrático Afro-Lusitano, de Miguel Dantas; Partido de Coligação Nacional (PCN) de Uria Simango; Frente Independente de Convergência Nacional ou Frente Integracionista de Continuidade Ocidental, de Pires Moreira.Este cenário político em Moçambique orgulhava os seus mentores, pois neles viam robustecidos os seus argumentos em torno do Referendo. Envaidecido, um dos pilares do processo do neocolonialismo português para Moçambique, o General Costa Gomes, é citado como autor do seguinte palavreado, em Maio de 1974.
A FRELIMO, como qualquer partido emancipalista, pode estabelecer-se em Moçambique, desde que cesse com a guerrilha. É evidente que enquanto não cessar com as operações guerrilheiras, não podemos aceitá-la como partido.
Joana Simeão |
Joana Simeão foi recebida em Lisboa, a 3 de Agosto de 1974, pelo Presidente Português General António de Spínola, numa altura politicamente conturbada. Passavam dois dias do ataque ao Quartel de Omar e, na véspera (2 de Agosto), tinha havido uma ronda negocial entre Portugal e a FRELIMO, terminada sob um forte clima de tensão. Neste contexto, não coloco de lado a possibilidade deste encontro ter estado inserido nas "costuras políticas" em que estas duas figuras vinham mergulhadas, para contrariar a independência de Moçambique, sob a batuta da FRELIMO.
É de realçar que no dia 3 de Agosto, Spínola recebia o Secretário-Geral das Nações Unidas Kurt Waldheim, a quem terá manifestado a sua hipocrisia. No aeroporto de Lisboa Kurt Waldheim recebeu saudações de boas vindas de Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Este dirigente destacou o processo de descolonização em curso no seu país, catapultado pelo Golpe de 25 de Abril e, numa espécie de confissão, referiu que o seu governo estava pronto a recuar dezenas de anos para o cumprimento das recomendações da ONU. Sobre este assunto, disse o seguinte:
Como Vxº sabe houve uma viagem histórica na nossa política colonial, referindo-se à Lei 7/74 de 27 de Julho, que nos comprometeu solenemente no processo de descolonização. Agora estamos dispostos a coordenar realmente com a ONU e a chegar com o seu conselho a concretização deste processo. Faço votos para que a sua visita seja uma visita histórica.
Em retribuição às palavras de Soares, o Secretário Geral das Nações Unidas, depois de agradecer o convite endereçado pelas autoridades portuguesas, destacou três aspectos importantes, nomeadamente: 1) o regresso ao regime democrático no país; 2) a questão da descolonização; 3) a predisposição pessoal e das nações Unidas para o saneamento das dificuldades que surgiram no processo- Eis o excerto da sua intervenção:
Estou verdadeiramente feliz por estar em Portugal e, depois aproveitar esta oportunidade para expressar a V.Exª e ao seu governo a minha gratidão pelo seu amável convite que permite a minha visita oficial a Portugal. Grandes mudanças estão em curso neste País e estou confiante que elas ajudarão V.Exª, o Governo eo povo a resolver muitos dos vossos problenas. Desejo fazer especial referência às importantes recentes declarações do Presidente Spínola , que estou certo irão contribuir para solucionar muitos problemas, especialmente os respeitantes aos Territórios de África. Pode ter a certeza, senhor ministro, que as Nações Unidas e eu, faremos todo o possivel que esteja ao nosso alcance para ajudar a resolver este problema.
Nesse dia, o General António de Spínola ofereceu um almoço ao Secretário-Geral da ONU. A respeito da hipocrisia manifesta neste encontro e, à luz das suas intervenções anteriores, é de se conjecturar que o Presidente Spínola tenha camuflado as suas reais intenções neocolonialistas, particularmente em relação a Moçambique, em forte e íntima colaboração com Jorge Jardim. Com efeito, Spínola havia aceite integrar a Comissão do MFA, aliás, sem que partilhasse inteitamente das suas ideias progressivas, democráticas e anticoloniais, tendo inclusive, caluniado a esta Comissão. Chegou a atacar os democratas do MFA, apelidando-os de comunistas disfarçados, agido em coligação com os marxistas da FRELIMO, MPLA e PAIGC.
Para compreendermos como a FRELIMO conseguiu contornar esta série de obstáculos, vale a pena socorrermos-nos do pensamento do grande nacionalista africano, Amílcar Cabral, a respeito dos factores que facilitam a penetração do neocolonialismo em África. Citado por Julião Sousa, Cabral destaca cinco elementos: 1) as divisões reinantes no continente 2) as razões históricas, em alusão à natureza do imperialismo; 3) a debilidade dos próprios países africanos; 4) a ambição e o oportunismo de certos dirigentes; 5) a ausência de estudos cientificamente fundamentados sobre a realidade de cada país e continente.
À altura das negociações, a FRELIMO preenchia os "requisitos" exigidos por Amílcar Cabral, com maior ênfase para a coesão, robustez e a clarividência. Foi com base nesses pressupostos que a FRELIMO recusou-se redundamente a aceitar a proposta do Referendo, pois sabia claramente a armadilha que este inseria. Associado a estes elementos a FRELIMO tinha nas suas mãos, 137 soldados prisioneiros do assalto ao Quartel de Omar. Representavam, sem sombra de dúvidas, como se veria, um baralho de cartas que poderia jogar a qualquer momento, para arrancar a vitória neste jogo do Referendo. Foi assim que desapareceram muitos paridos oportunistas.
General Spínola, Presidente da República Portuguesa em 1974 |
Protestando contra as negociações de Lusaka, assistiu-se a violentos tumultos na cidade de Loureço Marques, tendo sido protagonista o Movimento de Livre de Moçambique (MLM). De igual modo, registaram-se ameaças de guerra, nos preparativos das cerimónias de celebração de independência Nacional, protagonizadas por Jorge Jardim. A maturidade política e a prontidão combativa da FRELIMO foram, mais uma vez, fundamentais para se evitar a retomada da guerra, face a estes acontecimentos.
Lusaka, 7 de Setembro de 1974. Machel a acusar o Coronel Nuno Lousada de traição. |
8.7. 1. Acção do Movimento Livre de Moçambique
No dia 6 de Setembro de 1974, eu estava em mais uma missão de busca do cessar-fogo local, em Montepuez. Essencialmente, esta missão tinha como objectivo transmitir aos guerrilheiros a necessidade de se parar com os ataques aos quartéis coloniais, bem como as emboscadas. Para o efeito, entrámos em contacto com Manuel Chitupila, que entretanto nos tinha emboscado, porém desactivou a emboscada quando se apercebeu que éramos nós, pois estávamos trajados a pingo de chuva.
A missão era constituída por mim, Salésio Nalyambipano (Chefe), Domingos Fondo, João Vinbambudi (Secretário), Cesário Nantimbo operador de Rádio (R-530 M). Estávamos hospedados no Palácio do Administrador local, António Pissara. Na madrugada do dia 8 tomámos conhecimento da rebelião que estava a acontecer na cidade de Lourenço Marques, protagonizada pelo Movimento Livre de Moçambique (MLM). Eram facções não representadas nos Acordos de Lusaka que, tendo ocupado a Rádio Clube de Moçambique e usando microfones, opunham-se à Independência Nacional. Soubemos que este acontecimento teria levado o Presidente Samora Machel a questionar ao Presidente de Portugal, General Spínola, se a guerra tinha ou não terminado. Em resposta, Spínola teria respondido positivamente, mas que ia provar isso pouco tempo depois. Com efeito, de modo a conter a rebelião, Spínola ordenou ao Comando da Região Militar de Moçambique para repôr a ordem e segurança na cidade de Lourenço Marques. Desta cidade enviou 2 aviões Nordatlas a Montepuez, a fim de levar o Batalhão de Comandos para Lourenço Marques.
Q Presidente Samora reagiu energicamente contra os tumultos, dando orientações para a retomada da guerra em todo o país. Com efeito, enviou uma mensagem ordenando que os combbatentes retomassem a guerra em todas as províncias. Nós, do Comando de Cabo Delgado, deveríamos regressar ao rio Lúrio e progredirmos até Nampula, como era nossa antiga pretensão. Ainda em Montepuez, o camarada Salésio recebeu a mensagem das mãos do nosso rádio-telegrafista, Cesário Nantimbo, tendo ido imediatamente à casa de banho, onde a leu. De volta, discretamente entregou-a a mim e,imediatamente, tive o mesmo procedimento. Eu passei-a ao camarada Domingos Fondo, que também teve, ironicamente, ironicamente, a necessidade de ir à casa de banho. Ficámos todos tristes!...
Esta mensagem tinha sido interceptada pelas Forças Armadas Portuguesas, cujo conteúdo era o seguinte: "Cabo Delgado, atravessar o rio Lúrio e introduzie a guerra na província de Nampula"
Os militares portugueses que interceptaram no QG em Nampula mensagem da FRELIMO , Da esqª para a dirª Cabo Cripto Pedro Silva, Capitão António Melo Carvalho e Cabo Cripto Victor Ferreira. |
8.7.2. Ameaças de Jorge Jardim
Jorge Jardim constituía-se num dos inimigos que era necessário desafiar inexoravelmente. Impunha-se aplicar, mais uma vez a teoria de Amílcar Cabral para contornar as suas tentativas de neo-colonização do nosso país. Fizemos menção ao seu ambicioso plano, de criar "uma Dui". Apostando numa série de contactos com vista a convencer os seus aliados em Moçambique, Malawi, Zimbabwe, Zâmbia, África do Sul e Portugal. Jorge Jardim acabou equipando grupos de mercenários e infiltrá-los no nosso País, nas vésperas da Independência Nacional.
