GIANCARLO COCCIA e VERTENTE , 2011Título: A Cauda do Escorpião -- O Adeus a Moçambique
Uma edição revista e ampliada de The Scorpion Sting --Moçambique,
publicado originalmente pela Livraria Moderna de, Joanesburgo, 1976
A amarelo o Diário de Luís Correia.
Aos homens de Montepuez (Moçambique), aos soldados traídos e aos mortos esquecidos, foi dedicada em 1976, a primeira edição de Scorpion Sting. Lisboa ergueu um monumento que não poucos nas Forças Especiais consideram como a apoteose da hipocrisia! Porque para os rapazes de Montepuez a gerência
Luís Correia do CITMO |
Finalmente decidi telefonar.
Luís Correia, 18/04/1974
***
À noite, Pretória é uma cidade pacata, quase morta. Como quase todos os residentes de Waterloof, dormia há várias horas quando o terrível som do telefone me acordou.
-- Sim, daqui é Giancarlo...Com quem estou a falar?
-- Luís, Luís Correia...
Fiquei surpreendido. Luís Correia era um bom amigo. Ele representava o CITMO em Nampula, era delegado do CPEF (Conselho Provincial de Educação Física) e Desportos e instrutor-Chefe do Centro Hípico de Nampula. Mas, mais importante, Luís era o elemento de ligação do Governo Civil com o Comando-Chefe das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique.
(...)
-- Ah, sim, Luís...Mas o que é que tu estás a fazer na Beira? Pensei que...
Estava a pensar nas justificações. Mas antes de poder acabar o que ia dizer, ele cortou-me as palavras. Na sua voz havia mais que uma ponta de excitação!
-- Escuta Giancarlo -- quase gritou --, estou no Hotel Moçambique, na Beira. Se não queres perder o desenrolar de uma grande reportagem, vem para cá o mais depressa possível. Deves saber interpretar o que te estou a dizer... Tenta lembrar-te... Nós discutimos isso em Nampula há menos de um mês... Entendes?
Hotel Moçambique, na Beira |
-- Sim, compreendo perfeitamente, mas quando vai acontecer?
-- Irá passar-se no mesmo dia em que o teu país se celebra a Libertação pelos Aliados, na Segunda Guerra... Então, vamos ver-nos em Nampula... Adeus Giancarlo!!!
(...)
Naquele momento eu era o único jornalista da África Austral, e provavelmente do resto do globo, que sabia que os rumores estavam finalmente a tornar-se realidade e que sim, na verdade, ia haver um golpe em Portugal.
Alguns dias depois em NAMPULA, Luís contou-me que tinha sido o general Costa Gomes que algumas semanas antes lhe tinha dito: ; O Governo, tal como está, não chega ao próximo 1º de Maio
Luís achou que a notícia era ; era muito importante e extremamente preocupante. Lembrou-se da conversa que tivemos em Nampula no mês de Março sobre o que lhe tinha dito o Capitão de Cavalaria Mário António Tomé,do Movimento das Forças Armadas (MFA), e outros oficiais General dentro do Quartel (QG), disse-me o Luís, para quem esta em jogo a vida de milhares de africanos. Quem irá segurar as rédeas deste cavalo à solta? Seria possível detê-lo?
***
A situação era tão confusa quanto incrível. Os fans do general António de Spínola tinham razão. O seu livro Portugal e o Futuro tinha acendido o rastilho do paiol revolucionário! Iria este prestigiado militar liquidar o já vacilante Governo de Marcelo Caetano? Estava tudo preparado para o dia 25 de Abril? Iria Spínola fazer a diferença, tentando subir militarmente a parada em Angola, Moçambique e Guiné, antes de iniciar acções políticas e diplomáticas para acabar de maneira digna a guerra e a presença lusitana em África?
(...)
Algumas horas mais tarde eu e meu irmão Emílio estávamos a empacotar caixas e bagagens. A minha cabeça voava de Pretória para Lisboa, de Lourenço Marques para Nampula, de Nampula para Nangade, do Norte de Moçambique e de Marcelo Caetano para António de Spínola. E por fim, pensava nos Comandos de Montepuez que tanto tempo tinham combatido, sem saberem que sorte lhes estaria reservada no dia seguinte ao fim do Império Português.
Qual seria a reacção da população branca de Moçambique com o sucesso dos golpistas em Lisboa? E como iriam reagir os soldados portugueses, brancos e pretos, sabendo que a guerra, depois de anos de combate sem qualquer visão de vitória, poderia acabar? Spínola tinha escrito: <
Se esta força se desfizesse de repente, o que poderia acontecer?
Seria possível uma insurreição da tropa negra de recrutamento local?
***
Em 1965, por influência do general Augusto dos Santos e do então brigadeiro Costa Gomes, Lisboa concordou com a transferência de vários departamentos e serviços do Quartel General de Lourenço Marques para Nampula.
Com a chegada do QG e a mudança permanente do brigadeiro Costa Gomes para Nampula, a cidade teve um grande surto de desenvolvimento, passando assim a ser conhecida como a capital militar de Moçambique.
(...)
Assim, em 1974, além de cerca de dez mil militares, Nampula tinha uma razoável população civil que a tornou na terceira maior cidade de Moçambique. Todo o apoio aos militares e famílias tinha de ser trazido do sul. Mesmo assim, continuava a ser uma pequena cidade do interior, sem grandes perspectivas de melhorar.
(...)
Seguindo pegadas das anteriores visitas, o meu irmão Emídio e eu dirigimo-nos para o Hotel Portugal.
(...)
Luís Correia estava na cidade e chegou ao hotel logo depois do pequeno almoço. Já estávamos no meu quarto quando, com uma chávena de café à frente, confirmou o que me tinha dito ao telefone quatro dias antes. O golpe em Lisboa era mesmo para se fazer. Tinha tido confirmação disso mesmo naquela manhã de 22 de Abril pela boca de outro oficial superior. Notável!.
(...)
Hotel Portugal em Nanpula |
(...)
Nampula não nos servia. Durante a noite já tinha decidido que, para presenciar reacções honestas ou demonstrações genuínas por parte dos militares, teria que ser longe do Comando QG das forças portuguesas. Aqui, com a segurança existente, nada chegaria ao nosso conhecimento.
Os únicos lugares que poderiam interessar eram Mueda, ou mais a norte junto à fronteira com a Tanzânia, Nangade.
Escolhemos o segundo porque era o aquartelamento que poderia ser atacado a qualquer momento por forças da FRELIMO e tinha forma de se defender convenientemente.
A nossa primeira tentativa de alcançar NANGADE falhou. Era muito cedo e as nuvens estavam muito baixas. Quando levantámos voo no bimotor PIPER ATZEC, as nuvens cobriam já toda a zona e tinham-se transformado num manto cinzento-escuro.
O grave problema era que,desde finais de 1973, além de terem homens no terreno, por cortesia da União Soviética, tinham também dispersos pela área mísseis terra-ar SAM 7 . Para as aeronaves voando baixo dos dois mil metros, eram fatais.
(...)
NANGADE fora já atacada muitas vezes . Exactamente uma semana antes da vossa chegada, disse-nos o Tenente Coronel Delfino, um grupo de terroristas instalou-se numa escarpa entre dois montes próximos. Daqui fizeram fogo com lança mísseis BM 21... Bom material fornecido pela URSS! Mandaram mais de 150 foguetões de 122 mm contra o quartel. Nada de importante foi atingido por todo este fogo - de - artifício que durou trinta minutos.
À noite, na messe dos oficiais, o comandante Carlos Delfino, convidou-me para acompanhar um grupo de operacionais moçambicanos, quase todos negros, comandados pelo alferes Comando Fernando Paiva. Iriam sair numa operação, na madrugada do dia seguinte, com duração de cinco dias. O objectivo seria capturar alguém da "Base Beira" distante alguns quilómetros de NANGADE, que fosse capaz de confirmar as informações recebidas.
Era para a zona da Base Beira, que a FRELIMO trazia os seus convidados VIP e lhes mostrava que tinha o controlo das populações macondes e de todo o território até ao rio MESSALO. Chamavam-lhes Zonas libertas.
Esta base logística tinha um efectivo variável. A sua missão era servir de apoio ao núcleo central da FRELIMO em Cabo Delgado. Este situava-se entre: Mueda; Sagal; Diaca; Muidumbe; Nangololo e Sul de Miteda. Não muito longe da estrada Nancatar-Mueda estava a "Base 25", onde todo o material de reserva dos guerrilheiros, depois de ser transportado a pé desde a "Base Beira", ficava em depósitos subterrâneos
Era meio-dia e não tínhamos marchado mais que uma dúzia de quilómetros, quando o alferes GE João Fernandes Paiva, que tinha o crachá dos Comandos por cima da farda preta dos GE, concordou em fazer uma paragem.
(...)
Ao segundo dia a sorte não estava connosco. Por volta da meia-noite, não podendo dormir e desejoso de se manter em contacto com o quartel, o alferes Paiva descobriu que a chuva tinha entrado no compartimento das baterias do rádio. Nenhuma tentativa foi capaz de introduzir o R/T a trabalhar e, não havendo qualquer forma de estabelecer contacto com Nangade, a nossa progressão para o objectivo parou.
Várias razões justificavam a decisão tomada pelo aLferes. Primeiro, sem um rádio seria impossível pedir uma evacuação se alguém fosse ferido. Em segundo lugar, qualquer avião amigo que nos sobrevoasse, sem contacto rádio com o nosso grupo, poderia bombardear-nos ou solicitar apoio para tal.
Nestas circunstâncias, o alferes fez a única coisa que podia ser feita: mandou uma secção de cinco homens voltar ao quartel e obter um novo rádio, enquanto o resto do grupo aguardava o seu regresso.
A secção regressou por volta das 08h30 e eram 08h55 o rádio fez ruídos de estar em condições.
Bartolomeu, alferes Paiva e o "Comando" |
Um longo silêncio seguiu-se a estas palavras, enquanto ele atentamente escutava as novidades com os auscultadores colocados. Fez mais algumas perguntas e finalmente pousou o micro.
(...)
-- O Governo vai cair -- afirmou ele em voz baixa. --O Movimento das Forças Armadas controla o país sem oposição ou sangue... O general Spínola poderá ser o novo Presidente da República ... com ou sem Caetano... Pelo menos assim o desejamos -- terminou o bravo alferes.
Limpando a garganta carregada de pura emoção, disse:
-- Tudo começou esta madrugada. Parece que Lisboa está totalmente controlada . O que foi transmitido foi confirmado pelo Maior.
