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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

LIVRO DE: RAÚL A. DE JESUS DAMAS: LEGADO DE LEMBRANÇAS DA GUERRA (1ª PARTE)

 Vivências contadas na primeira pessoa por militares da 4ª companhia de Comandos de Moçambique 1971-1973

Prefácio


Uma unidade de Comandos é por definição uma "Força Militar Especial, constituída por membros com preparação física e técnica extraordinárias, encarregada de missões especiais". Ora sendo a
 4ª Companhia de Comandos de Moçambique, uma unidade deste tipo estou certo que com a leitura deste livro ficará o leitor mais esclarecido sobre o que foi o desempenho de uma Unidade de Comandos.
Como é habitual ouvir-se nos convívios entre Comandos das diferentes Companhias que serviram no Ultramar referências diversas a casos passados durante as comissões e relativas a operações, acidentes, períodos de repouso e outras ocasiões mais ou menos sérias, por vezes extraordinárias ou mesmo jocosas que merecem, de imediato, opinião de que alguém devia registar por escrito para que não caísse no esquecimento.
Assim o Raul Damas, antigo Furriel Milº Cmd da 4ª CCmds de Moç.  e que eu conheci nos anos 1971/72 no Batalhão de Comandos de Moçambique e 1976/78 no Regimento de Comandos decidiu, passados que são 50 anos, meter mãos à obra conseguindo reunir as memórias, escritas e fotografias, de camaradas seus e ainda das esposas de dois Capitães que comandaram a Companhia.Também o documento chamado "História da Unidade" para além de outros diversos foram consultados após aturada investigação participada por vários elentos da Companhia
Surge desta forma "Legado de Lembranças da Guerra" que numa linguagem simples e clara, pelo menos para os antigos militares, consegue transmitir o que foi a vivência da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique ao longo dos dois anos de comissão militar desde o recrutamento e selecção do seu pessoal, a instrução, a actividade operacional até à passagem à disponibilidade.
Convém salientar que o recrutamento para esta Companhia, ttal como as nove que foram formadas em Moçambique, era constituída por pessoal maioritariamente da província porque ali tinha nascido ou vivido já há bastante tempo o que o tornava diferente na forma de encarar a situação militar,  não só relativamente ao ambiente social que lhes permitiu ter a família e os amigos mais perto que o pessoal vindo da Metrópole, como também no que dizia respeito ao conhecimento do terreno sem existir, contudo, qualquer diferença no valor operacional de cada um.
No que respeita ao curso de Comandos são frequentes e unânimes as referências à dureza , eficiência e grande exigência compreendidas como necessária para a adaptação à mata e  actividade operacional, destacando todos eles aquelas actividades a que chamam "provas" tais como sejam as de "Choque", "Sobrevivência", "Fogo" e "Água" não esquecendo a "Semana invertida"e finalmente a "Operacional" realizadas já em zona onde era provável o encontro com o inimigo. A importância de receber "o crachá" e o  brilho da cerimónia ficam para sempre na memória de todos de todos os comandos,

                      Montepuez. Entrega de crachás à 4ª CCMDS de Moçambique

Mais de centena e meia de operações e o meio milhar de  dias por Grupo de Combate, os muitos quilómetros de difícil terreno palmilhados e de muitas horas de voo em avião e helicóptero que os levavam até aos diferentes locais  do Teatro  de Operações, desde Cabo Delgado a Tete, onde o inimigo era mais activo, mostram bem não só a intensidade do trabalho realizado por uma Companhia de Comandos, mas também o seu valor tendo em conta os bons resultados obtidos, reflectindo no número de inimigos abatidos e/ou capturado e população recolhida, além de outros.
Algumas das descrições são efectuadas numa linguagem popular incluindo alguns calões ou mesmo impropérios, o que entende, dando mais naturalidade e mais realismo aos factos. Há que desculpar algumas incorrecções de forma mas não de conteúdo que, por vezes, tem de ser reduzido pois o entusiasmo colocado na lembrança dos factos que pretenderam descrever é real e não ficcionado. Para atestar a sua veracidade tenhamos presente que são sempre indicados nomes de alguém, normalmente homens da mesma equipa, ou grupo, que presenciou e que, se necessário tudo poderá confirmar.
São descritas situações excepcionais e por vezes incalculáveis que ocorreram no âmbito das acções operacionais, que da instrução ou noutras que demonstram que os autores escreveram com total liberdade sem procurar esconder ou disfarçar o que quer que fosse.
Recordemos que, na sua maioria os autores são pessoas de cerca de setenta anos a  descreverem factos  de uma situação de guerra ocorrida à cerca de cinquenta.
Para além da guerra alguns dos autores nascidos em Moçambique ou foram levados para lá quando muito novos dão-nos a conhecer o que era a vida no mato ou em algumas localidades a partir dos anos cinquenta sendo referidas com nostalgia as boas recordações daquele tempo.
Como um dos comandos mais antigos devo uma palavra de muito apreço ao Comando Raúl Damas, que teve a ideia de de produzir este livro e foi simultaneamente autor e coordenador de um trabalho que foi a concretização de uma ideia sugerida por muitos, mas acatada e realizada por muitos poucos.
O mesmo apreço é extensivo a todos os autores e colaboradores que contribuíram para a realização deste registo que realmente constitui um verdadeiro "LEGADO DE LEMBRANÇAS DA GUERRA" da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique

Júlio Faria Ribeiro de Oliveira
Tenente General Comando


CAPÍTULO 1

RESUMO DA HISTÓRIA EDITADA DA:
4º COMPANHIA DE COMANDOS DE MOÇAMBIQUE

Este Capítulo é dedicado à história completa da Companhia, a qual atravessa o período da recruta, da instrução e formação da Companhia e toda a actividade operacional, durante os seus 24 meses de Comissão

MOBILIZAÇÃO, CURSO E COMPOSIÇÃO
Os militares da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique foram, na sua quase totalidade, incorporados na Província Ultramarina de Moçambique, sendo os Quadros da incorporação de Janeiro de 1971 e as Praças do 1º Turno de 1971.
Foram seleccionados em Boane, para frequentarem 0 4º Curso, 490 militares, por uma equipa formada pelo Cap. Cmd. Morais santos, Alferes Milº Cmds. Luz e Lima, Fur. Milº
 Cmd Santos e pelos CabosCmds Jorge e Escumalha, todos do Batalhão de Comandos de Montepuez.
Embarcaram em Lourenço Marques a 15 de Maio de 1971, tendo chegado a Porto Amélia a no dia 20 de Maio de 1971, seguindo em coluna auto, para Montepuez, onde chegaram no dia seguinte.. Nesta data foram presentes no Batalhão de Comandos de Montepuez, para darem início ao4ºº Curso de Comandos de Moçambique.