Recorrendo à amizade que tinha desenvolvido com o presidente malawiano Hastigs Kamuzu Banda, além da criação de uma base logística para fazer face à Frente Niassa, como vimos, utilizou um centro de preparação militar malawiano, para treinar mercenários e introduzi-los em Moçambique. Um documento da nossa representação naquele país, dirigido ao Presidente Samora Machel, nas vésperas da Independência, fez o seguinte alerta:
No dia 25 de Abril de 1975 tivemos informação que os reaccionários encabeçados por Jorge Jardim vinham distribuir forças neste País, para as Províncias de Tete, Zambézia e Niassa. No dia 28 de Abril de 1975 houve em Mangochi uma reunião convocada por CASCAO - braço directo de Jorge Jardim. (...) Há mercenários treinados no Campo Militar de malawianos emZomba. Neste local tinham chegado três carros com números de matrícula SD 3710; este carro estava cheio de brancos;TG 3785 e 153-158 A. Estes últimos estavam carregados de material diverso. No dia 2 de Maio de 1975 chegou ao Malawi o próprio Jorge Jardim e teve reunião com os mesmos elementos junto ao CASCAO.
De entre as acções levadas a cabo para conter estas ameaças, a FRELIMO, materializando as palavras de ordem por si emanadas, "UNIDADE; TRABALHO; VIGILÂNCIA ", realizou comícios populares em zonas fronteiriças estratégicas, como Nsange e Nchalo, no 3º Sector da Província de Tete. De igual modo, esta matéria foi encaminhada Sebastião Marcos Mabote, no Comando de Operações do Departamento da Defesa, que após a avaliação do seu contexto global, foram tomadas as devidas medidas oportunas, que se resumem na contenção das investidas do inimigo
Jorge Jardim (de chapéu preto) |
9. Religião na Luta Armada de Libertação Nacional
O aspecto marcante no relacionamento entre a FRELIMO e a Religião foi a laicidade do Movimento e o respeito pela diversidade cultural do País. Neste domínio, o enfoque desta abordagem será referente à forma como o sistema colonial aliou-se à religião para combater o nacionalismo moçambicano, e inclusive, a progressão da Luta Armada e, por outro, como a FRELIMO reagiu às manobras coloniais para se apoderar da fé, para perpetuar a colonização dos moçambicanos.
Em 1964, pouco antes da eclosão da guerra no nosso país e, procurando afastar a mentalidade dos moçambicanos do nacionalismo dos angolanos, cuja luta começara a 15 de Março de 1961, assistiu-se a muitas campanhas anti-nacionalistas. A título de exemplo, Custódio Alvim Pereira, bispo auxiliar da cidade de Lourenço Marques, emitiu uma "circular sangrenta", da sua autoria, para todas as igrejas e seminários de Moçambique, da qual extraí as seguintes passagens:
A independência é uma coisa indeficiente para o bem-esta dos homens. Só é boa quando se verificam as condições geográficas e culturais que a pressupõem. estas últimas ainda não estão realizadas em Moçambique. (...) Quando o movimento é terrorista, o clero tem a obrigação não só de se abster, mas até de se opor (...). O slogan África para os africanos é uma monstruosidade filosófica e um desafio à civilização cristã (...).
Monsenhor Custódio Alvim Pereira, Bispo Auxiliar de Lourenço Marques |
Em 1965, aquando das celebrações do 25º Acordo Missionário, Portugal assinou um tratado em que o destino da maioria da população passava para a responsabilidade da Igreja Católica. A FRELIMO condenou veementemente esta atitude, devido ao seu carácter discriminatório. Com efeito, o Acordo, no seu artigo 15, refere que "as missões católicas fundarão escolas (...) colégios masculinos e femininos (...) instituições do ensino secundário e, profissional" O Estado Português abstém-se absolutamente de intervir na actividade das missões.
De igual modo, a FRELIMO denunciou a cumplicidade entre a Igreja Catóica e o colonialismo Português, ao se envolverem em acções que procuravam desviar os moçambicanos da visão independentista. Neste contexto, no Boletim Nacional nº 20, lê-se:
Os missionários, em cooperação com as autoridades portuguesas, procuravam por todos os meios adormecer a tendência revolucionária do Povo. Tudo está bem, no melhor dos mundos, dizem eles. Se há negros e há brancos, e se os brancos dominam os negros, é porque essa é a vontade de Deus Ominisciente, Resignemo-nos pois.
A contra-revolução dos missionários foi mais longe, ao placar no lado mais sensível do ser humano , o espiritual. Com efeito, através do seu Bolerim Nacional, a FRELIMO denunciou acontecimentos ocorridos em Cabo Delgado, salientando que:
Os nossos militantes que, no seminário de Mariri, os missionários, a pretexto da confissão, induzem os estudantes a revelarem as suas ligações com o movimento nacionalista, a FRELIMO, e informam depois o administrador. Dezenas de estudantes foram presos e torturados por este processo.
Depois do início da Luta, em 1964, houve uma maior aproximação do governo colonial às instituições coloniais. Vendo o seu Império Colonial no início do desmoronamento, Portugal fez de tudo para salvá-lo, mas em vão. Como sublinha D. José dos Santos Garcia, o primeiro bispo da Sociedade Missionária da Boa Nova e da Diocese de Porto Amélia, as "As autoridade do Governo tinham pedido aos Missionários para denunciarem qualquer movimento subversivo e quaisquer notícias que interessassem à ordem.
Como referi, no seio da Igreja Católica, algumas figuras distanciaram-se do colonialismo, repudiando-o como um sistema anacrónico à liberdade e desenvolvimento dos povos. O exemplo mais badalado em Moçambique data da década de 1940, em que D,Sebastião de Resende, bispo da cidade da Beira, condenou fortemente o regime colonial.
Aliás, o próprio Papado Romano e uma série de sacerdotes portugueses, de estrangeiros sem tradição colonial, assim como os laicos, viriam a reconhecer o posicionamento de Resende, e não só. pronunciando-se a favor do que designaram por novos tempos de reflexão. Estávamos realmente, perante momentos de mudança no seio da Igreja Católica.
É interessante notar que alguns jovens, antes de ingressarem nas fileiras de libertação nacional, foram formados pelas missões católicas, aceitando-se deste modo, a sua contribuição, ainda que involuntária, para a formação de uma consciência nacionalista. Sobre este assunto. esclarece-se que "em Angola quer em Moçambique, muitos militantes e dirigentes dos movimentos de libertação passam pelas escolas e missões e muitos tinham estudado para padre ou para pastor.
O Planalto de Mueda está repleto desse tipo de exemplos, a partir da fuga para a FRELIMO de combatentes como Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa , precipitada pelo alerta que lhes foi feita por alguns padres católicos, face às perseguições perpetradas pela PID/DGS. O movimento nacionalista que existiu no Planalto de Mueda foi apoiado largamente pelos missionários monfortinhos e salesianos, em defesa da independência e autodeterminação dos povos. Eu próprio, como referi, fui estudante em missões, e testemunho a entrada para a FRELIMO de tantos outros camaradas, ex-seminaristas, como Modesta Daniel.
Modesta constitui, um exemplo de mulheres que apoiaram militarmente a FRELIMO, dentre outras que tiveram formação missionária na Missão de Mariri, onde pretendia qualificar-se como irmão de caridade, não tendo porém, terminado o curso, devido à eclosão da guerra em Cabo Delgado. Assim, acabou parando na missão de Nangololo, de 1964 a 1965, onde conviveu com as irmãs da Consolata, congregação de origem italiana e padres monfortinhos, organização de origem holandesa, exercendo o professorado. Esta Missão continuou a funcionar, mesmo depois da morte do padre Daniel Boormans da Congregação de S. Luís Monfort, da Holanda.
Memorial de Homenagem ao Padre Daniel Boormans |
O padre Daniel estava em Nangololo havia somente 8 dias, No dia 24 de Agosto os missionários cumpriam uma tradição de retiro anual, na Missão do Sagrado Coração de Jesus de Nangololo. Pretendendo reforçar a refeição, o padre decidiu ir à caça, porém, ao regressar, foi atacado por 7 elementos do grupo que tinha recriado o MANU. Chipande destaca entre os assassinos, nomes como Lucas Mbundi e Atanásio Chitama. Este acontecimento foi assumido por algumas pessoas mal informadas, como tendo sido o marco do início da Luta Armada, envolvendo a FRELIMO. Porém, como uma forma de distanciamento, este Movimento, condenou vigorosamente este ataque bárbaro, tendo feito inclusive, uma aproximação aos missionários, para o seu esclarecimento. Para o efeito, enviou um mandatário à Missão de Nangololo. Simão Carlos Virgílio Minga, o emissário em causa, prestou a seguinte informação:
Quando ocorreu o assassinato do padre Daniel nós encontrávamos-nos a preparar o início da luya em Cabo Delgado. Na sequência deste acontecimento o meu chefe Raimundo Pachinuapa orientou-me para deslocar à Missão de Nangololo, a fim de explicar aos padres a falta de ligação entre a FRELIMO e a morte deste clérigo. Cheguei à Igreja num Domingo, dia de missa. Como não dominasse o ambiente que me rodearia, levava comigo uma bússola e uma pistola, escondidos nos bolsos. Já entre os crentes, em plena missa, apareceram 4 soldados. Um deles reparou tanto para mim e eu, para ele. Continuou com a circulação no seio da Igreja. Receando ser suspeito, chegada a hora da comunhão levantei-me, fingindo que ia fazer p mesmo, porém, saí pelo portão reservado às mulheres. De repente, encontrei-me com o padre Kapalesse. A este informei que vinha a mando do Pchinuapa, para lhe informar que o padre Daniel não tinha sido morto pela FRELIMO. O padre Kapalesse perguntou-me onde estava o Pachiuapa e o Chipande, ao que respondi que estavam na Tanzânia. Quis saber eu tinha andado, pois, desaparecera da região por muito tempo. respondi que andava nas montanhas. Pareceu-me ter percebido a minha mensagem, isto é, que tinha me juntado à FRELIMO. A seguir perguntou-me se conhecia o Chitama, para depois afirmar que ele estava presente no momento do assassinato. Que ele era um dos implicados.