O alferes João Paiva olhou rapidamente à sua volta. Com certeza que esta surpreendido pelo que tinha acontecido mas era claro que não desejavam que os seu homens tivessem conhecimento.
-- O comandante ordenou que se continue a operação. Sendo assim, eu penso que é melhor que para já o pessoal não seja alertado do golpe, Vamos, temos que nos apressar, bebamos um golo pelos homens agora no poder.
Naquele momento a minha garganta estava tão seca como nos meus piores momentos. Emílio e eu, agradecidos, aceitámos o bocadinho de aguardente da garrafa do sargento.
Quando reiniciámos a marcha na tentativa de apanhar alguns elementos da Frelimo, o sargento Branco disse:
-- Agora, com o nosso general Spínola, faremos a guerra a sério contra os terroristas... Vamos mostrar-lhes como se faz!
Caminhando a seu lado, o alferes Paiva, de 22 anos de idade, concordou.
-- É o que estava a pensar. Talvez até possamos atravessar a fronteira levar a guerra para o lado de lá, na Tanzânia, e atacar ali mesmo os turras..
Paiva e Branco eram dois bravos combatentes. Porém estavam em Moçambique e não tinham conhecimento da realidade por detrás do golpe.
(...)
-- Quero aproximar-me o mais possível da Base Beira -- disse-me o Paiva. -- Quero deixar aos terroristas uma boa memória de como nós fomos como adversários.
Marchámos toda a manhã. Por volta do meio dia entrámos na zona de segurança controlada pelos milicianos da Frelimo que era assinalada nas cartas militares como terra de ninguém. Pondo as coisas noutros termos; não controlado pelo Exército ou pela Frelimo estava marcada com uma linha laranja ao redor da Base Beira.
O pessoal caminhava agora com muito cuidado, sempre alerta e pronto para reagir. Cerca das 14h passaram-nos voz que estávamos a entrar na zona vermelha, território já controlado pela Frelimo onde poderia haver emboscadas.
O alferes Paiva ordenou que fizéssemos alto à marcha. O silêncio era agora total. Entre nós só se ouvia o respirar dos homens dos GE. Estávamos apreensivos.
Foi neste momento que se passou aquela que considerei como uma atitude triste de bravata e que estou convencido estar relacionada com a notícia via rádio.
Paiva deu ordem de pôr os morteiros em posição. Foi um momento patético que nos deixou a todos tristes. Estávamos só no início da zona vermelha e a mais de oito quilómetros do que poderia ser o início da base da Frelimo...Os morteiros de 60 mm tinham um alcance máximo de 600 metros. Fogo...Fogo! foi a ordem dada. Se os terroristas ouvissem o estrondo dos pequenos morteiros, pensei, deveriam partir-se a rir com aquela farsa! Depois de dar dezoito morteiradas o Paiva teve o bom senso de ordenar que se encerrasse a charada.
O Alferes Paiva a disparar o morteiro |
Ninguém falou durante a marcha forçada de regresso ao quartel de Nangade. Quando no final da tarde de 26 de Abril nos aproximámos de Nangade, passámos pela ravina a meio das saliências da Gina Lollobrígida, onde o Fiat G 91 atacou e destruiu as plataformas dos foguetões de 122 mm montadas pela Frelimo no ataque dias antes, contra N
Nangade
Sábado, 27 de Abril de 1974
07h00
O Fascismo caiu! Morte aos fascistas!
(...)
Nangade estava transformada estava transformada numa central de debates e a palavra fascista estava na ponta das línguas. Até a pobre mascote da messe de oficiais , berrando de fome, foi pontapeada e chamada de fascista! Um cão fascista ... ao que se chegou!
A maior parte dos militares de Nangade acreditava que Spínola tinha tomado conta do poder para os salvar.
No dia seguinte, eu, estaria, fora dali.
***
Do diário de Luís Correia
Nampula
25 de Abril de 1974
Como todos os dias, das 05h15 até à 06h, escuto a BBC, a Rádio Moscovo, a Voice of América, a rádio RSA e, naturalmente, a Emissora Nacional de Lisboa... Nada de muito importante.
(...)
08h30. Depois de ter acabado o segundo café, levantei-me e fui à recepção saber se havia novidade para mim. O senhor Marques, proprietário do Hotel Portugal, sempre no seu posto de observação respondeu-me que não.
--Não, Luís, até agora nada ...Tem visitantes convidados pelo Governo?
-- Hoje não, senhor Marques. Só amanhã. Chega o Wilf Nussey do Star.
(...)
-- Quando estava para me despedir, o senhor Marques disse:
-- Olha, olha! o nosso amigo Jorge Cruz. Então hoje não se trabalha?
-- Bom dis senhor Marques -- interrompeu o Jorge Cruz -- Estou aqui à espera do Luís para saber se há notícias.
-- Não, Jorge ... ainda não há novidades ... Vou agora ao Comando-Chefe para saber se hámais visitas dos militares para além do Nussey ...
Procuro-te depois no aeroporto.
-- Vê se têm notícias dos italianos de Nangade ... E tu, Jorge, tens?
-- Não, nada. As últimas notícias deles foram que estavam a sudoeste de Nangade ... Se for para Cabo Delgado tento saber alguma coisa.
09h15. Cheguei ao Quartel General. Ou melhor: cheguei à casa cor de rosa!
Subi ao primeiro andar, zona reservada ao comandante - chefe, general Basto Machado, e perguntei ao seu ajudante de campo, capitão de Cavalaria Cuco Rosa:
-- O chefe está livre?
-- Atendi uma chamada oficial de Lisboa para o general -- respondeu o capitão muito excitado. --Eu disse aos gajos de lá ... Aqui não há generais... Só capitães! E a linha caiu.
Entretanto, o telefone toca novamente e Cuco Rosa atende: Sim, sim! Escuto.
Cobrindo com a outra mão o bocal pede-me:
-- Eh pá, faz-me um favor e chama-me aqui o Major Tomé.
(...)
Ao entrar na sala dos adjuntos, vi que estava cheia de oficiais que nunca tinha visto.
Disse bem alto: major Tomé, o ajudante de campo do chefe chama-o ali ao telefone. Resposta de alguém que não reconheci: Chefe somos todos nós!.
O major Tomé saiu para o corredor e disse: Olá Luís Correia, bom dia...e foi atender o telefone.
Fui atrás dele ... Ouvi a conversa! Preocupante.
Quando o Tomé acabou de falar com Lisboa, disse para o Cuco Rosa:
--- Que fazemos com o chefe? Removemo-lo?
-- Não pá! Para quê? Não vale a pena, ele não faz mal a uma mosca.
Com calma, sem dizer palavra ou dar nas vistas, desci para a rua.
(...)
10h00. A caminho do aeroporto. Porra isto está podre. Jorge Cruz não tinha regressado... Talvez tenha ido a Cabo Delgado, pensei... Alguém? Ou será uma evacuação?
A guerra continuava no terreno mas no QG já não havia generais! Vieram-me à memória as palavras : Chefes somos agora todos nós! Muito inteligente ... E a malta a lerpar no mato...
(...)
À tarde, no QG estavam todos eufóricos.
-- Dá cá um abraço Luís... Vencemos... Não estás contente? --- disse-me alguém.
-- Receio o pior... Isto pode entrar num descalabro -- respondi.
-- Não seja tão negativo, tudo se resolverá ... Temos que acabar com a guerra. Nada a justifica. Queremos ir para casa. Nós demos o nosso melhor. Os gajos não souberam resolver isto. Lutamos há mais de dez anos para lhes dar tempo... O problema não é militar, é simplesmente político.
Simplesmente!!!
Às 05h30, o sol já estava a nascer sobre o dia depois da revolução. Vi o Jorge Cruz. Ele tinha que ir para a sua vida, no ar. Antes de nos despedirmos, disse-me: Lembro-me deste capitão Maia. Em 1968 esteve a fazer o tirocínio operacional em Cabo Delgado com a 9ª de Comandos.
Às 09h00. Cheguei ao QG de Nampula. Encontrei o capitão Lisboa dos serviços de imprensa que descia do 1º andar
-- Bom dia Luís Correia
--Bom dia senhor capitão Lisboa
-- Tudo sobre rodas
-- Se a DETA chegar a horas, o Wilf está cá às 11h45
-- Ainda bem. O briefing está marcado para as 14h30
-- Capitão Lisboa, o que me traz cá é saber se já tem notícias de Nangade ...
-- Meu amigo, não me diga... Está preocupado com os italianos?
-- Sim capitão. Não sei quando regressam de Nangade e se têm transporte. Julgo que tenho a obrigação de verificar se os visitantes, mesmo não sendo convidados, têm a visita facilitada.
-- Estava planeado regressarem este fim-de-semana, Luís... Está bem... Logo depois do briefing, se eu tiver notícias, coordenamos as viagens -- concluiu, deixando-me nas escadas do Comando-Chefe.
Às 11h50 estava no aeroporto quando o Boeing 737 da DETA abriu as portas para o desembarque dos passageiros. Já tinha passado um dia sobre o golpe e parecia que tudo estava a ficar tranquilo.
Durante o almoço com o Wilf Nussey, o jornalista sul-africano tentou explicar-me que o futuro de Moçambique, tal como o de Angola e dos outros territórios portugueses, seria jogado em Lisboa.
-- Não é aqui no mato que esta guerra será perdida -- dizia o Wilf. -- Já há meses que os meus contactos em Londres me diziam que este 1º de Maio seria o mais importante evento para todos nós na Àfrica Austral. E mais: que irá reduzir fortemente a influência da Europa em África.
Sábado, 27 de Abril de 1974
As notícias de Nangade são muito positivas. Cheguei ao Hotel Portugal pouco passava das 07h45. Tinha uma mensagem a dizer: Os Coccia regressaram bem a Nangade. Vão chegar a Nampula em
breve, via Porto Amélia.
(...)
Acompanhados por Wilf, fomos no domingo fomos da Ilha de Moçambique com passagem por Nacala, até Palma , onde o jornalista sul-africano tem contactos e amigos entre os Fuzileiros. Trazia muitas fotos destes para lhes entregar.
Regressámos a Porto Amélia à hora do almoço. Visita ao coronel Pires Veloso.
Eu pensava que os irmãos Giancarlo e Emílio ainda estavam em Nangade? Negativo -- disse o coronel -- Já seguiram para Nampula de avião.
-- Não temos mais notícias para divulgar? -- perguntei.
-- Notícias e biefings agora só pela Comissão do MFA
Fiquei muito espantado. O nosso objectivo era facilitar ao máximo o trabalho dos correspondentes nacionais e estrangeiros.