Entrada principal do quartel de 


O CURSO DE COMANDOS
O Curso decorreu com a dureza, eficiência e exigência habituais, para adaptação do pessoal à mata e às dificuldades de futura vida operacional. 
A preparação foi sendo testada por fases (com a eliminação sucessiva de instruendos), através de cinco provas específicas, tais como "Choque"; "Sobrevivência"; "Semana invertida"; "Fogo"; "Água" e culminando com a "Fase Operacional", que decorreu e Mueda e onde se obtiveram os seguintes resultados:
2 Espingardas semi-automáticas "Simonov"
4 Elementos capturados
Documentos diversos
Acampamentos destruídos
Durante o Curso faleceram dois instruendos. O João Cardoso do CSM (conhecido pelo polícia), que morreu com uma granada presa ao seu bornal e o soldado Moutinho, que morreu com um disparo de dilagrama..
Em 31 de Agosto de 1971, terminaram o 4º Curso de Moçambique (com aproveitamento) 128 militares, procedendo-se, nessa data, à imposição dos respectivos "Crachás"

Durante a cerimónia da imposição dos "crachás", a que assistiram o Comandante Chefe das Forças Armadas de Moçambique, General Kaúlza de Arriaga e esposa, altas individualidades civis, militares e representantes consulares estrangeiros.
Na mesma cerimónia, foram graduados em Alferes Milicianos, para comandarem Grupos de Combate da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique, os Furrieis Milicianos "CMD":
João Nunes do Rêgo e António Luis da Fonseca (1ªC. CCmds. de Moz.))
José Manuel Pereira (da 29º. CCmds)
Carlos Alberto Perdiz Quesada (3ª CCmds. Moz
:
Montepuez. Desfile no dia da entrega dos "Crachá"

"Operação Marco 1"
Missão: Perseguição a um grupo IN que assaltou a cantina de  Chinanga.
Região: Chinanga
Início: 161800SET71
Duração: 1 Dia
Forças Executantes: 4º Grupo Combate sob o comando do Alf. CMD Quesada.
O Grupo foi de viaturas até a Nachinanga, onde chegou pelas 19h00..
Foi feito o interrogatório ao cantineiro Silva, que informou terem aparecido dez elementos IN armados que tentaram queima duas D6 do GPZ intuito não concretizado por ter aparecido uma viatura militar, ao que  se puseram em fuga. Foram feitas emboscadas sem resultados e buscas no aldeamento,  detendo 2 suspeitos. No dia seguinte apareceram os Capitães Morais Santo e Pacheco, de "JEEP", tendo aquele dado instruções ao Grupo e seguido para Changara com os detidos. Precedidos por um UNIMOG de Changara a quem ultrapassaram, passaram 4 Kms, decorridos 200 metros, accionou o "JEEP" uma mina anti-carro tendo morrido os dois Capitães e ficado feridos 2 soldados que seguiam no banco de trás. Foi feita uma busca ao local  com o auxílio do 4º Grupo e detido 1 homem.
As máquina regressaram ao Temangau "Sic"
Como ficou o jeep, após o rebentamento da mina

"Operação Marco 6"
Missão: Caça e nomadização
Região: Zona das  povoações de Magaço; Nhacapata e Chinanga
Início: 280500SET71
Duração: 2 Dias
Forças Executantes: 5º Grupo sob o comando do fur. mil.CMD Telmo
Chegada à povoação de  Pelazi este pôs-se em fuga, queimando-se as palhotas e apreendendo-se um canhangulo. cerca das 09h00 do dia 30SET71 avistou-se as populações de Nhacapata e a aproximação, o grupo sofreu uma emboscada à retaguarda. A pronta reacção das NT iniciou o fogo IN e puseram-se em fuga ficando, no entanto, dois homens feridos, às primeiras rajadas, nas pernas. Foi feitabatida à zona apanhou-se as fardas de três elementos IN e diverso material. Aguardando a vinda do helicóptero fez-se a segurança. Abateu-se duas mulheres e feriu-se uma criança da população, que se aproximava depois de ter fugido durante a emboscada. Os feridos e a criança foram evacuados. Mais tarde foi abatida uma mulher em fuga.
Resumo dos Resultados
a) Sofridos - 2 feridos
b) Obtidos
3 Mulheres abatidas
28 Palhotas e 5 Celeiros incendiados
3 Cinturões-Cartucheiras capturadas
1 Granada de M/def..
1 Canhangulo
Várias peças de pistola m. 20 "Sic

"Operação Obriga 4"
Missão: Localização de trilhos de acesso ao planalto
Região: Congolo (Mocímboa do Rovuma - Cabo Delgado)
Início: 020500JAN72
Duração: 4 Dias
Forças Executantes: Agrupamento B) comandado pelos Alf. Mil. CMD. Rego, a 2GC e Pereira
O agrupamento seguiu apeado no dia D até à base do escarpado onde pernoitou. No dia D+1 no cimo do planalto foi detectado um elemento IN pelas 07h30 que foge ferido. Seguindo as pegadas de sangue ao longo do trilho é encontrado mais trilhos e é feito uma rede de emboscadas com o agrupamento devido. O agrupamento comandado pelo Alferes Pereira, abate pelas 13h30 dois elementos um desarmado, possível guia, e um armado. Passados 5 minutos, a zona é batida com granadas de morteiro 60m/m, o que impediu a junção dos grupos, tendo sido solicitado, a Mocímboa do Rovuma, meio aéreo para o efeito. O agrupamento que abateu os 2 elementos IN teve 8 homens feridos. Alguns graves. A força do Alferes Rego duas horas e meio depois atinge a base da escarpa onde encontra no trilho homens do outro grupo com três feridos ligeiros, sendo que o resto  do pessoal vinha a descer a escarpa. Foi pedida a evacuação que chega pelas 17h00, levando os três feridos ligeiros não permitindo o terreno e a hora tardia que se fizesse a evacuação dos restantes nesse dia. No dia D+2 foram foram evacuados de helicóptero a partir  das 07h30 os outros feridos recebendo , entretanto, o Agrupamento ordem de regresso

 RESUMO DOS RESULTADOS:
a) Sofridos
8 homens feridos
b) Obtidos:
1 Guerrilheiro armado morto
1 Elemento desarmado morto
1 Espingarda Semi Automática "Simonov"
162 Munições de calibre reduzido 10 "SIC"