Simão Mingas, Chefe das Operações da FRELIMO, 1966-1968 |
Com o assassinato do padre Daniel, a Missão tentou dispor de um pelotão de militares coloniais, fortemente armados, os quais conviviam com o corpo docente e de missionários. Foi em aproveitamento desse ambiente de convivência que a Modesta chamou para si, o espírito patriótico e o colocou ao serviço da conquista da independência dos moçambicanos. Sobre este assunto, ela prestou o seguinte depoimento:
Quando estava na Missão de Nangololo convivia com muitos soldados. Como em qualquer guerra existem pessoas destemidos, também existem os medrosos. Em conversas, eles revelavam-nos alguns segredos militares. Poe exemplo, quando houvesse missões, como a busca de mantimentos em Mueda, ou de outra índole, alguns medrosos vinnham se esconder onde estávamos e, passavam-nos , involuntariamente, informações sobre o dia da passagem dos soldados para um certo lugar. Eu tomava nota em folhas de papel, dobrava-as e enrolava cuidadosamente nas capulanas de alunas da nossa confiança, para as fazerem chegar a determinados camaradas que viviam nas proximidades da Missão e estes, por sua vez, encarregavam-de de as passar rapidamente para as bases, especialmente, a Base Licumbi, na altura comandada por António Saide. Este camarada era bastante destemido, aspecto, que levou a ser popularmente conhecido por "Kwandie ngwele". Em Shimaconde idto significa que quando o macaco vai à caça nunca volta sem nada, uma conotação aos sucessos militares que obtinha, sempre que entrava em confrontos com a tropa inimiga.
Igreja Católica de Nangololo |
Nos dias 27,28 e 30 de Junho de 1970, decorreu em Roma, a Conferência Internacional de Solidariedade aos Povos das colónias portuguesas, em que participaram 64 países e 117 organizações de diferentes países. Terminado este encontro, no dia 1 de Junho como se disse, o Papa Paulo VI recebeu no Vaticano, alguns dirigentes nacionalistas africanos, nomeadamente os camaradas Marcelino dos Santos de Moçambique, Agostinho Neto de Angola e Amílcar Cabral da Guiné-Bissau. Os três nacionalistas entraram para o lugar de audiências, a "Sala dos Paramentos", acompanhados pela SRº Marcela Glisentini, Presidente da acção italiana "Presence Africaine" e conversaram com o Sumo Pontífice durante 7 a 8 minutos. Avaliando o conteúdo das entrevistas os nacionalistas, após este encontro, depreende-se que o Papa reconhecia a legitimidade da luta dos seus movimentos.
A respeito do conteúdo da conversa com o Papa numa conferência de imprensa, Amílcar Cabral, referiu-se aos seguintes aspectos:
O Papa disse compreender as dificuldades com que se debatem os povos africanos (...) O Papa expressou o seu desejo de ver solução pacífica para estes problemas e afirmou que a questão mais importante de momento é a promoção de homens que possam conduzir a evolução da situação.
A propósito Marcelino dos Santos acrescentou que:
Paulo VI reza pelos povos que lutam pela sua Liberdade e formulou a esperança de que os católicos portugueses compreendam esta mensagem, pois, insistiu Paulo VI receber os representantes legítimos de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau
As reacções a este encontro foram feitas a título individual, de governos e dos mídia, tendo circulado amplamente pelo mundo. Como era de se esperar, por um lado, houve elogios à atitude do Papa e, por outro lado, condenações. A primeira figura a tomar uma reacção drástica foi Monsenhor Valillance, informador oficial do Vaticano, ao demitir-se, logo depois do encontro. O Estado Português foi o mais atroz nas suas reacções. Com efeito, o Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, falando à imprensa no dia 7 de Julho, proferiu as seguintes palavras
Em todo este caso se revela, mais uma vez, a diabólica perfídia com que os 3 inimigos manobram contra Portugal e contra a sua política ultramarina (...) Aproveitando-se de um acto de rotina da vida do Pontífice, como é a audiência colectiva semanalmente concedida aos visitantes, infiltraram-se os terroristas em S,Pedro, colocam-se no caminho do Papa como católicos e cristãos, travam com ele um diálogo que mal se ouve e tiram depois daí efeitos especuladores para comprometerem o nosso País.
Outras condenações não tardaram. O Arcebispo de Luanda é citado pelo Diário de Notícias de 7 de Julho de 1970, como tendo tomado a seguinte reacção: "Estou certo de que se o Santo Padre tivesse sabido da sua identidade antes da audiência não os teria recebido".
Em Moçambique, também houve uma reacção. O jornal da Arquidiocese da cidade de Lourenço Marques, citado pelo "Lusitanea", a 8 de Julho, minimizou este encontro nos seguintes moldes: "Paulo VI condena e não abençoa terroristas".
O acolhimento ao encontro veio de fora, como do interior do Vaticano, manifestamente, através de algumas explicações sobre as dúvidas e especulações que iam surgindo. Com efeito, o jornal italiano IL TEMPO, do dia 3 de Julho, no esclarecimento sobre a lucidez do Vaticano, relativamente ao encontro com os nacionalistas, disse "que o Papa conhece não só os nomes e os apelidos de cada um deles, mas também as suas qualidades políticas e as suas actividades revolucionárias". Por sua vez, o jornal oficioso do Vaticano, o "Osservalore Romanoo", de 4 de Julho, rearrma a pré-disposição do Papa para este reunião com os nacionalistas, dizendo que o Sumo Pontífice "como parte da sua missão, recebe quem quer que lhe peça o conforto da sua bênção"
A rádio Vaticano, comentando a respeito da crise instalada entre o Vaticano e os defensores do sistema colonial e, esvaziando a tese de oportunismo dos nacionalistas, no dia 6 de Julho disse que "as audiências não têm lugar para serem previamente aceites"
O Papa não estava, na verdade, de alguma maneira distraído, nem equivocado, como pretenderam dar a conhecer alguns fazedores de opinião pública, visando minimizar os esforços por ele empreendidos na libertação dos povos do jugo colonial. O Papa sabia, certamente, que estes nacionalistas tinham apoio, mesmo na Itália. de partidos socialistas, com os quais mantinham relações amistosas. A respeito desta questão, o jornal IL TEMPO refere que a 3 de Julho de 1970, estes nacionalistas tiveram encontros com importantes partidos locais, nomeadamente o Partido Socialista Italiano de Unidade Proletera (PISUP) e o Partido Socialista Italiano (PSI)
O catolicismo, diferentemente do protestantismo, era defensor do colonialismo, sobretudo o selvagem. Consequentemente, a sua postura acabou tendo uma conotação negativa devido à forma desumana de lidar com outros povos. Essencialmente,enquanto os católicos se associavam ao modelo de colonização directa, de substituição de culturas nativas pelas dos colonizadores, sob pretexto da civilização, os protestantes defendiam um modelo de colonização indirecta, o respeito pelas culturas nativas, acreditando na sua sustentabilidade, pois, eram reconhecidas como suportes do seu desenvolvimento multiforme. Face a esta visão , os protestantes, foram assumidos como um problema no seio da Igreja Católica. Foi assim que passaram por várias restrições e obstáculos no desenvolvimento das suas actividades. Relativamente à Luta Armada, reconhecendo-a como um acto cultural que era, os protestantes desdobraram--se no seu apoio, entrincheirando-de, às vezes nas nossas raízes culturais para ludibriar as autoridades coloniais. Com efeito, na Missão de Nangololo chegaram a criar um cancioneiro revolucionário, normalmente apresentado nas visitas de Estado.
Algumas canções sobreviveram por muito tempo, até que fossem entendidas e banidas pelas autoridades coloniais, alegadamente porque despertavam a consciência dos moçambicanos, face ao colonialismo. uma das canções memoráveis é a seguinte:
Sou pretinho Makonde; Pretinho de feição; Sou pretinho Makonde; Pretinho de de coração; Ah....ah..... também toco violão; Ah...ah... também sei manejar; Gosto de brincar muito na minha povoação: Também gosto de tomar banho dentro do meu Quintal; Gosto de caçar com espingarda junto do meu País.