Regressámos a Nampula mesmo a tempo do Wilf Nussey poder regressar a Lisboa! Estou farto de ouvir falar no tal 1º de Maio.
***
Depois de uma semana no mato, a Capital do Norte tinha-se transformado. Nampula, na minha mente e na do Emílio, era agora uma enorme, graciosae linda cidade. Concordámos que seria a coisa mais parecida com o Paraíso!
Os nossos sonhos de lagostas foram destruídos quando um avião chegou a Nangade. Vindo de Porto Amélia, o piloto transportava uma mensagem do Comando de Sector para o comandante Carlos Delfino.
A mensagem dos novos governantes de Portugal era simples e directa: Nós achamos inaceitável a presença na frente de combate de dois jornalistas cujas ideias políticas são contrárias aos ideais e ao presente curso da política portuguesa. Eles são pois ordenados a embarcar no avião oferecido, aceitando o transporte para Porto Amélia.
Emílio e eu ficámos surpreendidos mas, como não éramos bem-vindos, não nos importámos de sair.
***
***
Luís Correia:
Estive fora três dias e a primeira coisa que fiz no regresso foi ir ao Centro Hípico verificar se os cavalos estavam bem.
Por volta das 20h entrei na recepção do Hotel Portugal. Tinha que jantar e falar com o Giancarlo e com o Emídio. Os dois irmãos estavam em boa forma considerando que tinham feito mais de 150Kms com os homens do Alferes Paiva dos GE, junto ao rio Rovuma. Já passava da meia noite, quando a nossa conversa terminou.
(...)
Ficou assim combinado que no dia seguinte, terça-feira, 30 de Abril, os dois irmãos seguiriam para Tete e Cahora Bassa. Dois dias para visitar aquela zona, sexta-feira para Lourenço Marques e depois regressam à África do Sul.
No dia seguinte, quando nos despedimos no aeroporto de Nampula, Giancarlo disse-me:
-- Vou voltar para Nampula, desta vez por terra, para recolher mais reportagem sobre o fim da guerra em Moçambique e...
-- Fim? Ainda não -- interrompeu-me. Fiquei a aguardar ... nada!
-- E vou para último para escrever a História do Fim do Império Lusitano nesta parte da África... Arriverderci, ciao amigo Luís!
***
Uma coisa muito estranha aconteceu em Lourenço Marques no dia seguinte à nossa saída de Tete (3 de Maio), Tínhamos acabado o almoço na esplanada do Hotel Polana, quando no quarto recebi uma mensagem dum tal senhor Soares, dizendo que tinha muita urgência em falar pessoalmente comigo. Estaria ao final da tarde no salão de chá do hotel. Como não conhecia nenhum Soares em Lourenço Marques e pensando que o assunto era muito estranho, fiquei a aguardar.
(...)
Eram 18h e o senhor Soares estava atrasado. Estava com o Emílio no bar quando finalmente chegou um homem baixinho e entroncado. Apresentou-se como o senhor Soares, e rapidamente acrescentou que tinha o meu contacto através de amigos comuns no norte de Moçambique.
-- Sei que vai para a África do Sul -- disse ele -- Se vai, faz-me o favor de levar esta carta consigo?
Certamente -- disse eu. -- Mas para quem?
--Não tenho a morada -- continuou o Soares -- mas vou dar-lhe o número de telefone de alguém chamado Pedro. Ele irá buscar o envelope.
(...)
Olhe, sei que o senhor Giancarlo não me conhece. Tudo o que posso dizer é qui nomeado elemento de relações com o estrangeiro em nome de um grupo de agricultores e criadores de gado moçambicanos. Estamos muito preocupados com as consequências para o nosso futuro deste golpe em Lisboa.
Necessitamos de ajuda para nos organizarmos, senão, dentro de três meses, vai haver muito sangue em Lourenço Marques e em todo o Moçambique.
Fiquei a olhar para o envelope branco e sem endereço durante bastante tempo. Só muito mais tarde compreendi que tinha na minha mão uma missiva tão fina, prevendo a confrontação que abanaria Moçambique em Setembro. Um DRAGÃO DA MORTE tinha passado por mim quase sem ser notado!
Era domingo quando finalmente chegámos a nossa casa em Pretória.
Segredos do Governo de Pretória -- Volto a Moçambique -- A terrível viagem para Nampula -- O Cemitério dos comboios__ O Camião das Cervejas -- O Rio Zambeze eo "Sabre" -- A Situação na Zambézia -- Nampula, situaçã militar no QG -- Luís Correia ausculta a África do Sul.
A amarelo o Diário de Luís Correia.
Nampula. Sábado, 11 de Maio de 1974. Em frente do General Costa Gomes está todo o Estado-Maior do general Basto Machado. |
Respondeu directamente sem as normais apresentações. Depois de uma breve conversa, concordou em vir buscar o envelope.
Respondeu directamente sem as normais apresentações. Depois de uma breve conversa, concordou em vir buscar o envelope. Mais tarde, um Saiu.
Volkswagen azul parou no meu portão e Pedro/Peter, semelhante a qualquer outro jovem que podia ser visto a andar nos passeios do centro da cidade de Pretória, saiu.
(...)Bastaram alguns minutos para perceber que o indivíduo não era estúpido. Pedro/Peter falava francês perfeitamente além, claro está, de inglês e africaânder , mas nã entendia italiano. Depois de ter lido a mensagem que vinha no envelope perguntou-me se sabia qual o conteúdo da mesma. Disse-lhe que sim, mas ele não acusou o toque. Retorquiu somente que faria chegar aos seus superiores o envelope.E preparava-se para sair sem dizer mais nada.
Nunca mais o voltei a ver e, pelo que fiquei a saber, talvez o senhor Soares esteja ainda a aguardar a resposta.
Tinha que começar a preparar-me para o regresso a Moçambique, decidido que estava a deixar Pretória no dia 21 de Maio de 1974.
Luís Correia continuava a manter-se informado da evolução no terreno:
Na Beira, depois da chegada de Nampula (via Nacala) no avião que transportava um batalhão de jornalistas que acompanhava o general Costa Gomes, verifico que o general conversava com Hendrck Long John Van der Berg, chefe do BOSS da África do Sul. Nesta conversa estava também o comandante da Marinha, Almeida e Costa, do MFA em Moçambique.
Aproximei-me e fiquei a aguardar que o general notasse a minha presença, o Dr. Hans Germani, alemão do Die Welt, estava desesperado para entrevistar o general Costa Gomes.
Na Beira, encontram-se também militares rodesianos. Estão a uma certa distância do general. Vão-se aproximando do sítio onde o grupo reservadamente conversa.
Foi nesta ocasião que o general Costa Gomes disse aos rodesianos: Não há muito tempo para vocês se prepararem para a breve chegada da FRELIMO ao Governo de Lourenço Marques.
Isto passa-se no dia 13 de Maio de 1974
***
No dia 21 de Maio, depois de me despedir de meu irmão Emílio, deixei Pretória de volta para Moçambique. Ia começar a segunda parte da grande aventura. A história que ali estava na forja, o desmantelamento de uma colónia em guerra, era demasiadamente importante para ser ignorada.
(...)
Saí de Pretória no meu velhinho Land Rover ainda com a matrícula belga YL 291, pintado de amarelo para ser melhor localizado. Os meus amigos tinham-no baptizado de Yellow Submarine.
Estava a 3.500 quilómetros do meu destino, A estrada da capital sul africana até Beitbridge, na fronteira da África do Sul com a Rodésia, e depois até Untali, era alcatroada e em perfeitas condições. Até ali não tive qualquer problema.
(...)
A estrada Machipanda-- Vila Pery estava quase sem tráfego, o qu era no mínimo estranho. Apenas se viam pequenos grupos de caminheiros nas bermas da estrada que continuavam a fazer a sua vida. Eram elementos da população local.
(...)
O comandante militar da zona de Manica era o brigadeiro Ílharco, que eu já conhecia de Angolaem 1970 quando ainda era coronel.
Em Vila Pery, tomei conhecimento de que o Brigadeiro Ilharco, que não alinhava nos princípios que o MFA procurava impor a todos os militares.
Quando nos reencontrámos, neste quartel de Cavalaria, o brigadeiro estava furioso. Tinha conhecimento dos planos para a Operação Zebra (prisão de todos os agentes da DGS), a ser efectuada às 00h do dia 8 de Junho próximo em todo o território moçambicano.
(...)
À tarde, na messe de oficiais, discutia-se a chegada dois dias antes a Lourenço Marques (21 de Maio) do Dr. Almeida Santos, nomeado ministro da Coordenação Interterrotarial pela Junta de Salvação Nacional. Na capital, ele conseguiu demonstrar a capacidade de Lisboa em fabricar mentiras!
O referendo, disse ele ao povo durante a conferência de impressa, está planeado para daqui a um ano em todas as províncias ultramarinas.
Era bem claro aos observadores mais atentos que a Junta não tinha avançado nada nos planos para um referendo; este seria adiado ad finitum e mais do que provavelmente nunca se realizaria. Durante outras duas entrevistas concedidas em Nampula na tarde do dia seguinte, Almeida Santos mostrou pela primeira vez quem realmente era.
(...)
O Reitor do Liceu de Nampula, Dr. Morgado Reis, perguntou-lhe qual era a intenção do governoa respeito da falta de professores e das condições francamente caóticas, no Liceu agora que os exames se aproximavam,
A resposta de Almeida Santos foi que não valia a pena preocupar-se com estas coisas Drº Morgado. Tenho a certeza que a Frelimo sabe encontrar uma solução ... são capazes de já estar a examinar o problema, neste mesmo momento.
Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterrotorial |
O CHIMANGANE, extremamente preocupado com os mais recentes acontecimentos na colónia, disse ao ministro do Ultramar, como era conhecido este Ministério antes do golpe:
-- Excelência eu represento milhares de soldados negros que têm estado a lutar por Portugal durante os últimos dez anos. Nenhum de nós está preparado para aceitar a Frelimo neste momento. Sabe, sou militar, formado nas escola do Exército de Portugal,. Sou moçambicano e como tal estou preparadp para para colaborar com queira constituir um exército que possa levar a esta terra à verdadeira liberdade, com ou sem a participação da Frelimo ... mesmo se tivermos de lutar durante anos!
E o CHIMANGANE continuou:
-- Pergunto agora, excelência, qual é o apoio do seu governo está preparado a prestar aos moçambicanos na presente conjuntura?