"Operação Obriga 7"
Missão: Verificação de trilhos de acesso ao planalto
Região: Congolo (Mocímboa do Rovuma - Cabo Delgado)
Início: 250800JAN72
Duração: 3 Dias
Forças Executantes: 4ª Companhia de Comandos de Moçambique, sob o comando do Capitão de Artilharia Comando Rocha e Silva, a 3 GC:
1º GC. Sob o comando do Alferes Miliciano Comando Rego
2º GC. Sob o comando do Alferes Miliciano Comando Pereira
3º GC. Sob o comando do Alferes Miliciano Comando Vaz

A Companhia foi helitransportada para o Congolo e iniciou-se a progressão ao longo do escarpado para a detecção de trilhos vindos do Vale e chegado ao primeiro campo de minas, fez-se a entrega dos depois oficiais da Engenharia à Forças de Omar e seguiu-se para  a zona da Base Limpopo, onde pernoitou-se. No dia seguinte entra na Base que mostra vestígios de abandono depois da destruição pelas NT anteriormente e monta-se uma rede de emboscadas até às 14h00, seguindo depois pelo escarpado para sul reconhecendo novos trilhos até ao esporão e pernoita a cerca de 3 Kms daqui. Foi dada a ordem para reconhece novamente a zona do esporão e durante essa operação um elento nosso accionou um mina anti pessoal num trilho pequeno e depois de já ter passado um quarto da Forças.
Foi evacuado na base do escarpado, antiga povoação de Maniamba. Durante a noite o IN flagelou a zona do accionamento da mina com 19 granadas de morteiro 82 m/m. No dia seguinte a Força dirigiu-se  para o estabelecimento onde chega pelas 15h00.

RESUMO DOS RESULTADOS:
a) Sofridos
1 Ferido grave, soldado Comando Valente Fabião Simbine
b) Obtidos:
Nada "SIC

"Operações Realizadas"
1ª Intervenção - De 15 Setembro 1971 a 16 Novembro de 1971
Foi realizada no Sector "F" (Zona de Tete) com base em Tamangau, onde a Companhia tomou parte das Operações "Marco 1 a 7", "Peneira 2"; Série "Puma 1 a 8"; Puma Final; "Falcão 1 e 2 " e "Pandora" em cantina Oliveira. Neste período o 2º Grupo esteve destacado em Moatize durante a intervenção
2ª Intervenção - De 9 Dezembro 1971 a 12 Fevereiro de 1972
Foi em Mocímboa da Praia, Sector "B" (Cabo Delgado), onde tomou parte nas Operações: "Obriga 3 - 1ª e 2ª fase" e "Obriga 4 a 8".
3ª Intervenção - De 14 de Março de 1972 a 24 de Maio de 1972
Foi em Estima, no CODCB (Cabora Bassa), onde tomou parte nas Operações: "Mágica 3, 4 e 6"; "Moita 10 e 12"; "Musgo 10"; "Meada 3"; "Rastilho 1,2,3,6,7,911,15,16 e 20"; "Regalo 20,2,3,4,5,6 e 7" e "Pampilho 1 e 2"
4ª Intervenção - De 21 de Junho de 1972 a 15 de Agosto de 1972
Foi em Mueda, Sector "B AV", onde tomou parte nas Operações "Lintel" série "Linda" e série "Lira"
5ª Intervenção - De 20 de Setembro de 1972 a 19 de Novembro de 1972
Foi na Zunga, (Tete) onde tomou parte nas Operações "Repuxo 1 a 7"; "Requita 1 e 2"; "Petardo 1 a 12" e "Petinga 1 a 14", sob o comando do Comando de Batalhão de Comandos, Major Comando Jaime Neves.
6ª Intervenção - De 12 de Dezembro de 1972 a 04 Janeiro de 1973.
Foi em Macomia (Cabo Delgado), onde tomou parte nas Operações "Ouro 1ª e 2ª fases" e "Libata"
Em 7 de Janeiro de 1973 sediou-se em Furancugo (Tete) até 21 de Janeiro de 1973 participando nas Operações, "Fucro 1 e 2"; "Perseguição" e terminando em Changara de 23 de Janeiro de 1973 a 11 de Fevereiro de 1973, fazendo operações da série "Relógio 1 a 4"
7ª Intervenção - De 23 de Março de 1973 a 24 Maio de 1973.
 Em Nhapassa, no CTC tomando parte nas Operações da série"Guilhotina 1 a 10" e "Galante 1 11" 
8ª Intervenção - De 23 de Junho de 1973 a 09 de Julho de 1973.
Foi em Chicoa (Tete), onde participou nas "Bisonte 1 a 4" e depois foi para Estima (Tete), CODCB, participando nas Operações " Apache 7,8,22,23,24,25, 26,27,8,28,29"

Resumo dos resultados obtidos
53 mortos
17 feridos
58 capturados 
16 armas capturadas
14 bases e 29 acampamentos IN destruído
1200 celeiros destruídos
24 granadas de mão defensiva
1 bolsa de tambor de metralhadora
6 carregadores de espingarda
600 munições
4 cantis 43 detidos
502 elementos recolhidos para aldeamentos
1 prato base 82 m/m

Durante toda a actividade operacional, a 4ª Companhia de Comandos de Moçambique tomou parte em 153 Operações, num total de 507 dias/GC e a sua acção estendeu-se pelos Sectores"F";  "BAV"; CODCB; "B"; "CTA AV"; e tendo percorrido cerca de 23550Km nos seus deslocamentos tacticos dos quais 12450 Kms de avião (Noratlas, Helicópteros Alouete e Puma) e 11100 Kms em viaturas Berliets; Unimog e Jeep)

A 4ª CCMDS, no 10 de Junho de 1973 em Lourenço Marques
Termina aqui grande parte da história da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique, que cumpriu a sua comissão militar nos 24 meses estipulados, tendo osseus militares, com a especialidade de "comando", passado à disponibilidade.
Embora a história esteja resumida, pretendeu-se que a mesma fosse relatada como um importante tributo aos Comandos, um contributo a Portugal e um testemunho para memória futura dessa mesms história.

AS CAPITÕAS

CAPÍTULO II
VIVÊNCIAS DA GUERRA (1ª PARTE) - disse alguém
PROTAGONIZADAS PELO MILITARES DA:
4ª COMPANHIA DE COMANDOS DE MOÇAMBIQUE

EDITE DAS NEVES DIAS DE MORAIS SANTOS

Natural de Lisboa, nascida em 27 de Maio de 1946
Esposa do Capitão Artilharia Comando Pedro Rodrigo Branco de Morais Santos
1º Comandante da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique.