Alguns missionários de Nangololo envolveram-se em obras de caridade, prestando cuidados médicos e assistência alimentar aos guerrilheiros. Quando os guerrilheiros, vítimas da guerra, se apresentassem às unidades sanitárias locais, eram aconselhados a não revelarem as razões reais da origem das enfermidades, mas as remetendo aos acidentes mais comuns na comunidade, como o mau uso da catana, pancadaria, etc... De igual modo, os missionários preparavam, clandestinamente, Kits de mantimentos e faziam-nos chegar às nossas bases. Atitudes semelhantes foram tomadas por alguns missionários da Missão de Imbhuo, pois, prestaram apoio substancial à FRELIMO. Sobre este, Bispo José Garcia refere que:
A menos de 200 metros das casas da Missão de Santa Teresinha de Imbuho instalou-se um grupo de cerca de 100 terroristas que compravam alimentação na Missão e lá eram tratados os seus feridos. - Tudo se passava com conhecimento dos Padres e Irmãs.
D. José dos Santos Garcia |
João Facitela Pelembe, combatente, salientou que quando estava na Frente de Tete, teve apoio de missionários. referiu-se nos seguintes termos:
Durante o tempo que permaneci na localidade de Chifombo (Tete), tive dois encontros clandestinos no mato com o Padre da Missão Coração de Jesus de Ucanha, de origem espanhola, de nome Alberto Fonte, o qual nos fornecia algumas informações soubre o inimigo. Num desses encontros disse-me que a situação na missão não estava boa, devido à situação da guerra.
Em relação ao Islamismo, é de sublinhar que a sua expressão anticolonial é associada ao nacionalismo árabe, no Médio Oriente, África do Norte e África Oriental, influenciando sobremaneira o nosso país. Aliás a circulação de mercadores árabes em Moçambique é bastante antiga, datando do século VIII, altura em que se estabelece, a arábica e a indiana. Foi nesta rede de comercialização que, em períodos historicamente mais recentes, começaram a circular ideia nacionalistas no Mundo Árabe.
Como referimos na abordagem de matérias ligadas ao Catolicismo e a Luta Armada de Libertação Nacional em Moçambique, é preciso tomar em consideração dois eixos fundamentais. Por um lado, que não se deve envolver a religião muçulmana como uma estrutura ou entidade, na sua relação com o colonialismo. Por outro, que foi notório o envolvimento de figuras muçulmanas no apoio desinteressado à luta levada a cabo pela FRELIMO.
A relação de alguns muçulmanos com o colonialismo é associada por algumas fontes, ao despertar do nacionalismo árabe, como mencionei. Um dos seus exemplos foi a resistência, etíope, em 1896, contra a invasão italiana, a qual foi tomada como instigadora aos africanos, para se oporem contra todas as formas de manifestação colonial. Em Moçambique, este exemplo inspirou a um administrador de Nacala, em 1937, o qual exortou às suas chefias para estarem atentas a este fenómeno. Preocupado com esta situação , em 1944, o regime colonial posicionou-se contra uma série de pangaios que circulavam na costa moçambicana.
Em 1965, Romão Freitas, assumindo o carácter nacionalista do islamismo, preceituado no Alcorão, propôs ao Governo Português, a tomada de medidas que passassem pelo estabelecimento de uma aliança, entre o regime e algumas elites muçulmanas, para combaterem a FRELIMO. A partir de então, os governantes desdobraram-se em reuniões com essas elites, tendo as convencido a declararem, publicamente, o seu apoio ao regime colonial.
O carácter nacionalista fundamenta-se no dever dos seus fieis de combater a luta de classes, a discriminação social e as rivalidades étnicas, (XLIX-11 e 13). À semelhança do aproveitamento das autoridades tradicionais na chamada de pacificação do País, e seu desenvolvimento socioeconómico, em 1965, o regime colonial, ensaiou a maquinação de muçulmanos face à luta conduzida pela FRELIMO. Sobre este assunto, Freitas dirigiu-se nos seguintes termos:
Os chefes religiosos islâmicos têm relevância especial não só por o Islão ser abraçado por mais de 1 milhão nativos da Província (entenda-se Moçambique) como por serem mais arreigados às convicções dos seus adepto, o que lhes concede uma influência mais acentuada. (...) Uma atitude mais compreensão por parte da Administração (Colonial) parece passível de lhes conquistar a colaboração, relevante nomeadamente no combate à acção subversiva processada por elementos religiosos. (...) E na sua falta ou quando os existentes não colaborem, não parece difícil fabricá-los e lançá-los no seio da Massa.
A partir deste depoimento, é possível notar que o combate a que os muçulmanos eram convidados a abraçar, incluía o interior da própria religião, onde supostamente existiam acções subversivas. Estamos assim, perante mais uma razão que alimenta o argumento da actuação de indivíduos e não toda a estrutura islâmica, nestas contrariedades.
Nos anos subsequentes, o Governador-Geral de Moçambique, Rebello de Souza, às vezes acompanhado pelo Comandante Militar, realizava encontros na Ilha de Moçambique, mobilizando e comprometendo alguns líderes muçulmanos, a se oporem à luta da FRELIMO. De igual modo, para ter os muçulmanos ao seu lado,o regime colonial criou, em 1971, o Grupo de Trabalho sobre os Assuntos Islâmicos, visando monitorar toda a actividade exercida por este grupo religioso.
O Governador Geral Rebello de Sousa acompanhado pelo Coronel Melo Egídio |
Em 1972, alguns representantes do Governo Colonial, reunidos com 21 líderes muçulmanos chegaram ao extremo de os convencer a editar as suas "escrituras", em língua portuguesa, para serem lidas nas mesquitas. O porta-voz do grupo declarou o seu apoio ao Governo Português, nas suas palavras "uno e indivisível"
Sem pretender estabelecer uma relação de causa-efeito, refira-se que neste período, a Província de Cabo Delgado ressentia-se negativamente dos efeitos do Islamismo, onde surgiram algumas iniciativas defendendo o culto do Islão nas escolas da FRELIMO. Com efeito, na reunião de "Estudo sobre o Distrito de Palma", realizada de 1 a 12 de Março de 1972, esta matéria foi levantada nos seguintes termos: " Existem problemas criados pela religião Maometana, em exigir aos professores nas escolas da FRELIMO, além do programa de alfabetização, ainda darem aulas da religião Maometana".
No início da sua governação em Moçambique independente, a FRELIMO deixou em "pratos limpos" o seu posicionamento perante a religião. O Presidente Samora Machel, discursando na Sessão do Comité Central, na reunião de Inhambane, nas vésperas da proclamação da República Popular de Moçambique traçou limites claros entre a religião e o Estado, colocando a educação da sociedade, em geral, e da juventude, em particular, à responsabilidade da FRELIMO, cujas acções políticas estariam a cargo do Governo. Vincando o seu posicionamento, referiu que a igreja estava desprovida de qualquer autoridade política, o que implicitamente significava a reafirmação da separação entre o poder político e o espiritual. Samora dirigiu-se nos seguintes termos:
Nós discutimos aqui a religião. O Governo não é religião, não é Igreja. A Igreja não é Governo. Isto terá que ser claro. O trabalho da educação da juventude caberá à FRELIMO, através do seu Governo. Esta será a nossa política. A religião não é Estado. A religião não é Governo. A religião não é Estado. Igreja é Igreja, nãoé autoridade nenhuma, são duas coisas diferentes, diferentíssimas
Autores como Brazão Mazula, referem que um dos grandes erros cometidos pela Igreja, reside no facto de se imiscuir nos assuntos do Estado, no lugar de se embandeirar na sua missão profética, que lhe é reconhecida historicamente:
(...) as igrejas acabam por serem um instrumento do Estado, quer dizer que as igrejas devem ser colocadas na sua missão profética de libertação, onde for necessário, porque ela é uma consciência histórica. Acho que foi esse o grande erro da Igreja, o de ter perdido o seu papel de consciência histórica e de sociedade.
Síntese
A Luta tinha sido ganha no "teatro de operações militares", porém, surgiram resquícios da colonização e, visando o alcance de desígnios neo-coloniais, o que deu lugar ao surgimento de partidos políticos "cogumelos" ou fantoches. Mais uma vez, ficou clara a capacidade da FRELIMO, em saber resistir às intempéries e às vicissitudes do tempo, adaptando estratégias e metamorfoseado-se em funções das dinâmicas da Luta, sem sacrificar o essencial, a linha condutora para a Independência Nacional.
É desta forma que, aquilo parecia tsumani, caracterizado, mormente, por deserções e traições no regaço da FRELIMO, perdeu força vivificante. De forma mais terminante, a FRELIMO buscou na consciência libertária de todos os moçambicanos comprometidos com a causa nacionalista, os melhores meios de combater o seu inimigo.
As vitórias dos combatentes da FRELIMO, produzindo ecos nacionais e internacionais, tornadas evidentes na Operação Omar, propiciaram e precipitaram o acelarar ds nrgociações conducentes aos Acordos de Lusaka, a 7 de Setembro de 1974.
Longe de qualquer exibicionismo ou pretensão de puxar para mim o "Estatuto de Herói", a verdade é que, após o assalto ao Quartel de Omar, até ao processo negociável pré- Lusaka, não houve mais combate em todas as frentes. Assim, inequivocamente, este ataque ocupa um lugar relevante, nas acções que conduziram ao fim da Luta Armada de Libertação Nacional.
Com base nesta leitura, quatro ILAÇÕES podem ser retidas:
1. Em qualquer processo negocial, como se provou em Lusaka, é preciso estar em posição de vantagem e ter trunfos em manga, para não permitir chantagens e submissões por parte do opositor. Assim, as vitórias no combate libertador, especificamente, a captura dos 142 militares portugueses em Omar, colocaram a FRELIMO na dianteira negocial;
2. O sucesso das conversações provou que, embora a via militar fosse a principal, outras frentes, como a político-diplomática, desempenharam um papel importante, pois, difundiu as razões da nossa Luta, a nível internacional, esvaziando e desfazendo os ecos da propaganda eleitoral.