Almeida santos ficou silencioso durante alguns segundos. Então, com um sorriso sarcástico, disse:
-- Penso que a Frelimo não irá gostar muito dessa ideia. Seria talvez melhor você ie a Dar-es-Salam e entrar em diálogo com eles ... Lamento muito mas não o podemos ajudar.
Isto foi demasiado para Jonas, que de acordo com testemunhas presentes, saiu precipitadamente com lágrimas a correrem-lhe. Quando chegou à rua olhou para o grupo de pessoas reunidas ali e gritou: Eles vão vender-nos! Os filhos da puta! Vão vender-nos à Frelimo. Meteu-se num jipe e desapareceu
da história moçambicana para sempre. Nunca mais foi visto, vivo ou morto...
(...)
Tinha planeado viajar de Vila Pery para Inhaminga, passando pelo Dondo, neste primeiro dia. A estrada até ao Dondo era muito razoável e tencionava cobrir os 200 Kms em menos de quatro horas.
Do Dondo a Inhaminga , o percurso seria mais lento por duas razões: primeiro, a estrada era terrívele, segundo, teria de atravessar uma zona de mato cerrado a norte de Condoé de cerca de 44 Kms onde era possível pisar uma mina ou ser vítima de uma emboscada
Parámos no Dondo. A paragem foi muito breve. Até agora tudo tinha corrido como planeado. Virámos para a picada de Inhaminga.
(...)
Duas horas depois do cruzamento que nos trouxe aqui, chegámos a SIMACUESA, onde passava a linha dos comboios. Este local era agora conhecido como o cemitério dos comboios. A primeira mina colocada pela Frelimo na tentativa de descarrilar um comboio, foi colocada aqui.
Comboio destruído pela Frelimo |
Cheguei a Inhaminga já de noite. Esta era uma vilazinha. Nos bons tempos teve dois hoteis mas o dono de um deles preferiu a segurança que a Beira lhe oferecia. Também nada perdia, pois os turistas tinham desaparecido desta zona. O outro hotel funcionava apenas para hóspedes militares.
O Parque natural da Gorongosa estava semi-cerrado desde Fevereiro por razões de segurança. Os poucos visitantes que chegavam vinham de avião directamente para a pista do acampamento de CHITENGO.
(...)
Sabia que este segundo dia seria feito em território da Frelimo.Era pelo menos esta a informação que tinha. Teria de circular apenas no itinerário indicado. O Parque da Gorongoza ficava só para a minha esquerda. Logo depois de sair de Inhaminga, na alvorada do dia 24 de Maio de 1974, apareceu-me uma bifurcação. Para a direita o caminho correcto, para a esquerda, a picada 442 de Inhaminga- Pangache- Moda- Mazambe- Cavalo, totalmente dentro do concelho da Gorongoza, Zona Operacional muito quente.
Aqui situava-se também a missão dos padres holandeses que tinham fugido de Moçambique a 26 de Abril e, oito dias depois, em 4 de Maio de 1974, acusavam a DGS e os militares da vila de term morto, entre Agosto de 1973 e Março de 1974 , quinhentos elementos da população SECHEUA na zona.
(...)
Percorrer a distância de Inhaminga a Inhamitanga foram as piores quatro horas da minha vida...
O único restaurante em Inhamitanga chamava-se muito apropriadamente O Casebre, mas o dono vendia cerveja fresca e gasóleo, que era o que eu necessitava. Vindo do exterior, os olhos levaram tempo a adaptar-se à penumbra do estabelecimento. Depois da necessária adaptação ao local, pude finalmente confirmar que as vozes que me chegavam do seu interior eram de um grupo de soldados brancos, impecavelmente ataviados emque camuflados limpos. Comandos da CCMDS 2040! Fiquei muito contente quando soube que o comandante do grupo de combate ali aquartelado era o alferes Mendes que eu tinha conhecido em convalescença na Ilha de Moçambique durante a minha curta visita em Fevereiro de 1974.
O Mendes não tinha mudado. Ainda tinha oseu bigode fino, embora estivesse completamente careca mostrando efectivamente o resultado do tiro que o deixou marcado para sempre no sítio onde lhe tinha acertado de raspão a bala do terrorista que pouco faltou para lhe tirar a tampa.
(...)
Antes de reiniciar a minha viagem, o alferes Mendes ofereceu-me um emblema da unidade.Era uma placa metálica redonda com o desenho de uma bruxa de túnica vermelha montada numa metralhadora! O Sargento Carvalhito prendeu-a no minha manga com um alfinete. Foi uma das últimas coisas que o sargento Carvalhito fez. Três hora mais tarde, ele e dois comandos foram mortos numa emboscada. Dirigiam-se para o rio Zambeze, duas hora depois de mim e no mesmo itinerário.
A estrada para Lacerdónia era, sem exagero, a mais perigosa de Moçambique. Carreguei a caçadeira antes de me despedir do alferes Mendes e do sargento Carvalhito. Só quando os deixei é que compreendi o que significava viajar sozinhonestes percursos.
(...)
Depois de várias peripécias, incluindo a destruição de um camião e a respectiva morte do seu motorista vítimas de uma mina colocada pela Frelimo e, quando vi um sinal muito mal pintado indicando ferry-batelão é que comecei a relaxar. Tinham-me dito que naquele mesmo lugar que eu iria atravessar tinha ocorrido o maior desastre da tropa portuguesa em África. No dia 21 de Junho de 1969 , 116 militares morreram no afundamento do batelão que fazia a travessia do rio Zambeze
(...)
Com a ajuda do meu binóculo vislumbrei o batelão na outra margem.
Uma hora mais tarde continuava lá. Às cinco e meia, decidi fazer-me notado. Primeiro, três tiros de caçadeira para o ar; como não houve resposta, fui buscar a minha pistola very light. O foguete verde subiu aos céus fazendo um silvo e deixando um raio de luz, depois, explodiu em muitos raios verdes que por algum tempo iluminaram o céu.
Neste momento, apareceram dois marinheiros da Armada Portuguesa, saídos do meio da canavial onde se encontravam de atalaia e dirigiram-se ao meu encontro. O "patrão" do batelão estava a tentar pôr a flutuar a outra embarcação, que se tinha afundado na margem norte do rio. Não seria possível vir buscar-me até ao dia seguinte, disseram os marinheiros. Falaram via rádio com o barco de guerra e alguns minutos depois perguntaram-me se desejava passar a noite com eles no barco da Marinha que estava um pouco mais avante.
O barco, o Sabre, estava, ancorado a cerca de duzentos metros mais abaixo, para o lado da foz.
(...)
Quando fui apresentado ao comandante, este olhou-me com estranheza, estendeu-me a mão e disse entre dentes: O meu nome é Fernando. Prazer em conhecê-lo, Giancarlo.
***
Enquanto eu tentava dormir na cabine do Sabre, em Nampula,
The shit hit the fan -- a merda bateu na ventoinha . O To the Point publica uma entrevista com o general Costa Gomes efectuada na Beira no dia 13 de Maio.. Estive presente e apresentei-o.
Vamos para outro Congo? escreve Hans Germani, correspondente para a África Austral do diário alemão Die Welt.
Estive a traduzir para o general, depois do seu encontro com o "general" Hendrik Van Der Bergh do BOSS sul-africano e Ken Flower da CIO rodesiana.
Ao mesmo tempo em Nampula, o major Mário Tomé, o capitão Cuco Rosa e o capitão Aniceto Afonso preparam um gabinete só para o MFA junto do gabinete do comandante-chefe.
Costa Gomes, CEMGFA, envia uma nota oficial para todos os quarteis: Considero todos os militares como membros do MFA.
Grande jogada de Costa Gomes cuja nota acrescenta : todos os militares, desde hoje às 00h, são doravante integrados no MFA. Os que recusarem passam ...à reserva.
No mesmo dia, Costa Gomes pediu ao general Basto Machado para regressar com urgência a Lisboa.
Np Hotel Portugal em Nampula , o senhor Rosner do Frankfurter Allgemeine Zeitung esteve horas à espera do general Orlando Barbosa, novo comandante-chefe das Forças Armadas de Moçambique, para o entrevistar.
Não foi fácil!
***
25 de Maio
O batelão operacional estava à minha espera quando cheguei ao lugar de embarque. Foi só carregar o carro e zarpar para a margem norte. Ia ficando mais e mais aliviado à medida que nos afastamos de Chupanga. Tinha atravessado uma das zonas de Moçambique onde a Frelimo estava mais activa. A área estava totalmente infectada e era um grande perigo viajar para norte da estrada Beira--Untali na direcção do rio Zambeze.
(...)
Pouco tempo depois de entrar na Zambézia começou a chover torrencialmente. Quase a chegar a Namacurra a caixa de velocidades do meu Land Rover decidiu abandonar-me. Um camionista rebocou-me até a uma oficina onde encontrei auxílio para o carro e alojamento. Da parte da tarde, o mecânico e hospedeiro contou-me algumas histórias muito interessantes sobre a situação na região.
Na Zambézia a Frelimo tinha sido expulsa em 1964/1965 pela própria população com a ajuda do Governador Álvaro Gouveia e Melo.
O Governador ad Zambézia Álvaro Gouveia e Melo |
Na madrugada do dia 29 de Mai
Deixando para trás Mocuba, Murrupula, Alto Logonha e Alto Molócué, cheguei a Nampula a meio da tarde. Embora tivesse deixado Nampula há um mês nada tinha mudado.
Estacionei junto ao Hotel Portugal e ouvi o proprietário, o senhor Marques, disparar a sua habitual salva.
***
Acompanhado pelo Jorge Jesus, Luís veio ter comigo ao meu quarto por volta das 20h.
Ao Luís e ao Jorge disse que desta vez tinha chegado para ficar por meses. Custe o que custar, quero escrever um livro sobre a situação em Moçambique desde o mês de Abril até ... ao fim da presença portuguesa nesta parte do Império lusitano.
Disse-lhes que gostaria de passar a maior parte do tempo com os Comandos em Montepuez. Eu já tinha uma boa relação com o comandante do batalhão de Comandos, Capitão Artur da Fonseca Freitas e com o número dois Manuel da Glória Belchior.
(...)
--Tudo piorou desde há um mês quando tu saíste, Giancarlo. Lisboa já deu ordem para pararmos o mais rapidamente possível a guerra do nosso lado . O governo de Palma Carlos, nomeado pelo general Spínola há quinze dias, não é o poder real em Portugal. Este é de Costa Gomes e dos homens do MFA. Tudo o que o governo deita cá para fora é soft talk para não criar pânico nos brancos a ponto destes largarem tudo ou reagirem com uma contra revolução.
(...)