"ALMA MINHA GENTIL"
Cap. CMD Morais Santos
Quase tudo já foi dito, quase tudo já foi escrito !!
Falta criar o "homem Novo" -  disse alguém
Mas as guerras continuam e as recordações, os seus efeitos, quer físicos quer psicológicos estão sempre presentes.
Passados cinquenta anos, aqui estamos dando parte do nosso testemunho.
Assim nos encontramos em Moçambique por volta do ano de 1970/71.
Éramos todos jovens, bastante inexperientes e "embarcámos" para missões e vivências muito diferentes. Não denunciámos, que estávamos a correr contra os "ventos da história"... Acreditámos der o nosso dever.
Dissemos: Presente!!
... Milhares de jovens portugueses cruzaram o atlântico e parte do Índico.
Mas na 4ª Companhia de comandos de Moçambique, existiam muitos elementos, que já viviam ou eram naturais de Moçambique. 
a
Em Montepuez - Cabo Delgado - formou-se esta Companhia. O primeiro Comandante chamava-se Pedro Rodrigo Branco de Morais Sarmento. Um jovem oficial do Exército Português. Só tinha 29 anos.
Já tinha feito uma comissão em Angola e tinha "vivido a guerra" no Leste esta Província, como oficial subalterno.
Agora era diferente!! Sentia-se desde o primeiro momento responsável pela formação militar de todos  os que viriam a integrar a 4ª de Comandos.
Era rigoroso e exigente a começar por ele.
Não era apenas militar bem formado e que inspirava confiança!! Era também justo, por vezes tolerante e com sentido de humor; leal e verdadeiro.
Com uma cultura acima da média. Detentor de uma formação política (criada nos valores da 1ª República). Educação recebida na casa dos avós em Viana do Castelo
Ainda mais se pode ler num  louvor do Comandante da Região Militar de Angola em 1970: Oficial: competente, sensato, inteligente, dotado de um grande sentido e organização, muito dinâmico e trabalhador, com elevado espírito de disciplina, grande dedicação pelo serviço e extrema correcção.
Como sua mulher, eu, jovem cidadã portuguesa, desejava e compreendia que a vida militar era uma das mais difíceis facetas da sua vida. Ele sabia, que poderia encontrar em mim, o estimulo paa nela se tornar melhor!
Sentíamos um amor imenso  e o interligámos com África! Como se pode  ser feliz no meio de uma guerra, tão longe e devastadora? Vivi numa "montanha russa", tanto em Angola como em Moçambique! Mais em três anos, que outras em trinta.
As recordações são muitas ! Tive  sorte de ter sobrevivido, por ter uma  segunda oportunidade, para ir completando a minha missão neste planeta tão diverso, assimétrico e disruptivo.
Tenho agora nesta vida, uma imensa Fé. Acredito, sinceramente, que todas estas vivências, as minhas e as vossas, farão um dia algum sentido, num todo puro e Universal.
Sonho com o tempo em que o Amor envolverá o mundo e o s homens jamais se matarão uns aos outros1
um mundo sem guerras1 tenho a certeza que não esqueceremos aquela "ÁFRICA EXTRAORDINÁRIA"
Lisboa, Junho de 2021
Edite das Neves Dias de Morais Santos

MARIA EMÍLIA DE SOUSA PEREIRA ROCHA E SILVA

Natural de Porto Amélia - Moçambique. Nascida a 11 de Outubro de 1949
Esposa do capitão de Artilharia Comando Osvaldo Orico Pereira Rocha e Silva, Comandante da 4ª companhia de Comandos de Moçambique

Eu sou a pessoa mais suspeita para falar do  Sany.
Cap. CMD Osvaldo Rocha e Silva
 
Conheci-o em Porto Amélia (Pemba), em 1969, era então  <<tenente da 10ª Companhia de Comandos.
Foi amor à primeira vista e depois de falarmos meia dúzia de vezes tivemos a certeza que nos casaríamos.
Acabada comissão a 10ª regressou a Lisboa, onde esteve cerca de ano e meio.
Em Agosto de 1971, iniciou uma nova comissão no Batalhão de Comandos, em Montepuez, como Oficial de Ligação.
Num fim de semana, muito esperado por mim, porque seria o momento m que iríamos marcar a data do casamento, vi um Sany com um semblante carregado e preocupado.
Fomos dar um passeio à praia de Wimbe, quando me disse que teria de embarcar na  semana seguinte para Tete.


O Capitão Morais dos Santos, comandante da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique, tinha falecido e ele, por ser o Capitão mais disponível do Batalhão e pela urgência da situação, tinha sido nomeado para o Comando da Companhia.
A data do casamento não foi alterada, casaríamos a 29 de Abril de 1972 .
Foi um dia muito especial, muito feliz e festejado por muita gente da minha terra, Porto Amélia.
A muito custo habituei-me a ser mulher de um militar operacional, que vinha a casa apenas a cada três meses, aquando do descanso do pessoal entre operações, na Ilha de Moçambique.
Fiquei assim a fazer parte da família Comando e especialmente da 4ª Companhia.
Passei a ser chamada de "Capitoa", ainda hoje me tratam assim, o que me apraz bastante pois sei que a amizade que me dedicam é sincera.
O Sany falava muito pouco, ou quase nada, do que acontecia nas operações
Quando dormia, muitas vezes sonhava alto e dizia "... Não vou assinar os passaportes ao pessoal...." ou, referindo-se ao Comandantes de Grupo"... Estes meninos não fazem os relatórios..." Mas, no fundo, apesar de ser parco nas palavras sei que guardava grade apreço por todos na Companhia e a sua grande preocupação se centravana segurança do seu pessoal.

Com o nascimento do nosso filho mais velho, em Agosto de 1973, tendo terminado a comissão da 4ª, solicitou a colocação em Boane, onde estaríamos mais perto da família.
Vem o 25 de Abril e, com mais um filho a caminho, embarcamos para Lisboa em Fevereiro de 1975.
A sua colocação, após o regresso à Metrópole, foi em Ponta Delgada onde permanecemos 3 anos e onde nasceram os nossos filhos mais novos.
Éramos uma família grande e feliz.
Outras coisa aconteceram na sua carreira, colocação em Venda Novas, Leiria, Santa Margarida, no Regimento de Comandos da Amadora, Açores de novo, Itália, enfim a carreira militar.
O seu percurso militar haveria de terminar, em 2001 em Lisboa, no EMGFA.
Como disse, sou suspeita, mas gostaria de relevar, nestas palavras que vos deixo, a grandeza deste Homem, que soube cumprir o seu dever sempre com muito orgulho e dedicação.
Homem generoso, bem disposto, amigo e zeloso dos seus.
Estas características deixam-me cheia de orgulho.
Sou uma privilegiada por ter conhecido o Sany e com ele ter partilhado 29 anos de felicidade.