3. A conquista da Independência Nacional pelo povo moçambicano confirmou a validade da teoria segundo, a qual nenhum inimigo é capaz de impedir a consumação do desejo de um povo livre, desde que esteja unido e organizado em torno de uma Direcção lúcida, dotada de estratégias correctas;
4. De facto, nenhuma vitória acontece por acaso. Ela é fruto da arte organizativa, disciplina, perseverança e seriedade,, como nos ensina oo saudoso Presidente Samora Machel, na sua célebre frase "A vitória prepara-se; a vitória organiza-se"
10- Desafios Político- Militares e Valores fundamentais da FRELIMO
Um dos aspectos dignos de realce, mas pouco abordados na historiografia da Luta Armada, é o que se refere aos seus desafios político-militares. Esta situação tem vindo a alimentar correntes de pensamentos retrógradas, que procuram subterfúgios políticos e filosóficos para sustentar argumentos como a "guerra colonial foi um mar de rosas"; "que os traidores da Luta perseguiam objectivos nobres"; que a Independência Nacional foi-nos oferecido de "bandeja", pois, foi uma consequência lógica da vitória sobre o fascismo em Portugal, com o Golpe de 25 de Abril de 1974. Face aos principais desafios, os valores perseguidos pela FRELIMO foram fundamentais para a nossa Luta.
Assim, numa espécie de breve contextualização, irei debruçar-me a respeito dos desafios político-militares, acreditando não ser só impossível o seu esgotamento nestas singelas linhas, interessando-me porém, que este assunto possa motivar o seu aprofundamento, inclusive, noutros domínios, tais como político, social, económico e cultural. As dificuldades com que a FRELIMO se deparou foram mencionadas pelos seus diririgentes, ao mais alto nível, sobretudo os presidentes Eduardo Mondlane (1968) e Samora Moisés Machel (1968). De entre outras, merecem destaque as deserções, as traições, a indisciplina, a fuga de populações das zonas de conflitos militares, as balas doces e o surgimento de Movimentos Oportunistas.
10.1. Deserções e Traições
Durante a Luta Armada tivemos vários casos de deserções e traições, inclusvé de indivíduos que eram abrangidos, simultaneamente, por estes dois fenómenos. As deserções e traições caracterizam as guerras em todo o mundo, sendo que as suas causas dependem de factores de natureza social, política e económicas cultural das sociedades envolvidas nas contendas. Na nossa luta há que destacar a transposição de problemas que sobreviveram à fusão da FRELIMO, sobretudo o tribalismo. A estes associaram-se outros, tais como, a fraca maturidade política, a ambição e a incorporação de infractores fugitivos das autoridades administrativas coloniais. A respeito das deserções, o Presidente Mondlane chegou a fazer o seguinte comentário:
O fenómeno da deserção não é uma característica específica da Luta de Libertação de Moçambique. Há deserções na maior parte dos países, mesmo quando estes não estão em guerra. No movimento de Libertação de Moçambique, as deserções têm várias causas. Muitos camaradas engajaram-se na Luta porque têm consciência política nacionalistas. Mas outros há, cujo sentimento nacionalista é fraco. Há outros, ainda que tendo cometido infracções receiam ser condenados pelas autoridades portuguesas (...) os indivíduos com um passado destes, muitas vezes, fraquejam, não conseguem suportar as dificuldades da vida dos guerrilheiros. Uma vez fora do movimento, começam a inventar desculpas para se justificarem. Uns lançam boatos para desacreditar os dirigentes, separá-los das massas e desintegrar a luta. As deserções são crimes graves. Os desertores são inimigos do povo moçambique.
Como se referiu, a FRELIMO surgiu da junção dos três movimentos, já mencionados. Porém,pouco tempo depois da sua criação, viriam a notar-se divergências encubadas nas formações politicas por detrás da sua formação. Consequentemente, criaram-se fissuras políticas profundas no seu seio, tendo sido geridas, algumas delas, até à independência Nacional, em Junho de 1975. Discursando no II Congresso da FRELIMO, o Presidente Eduardo Mondlane sublinhou, a este propósito, o seguinte:
Quase que dentro de alguns minutos depois da última sessão solene do I Congresso, enquanto o Presidente da nova organização ia do salão ao aeroporto, regressando para os Estados Unidos onde ia completar o seu trabalho como professor, alguns membros do Comité Central começaram a manobrar para expulsar do corpo directivo certos indivíduos. Desde esse dia até ao fim de 1962 o corpo executivo central da FRELIMO não conheceu paz nenhuma.
De acordo com a sua explicação, tal situação se devia à fraca experiência política e à fraca preparação intelectual dos seus membros, aceitando, igualmente, possíveis diferenças de alinhamento ideológico. Qualificando estes movimentos, os fundadores da nossa Frente "pecaram por falta de representatividade interna e externa". No entanto , é de sublinhar que alguns problemas eram realmente anteriores à formação da FRELIMO, tendo influenciado não só a sua gestação, como igualmente, o seu desenvolvimento.
Refira-se, a título de exemplo, que a MANU e a UDENAMO não tinham ultrapassado as suas divergências políticas, Algumas manifestaram-se a escassos dias da formação da FRELIMO, o que obrigou o Governo do Ttaganyika a intervir, face ao ambiente caracterizado por insultos e calúnias entre os seus membros. Com efeito, no dia 4 de Maio de 1962, realizou-se uma reunião de mediação de uma contenda entre estes dois movimentos, em que a MANU estava representada por Mateus Mmole e a UDENAMO, por Adelino Guambe. O mediador foi Óscar Kambona, então Ministro dos Negócios Estrangeiros do Tanganyika e Secretário Geral do Tanganyika African National Unity (TANU). Este dirigente chegou a ameaçar de expulsão da Tanzania, ao Guambe e seu movimento, tido como promotor da confusão.
A 26 de Maio, o jornal "Tanganyika Standard" publicou que Guambe anunciava uma reconciliação e que iria formar uma frente com a MANU, para combater um inimigo comum, segundo ele "o governo Português". De acordo com este jornal, o compromisso tinha sido feito perante Óscar Kambona e Koinange, Secretário Geral do "Pan African Freedem Movement of East and Central África" (PAFMRCA). Porém, a 19 de Julho de 1962, o "Jornal Ngurumo" publicou em letras garrafais que a MANU e a UDENAMO tinham dissolvido a sua união. Na verdade, não tinha havido qualquer união entre estes dois movimentos, mas o que me parece inquietante, é o domínio público das suas divergências, o que em minha opinião e, como veremos, iria influenciar os processos políticos subsequentes.
Eduardo Mondlano ao centro e à sua esqª Adelino Guambe |
Relativamente a estas diferenças políticas, a UDENAMO acusava a MANU de tribalista e o governo do Tanganyika de paternalista em relação à MANU, alegadamente por haver afinidades étnicas entre as suas lideranças. Outras opiniões sustentavam, ainda, a existência de ambições políticas por parte da Tanzânia, acusada de ter a pretensão de expandir o seu território para a Província de Cabo Delgado,especialmente, a região povoada pela etnia Makonde. Por sua vez, a MANU falava em haver ligações fortes entre a PIDE/DGS e a UDENAMO. Preocupado com o que chamou de muito barulho e pouco por parte de Adelino Guambe, no mesmo período, Mateus Mmole espalhou um panfleto, cujo teor é o seguinte:
Desejo dizer aos cidadãos de Moçambique que não devem perder o seu tempo a falar, em vez de actuarem contra o Dr. António Salazar e os seus sequazes em Moçambique. A liberdade é um direito para todo o ser humano na terra, seja onde for neste Mundo. Durante 460 anos Portugal tem-nos tratado mal. Palavreado simplesmente dará lugar a que Portugal continue a governar Moçambique, onde a sua lei é barbara. Quando estivermos unidos, não devemos esquecer o veneno que demora e dificulta a liberdade e a unidade africana, num continente abençoado, muitíssimo cobiçado pelos ocidentais. Os venenos que impedem ou desmoronam a nossa liberdade sã: tribalismo, prestígio,anseio de riqueza, anseio de cargos! (...) Francamente direi que essas pessoas que se opôem aos seus irmão, são como Salazar, que só pensa em si próprio e não no seu povo. Esta é a razão porque a colónia (Moçambique) é tão pobre e eu estou certo de que o próprio Portugal é o país mais pobre da Europa e a doença tem sido espalhada nos seus territórios ulamarinos. Moçambique será com certeza livre, um dia e nós utilizaremos todos os meios possíveis para alcançarmos esse objectivo (...) Filhos de Moçambique, chegou a hora de agir e não de falar.
As acções políticas de Adelino Guambe repercutiram-se, inclusive na realização do I Congresso da FRELMO, em que não se fez presente e,tomado este dado para não reconhecer a legitimidade do novo Movimento-a FRELIMO, que integrava a formação de que ele tinha sido presidente. Criada a FRELIMO, que integrava a formação de que ele tinha sido presidente, alguns dirigentes seus, como David Mabunda, então Secretário-Geral, Paulo Gumane, Vice-Secretário Geral, insurgiram-se contra a sua Direcção, impedindo os outros membros da organização de realizarem o trabalho da Frente. Consequentemente, foram expulsos do Comité Central, ao que se seguiu a uma contínua contradições de fundo, no seio do Movimento.