Luís disse-me falado em particular com o general Costa Gomes, durante a sua última visita de trabalho a Moçambique entre 12 e 13 de Maio. Mas mais sério do que isso, Luís presenciou todos os movimentos de Almeida Santos durante a sua rápida estadia nesta costa do Índico.
(...)
--Tudo o que perguntavam ao novo ministro de Portugal com a pasta dos Assuntos Africanos, teve a mesma resposta: Não se preocupem ... AFrelimo vem e tem uma solução adequada para cada caso! Palavras textuais do ex- moçambicano Almeida Santos.
Estávamos no Comando-Chefe e eu não podia perder este acto histórico de falta total de tacto ou talvez de verdadeira traição dos seus compatriotas em Moçambique.
Tudo isto era realmente premeditado. Os generais compreenderam que estavam a mais. Um, Basto Machado, foi embora a 26 de Maio e o outro, Orlando Barbosa, teve que gramar o frete até ao fim.
Luís Correia, Almeida Santos, Basto Machado e, atrás de óculos, o general Orlando Barbosa. |
A Costa Gomes só interessava tentar acabar o mais rapidamente possível com os custos em vidas e fazendas. Um dos enviados para pré-negociar com a Frelimo, o ex-preso político e conhecido poeta moçambicano José Craveirinha, foi informado que Costa Gomes estava preparado para mandar desarmar os 21613 soldados moçambicanos a servir nas Forças Armadas Portuguesas. Este decisão tinha sido tomada antes da Frelimo aceitar o cessar-fogo.
Este seria, disse-me Luís, um
gesto de boa vontade da parte de Lisboa que, como é evidente, Jorge Jardim nunca aceitaria. Jardim estava convencido que a sua cartada para negociar com a Frelimo eram precisamente estas forças, especialmente os GE e os GEP, que ele ajudara a desenvolver e que julgava ter na mão.
(...)
--Giancarlo, não era a tua amiga Carmo, filha de Jorge Jardim, um dos instrutores especiais de saltos dos GEPs? Vou continuar a contar-te tudo o que se passou nas últimas três semanas.
Soube assim que Costa Gomes regressara a Lisboa e que a 15 de Maio, às 20h15, se encontrara no Palácio de Belém com Jorge Jardim que tentava regressar à Beira. O General conseguiu retê-lo as horas suficientes para que os seus mandatários em Dar.es-Salem se reunissem com os dirigentes da Frelimo.
Jorge Jardim estava retido em Lisboadesde o momento em que José Craveirinha e os dois ex-presos políticos chegara, via Malawi a Dar-es-Salam com a colaboração de Banda.
Jardim podia criar sérios problemas ao Governo revolucionário de Lisboa e particularmente a Costa Gomes. O General já tinha decidido que a Frelimo teria que tomar sozinha.
-- Mas os jornais aqui e na Metrópole continuam a escrever que Portugal nunca abandonará osseus filhos no Ultramar -- disse eu, olhando o relógio que indicava já as 02h40 de 30 de Maio.
-- Mentira Giancarlo, pura mentira! -- continuou Luís Correia.-- A entrega de Moçambique à Frelimo de Samora Machel foi decidida a nível superior.
***
Estive instalado por mais dois dias no Hotel Portugal. Precisava descansar.
Pouco depois das seis da tarde, no bar perto do Hotel Portugal, reencontrei o capitão Comando António Borralho que, no Centro de Recrutamento de Boane, tinha terminado a escolha com o pessoal com o qual iria iniciar mais um curso de Comandos. O Capitão Borralho tinha comandado até Julho de 1972 a 28ª CCMDS - CIOE (centro de Instrução de Operações Especiais) de Lamego que chegara a Moçambique em Agosto de 1970 sob o comando do major Jaime Neves. Esta companhia tinha depois passado para o comando do Borralho quando Neves, em 1971, foi transferido para Montepuez assumindo o comando do Batalhão de Comandos de Moçambique. Jaime Neves seria substiuído em Dezembro de 1973 pelo meu grande amigo e capitão comando Artur Teófilo da Fonseca Freitas. Em Agosto de 197, era já ele2º Comandante do Batalhão, visitei pela primeira vez o seu quartel.
Borralho dissera-me então que o novo curso teria início dentro de poucos dias. Pensei no assunto, e com a informação adquirida ultimamente, seria uma boa desculpa para eu continuar a minha estadia em Moçambique.
Estávamos no fim de Maio. Dois dias mais tarde meti-me a caminho de Montepuez no meu fiel Land Rover para fazer uma reportagem sobre o último curso de Comandos feito em Moçambique
Quando entrei finalmente no quartel do Batalhão de Comandos anunciei que desejava ser recebido pelo seu comandante, capitão Freitas. Infelizmente estava ausente, informou-me o oficial de dia, o capitão, Luciano Garcia Lopes.
Este capitão tinha comandado a 5ª CCMDS de Moçambique, à qual pertencera o furriel Comando José Rui Owen Pinto, morto perto de Mocímboa da Praia, em 25 de Março de 1972,. Ao accionar uma armadilha, ficaram feridos também um outro furriel e um soldado comando. Não conhecia o capitão Garcia Lopes e este manifestou-me abertamente o seu desagrado pela presença de um jornalista estrangeiro no seu quartel. Luís tinha-me falado dele a pretexto dos incidentes junto à messe de oficiais na Beira em 17 de Janeiro de 1974.
O Capitão Garcia Lopes a receber Montepuez o guião da 5ª CCMDS de Moçambique |
Mas, mais importante, trazia consigo a sua promoção a major Comando.
À mesa do jantar éramos seis. Jantavam também o Engº António Grangeia, que dirigia a empresa de algodão SAGAL, e sua esposa. Estávamos a um par de Kms do aquartelamento e todos nós vestíamos de camuflado, excepto, clar , o nosso anfitrião.
***
(...)
--Major Freitas-- perguntei -- o que irá fazer se lhe ordenarem que estabeleça diálogo com a Frelimo e que convide os combatentes a entrar no quartel dos Comandos.
-- Ficaria numa situação insustentável -- respondeu. -- Se eu desse ordem aos sentinelas da porta de armas para deixar entrar os guerrilheiros no quartel, seria confrontado com a revolta do pessoal aqui acantonado.
Fitei-o e ele continuou.
-- Até este momento, a única reacção possível do pessoal de guarda é atirar a matar a todos os que se aproximarem dele armados... Você sabe muito bem o que a palavra terrorista significa para estes rapazes.
(..)
8 de Junho de 1974
00h00
Arranca em Moçambique a anunciada Operação Zebra para a captura dos funcionários da DGS/PIDEque não foram avisados para se porem ao fresco. Seriam todos muito maus?, perguntaram-me...
Em Nigel, zona industrial a sul de Joanesburgo, o primeiro-ministro John Voster declarou hoje: Deixar cair as nações do sudoeste africano e Namíbia. Isto faz parte do acordo com Kenneth Kaunda e está nos planos de um dia largar a Rodésia.
Nampula
12 de Juno de 1974
Mais uma leva de jornalistas. Já cá está o Peter McIntosh, que continuava a deslocar-se por todo o lado. Pediu-me para arranjar transporte para ir a Macomia. Sugeri-lhe ir num avião fretado pelo Denis Gordon do África Bureau do Rand Daily Mail que ia a Porto Amélia.
O Peter foi logo para o aeroporto e arranjou boleia com o alferes Diniz e Dennis Gordon. McIntosh queria tirar fotografias com os Justiceiros do capitão João Ventosa, da 2043ª CCMDS.
Luís Correia e Alferes Dinis, no Gabinete de Imprensa e Informação do Comando-Chefe das Forças Armadas em Nampula |
Uma refrescada companhia de Comandos ia supostamente sair de Porto Amélia para Macomia, passando pelo cruzamento de Ancuabe, a cerca de 120 quilómetros de Montepuez. Desejando fazer a viagem para norte, juntei-meà tal CCMDS no local onde me foi indicado.
A estrada alcatroada de Montepuez era perfeitamente segura até ao ponto que me integraria na coluna de Ancuabe. Sentindo-me à vontade, aceitei esta oferta do major Mário Tomé.
Eram cinco horas da manhã quando nos preparámos para largar em duas Berliets com o pessoal do 1ºGupo de Combate da CCMS 2043 comandado pelo então alferes Costa.
(...)
Deixámos lentamente Montepuez, passando vagarosamente junto ao aeroporto.Pouco depois entrámos na estrada que nos levaria ao ponto de encontro com a companhia vinda de Porto Amélia.
Por superstição minha, sentei-me na primeira Berliet, no banco entre o condutor e o alferes Costa. Eles estava ali para me defender mas nada me podia proteger do intenso frio que sentia.
Sem incidentes chegámos a Ancuabe. Descansámos trinta minutos na cantina situada no cruzamento, bebendo uns café com aguardente e aguardando pelo grupo que estava a chegar de Porto Amélia. O dono do estabelecimento tinha levado um valente abanão quando homens da Frelimo o confrontaram dois dias antes.
Anteriormente o local fora sempre considerado como fora da zona de guerra e seguro pela constante passagem de tropas e civis na sua cantina.
(...)
Estávamos ainda a acabar os nossos cafés quando a companhia de Comandos supostamente refrescada chegou de Porto Amélia. Tinham terminado mais um período de descanso pré-operacional, mas os soldados davam a impressão de estarem exaustos. O Alferes Costa segredou-me ao ouvido: Não há guerra em Porto Amélia, mas é um descanso muito cansativo para estes tipos ...Guerra nos bordéis.
Um pequeno destacamento do BCAÇ 8422 vinha de Macomia para reforçar a coluna com dois blindados AML Panhard armados com morteiros de 60 m/m e metralhadoras 7,62 NATO.
"Os que por obras se vão da lei da morte libertando" As minas eram plantadas e tinham que ser detectadas para serem neutralizadas |
-- Estou um pouco apreensivo. Já aqui passei muitas vezes, mas não tem havido patrulhamentos nesta zona desde Abril... Se tivessem feito deslocações com frequência daqui a Macomia, hoje não havia perigo.
Enquanto isso eu cruzava os dedos contra o mau olhado.