Orgulho-me do seu legado, os nossos filhos e lamento que não tenha havido tempo para que pudesse conhecer os nossos netos maravilhosos, que se referem ao avô Sany, como se nunca tivesse deixado de estar presente.
Obrigado a vós por me quererem sempre na vossa companhia nos eventos que organizam.
Estar, convosco, nesses momentos, recordam-me a alegria com que o Sany tinha nesses momentos de confraternização com a sua companhia...

Um grande beijinho a todos!
Emília Rocha e Silva.

ALBERTO DOS SANTOS DINIS

Natural de Larinho - Moncorvo, nascido a 17 de Março de 1952
Soldado Comando 72234271 da 2ª Equipa do 2º Grupo de Combate


                                                                 OPERAÇÃO - CANTINA DE OLIVEIRA

Norte do rio Zambeze, perto do Fingué.
Agora é a operação que o 2º e o 5º Grupos fizeram, no fim da primeira intervenção.
Nós fomos para Estima e de seguida  para Chicôa. Aonde nos encontrámos com um Grupo da 28ª, que estava lá estacionada.~
Aí fomos fazer uma operação a norte do rio Zambeze. No Fingué - Cantina de Oliveira
Dividimos os 2 Grupos da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique e o Grupo da 28ª e fizemos o hélioassalto a umas bases. Quando a gente chegou ao objectivo, estava tudo abandonado. Os Grupos da 4ª atacaram a base central daquela zona, que acho que era a 25. E o Grupo da 28ª ficou na rectaguarda.
E aí quando, ao longe ainda avistámos a 28ª , estavam lá uns homens armados, mas a operação decorreu normal. A gente voltou para cantina de Oliveira. Para variar, nós fomos tomar banho para um riozito lá em baixo.
Aí quando a gente voltou, passámos pelo Fingué e fomos de viatura até Chicôa. A caminho do Fingué, deram-nos comida, ração e muito vinho, que aproveitámos para encher os cantis de vinho.
O Azevedo bebeu tanto, bebeu tanto,que a gente no caminho, em cima das Berliets, com aquele calor e com tanto vinho bebido, o Azevedo desmaiou na Berliet e a gente achou que ele ia morrer.
Aí quando a gente chegou a Estima, o Azevedo como já estava passando mal, levamo-la para o hospital.
Depois de terminada esta intervenção, aí a gente pegou no Nordatlas, e lá fomos para Montepuez.
Eu comento com o Azevedo, essa foi boa.
Na minha primeira operação comentei que eu tinha matado o Jacinto João.
Foi por causa desse acontecimento, que eu e o alferes Fonseca fomos chamados à ZOT(Zona Operacional de Tete) 
E se não me engano, até estava lá o Jaime Neves  ou o Borralho.
Perguntaram-me como é que foi, como é que não foi, e tal...
Eu disse: quando passaram mandei parar. Como não pararam, eu abri fogo.
Então o Jaime Neves falou assim: nós estamos  em guerra. Vão embora, vão.