As deserções que ocorreram mesmo antes do início da Luta, e logo a seguir à insurreição geral armada, foram objecto de várias reflexões no seio da Frente. As primeiras contradições de relevo prendiam-se sem o modelo de independência que "teríamos acesso". Recorde-se que muitos membros fundadores da FRELIMO, antes viviam nos países vizinhos, de onde lhes veio a inspiração libertária, associada, como vimos, a factores de ordem nacional e internacional. Na maioria destes países, o modelo de independência foi pacífico, mercê da visão, diferente dos seus colonizadores tinham, relativamente a Portugal. No entanto, alguns camaradas eventualmente distraídos a respeito do falhanço deste modelo em Moçambique, continuaram a alimentar as suas esperanças, de uma independência "dada de bandeja", mesmo no período em que a Luta Armada já era uma realidade. "A guerra é um acto de sacrifício e não um convite para um jantar"
Ao se aperceber disto,a maioria dos primeiros chefes, conseguiu encontrar argumentos para dar costas ao Movimento por eles criado - a FRELIMO. Com mais detalhes, um documento do nosso Comité Central, traz-nos os seguintes comentários:
O Comité Centra, retomando a orientação da sua reunião anterior, de Abril de 1969 analisou a origem das contradições no seio da FRELIMO, que remontam ao tempo da sua criação. Nessa altura a contradição baseava-se fundamentalmente na diferenciada concepção sobre os métodos de alcançar a independência: alguns moçambicanos, baseados nos exemplos de vários países africanos, idealizaram a independência nos bancos da ONU, em conversações, negociações que teriam como resultado último a entrega a entrega da independência à FRELIMO, por parte do Governo português, numa cerimónia solene, na capital de Moçambique, com festejos e celebrações. Quando se tornou claro que esse método falhara e a independência preconizava a luta armada começou a esboçar-se, nesses moçambicanos que não estavam psicologicamente preparados para a luta armada (e que são a maior parte dos membros fundadores da FRELIMO), deserções da organização.
A nossa luta exigia realmente, um elevado sentido de patriotismo. pois, as dificuldades eram enormes, Dando exemplo de algumas, o Presidente Mondlane referiu-se ao seguinte:
Foi em Bagamoyo onde a peneira do tempo nos ajudou a seleccionar entre as centenas de recrutas moçambicanos aqueles que eram verdadeiramente nacionalista e que estavam prontos a fazer tudo, incluindo o sacrifício máximo da sua vida, para a libertação do seu país. Essa selecção e endurecimento dos militares moçambicanos, escassez de comida, resultando em militantes a passarem dias a comendo muito pouco, e as vezes mesmo sem comer nada, falta de roupa, fazendo com que muitos camaradas se vestissem de farrapos e fizessem exercícios duros, incluindo corridas e rastejo nas matas espinhosas, quase nus e descalços, e serviços médicos muito irregulares, etc...etc,,,
Voltando para as clivagens no seio da FRELIMO, refira-se que o Presidente Eduardo Chivano Mondlane era acusado de promover a exclusão dos líderes dos anteriores movimentos e, inclusive, de ter manipulado as eleições a seu favor, subornando os eleitores. No entanto, compulsando um documento que chegou às mãos da PIDE/DGS, datado de 22 de Dezembro de 1964, é notória a falta de conhecimento a respeito do percurso académico e profissional de Mondlane e, muito menos dos corredores político-diplomáticos por ele efectuados a nível internacional, a favor da independência de Moçambique. Neste documento lê-se o seguinte:
(...) Aqueles "leaders" acusavam Mondlane de ter subornado alguns delegados, apesar de não se terem provado as suas acusações, parece muito estranho que um homem que passou dez anos na América sem se ter pronunciado uma única vez contra o colonialismo português e que em 1961, ainda podia visitar Moçambique e ser recebido como um herói pelo Governador Geral, passado pouco tempo, ser escolhido como chefe do Movimento Nacionalista.
Como se estivesse a dar explicação para este assunto
(...) A habilidade diplomática de Mondlane, a sua figura de impacto mundial e a sua visão estratégica e a prazo, que a sua formação académica e a sua experiência adquirida nas Nações Unidas constituíaram as forças que lhe permitiram liderar um movimento heterogéneo em várias vertentes da sua composição.
De facto. o Presidente Eduardo Mondlane, lidou com uma série de problemas complexo, sendo de destacar a gestão da figura de Leo Clinton Aldridge, que se apresentou como Leo Milas, um cidadão americano infiltrado no Comité Central da FRELIMO, tebdo sido eleito no I Congresso, como Secretário de Informação, Propaganda e Segurança.
Existem diferentes versões sobre as falsas origens de Leo Milas em Moçambique, contudo, todas coincidem no que se refres às dificuldades que este cidadão americano tinha na indicação com a devida exactidão da sua terra de proveniência dentro do nosso país. Raimundo Pachinuapa indica que Milas dizia que tinha origens algures, em "Inhambane, com a única particularidade de que ele não sabia que Distrito era, pois, os seus pais tinham ido para os Estados Unidos, havia muito tempo" Por sua vez, Bernabé Ncomo afirma que Milas fes-se passar por um moçambicano por origem macua, mas, quando questionado sobre a exactidão da sua nacionalidade, oferecia muitas dificuldades. Esta situação levantou suspeitas, a ponto de se ordenar uma investigação para se apurar as veracidades dos factos.
A introdução de Milas na FRELIMO constitui uma matéria que já "gastou muita saliva " mesmo no tempo da luta e, ainda promete "gastar muita tinta". Sobre este assunto, Eduardo Mondlane prestou a seguinte informação, ao II Congresso da FRELIMO.
Ao mesmo tempo que estas manobras dos inimigos da Luta de libertação se processaram outro tipo de acção do mesmo inimigo se operava no seio do Corpo Central da FRLIMO. Refiro-me aqui á ingerência de elementos estrangeiros na estrutura central do movimento, tais como Leo Milas, que, tendo sido introduzido na organização pelo seu amigo Adelino Guambe, conseguiu ludibriar os membros do Comité Central e fazer-se passar por moçambicano, quando na verdade ele era negro americano (...) Leo Milas podia ser um dos agentes contra-revolucionário que o inimigo de vez em quando empregava para destruir o nosso movimento (...) o Presidente da FRELIMO mais tarde conseguiu contactar os seus pais e confirmar a descoberta.
Raimundo Pachinuapa e sua esposa |
A respeito desta investigação, Pachinuapa oferece dados, focalizando a sua origem americana e a actuação sob as ordens da CIA, Destacou que "Leo Milas, em Dar-es-Salaam, andava com uma pasta bonita, e sempre perguntava a cada um de nós (Companheiro o que é que comeu hoje, quer dinheiro ou não?) Tinha muito dinheiro, distribuía dinheiro (...) quando Mondlane se encontrou com os pais de Milas, perguntou-os se eram de Moçambique e eles disseram:
- Nós não somos de Moçambique, que Moçambique? - Mas vocês não são africanos? - Não, nós somos americanos - Não conhecem nenhum país de África? - Não. - Mas vocês têm um filho chamado Leo Milas? - É um vagabundo que anda por aí ... e nem sabemos onde se encontra.
Foi assim que descobrimos que temos um espião da CIA
Ncomo retomou este debate, desdobrando-se entre a acusação do Presidente Mondlane e Adelino Guambe, entre as pessoas responsáveis pela vinda de Milas para a FRELIMO. Para algumas pessoas incautas, era realmente fácil fazer a ligação entre o Mlas e o Modlane, pelo simples facto de este ter vivido nos EUA. No entanto, parece que Ncomo exteriorizou as suas próprias convicções, ilibando o Presidente Mondlane, ao assumir que:
apesar que tudo indicar que Milas entrara na FRELIMO pela mão de Adelino Guambo, difícil foi para Mondlane e seus apoiantes convencer os demais, para muitos (Milas foi produto de Mondlane) e os dois haviam se conhecido nos Estados Unidos da América muito antes da fundação da FRELIMO.
Joaquim Chissano, que foi foi Assistente do Presidente Eduardo Mondlane, decidiu entrar neste debate. Começa por estabelecer uma ligação Adelino Guambe e o Milas, cujo nome, Guambe escamoteou aquando de uma conversa consigo, em representação da União Nacional de Estudantes Moçambicanos (UNEMO). Guambe era Presidente da UNEMANO e a conversa com Chissano girava em torno de se recuperar os quadros moçambicanos na diáspora, convidando-os a integrar e impulsionar o novo equipamento em debate; que seria a FRELIMO. Chissano refere que depois da conversa, viria a saber que o nome escamoteado por Guambe era Leo Milas, que o propusera ao Presidente Mondlanne, tendo este, desatentamente anuído. Finalmente, salienta que depoisde se descobrir as falsidades do Milas, Mondlane seria conotado ca a sua integração na FRELIMO.
Chissano referiu que durante a conversa, Guambe falou de alguém que:
ele achava ser muito importante, que em breve iria chegar a Dar-es-Sallam. Este teria ido havia muitos anos aos Estados Unidos onde se encontrava a viver na Califórnia. Guardou o nome em segredo. Viemos a saber mais tarde que se tratava do controverso Milas, porque Guambe veio a pedir a Mondlane que procurasse por ele lá nos Estados Unidos. Mondlane encontrou-o e infelizmente deixou-se levar. Tomou-o a sério. Mas a sua origem moçambicana veio veio a tornar-se duvidosa quando já era dirigente da FRELIMO (...) Quando os problemas surgiram já não se dizia que o Guambe trouxera este indivíduo. Dizem que Mondlane é que tinha infiltrado o espião negro americano,
O exemplo das traições e deserções é espelhado pelas constantes mudanças na composição do Comité Central da FRELIMO, desde a sua eleição, no I Congresso, em 1962, até ao II Congresso, em 1968.