Claro que escutei atentamente as palavras do experiente alferes. Com 24 anos de idade já tinha uma grande experiência operacional com mais de 15 meses na linha de fogo. Altamente motivado depois de terminar o curso em Luanda, o alferes Manuel Pedro Mendes de Folhadela e Costa disse-me que estava destinado a ir para a Polícia Militar graças à poderosa influência de amigos de seu Pai. Foi a meio da recruta, já em Santarém, que arrastado pelo desejo de aventura e sentimento patriótico se ofereceu como voluntário para os Comandos, o que o levaria primeiro para Luanda e depois a Moçambique, como comandante do 1º Grupo de Combate da 2043ª. Nesse momento via-se em Moçambique, sentado numa Berliet ao lado de um jornalista, com os nervos em franja e uma arma na mão pronto a fazer fogo contra o inimigo invisível. Foi uma viagem tensa e demasiado longa.
Chegámos a Macomia sãos e salvos depois de um leão se ter atravessado à nossa frente numa magnífica exibição de total indiferência pelos homens e as suas guerras!
(...)
O capitão João de Mendonça Ventosa, comandante da CCMDS 2043 e conhecido nas comunicações entre Montepuez (BRAVO-ALFA-Quatro) e as companhias de Comandos pelo nome de código de MARROQINO, tinha em 1974 uma das melhores CCMDS.
A estes JUSTICEIROS devo mais que uma vez a minha vida!
No segundo dia logo pela manhã o Marroquino disse-me que iam chegar nesse dia , em avião fretado, dois conhecidos jornalistas sul-africanos, credenciados por ordem superior de Nampula e enviados pelo Luís Correia. Com autorização do novo comandante-chefe general Orlando Barbosa, estavam a tentar cobrir a actual situação nas zonas de combate. Ficavam em Macomia e seguiam depois de avião para Mueda.
Estávamos no meio da segunda semana de Junho e a Frelimo parecia não estar nada interessada em modificar o seu objectivo de Vitória Total.
Embora os Comandos já não estivessem autorizados a sair para localizar os Frelos, o capitão Ventosa resolveu satisfazer a necessidade dos jornalistas e organizou para o dia seguinte uma coluna de reabastecimento na estrada Macomia-Xai.
Capitão João de Mendonça Ventosa com os seus oficiais da 2043 CCMDS |
Eram oito da manhã quando deixámos Macomia em três Unimogs com os Comandos armados até aos dentes e em estado de alerta vermelho logo após a saída da cintura de segurança. Visitantes ou não, o capitão Ventosa não deixava nada ao acaso. Ele sabia que a Frelimo andava ali perto. O silêncio entre nós era total. A situação era tensa e real. Também nos safaris o cliente pode ter a sorte de apanhar o lado certo para matar a presa.Só que, como o velho Peter disse, aqui, o rei da selva é a Frelimo e nós não queremos ser a presa.
A picada estendia-se deserta à nossa frente, excepto quando um elemento da população local, meio nu, caminhava pela berma na mesma direcção em que seguíamos, carregando um arco e flechas e uma garrafa de água pendurada a tiracolo. Depois de o ultrapassarmos, andámos mais uns dois quilómetros e parámos. Os comandos saltaram das viaturas ainda movimento de forma a assegurar o perímetro.
A tensão nos rostos era grande e só terminou quando voltámos a embarcar nos Unimog para o regresso. Cruzámo-nos com o caminheiro com o caminheiro solitário, desta vez estava em animada cavaqueira com um grupo de macondes, perto do nosso destino. Um dos Comandos achou o caçador de arco e flecha estranho e pediu para parar o Unimog.
Dois soldados saltaram da viatura e dirigiam-se calmamente na direcção do pequeno grupo. Trocaram algumas palavras que não entendemos, agarraram subitamente a estranha criatura, dominando-a. Então, já no solo, este gritou bem alto: Fui forçado, não me matem, não me matem, enquanto nós, jornalistas, fotografávamos a insólita cena. Os militares tinham descoberto quatro detonadores eléctricos, usados nas minas anti-carro reforçadas, muito bem escondidos num embrulho com folhas de tabaco que o homem agora transportava. Furioso com a descoberta, um dos soldados pegou na arma apontando-a ao homem gritando a comédia acabou. O capitão Ventosa, que já lá estava, deitou a mão ao soldado e o prisioneiro foi posto no Unimoge levado para o quartel.
Quem é você? ... Nome completo! Donde veio? Quem lhe entregou este material? As perguntas choviam e as bofetadas também quando, no quartel, se iniciou o interrogatório.
(...)
Meia hora mais tarde tivemos notícia que o caççador solitário encontrado na picada Macomia-Chai, vinha de uma base da Frelimo mais a norte. Depois de ter marchado três dias, tinha instruções de ir para sul de Macomia e fazer contacto em determinado local da estrada com outros elementos que resgatariam a encomenda que ele transportava. Terminada a sua missão, poderia continuar a sua vidinha. Quando foi preso disse estar a tentar obter informações de elementos locais para continuar a cumprir a missão que fora pré-determinada pelos frelos. Não havia nada fora do comum nesta sua explicação mmas alguns dos factos eram muito vagos.
Os Comandos não estavam autorizados a prosseguir o interrogatório sem autorização dos seus superiores. O prisioneiro foi então transferido para a cavalaria, onde ficou detido. Seria solto na manhã seguinte com um pedido de desculpas!
Foi a primeira vez que os Comandos compreenderam até onde iria o MFA (que efectivamente já controlava a máquina militar) para seduzir a Frelimo. Tudo isto se passava no fim de Maio. Agora, duas semanas mais tarde, as coisas estavam a ficar mais surpreendentes.
Em dois meses os elementos da 5ª Repartição do Quartel General em Nampula tinham conseguido desmobilizar moralmente várias unidades metropolitanas. Já circulavam folhetos com fotografias de soldados portugueses e da Frelimo confraternizando. A política oficial dos novos chefes era provocar o rápido desmoronamento da máquina de guerra anti-Frelimo. Muitosdos militares estavam visivelmente chocados com as instruções que iam recebendo de Nampula, mas sentiam que o tempo estava contra os mais conscientes. A situação ficaria, mais dia menos dia, irreversivelmente a favor dos esquerdistas. Estavam desolados e não podiam fazer de conta que a guerra tinha acabado. Pelo menos do lado da Frelimo, não!
Encaminhei-me para o unimog onde devia viajar. Como sempre, tinha reservado um acento no primeiro carro disponível, logo atrás da Berliet rebenta-minas e do blindado do BCAV. 8422. O nosso veículo era o terceiro da coluna mas o primeiro sem blindagem. Quando me sentei no banco atrás do condutor, pensei: Três horas , hum! Não deveser muito mais até Ancuabe. u
Eram 10h20 quando uma violenta explosão preencheu o espaço à minha frente |
Eh! Acorda Giancarlo, não é altura para morrer ... Acorda! |
-- O que estou a fazer aqui Pina? -- perguntei
-- Não te mexas Giancarlo. Deixa-te estar deitado, e quieto. -- disse, levantando-se para enxotar as moscas que faziam um festim por cima das ligaduras ensopadas de sangue que me cobriam a mão.
--Mas o que é que aconteceu? -- perguntei outra vez.
--Fomos apanhados numa emboscada -- disse o Pina -- Não te lembras? Foste ferido pela explosão de um disparo de um projéctil do RPG 7 ... Tens uma ferida na cabeça -- continuou --, mas não sabemos qual é a gravidade...Não tenhas medo ... fica calmo. O helicóptero estará aqui em breve para te levar para o hospital de Mueda.
Depois da emboscada, a segurança e resposta da 2043ª CCMDS |
Não fiquei nada animado, mas continuava firme e convencido que ainda não era o meu dia! Tinha a mente a funcionar bem e mexia as pernas e os braços. Todas as reacções eram normais. Mesmo tendo estado muito tempo desmaiado depois da bazucada. o importante era estar vivo.
***
Alguns dias depois, no Hospital Militar de Nampula, foi possível ouvir a gravação de uma parte da emboscada e da conversa que se seguiu entre o local do ataque, o Comando do Batalhão de Montepuez e o Grupo de Combate da 2043ª que ficou naquele dia em Macomia.
Enquanto estava aa sangrar no meio da estrada, Peter MCintosh continuou a tirar fotografias. Quando se aproximou viu que eu tinha o gravador a tiracolo. Profissional como era, premiu o botão para que a máquina começasse a gravar. Aqui vão algumas passagens:
Tiros esporádicos de espingarda e da metralhadora HK 21.
Segue-se a voz do soldado Oliveira:
Caralho pá ... esta merda encravou ...
Depois, novamente, rajadas contínuas da HK 21 do Oliveira.
Voz do alferes Guilherme Bernardo que chama o sargento Vasco
Vasco!
Ainda a voz do alferes Bernardo:
Oh Bravo - Alfa - Quatro, Oh Bravo - Alfa - Quatro, aqui é o Pavão...
Aqui Bravo - Alfa - Quatro . Oh Bravo - Alfa - Quatro... informa
Alferes Bernardo:
Oh Bravo - Alfa - Quatro ... Oh Bravo - Alfa - Quatro. Tivemos um Eco Mike, Bravo ... uma emboscada a 25 quilómetros ... Mike destino ... Diga-me se correcto.
Montepuez (voz do major Artur Freitas)
Pavão, ó Pavão ... qual a situação ... informa
Oh Bravo-Alfa-Quatro. Tivemos um Eco Mike, Bravo |
Olha, tivemos uma emboscada e temos três homens bastante feridos. Necessitamos com urgência ... Eco Victor, evacuação.
Montepuez:
Quem são os feridos?
Oh Bravo-Alfa-Quatro ... é um homem meu, outro do BCAÇ e um jornalista que está bastante ferido ... diga-me se correcto,
Um dos feridos |
Quem é o jornalista?
Alferes Bernardo:
O italiano ... Giancarlo ... Mal ... Está foxtror!
***
Deitado na estrada tive de esperar uma hora até ser evacuado para Mueda de helicóptero
Foi por volta das 12h15 que a mensagem chegou a dizer que o jornalista Giacarlo tinha sido gravemente ferido em Macomia. Porra! Entrámos em pânico.
Não podemos deixar morrer o Giancarlo, disse o Luís que logo decidiu contactar Bill Fortuin, um amigo de Salisbury.
Não era necessário Jorge Cruz tinha outro plano de emergência...
Às 14h00, fui chamado ao gabinete do sr. Mendes, no aeroporto de Nampula. Tinha notícias da parte do Jorge Jesus que tinha entrado em contacto-rádio com o comandante Craveiro, um colega de Porto Amélia.
A notícia era a de que Giancarlo tinha sido evacuado de helicóptero do local da emboscada para o hospital de Mueda.
Jorge Cruz Galego, piloto Comando |
-- Giancarlo -- disse-me, conta-me como te meteste numa alhada destas? Tu realmente não tens juízo, meu cara de "carvalho". Explica-te!
(...).