GRANADAS NUM AVIÃO NA BEIRA
Então o pessoal estava na Zunga, uma localidade junto à fronteira com a Rodésia. E tinha uma alvenaria abandonada lá, onde dormiam os oficiais e os sargentos.
E  um dia eu estava de sentinela lá. Encostei-me na parede e dei uma ressonada. Nisto passa o capitão Rocha e Silva. Me deu um safanão: 
Estás a dormir, aí? !!! Estás, estás!!!
Aí disse: olha !!! Eu vou dar-te uma porrada quando a gente chegar a Montepuez. A´eu fiquei com aquilo na cabeça. Mas fomos para Montepuez e nada me falou. Vamos para a Ilha descansar e voltamos e nada.
Aí fomos para Nhepassa , ali para os lados de Vila Gouveia.
E eu não tinha dinheiro e chegou o 107, que era as tais férias, né?
Como tinha de resolver esse problema, cheguei para o Sá na cantina e pergunto-lhe: tu não sabes como está o dinheiro da passagem? Não que eu quisesse viajar. Mas queria saber se o capitão me ia deixar viajar ou não. Porque se ele me desse uma porrada, eu não podia viajar.
Aí, o Sá me emprestou dinheiro para comprar a passagem e lá vamos nós.. coloquei 
Eu o Bigodes e mais, não sei quem.
Aí pegamos a coluna de manhã cedo e lá vamos nós para Beira.
Como íamos desarmados na coluna, eu falei: vou pôr meia dúzia de granadas defensivas no bornal. Coloquei o bornal nas costas e lá vamos nós.
Estávamos nós chegando à Beira e já a passagem está lá. Conseguirá passar para nós?
Aí eu estava com o bornal e a DGS estava fazendo a revista.
Quando cheguei perto do agente, eu disse-lhe:Porque se ele me desse uma porrada, eu não podia viajar.
Aí, o Sá me emprestou dinheiro para comprar a passagem e lá vamos nós.. coloquei 
Eu o Bigodes e mais, não sei quem.
Aí pegamos a coluna de manhã cedo e lá vamos nós para Beira.
Como íamos desarmados na coluna, eu falei: vou pôr meia dúzia de granadas defensivas no bornal. Coloquei o bornal nas costas e lá vamos nós.
Estávamos nós chegando à Beira e j,á a passagem está lá. Conseguirá passar para nós? olha eu venho da zona de 100% e estou com umas granadas, o que é que eu faço para despachar esta merda???. Não tem problema, disse o agente. Está bom?.
Lá vamos nós e despachamos as malitas e eu despachei o bornal.
O avião lá seguiu, roncando lá e tal.  Daí a pouco o comandante do avião chamou: Senhor Alberto Santos Dinis!! eu disse, opá!!!.
Aí eu e o Bigodes já pulamos no assento e tal é que foi? Aí puseram as escadas novamente
O que é que você despachou? Umas granadas no bornal, porque o rapaz da DGS me falou que podia despachar.
Tudo bem. Mas você não pode viajar, nem o bornal. Mas eu preciso viajar., porra!!! Eu tô em zona 100%. Aí eles (DGS) tinham um cara que tinha andado no curso de comandos. Ó nosso comando: venha cá. Pode deixar aqui as granadas e vá embora.
Passados uma semana quinze dias, veio uma ordem do QG (Quartel General) para eu me apresentar na companhia.
Quando chegámos a Montepuez, o comandante Jaime Neves me chamou lá na Secretaria, para saber o que é que tinha acontecido ou não naquele aeroporto da Beira. Meu comandante!! Foi assim e assim. Está bom. Pronto.
Aí ficou resolvido, não é? Lá fui eu até à companhia que na época estava em Mueda.
Eu até levei uns salpicões para o Afonso, que a mãe dele mandou.
O Afonso era de Pegões e eu era da Madragoa (estas duas localidades eram no colonato do Limpopo)
 O Afonso ficou todo contente.
.
OPERAÇÃO GALINHA
Na operação Galinha o segundo Grupo estava em Moatize.
A gente foi até à base aérea, apanhar os helicópteros para nos transportarem para uma zona onde os turras estavam fazendo estragos, ali para os lados de Furancungo.
Quando a gente chegou ao aldeamento, encontrámos um cara da JAE (Junta Autónoma das Estradas), um branco e os cantineiros, tudo com medo.
No início a gente foi fazer a operação.
E andamos por ali, passamos numa machamba (fazenda) e sí  pegamos um tractor, que era para recolher o pessoal do aldeamento e o cara da JAE. Quem conduziu o tractor foi um militar da tropa normal.
Como não tínhamos picadores, e havia sinais de muitas minas ali na zona, levamos a população em fila. Abrimos assim leque da população para eles irem na frente, para o caso de haver mina, eram eles que se lixavam.
Nesse  entretanto, chegou ao lugar um cara, na frente da população e falou: Não tem mina aqui: eu conheço. Foi um carro que se enterrou aqui ontem. Mas alguém acabou por desenterrar a mina e nós fomos e continuamos andando. Aí na hora, batemos nesse cara que descobriu a mina. Lá o deixamos pendurado, tudo bem.
Aí fomos para o aldeamento. Aqui a gente tinha alguma coisa, né? Tal havia a população e fomos a casa do cara da JAE. Aí, lá estivemos No início a gente foi fazer a operação.
E andamos por ali, passamos numa machamba (fazenda) e sí  pegamos um tractot, que era para recolher o pessoal do aldeamento e o cara da JAE. Quem conduziu o tractor foi um militar da tropa normal.
Como não tínhamos picadores, e havia sinais de muitas minas ali na zona, levamos a população em fila. Abrimos assim leque da população para eles irem na frente, para o caso de haver mina, eram eles que se lixavam.
Nesse entretanto, chegou ao lugar um cara, na frente da população e falou: não tem mina aqui: eu conheço. Foi um carro que se enterrou aqui ontem. Mas alguém acabou por desenterrar a mina e nós fomos e continuamos andando. Aí na hora, batemos nesse cara que descobriu a mina. Lá o deixámos pendurado, tudo bem.
Aí fomos para o aldeamento. Aqui a gente tinha alguma curiosidade, né? Tal havia a população  e fomos a casa do cara da JAE. Aí, lá  estivemos vendo e tal.
E depois o pessoa procurou e ficámos 2 ou 3 dias.
Nesse entretanto, a gente pegou uma galinha do aldeamento, matámos e comemos. Uma hora depois eu fui lá ao galinheiro. Julgo que fui eu e o Paivinha, se não me engano.
E pegamos lá uma galinha. A mulher falava assim: não!!! esse aí está pondo ovo. Essa não pega e nós, pumba, pegamos a outra.. Aí nesse entretém, chega o cara da JAE , um senhor que estava lá das estradas dizendo: Roubaram meu dinheiro da minha casa!!! Não sei mais o quê.
Aí o alferes Fonseca reuniu o Grupo e falou assim: quem foi que mexeu no dinheiro do homem? Ninguém se mancava. Nem sei se foi o Nunes ou o Cubano, falou assim: ó meu alferes, fui eu, está aqui o dinheiro. Eu ia levar para gente gastar no Máxime da Beira, com o Grupo e tal.
Se entendeu, o dinheiro era para o Grupo, não tinha falado nada para ninguém, mas está tudo bem.
Foi uma vergonha lá. O Alferes mandou ele devolver o dinheiro.
No último dia a gente fez uma operação ali perto e bateram lá nuns caras, para que nos levassem até às bases do IN.. Falaram que não sabiam, não sabia?? Então a DGS, porque tinha tropa normal no meio também, bateu tanto neles, que ficaram lá, estourado no caminho.
Aí o nosso Grupo vinha e faltava a minha equipa e a do Borges.
E veio o passe palavra do alferes. Olha, a última equipa acaba com os moribundos, que era a minha.
Aí, tudo bem, acabamos por cumprir essa missão de acabar com eles.
Não sei quem foi. Não se se fui eu. Mas tivemos que acabar com aqueles caras, de seguida fomos embora.
E nisso a população se queixou e o nosso alferes  foi chamado à ZOT, para ser ouvida num Tribunal, para falar sobre o que teria acontecido àqueles guias.
 O alferes referiu sempre que não foram as tropas comando, mas deverá ter sido a tropa normal. Quem foi, quem não foi?
Aí ficou assim, por isso mesmo, no fim da Comissão militar, que ficou de castigo de licença registrada fui eu, o Nunes, o furriel Borges, o Paivinha e ficamos em Montepuez.
Nesse último dia do fim da Comissão, no jantar nós comemos frango com batata frita.
O Cubano subiu para cima das mesas, lá chorando e dizendo: porque é que eu tenho de ficar, eu não fiz nada, eu não roubei, não matei. Fez um estardalhaço do caraças. Mas  assim foi a operação.
Na outra operação que a gente fez ali perto de Moatize, nós fomos para a zona, lançados por viaturas. Aí a gente, no segundo dia, tivemos uma emboscada. Nessa emboscada, eu estava com o morteiro 60 e umas granadas que pesavam para caraças e com a pistola Walter.
Quando abriu a emboscada, eu pomba fofinha atrás de uma árvore. Aí o alferes Fonseca falou: morteiro...morteiro, peguei o morteiro e comecei lá a mandar umas 3 ou 4 morteiradas e aquilo terminou.
Aí o alferes Fonseca chegou para mim e disse: então pá, tinhas que ser mais rápido. Quando chegarmos ao estacionamento estás fodido na minha mão.
Eu nessa época usava pêra. Vou cortar-te essa pêra, seu coiso e tal.
Mais ou menos ao terceiro dia fomos recolhidos por helicópteros.
E a gente teve que andar pra caraças, até chegarmos à beira do hélio.
E aí a gente teve que andar pra caraças, até  chegarmos à beira do hélio. No caminho, encontrámos uma gazela presa numa armadilha feita pelos turras.
Aí nós, meia dúzia, né?. Eu para variar, o Cubano, o Nunes, o Santos, o Ponte, resolvemos levar a gazela. Então vamos chegar ao estacionamento e o caraças, vamos fazer e acontecer,
Lá vamos nós. Carregamos  a gazela viva, aquilo pesava que nem um caralho e estava um calor de arder. A caminho do hélio, andamos o dia todo, puta que pariu, até umas 3 horas da tarde, carregando aquele animal.
Quando a gente chegou ao hélio, mais ou menos na hora de a gente ser recolhida, o piloto do hélio falou: não pode levar o animal. Tivemos que deixar, soltando a gazela, que foi uma tristeza.
Mas tudo bem, foi outra operação que fizemos em  Moatize.
Era mais ou menos 8 - 9 horas à noite, alguns estavam no cinema, Isso foi em Moatize.
Quando o pessoal vinha da base aérea de Tete para o cinema, avistou uns caras armados ali perto, entre Moatize a base  aérea.
Nisto um "manchambeiro", o comandante do quartel de Moatize, chamou o nosso alferes, e mandou a gente perseguir esses homens armados
Agente foi para a zona , inclusive o nosso alferes falou: mas nós somos comandos, não?
Cães farejadores como é que a gente à noite não actua não sei, não sei se tem aqui, tem que ir ver para tomar providências. Estava tudo bem e lá vamos nós subir a serra.
Isso era mais ou menos meia noite. A gente abancou lá na serra. Ao amanhecer estava eu de sentinela. E nisso aparece meia dúzia de homens vindos, eu só vi os vultos, não é? 
 Quando eles passaram na minha frente, eu mandei-lhes fogo. Atirei num carae pegou bem na cabeça dele. Então ele arreou e os outros fugiram.
Tudo bem, a gente fomos embora outro dia cedo,levamos o cara lá para Moatize, para a enfermaria e tal.
E aí apareceram uns caras lá a falar: não é o Jacinto, Jacinto, Jacinto, já sim tá. Estou bem e como o Jacinto João, que jogava no Setúbal, era na época muito famoso e eu o Coelho, o Paivinha, e alguns do grupo puseram no nome de Jacinto João.
Passados 2-3 dias, estando em Moatize, o homem estava lá na enfermaria.
Nós vamos fazer uma operação com o pessoal da tropa normal.
Aí a gente saiu e antes de sairmos o comandante juntou a tropa dele (a tropa  normal)  e falou assim: a gente vai fazer uma operação. Os comandos vão connosco. Não quero que se façam nada, deixem só os comandos actuar, vocês só vão para fazer número, tá bom? vocês se quiserem saber como é que os comandos actuam, vão ali à enfermaria que vão ver o resultado.Que era para eles verem o Jacinto João morto. Tudo bem, lá vamos nós na operação, ou eles levavam uma arma que tinha sido montada, não é? Era tipo lança roquetes.
Aí eu levava metade da peça lá na frente e o outro lado foi entregue à tropa normal. E  lá fomos. Nós fizemos a operação e tal.  E nessa operação, nós tivemos de ser reabastecidos de água.
E os filhos de uma grande mãe da base aérea mandaram água em bidões dos óleos dos hélios. Agente tomava água e vomitava. Aí nós levamos um cara que apanhou tantas que ele virou moribundo.
Aí alguém teve que o abater. Quem foi? o cubano e o Nunes.
Aí, eles ajoelharam-se atrás dos tambores, porque a gente já não ia utilizar aqueles tambores da água.
Terminada a operação, fomos recolhidos de Unimog, perto de Moatize.
Esta operação foi mais a farra para o pessoal lá de Moatize com a tropa normal. Com o lança-granadas desmontado, como é que eles iam usá-lo?.
Ainda bem que não foi preciso usar.