Joaquim Chissano discursando na tomada de pose do Governo de Transição |
No tempo do Nkavandame existiam cooperativas, onde se produzia mandioca milho e mapira, mas ele queria explorar as pessoas como faziam os colonialistas portugueses. Por isso, a relação entre ele e o Chibirite era como de entre gato e rata.
Em relação à estratégia militar defendida pela Direcção da FRELIMO, Lázaro Nkavandame insurgiu-se profundamente. Além dos aspectos já caracterizados, relativos à guerra prolongado ou não, esteve contra a participação da mulher na Luta Armada.
A travessia da fronteira pelos guerrilheiros da Frelimo, transportando material letal, em algum momento transformou-se num problema crítico para a manutenção da Luta Armada. A este respeito, Calisto Migico Malido, Sub-Secretário e Chefe do Departamento de Defesa Provincial de Cabo Delgado, reportou a, 16-08- 1968, os constrangimentos que o levaram a ficar retido na fronteira, durante 4 dias, tentando a travessia do rio Rovuma para Moçambique. Este constrangimento estava centrado no "Velho Lázaro" como era tratado Lázaro Nkavandame,
Outro documento foi datado de 14 de Julho de 1969, exortava aos camaradas para se prevenirem das acções inimigas, visivelmente encabeçadas por Lázaro Nkavandame. Este documento referia, entre outros aspectos, as demarches feitas por alguns infiltrados, tanto no interior de Moçambique, como na Tanzânia, nos seguintes termos:
(...) quero informar o Departamento de Defesa que a vinda de muitos elementos no nosso seio, com a capa de desertores do Portugal carece de vigilância em todos os nossos passos; estes formam uma rede Lázaro ou são anzóis para pescar algumas pessoas no nosso seio. Prova evidente: antes de chegar cá em Tanzânia, um dos grupos enviados declarou de que o que está em Nangade e tem por missão ir em Tanzânia onde contactara Rutamba, em Dar-es-Sallam e saberá da situação de todos os que se encontram em Dodoma (chaiman, a via a usar seria por onde o Sr. Lázaro tem passado ... assim se deu.
Como foi referido, Nkavandame desertou da FRELIMO, a 16 de Mio de 1969. Doravante passaria a dedicar-se às acções associadas aos serviços psicossociais do regime colonial, como a produção e distribuição de panfletos, convidando as populações para aderirem aos aquartelamentos portugueses
Aquando da visita do Ministro do Ultramar a Moçambique, Baltazar Rebello de Sousa, em 1974 e a sua deslocação ao Distrito de Cabo Delgado, foi notório o elevado nível de subserviência e submissão de Nkavandame às autoridades portuguesas. Na mensagem de saudação por ele apresentada, fes questão de tratar a Província de Cabo Delgado como uma zona isolada do resto do país, renovando a sua antiga, mas sempre presente ambição de uma independência unilateral para esta região. Reiterou a paternidade portuguesa e junto do seu "pai" (Rebello de Sousa) defendeu a indissolubilidade da dependência politica e moral de Moçambique em relação ao colonialismo português e condenou veementemente a Luta conduzida pela FRELIMO. Porém, estava-se numa altura em que havia sinais de que a bandeira da Independência Nacional estava quase a hastear-se em todo o território nacional. A defesa ferrenha de Nkavandame ao colonialismo português é atestada na carta que se segue:
A respeito das traições, o Presidente Samora Machel, numa visita efectuada à base Limpopo, na Província de Cabo Delgado, a 22 de Fevereiro de 1968, fez referência à infiltração de agentes do inimigo. Chamando a atenção dos camaradas, assim de dirigiu:
Elucidando sobre os casos de desvio comportamental, um relatório confidencial do Departamento da Defesa refere-se à emboscada em que ia cair o Presidente Samora Machel, em Outubro de 1972, na visita que fazia ao interior do País, acompanhado por Hashim Mbita, Secretário Executivo do Comité de Libertação de África. Outros em casos gritantes fazem alusão ao ao envolvimento de combatentes nossos na indicação, ao inimigo, dos nossos acessos, da Tanzânia para o interior de Moçambique e vice.versa; a retirada de minas por nós colocadas em certos carreiros, para dificultarmos a livre circulação do inimigo e, ainda, a colocação de minas, nos nossos próprios corredores, emboscando, assim,, os combatentes.
10.1,2 Zonas de conflitos militares e balas doces
Durante a Luta Armada e, particularmente aquando da operação Nó Górdio, nalgumas vezes a mobilidade das populações traduziu-se em problemas de índole milita. Este aspecto explica-se pelo papel que as massas desempenhavam na operacionalização da máxima de Tsu Lan, de que a população, é para o guerrilheiro, assim como a água é para o peixe. Neste contexto, é fácil entender a travessia do rio Rovuma, à busca de território mais seguros afectava sobremaneira a eficácia da Luta.
Com o objectivo de se contrariar esta tendência, o relatório da tado de 27.071970, de uma brigada da FRELIMO que integrava, entre outros, Alberto Chipande e Jonas Namashulua, mostra um debate havido em Mtwara, com as populações saídas de Namatili (Omar), alegando fugirem das balas inimigas, da fome e, procurando acolhimento social (assistência em educação e saúde) para as suas crianças.
Jonas Namashulua, Representante da FRELIMO em Mtwara |
As "balas doces" constituíram-se num dos desafios que vale a pena recordar. Associado à nossa Luta, este conceito se refere ao tipo espionagem que a tropa portuguesa recorria à infiltração de mulheres no nosso seio, um fenómeno que deixou alguns camaradas "caídos em armadilhas", atraídos pelas raparigas introduzidas pelo inimigo. Antes de partirem para as missões, as meninas recebiam um carrinho entre as nádegas, como forma de identificá-las, aquando do regresso para as fileiras militares coloniais.
Este fenómeno não era desconhecido, pois, no mundo já existiam experiências do género. Refira-se que a espionagem militar é um fenómeno antigo, objectivo de estudo do chinês, Sun Tzu, estando reflectido na obra "A arte da Guerra". Este autor remete-a para a Antiguidade, por volta do Século IV Antes de Cristo. Anotações da Bíblia Sagrada se referem, igualmente, a este fenómeno, em que se afirma que Moisés, sob a orientação divina, numa missão de espionagem, teria enviado a 12 agentes para Canaã, a "Terra Prometida". Porém, os testemunhos mais documentados sobre o envolvimento de mulheres na espionagem militar datam da Primeira Guerra Mundial.
10.1,3 Surgimento de Movimentos Oportunistas
O Embrião que deu origem à FRELIMO resultara, como foi referido da síntese das experiências e aspirações proto-nacionalistas e nacionalistas, inspirados em outros acontecimentos a nível regional, continental e internacional. No entanto, depois da sua formação, algumas contradições internas resultaram em tentativas de ressurgimento de dois movimentos que tinham participado da fusão da FRELIMO. Dada a relevância de que se reveste esta matéria na história da Luta Armada de Libertação Nacional, parece-nos importante discorrer sobre ela, ainda que em voo rasante.
Recorde-se que a FRELIMO resultou da fusão da UDENAMO, MANU e UNAMI. Porém, alguns membros dos dois primeiros movimentos viriam a criar um protagonismo que de certo modo teve implicações negativas para Luta Armada. Como já foi frisado, as contradições prendiam-se com a diferenciada concepção sobre os métodos de alcançar a Independência Nacionl, assim como a falta de preparação política e psicológica para a Luta -- as razões de fundo das deserções,
Liderados por Guamo depois aboliram-na, alguns desertores anunciaram o ressurgimento da UDENAMO e depois aboliram-na, dando lugar a FUNIPAMO. Um ano depois, este novo movimento era substituído pela COREMO, uma fusão entre a FUNIPAMO e o MORECO, um movimento que existia, havia passado um ano. Posteriormente, o mesmo grupo criou, no MALAWI, a União Nacional Africana da Rumbézia (UNAR), cujo objectivo era de desarmar os guerrilheiros da FRELIMO e negociar com as autoridades portuguesas, a independência da região compreendida entre os rios Rovuma e Zambeze. Tratava-se de um projecto com a mão do presidente malawiano, Hastigs Kamuzu Banda que alimentava o seu sonho de estender o Malawi para o Oceano Índico,anexando a província da Zambézia. Considerando estas circunstâncias,hoje, Moçambique estaria confinado ao Sul do rio Save. valeu a pena o esforço da FRELIMO no sentido de se contrariar essa tendência.