Aterrámos muito suavemente e, enquanto rolávamos para a zona de desembarque, verifiquei que estavam várias viaturas e bastante pessoal no local e que o sinaleiro orientava o estacionamento do avião para perto de um potente holofote. Era o comité de recepção ao mártir.
Senti-me incomodado, embaraçado talvez.
-- Sou o comando Pedro Tavares -- disse ele. --Desculpe incomodá-lo mas quando ouvi dizer que estava aqui, tive a certeza de que ficaria satisfeito com a minha visita. O hospital sem visitas é uma pasmaceira.
-- Olá Giancarlo -- disse ele -- Como te sentes? Como é possível que acabes sempre por nos causar problemas?
-- Estou muito melhor, meu caro Mário -- respondi-lhe, -- Mas peço desculpa: os problemas são causados pelas vossas próprias Forças Armadas que não parecem capazes de combater como gostariam de fazer. Não foram vocês, no MFA, que deram ordem pararem com as operações?
-- Sim, nós demos essas ordens. Mas, como sabes, a guerra não parou... Não só continua como aumentou!
-- Qual guerra, major? A guerra da Frelimo? Quem está a fazer a guerra? as vossas forças? ou vocês já fizeram um acordo com o Machel que só aos homens dele permite que façam fogo? Não sabes que a 24 de Maio Samora Machel deu ordens aos seus homens para continuar, e mesmo intensificar, as acções, contra os portugueses? Não és tuque queres dar todo o poder à Frelimo? É esta a tua forma de "democracia"?
Anos mais tarde, o vice-rei do Norte de Portugal (que eu conhecia de Porto Amélia como um activo membro do MFA), coronel Pires Veloso, confirmou: Eu e o Tomé não estávamos de acordo pelo menos num ponto.
Ambos pensávamos que era necessário dialogar com a Frelimo mas ele era de opinião que a Frelimo, como principal partido, devia ser apoiada para alcançar a supremacia. Afinal, o poder dos outros partidos não tinha qualquer utilidade.Não tinham razão de existir!
Na minha situação, hospitalizado depois de ter sido ferido numa coluna militar portuguesa onde era suposto ser protegido pelas mais operacionais tropas existentes nesta guerra, podia abrir a boca e dizer ao major Mário Tomé o que me apetecesse. O Tomé nada podia fazer! A temperatura subia com as minhas provocações. Devo, em sua defesa, dizer que o major nunca perdeu as estribeiras. Pobre Mário ... Mantenho a voz baixa para não ser ouvido pelos outros doentes que passeavam no corredor, tentou contra-atacar.
-- Meu amigo, tens de compreender que dez anos de guerra são anos a mais, principalmente para a nossa economia. Portugal já não aguenta -- disse o Tomé utilizando um dos seus típicos argumentos,
Mário Tomé era um verdadeiro idealista ou um utópico sonhador?
Resolvi então atacar duramente e esperar pela sua reacção:
-- Tomé, que guerra tens tu feito nos últimos anos? Quantas operações fizeste nas duas últimas comissões? Já não ouves um tiro há quatro ou cinco anos -- lancei.
Era uma provocação que não resultou. Podia ter vindo com a história da Cruz de Guerra de 1968 ganha em Vila Cabral, mas nada disse.
-- Diz a verdade -- voltei à carga --, alguma vez estiveste debaixo de fogo do inimigo?
Eu sabia que ele tinha estado em Olossalto ou Nhacra entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972, durante a sua segunda comissão na Guiné, quando substituiu o capitão Francisco Moura Borges. Regressado a Lisboa, poucos meses depois, Mário Tomé conseguiu um bom lugar em Nampula, no staff do general Kaúlza de Arriaga, que até gostava muito do Mário.
-- Vinha eufórico e perguntou-me se eu sabia que o Jorge Jardim já controla a situação a partir de Madrid. Eles desejam a Felimo num Governo de Transição! Era mais um dos boatos tão típicos dos portugueses. Luís disse-me que era verdade, que o Engº Jardim realmente queria a "sua" Frelimo no Governo! Mas como seria possível acreditar nas palavras de Telles Gomes? Jorge Jardim tinha escapado de Lisboa dia 13 de Junho ...Como poderia ele, em apenas 48 horas, controlar tudo' Mas o Telles Gomes não era um boateiro qualquer. O Luís sabia que ele trabalhava para alguém com objectivos bem definidos e ouvia-o sempre com muita atenção mas nunca lhe dando muito troco.
(..)
Luís saiu do hospital e, já em casa, decidiu anotar algumas reflexões..
O secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal, é atentamente escutado pelos mais jovens oficiais do MFA. Havia nesta altura trinta e nove partidos olíticos e mais um, o velhinho PCP de Álvaro Cunhal e companhia .... ilimitada.
Resultado? O MFA irá, mais cedo ou mais tarde ter de colaborar com as esquerdas civis. Para isso tem que dar mais apoio à criação de uma esquerda militar. Cunhal é um dos políticos mais favorecidos nesta fase da chamada revolução democrática!
Aqueles que desesperadamente desejam ver o general Spínola ganhar mais e mais controle do processo de transição para a democracia partidária, espalham cada vez mais boatos. Ao redor do Hotel Portugal, nas esplanadas e clubes nocturnos, há sempre muitos apoiantes dos generais da Junta de Salvação Nacional a mandar papos, sem qualquer fundamento, chamando a atenção para o facto de que as coisas não estão tão más como se diz e que tendem a melhorar a curto prazo.
Os mais bem "informados" dizem que vão chegar aviões Mirage da África do Sul para reforçar os pseudos-ataques a Nachingwea, na Tâzania . Barcos carregados de armamento sofisticado, diziam, atracariam brevemente em Nacala vindos da Alemanha, Israel e Estados Unidos. E, se não chegar, a Rodésia está pronta para enviar todas as suas forças de combate para a ZOT (Zona Operacional de Teta!
Estes boatos são tão bem estudados que fazem muitos acreditar que uma guerra ainda mais violenta está preparada para os próximos dias.
Estou informado, e totalmente convencido, de que a guerra virá mais tarde, depois de a Frelimo governar o país!
Em Nampula, começamos a ter a certeza de que é uma bem estruturada campanha de desinformação para elevar o moral de certos sectores moçambicanos que desejam uma acomodação rápida com a Frelimo.
Orlando Cristine e Jorge Jardim |
Lentamente, chegam ao meu conhecimento os encontros, longe das luzes da ribalta, de Melo Antunes e Almeida Santos com Aquino de Bragança, Sérgio Vieira e outros elementos da Frelimo.
Só para os meus olhos: Os acordos de transferência do poder para a Frelimo já estão quase alinhavados. Elementos contrários à Frelimo estão a preparar uma resposta para a traição do MFA, diz o sempre bem informado Orlando Cristina!
Durante os meses de Maio e Junho tinham jogado a sua cartada com muita inteligência. Grupos colonial-fascistas, como o Orlando Cristina lhes chama, foram apanhados totalmente desprevenidos
"O que estes sacanas fizeram à minha cara" |
(...)
Durante a hora do almoço vieram-me informar de que seria evacuado para Lourenço Marques. Estava fora da lista de perigo mas os clínicos ainda estavam preocupados com os efeitos da explosão na minha vista direita. Só no Hospital Principal, disseram-me, podia ser confirmado o possível efeito deste incidente.
Terminada a refeição, um enfermeiro trouxe a minha roupa; o uniforme camuflado que eu vestira no mato estava tingido de sangue seco e rasgado nos joelhos.
Meia hora mais tarde a ambulância levou-me para o aeroporto. Alguns minutos antes do embarque, um funcionário da TAC dirigiu-se-me com um embrulho na mão. É para si, da parte do Jorge Cruz, disse-me desaparecendo logo a seguir.
Quando cheguei ao Hospital Militar de Lourenço Marques, já era noite cerrada. O médico de serviço perguntou-me o apelido e o número da unidade a que eu pertencia.Quando lhe expliquei que nas minhas circunstâncias não havia unidade, começou a querer complicar as coisa. Civis não estão autorizados a utilizar o nosso hospital, afirmou.
Finalmente resolveu abrir o meu processo, iniciado no hospital de Mueda, e leu tudo o que os seus colegas tinham ali registado, admitindo-me logo. Dizia:
(...)
Alguns dias depois, no refeitório do hospital, fui apresentado a um dos muitos alferes que serviam as Forças Armadas de Portugal. Este era especial, não só porque pertencia a uma das melhores unidades de soldados africanos, os GE, como eram conhecidos os Grupos Especiais que actuavam de farda preta e boina amarela, mas também porque o seu nome de família era Chissano
Alferes GE, Alberto Joaquim Chissano e António Lopes |
CAPÍTULO 6
E continuou
Como nos desapontaste a todos, eu, aqui ordeno que te apresentes logo que seja possível perante mim e o Batalhão, para nos satisfazer (...) que o teu retorno à vida é genuíno.
Ass. O Comandante.
Manuel da Glória Belchior, que tanto desejava ficar com o meu Yellow Submarine, tinha agora os galões de Major e era o segundo comandante do Batalhão de Comandos. Tive a oportunidade de o observar a organizar a recepção da nova leva de candidatos que em breve chegariam para darem início ao curso de Comandos.
Major CMD. Manuel Glória Belchior |
"Operação Despedida", viagem do Major Artur Freitas
O Major Freitas planeava uma rápida tournée por todos os destacamentos dos Comandos, que se estendiam de Tete à Gorongoza e da Zambézia a Vila Pery.Manuel Belchior seria o substituto do major Freitas quando este deixasse o comando da unidade. Também ele faria a viagem que estava prevista durar quinze dias.
Durante esta "expedição" estava planeado visitar os "Sombras" da 6ª CCMDS, a 7ª CCMDS do Capitão Abrantes, a 8ª CCMDS "Hatari", do capitão Campos Carvalho e a 1ª/74, como ficou a ser conhecida, do alferes Santos Cardoza. Todos os homens que as formaram nasceram ou viviam em Moçambique. Seriam também visitadas as unidades que, vindas de Portugal ou de Angola, cumpriram comissões de 2 anos. Era o caso dos "Justiceiros" da 2043ª, dos "Lordes" da 4040ª, dos "Bruxos" da 2040ª e dos Comandos da 2045ª, a "Brigada do Diabo"
***
Antes de deixarmos o Batalhão para a primeira etapa da nossa "peregrinação", o Major Freitas caiu em depressão. Perguntei a mim própria se esta atitude não estaria relacionada com a inesperada visita feita por um VIP aos Comandos de Montepuez.