AUGUSTO DA ROCHA


Natural de Vila de Fráguas - Vila Nova de Paiva, nascido a 21 de Julho de 1950
1º Cabo Radiotelegrafista 72584271


Princípio da noite, véspera de Natal de 1971, tínhamos acabado de jantar e na barraca falaca-se de "muito boa comida", de desporto e de alguma ingénua e inconsistente política, quando entra uma figura incontornável, a quem nós carinhosamente chamávamos Dakota, sempre eufórico e disponível para pregar partidas. O Dakota de seu nome Armindo das Neves Coelho.
Oi pessoal!! Diz ele: vou chatear o padeiro.
E perante a nossa muda curiosidade, continuou, ele vai fazer o bom pão, já deve ter o forno a aquecer, pois a estratégia é assim. Chegamos lá, ele e mais dois, o padeiro  de seu nome Simplício Lopes Marques, que já conhecia os bons "índios", costuma deitar a mão à pá do forno, para defesa de alguma brincadeira de que eram useiros e vezeiros.
Nós aconselhamos-lhe calma, porque só viemos a ver se estava tudo bem e montar segurança. A seguir pedimos três pães, não é muito, é um para cada.
O jantar foi magnífico pois ainda temos ali umas latas de sardinha e atum, assim ficamos de papo mais aconchegado,
Ao fundo da barraca veio uma voz perguntando: e se ele não der.
Não há problema , sai granada para dentro do forno sem ele dar conta e começamos a ir para a porta, para dar corda às sapatilhas, porque ele já está à defesa com a pá na mão.

Armindo Coelho "Dakota"
Entretanto dá-se a explosão e abre que se faz tarde.
Alguém pergunta: é mesmo granada? Naaaão!!
Mas faz barulho, e mostra uma lata daquele sumo intragável da ração de combate.
E alguém diz: võ cansar-se e ainda ficam com mais fome.
Está tudo bem pensado diz ele. Hoje vai ser uma noite longa, já temos as canas preparadas para ir à pesca.
Pois, pois, e o que vão pescar? Peixes cabeçudos?
Pergunta alguém da barraca. Bacalhau diz o Dakota.
E lá do fundo da barraca, com todos a rir, alguém pergunta: como é que possível pescar bacalhau no meio do mato e com o rio de água doce tão longe
Resposta pronta do Dakota : depois mostro
Noite dentro fomos acordados pelo Dakota, para mostrar o seu troféu da pescaria. Uma boa posta de bacalhau.
O Vagomestre Mário Morais, tinha colocado o bacalhau de molho para a Ceia da Consoada, mas os índios" tinham descoberto.
A partir daí foi montar vigilância à cozinha e esperar o momento oportuno para o ataque. 
Só que o vagomestre tinha colocado um cozinheiro de sentinela à panela pois tinha o bacalhau de molho.
Esperaram que o cozinheiro adormecesse e pescaram o bacalhau.
Anos depois, já nos nossos convívios, questionadas as partes aos "índios"soube pela vida, ao Mário Morais valeu alguns não gostarem de bacalhau