O Coremo teve, por sua vez, apoio do presidente zambiano Kenneth Kaunda, no âmbito da sua diplomacia ambígua, já mencionada, pretendendo ter acesso ao porto da Beira, no seu comércio internacional. Neste quadro, Kaunda fez esforços, inglórios, no sentido de unir a FRELIMO à COREMO. A sua proposta foi redondamente rejeitada pela Direcção da FRELIMO, dada a irrelevância política. O COREMO procurou, inúmeras vezes, desestabilizar a Luta da FRELIMO, a partir da Província de Tete, saindo do Malawi. Nas suas incursões, realizadas na segunda metade da década de 1960 e início de 1970, acabou comprometendo a Zâmbia, perante Portugal, ao protagonizar raptos e assassinatos de cidadãos indefesos. A estas acções os portugueses retaliaram, bloqueando o uso do porto beirense, por parte da Zâmbia. Outro incidente ocorrido em 1971, manifestamente, o roubo de um boi por homens do COREMO e sua atribuição ao OPV ( milicianos criados pelos portugueses), junto das populações, teria conduzido a um ataque aos homens do COREMO, pelos milicianos. Esta situação obrigaria a Zâmbia a retirar-lhe o apoio, o que precipitou o seu fim.
Com um percurso político bastante sinuoso, o COREMO espelhava a manifesta falta de clarividência estratégica do seu leader, Adelino Guambe, o qual nunca encontrou alicerce popular para as suas intervenções. Neste sentido, mais do que dirigente de um movimento militar, Guambe apresentou-se como um simples individuo cuja actividade era um exercício político de ensaio de nomes de organizações, do que verdadeiramente de direcção de um movimento político-militar, enraizado nos anseios do povo moçambicano, Criou a NOVA UDENAMO, ou UDENAMO MOÇAMBIQUE, Mozambique Revololution Council (MORECO) , UDENAMO MONOMOTAPA, Frente Unida Anti-Imperialista Popular Africana (FUNIPANO), Conselho Revolucionário de Moçambique (COREMO), MOPEMO.
Dentre outros movimentos que surgiram, figua o PAPOMA, criado em 1967, no Malawi, por Calvino Mahlaieie, com a participação do polémico Leo Milas; o Movimento de Libertação de Moçambique; (MOLIMO), sediado no Quénia, fundado em 1970 por, Almeida Magaia e Henrique Nhancale; o Exército Revolucionário do Povo Moçambicano (FREPOMO); Frente Unida de Moçambique (FUMO) liderado por Narciso Mbule, cujo Vice-Presidente era Vasco Campira; e Mozambique African National Congress (MANC) ou Congresso Nacional Africano de Moçambique. Todos estes movimentos não chegaram a constituir uma base popular, o que lhes valeu um fim prematuro.Enquanto isso a FRELIMO ia cumprindo a sua missão histórica, de libertar o povo moçambicano do jugo colonial.
10.1,4 Valores Fundamentais da FRELIMO
Os desafios a listapolítico-militares foram superados e a FRELIMO conduziu a Luta até à derrocada do colonialismo português em território moçambicano. este feito marcante da nossa história explica-se pelos valores fundamentais criados e disseminados pela Frente de Libertação de Moçambique. Dentre esses valores, destaca~se a Solidariedade, Unidade Nacional e a Noção do Inimigo.
A solidariedade é o valor em que repousou a essência da FRELIMO, tendo se constituído numa fonte inesgotável de inspiração dos seus combatentes. É realmente numerosa a lista de razões que conduziram à contestação da ordem política--administrativa colonial, fizemos menção. Refira-se, porém, que nos finais da década de 1950, o sistema colonial tinha feito emergir uma acentuada diferenciação rácica e de oportunidades entre os moçambicanos.
Não obstante, algumas pessoas tinham encontrado o mecanismos para a melhoria das suas condições de vida, havendo na altura, enfermeiros e professores espalhados pelo país. Havia, igualmente, moçambicanos com nível de formação médio e superior, ainda que poucos. Porém, a esmagadora maioria da população vivia debaixo da exploração desenfreada e da segregação dos agentes administrativos colonial, nos locais de trabalho, no comércio, nas zonas de residência, nos locais de culto, por aí em diante..
Vendo os seus concidadãos em sofrimento, estes moçambicanos decidiram prescindir das oportunidades que tinham dentro do sistema colonial e, solidarizando-se com os demais, juntaram-se à causa da libertação nacional.Durante a Luta Armada, não tínhamos salários, fardamento militar condigno e, quase tudo faltou-nos, mas o ideal da conquista da nossa soberania, como um povo, sempre esteve presente, tendo sido expresso pela nossa Solidariedade.
A Unidade Nacional foi a coluna vertebral da ideologia da FRELIMO e baluarte da sua vitória. a maior contrariada que a FRELIMO encontrou durante a Luta foi a gestão da diversidade ético-cultural do País, sabido que a cultura carrega consigo diferentes maneiras de ser e estar, diferentes motivações, emoções e paixões, tanto a título de grupo como individual. Era preciso congregar esta diversidade, em torno dos objectivos da nossa Luta, clarificando o nosso horizonte, a vitória sobre o colonialismo português. Este desiderato só seria possível alcançar, uma vez unidos, tendo em conta o espírito de crítica e autocrítica, como a ferramenta necessária para a promoção deste valor-mor.
A noção do inimigo foi um assunto. igualmente estruturante da luta da FRELIMO. Inicialmente, a noção do inimigo esteve bastante ligada à raça e, conotada com a raça branca. Assim, era tido por inimigo, todo o indivíduo desta raça. Aliás, o próprio Presidente Mondlane foi vítima desta concepção, pelo facto de sua esposa, Janet Mondlane, ser uma branca.
Eduardo Mondlane e sua esposaa norte-americana Janet Mondlane |
Concordando com Pelembe, durante a Luta Armada não foi fácil introduzir nas populações o verdadeiro conceito do inimigo, dissociado do branco. Aliás, mesmo no nosso seio como combatentes, este exercício foi realmente difícil. Recordo-me que nas sessões de educação política que tivemos em Nachingwea, orientadas por especialistas chineses, este assunto foi tratado com profundidade. Reagindo de forma psicológica, e recorrendo ao que ficou conhecido por narrativa de sofrimento, era-nos explicada a noção do inimigo, partindo primeiro de uma pergunta. Quem é o vosso inimigo? Todos nós, ou pelo menos a maioria respondia, é o branco!... Reagido a esta resposta, os instrutores afirmavam que iriam regressar para a sua terra, porque eram brancos, que a luta da FRELIMO tinha o apoio de brancos.
Síntese
Durante a progressão da Luta Armada de Libertação Nacional, o mais difícil foi conviver com as "minas retardadas" e o surgimento de movimentos oportunistas cogumelos, uma combinação de forças negativas, que se opunham à nossa Independência. Por isso, por isso impunha-se redesenhar estratégias, a nível diplomático, para remover as barreiras da construção de um Moçambique independente.
O povo moçambicano, que sempre esteve do lado da FRELIMO, não vacilou e, compreendeu quão era importante consentir sacrifícios. Neste prisma, contando com o seu povo, a Direcção da FRELIMO traçou desafios, construindo pilares políticos estratégicos que culminaram com a libertação do povo moçambicano do jugo colonial em 1975.
A realização do meu sonho sobre a libertação dos moçambicanos e seu desenvolvimento sócio-económico, político e cultural, começou a tomar forma com a minha filiação à FRELIMO, como foi referido em 1965. Conquistada a Independência Nacional, participei, igualmente, no processo de reconstrução do País, em vários domínios, especialmente, na garantia da inviolabilidade das fronteiras nacionais e na manutenção da soberania do estado Moçambicano.
Os meus ideais estão em alinhamento com a visão da FRELIMO, expressa, sobretudo , nas Resoluções e Decisões do seu II Congresso, realizado em Matchedje, Província do Niassa, de 20 a 25 de Julho de 1968. Além da conquista da Independência Nacional, fortemente defendida por este órgão, as outras áreas defendias foram as da Educação, Saúde, Agricultura e Indústria, Estes sectores continuam a estruturar as estratégicas governamentais da FRELIMO, tendo como fim último, a satisfação cada vez melhor das condições de vida dos moçambicanos. É o meu sonho em marcha, desde a década de 1960.
Ordem do Cessar-Fogo da luta Armada de Libertação Nacional
Frente de Libertação de MoçambiqueOntem dia 7 de Setembro momentos depois da assinatura solene do Acordo de Paz entre Moçambique e Portugal um pequeno punhado de brancos reaccionários a soldo do imperialismo internacional apossou-se das instalações do RCM em Lourenço Marques
Este bando de fascínoras, composto por criminosos de guerra, agentes da PIDE/DGS e conhecidos representantes das forças exploradoras, tenta desesperadamente opôr-se à vontade de Paz do Povo moçambicano e do Povo português.
O objectivo destes elementos sem prática e sem ideal, é o de impedir a independência de Moçambique. para isso procuram provocar um clima um clima de conflito racial, de caos e anarquia que sirva de pretexto uma internacionalização da agressão do nosso Povo.
Neste quadro recrutaram forças mercenárias, buscaram o apoio de forças racistas e reaccionárias.
Acordos de Lusaka |
Exibição das pastas do Acordo |
Estes entendimentos seguem-se aos anteriores, nomeadamente, a criação da Comissão Mista de Verificação (COMIVE), em 1992, entre o Governo de Moçambique, representado por Atanásio Salvador Mtumuke e a RENAMO, representada por Pascoal Nhalunga; o Acordo Geral de Paz, assinado em 1992, em Roma, por Joaquim Alberto Chissano, Presidente da República de Moçambique e Afonso Marceta Dhlakama, Presidente da RENAMO: a criação da Equipa Militar de Observação da Cessação das Hostilidades Militares (EMODHM), assinado em 2014, entre Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de moçambique e Afonso Marceta Dhlakama, Presidente da RENAMO.
Contra capa do livro- |
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