Vista aérea do aquartelamento de Estima |
Entretanto o coronel de Cavalaria Duarte Silva tomou a seu cargo informar-me da situação das tropas no terreno. Já nos conhecíamos de Angola.
Montepuez, 25/2/1973. Cap.CMD Abrantes Amaral A receber do Gen. Kaúlza, o guião da 7ªCCMDS de Moçambique |
28 de Julho de 1974
2045ª Companhia de Comandos |
Sussundenga fica situada a Sul do rio Revué, na estrada E216 que liga Vila Pery a Espungabera, na fronteira com a Rodésia.
Quando no início de 1973, Father Hastings, divulgou as primeiras notícias sobre o presumível massacre de Tete, já o Ministério da Defesa tinha iniciado várias investigações sobre os factos ligados à "Operação Marosca", realizada a sul do rio Zambeze, numa zona de aldeias que, em maior ou menor escala, apoiavam os elementos da Frelimo "plantavam minas antipessoais nos trilhos utilizados pelos aldeões. Antes mesmo da conclusão dos inquéritos, insinuava-se que a operação provocara centenas de mortos civis e que o seu principal objectivo teria sido lançar o pânico entre as populações que apoiavam, ou que pelo menos não denunciavam, a presença de terroristas nas aldeias de Chwola, Jowao e Wiriiamu.
Houve um massacre em Tete em Dezembro de 1972. O verdadeiro número de vítimas nunca se saberá e o local não terá sido apenas Wiriamu. "Os Sombras" foram os responsáveis indirectos da morte de pelo menos 85 pessoas. Depois do acontecimento muitos choraram. Outros acusaram o falecido agente preto da DGS , Chico Cachavi. Todos me disseram que queria esquecer este infeliz incidente de guerra. Segundo a informação da PIDE/DGS, Raimundo, que comandava cerca de 250 terroristas na zona de Tete, tinha sido detectado num aldeamento perto da capital do distrito com o mesmo nome. O Comando do Sector "F" organizou então uma série de operações pelas várias aldeias dispersas na área do Regedor Gandar, a vinte ou trinta Kms Sul do rio Zambeze. Era suposto que as populações terem sido enviadas para MPádua .
O Alferes Melo com alguns dos seus homens |
Uma vítima das minas |
***
"Operação Despedida", viagem do Major Artur Freitas (Continuação)
O major Freitas preparava-se para repetir o seu discurso de despedida.
Não fiquei inteiramente convencido de que teriam sido mortos apenas 85 civis, porém, tinha a certeza de que o número de 400 mortos anunciado pela imprensa londrina era falso.
Domingo,
28 de Julho de 1974
As Forças Armadas Portuguesas (com excepção das Forças Especiais que se mantiveram em total estado de alerta) deixaram de combater logo em Maio.Pelo contrário a Frelimo ordenou aos seus combatentes que redobrassem os esforços de continuar a guerra e não aceitassem um cessar-fogo antes do colapso total dos portugueses. Para tentar integrar todas as unidades no "comboio da paz", a Força Aérea Portuguesa tinha gasto dezenas de horas de voo com a "Operação Panfleto", deitando milhares folhetos de papel, montados e impressos pela 5ª Repartição do QG em Nampula. Nesses folhetos era aclamado o fim da guerra e apoiadas todas as iniciativas de contacto que viessem estabelecer um clima de paz entre a Frelimo e as Forças Armadas.
Nova Coimbra, (Mevchuma) no Distrito do Niassa |
No círculo o Alferes Telles Gomes |
29 de Julho de 1974
Carmo Jardim a receber as asa "GEP Honorário" |
Incidentes no Lumbo e Ilha de Moçambique
Segunda-Feira,
Montepuez, 12-11-1973 O Alferes Milº Rijo a receber o seu crachá de Comando da 2045ª |
General Orlando Barbosa |
Alf. Monteiro comandante da 1ªBCAV 8421 |
Os prisioneiros da 1ª do BCAV 8421 A caminho de Nachingwea na Tanzânia |
1 de Agosto de 1974. Soldados da Frelimo a festejar o aprisionamento da guarnição de Omar/ Namatil |
Luíz Correia em contacto com a Mlitary Intelligence sul-africana
O major Freitas abandona Moçambique.Major Mário Tomé |
Cap. CMD. Teófilo Freitas |
O Coronel Manuel Souza Menezes |
"Portugal está a preparar-se para abandonar Moçambique". Eram estas as notícias que nos chegavam do Malawi e da Rodésia a 15 de Agosto de 1974. Dois dias antes, Bravo - Alfa - Quatro, a casa - mãe do Batalhão de Comandos tinha a confirmação da retirada geral do dispositivo militar de todo o território a norte do Niassa e Cabo Delgado. No dia seguinte, em Dar-es-Salam , recomeçaram as negociações entre os "revolucionários" de Lisboa e a Frelimo para a entrega total da província ultramarina aos "nacionalistas" moçambicanos.
Bonifácio Gruveta. Comandante da Frelimo na Zambézia |
|
Alferes Amílcar Cardoza, com um braço engessado. |
29 de Agosto
Chegada a Montepuez do Gen. Orlando Barbosa |
O Gen. Barbosa a discursar em Montepuez |
CAPÍTUO 8 (1ª Parte)
A Rebelião de Setembro -- Forças Armadas da Tanzânia e da Frelimo chegam secretamente de avião - Nampula cercada pela PM Portuguesa -- Os civis capturam o Rádio Clube: vinte minutos de liberdade -- O Exército Português contra-ataca com heliocanhão contra os civis -- Decido sair de Moçambique.
NampulaSábado, 7 de Setembro de 1974
Achei que nem o General Rangel de Lima e o coronel Menezes, seriam pessoas para voluntariamente me "oferecessem" mais informações! Que se iria passar neste momento em Nampula com a chegada dos VIPS da Tanzânia? Tinha que urgentemente encontrar encontrar o Luis Correia.
Revolução! Em Moçambique Em , era possível ... A tensão era enorme e generalizada. Toda a população aguardava em ebulição as últimas notícias da capital.
Manifestação junto ao Rádio Clube |
O então capitão Aniceto Simões, Chefe da CHERET |
Domingo, 8 de Setembro de 1974
Chegada de"Tropas" da Frelimo em Nampula |
Joaquim Alberto Chipande |
Jacinto Veloso |
Manuel Gomes dos Santos. O popular locutor Manuel |
Com a ajuda do Jorge Cruz, Luiz arranjou um exemplar. Na capa havia uma fotografia aérea do Rádio Clube onde se podia ver milhares de pessoas a ocupar todas as artérias que circundavam a zona. Nas páginas interiores, muito mais fotografias com a cobertura total dos acontecimentos verificados desde sexta-feira (6 de Setembro) até às 00h00 de domingo (8 de Setembro). Uma edição histórica, disse eu ao Luiz .
Polícia Militar em Nampula |
Quando já não havia ninguém em quem bater, os PM abraçaram-se e fizeram o sinal de vitória. A grande maioria da companhias de Polícia Militar de Moçambique, durante os dez anos de guerra não fez nada de importante a não ser prender soldados inebriados , mal fardados ou sem a necessária dispensa para sair dos quarteis. Agora, nesta única "batalha campal" que fizeram por ordem do coronel Menezes vingaram-se nos civis desarmados que tinham reagido à venda da terra que também era sua!.
Lourenço Marques
Domingo, 8 de Setembro de 1974
À tarde
7 de Setembro. A multidão junto ao Rádio Clube |
Francisco Roxo |
Lourenço Marques
Na altura da "libertação" do Rádio Clube de Moçambique pelas Forças Armadas do coronel Menezes, tiveram início na Avenida Craveiro Lopes (que ligava o aeroporto ao centro de Lourenço Marques) as cenas de intimidação levadas a cabo por habitantes do "Bairro do Caniço" contra as viaturas que transitavam na avenida.
Lourenço Marques. 7 de Setembro de 1974 |
Reunião de estudantes Universitários em Lourenço Marques |
Maria Leonor, analista da Faculdade de Medicina |
Uma das vítimas do 7 de Setembro. Quem seria? |
Às nove horas tornou-se evidente que o comércio em Nampula não iria abrir nesse dia. A população da cidade estava fechada nas suas casas, "lambendo" as suas feridas. Embora mais tarde a PM tivesse
apelado para que as lojas fossem abertas, os proprietários declinaram o convite e lojas e armazéns mantiveram-se fechados.
No Hotel Portugal, juntamente com o Luis Correia, fiz planos para abandonar Moçambique. Além de terminar as minhas notas, tinha de arranjar uma forma de enviar todos os meus documentos para a minha residência em Pretória.
Uma AML Panhard em acção |
Símbolo da 2045ª Companhia de Comandos |
Montepuez, o Cap. João Ventosa a receber o guião da 2043 CCMDS |
CAPÍTULO 9
Acidente com "terroristas" que bloqueiam a estrada para o rio Zambeze
Outra vez para a Beira, de comboio
Bonifácio Gruveta |
O Major Jaime Neves a entregar à 8ª CCMDS o seu crachá |
20 de Setembro de 1974. Tomada de posse do Governo de Transição. Na imagem, Victor Crespo e Melo Antunes com Joaquim Chissano, O "amigo" Telles Gomes de óculos e sublinhado num círculo. |
Em sublinhado a viagem de Giancarlo Coccia. |
Quase fora da foto, à esquerda, observo os elementos da PSP da Beira |
Na foto, à esquerda, o meu amigo Rui Martins, alferes Miliciano da PM. Junto encontram-se o capitão Restolho Mateus e comandante da PSP da Beira. |
A multidão no Estádio da Manga na cidade da Beira |
Acampamento "terrorista" na fronteira sul-africanaComandos das CCMDS 2043ª e 2045ª envolvidos numa "gigantesca" bronca em Lourenço Marques
Conversas em Nampula com o "camarada" MPfumo
O Brandão da Liberdade "gigantesca"
O meu Land Rover desaparece
Prisão na Beira
Curta Liberdade
Prisão outra vez e, finalmente, casa
Polícia Militar em Nampula |
Militares da 2045ª CCMDS |
Lourenço Marques, 21 Outubro de 1974, dois soldados da 2043ª CCMDS a desarmar um elemento da Frelimo |
Lourenço Marques, 21 de Outubro de 1974 a CCMDS 2043 em acção |
A CCMDS 2043, a caminho da última batalha contra a Frelimo |
Ao centro o Alferes Frade da 2043ª ladeado pelos Furrieis do seu Grupo deCombate |
CONTINUA....
Sem comentários:
Enviar um comentário