Golpe de mão ao sentinela "Cheka" - MUIRITE
A 12 de Fevereiro de 1972, saímos de Mocímboa do Rovuma em direcção a Mueda, em coluna auto, aproveitando o reabastecimento da tropa de quadrícula, lá estacionada. No percurso sofremos uma emboscada perto do famoso posto de água número 34.
Em Mueda aguardamos a abertura da picada, para chegarmos a Nancatari. Em Nancatari ficamos a aguardar a abertura do itinerário até Muirite, onde permanecemos até haver autorização para a coluna retomar a marcha até Nairoto. Em Cabo Delgado tinha havido rendição de tropas, e em algumas localidades havia "Chekas".
Muirite era um desses locais.
A minha viatura ficou em frente ao posto de sentinela que controlava a entrada e saída. O militar "Cheka" (africano), que lá estava de serviço, olhou, voltou a olhar e por fim encheu-se de brio e disse: comandos deviam andar na guerra e não na picada. A partir daqui foi dado o pontapé de saída para dois "índios", brilharem o Dinis e o Dakota. O militar "cheka" estava debruçado sobre o postigo do abrigo,desguarnecendo a entrada, vendo-se atrás dele a G3 encostada.
Entra em acção o primeiro "índio", que lhe pergunta de onde ele era. Sou lá de baixo, respondeu o "cheka". Então és Xangana? Sou. Responde~lhe.
Então começaram a falar em dialecto.

Alberto Dinis

O pessoal riu-se, porque já estava a ver o filme.
O segundo "índio" já estava  em acção, a deslizar encostado à parede do posto, para entrar no abrigo e sacar a G3 do "cheka", como aconteceu.
O primeiro"índio" dava corda ao "cheka" que ia dizendo que fazia e acontecia, para risada geral do pessoal. Ouviu-se uma voz dizendo: abre os olhos. Entretanto é-le feita a pergunta: o que farias se houvesse um ataque.
Resposta pronta dele: ficava aqui a aguentar.
A coluna recebeu ordem de marcha e começou a andar, e foi-lhe perguntado como é que ele aguentava. Esticou a mão para trás e disse: agarro a minha arma e dou tiro. Quando a mão não encontrou a arma, virou-se e acordou para a realidade. A arma tinha desaparecido. Com as viaturas já em andamento lento, saiu a correr do abrigo, a gritar. 
Comandos roubadeiros: dá a minha G3. Pára, pára viatura, De cima da viatura, o Dakota entrega a G3 ao "cheka", dizendo-lhe em dialecto: abre os olhos. O "cheka" , se for vivo, ainda hoje deve estar a tentar entender como foi possível roubarem-lhe a sua G3.

Nome de Código - Sany
O Homem que nos comandou
Depois de três meses de operações em Mueda, com passagem por Montepuez, seguimos para o merecido descanso na Ilha de Moçambique, onde já se encontrava a 34ª companhia  de  Comandos, os Centuriões, comandados pelo Capitão CMD Reis Moura.
Parte do nosso tempo era passado em convívio na Pousada, no Sporting, no Âncora Douro e no Desportivo. Era normal vermos os Capitães amigos, Rocha e Silva e Reis Moura, de Jeep pela Ilha e pararem parase refrescarem, num dos sítios mencionados. Desta feita foi no Desportivo, que sendo o mais popular clube da Ilha, só abria cerca das 17h00.
Quando os dois Capitães chegaram, já lá estavam alguns militares, sentados no muro, em frente à entrada do clube, entre eles, eu, o Orlando Carvalho, o "Cuita" de seu nome Diamantino Baptista e mais alguns que já se perderam na memória temporal. Os dois Capitães alegres e bem dispostos, arrancaram gargalhadas, aos militares presentes, tendo a certa altura o Capitão Reis Moura desafiado o amigo Rocha e Silva.
Ó Sany!!! aposto uma garrafa de whisky, em como não és capaz de passar o gradeamento do portão de  entrada do clube.
O Sany olhou, voltou a olhar, olhou para assistência e perguntou: é mesmo uma garrafa de whisky? Quem perder não bebe, pode ser?. Pode concordou o Reis Moura. O Sany olhou para nós e disse: vocês são testemunhas,. Alguém da malta respondeu: seremos, se também bebermos.
O Sany olhou para o gradeamento, estabeleceu um plano para entrar e ao fim de alguns minutos, estava do outro lado. Primeiro a cabeça, depois o tronco e por fim o resto do corpo. Virou-se e disse: ganhei!!

Convívio do 2º Grupo da 4ª CCMDS de Moçambique

Aí o Reis Moura demonstrou a macaquice do  desafio e começou a gritar.
Acudam, acudam estão a assaltar o Desportivo. Acudam, chamem a polícia.
Tal reacção, provocou um embaraço ao Sany, mandando calar o Reis Moura, perante a gargalhada geral dos presentes. Por sorte o casal responsável pelas instalações apareceu, tinha-se apercebido da malandrice, abriu o gradeamento libertando Sany da atrapalhação momentânea e do desconforto provocado pelo aparecimento dos responsáveis do clube, que foram dizendo: não é o primeiro e não será o último, ganhou alguma coisa? Sany ilibado de qualquer mal entendido, respondeu: ganhei uma garrafa de whisky. Ainda bem, disse a senhora responsável pelo clube, porque assim já temos alguma facturação garantida para hoje.
Lá entrámos para para as instalações, a garrafa de whisky apareceu, tocando-nos também alguma coisita.

O Oficial de dia ao BATALHÃO

Depois de três meses de operações na área de Zunga, a 5Kms da fronteira com a Rodésia, regressamos a Montepuez em aviões NordAtlas. Lavados, barbeados e bem ataviados, lá fomos para a formatura para a apresentação ao nosso Comandante do Batalhão. A meio da manhã, nova formatura para recebimento de três meses de pré.

Depois, foi matar a fome no Manel ou no Desportivo e mitigar a sede ao longo do dia,pois a canícula convidava a isso. Ao fim do dia, lá fomos novamente aos mesmos sítios, para o jantar descontraído, e sem controlo do tempo, fazia com que muitos de nós, já estivessem bem bebidos.
Na noite dentro na caserna imperava a anarquia normal nestas situações, pois no dia seguinte ou nos seguintes, romaríamos à Ilha de Moçambique para o descanso temperador.  Nesta confusão geral, havia já quem conseguisse dormir, quem infernizasse a vida  dos que dormiam por perto, gerando "guerras" e aqueles que, ainda fardados, se passeavam pelas várias divisórias da caserna, semeando ainda mais a confusão.
Os vizinhos de outros dormitórios, alertaram o Oficial de Dia para o barulho incomodativo. As noites eram muito quentes, fazendo com que muitos dormissem nus. Entre eles destacava-se o Cabo Risonho, de seu nome  António Alcides Nunes, que na cama de cima do beliche, infernizava quem estava na cama debaixo ou ao lado.
Mancebo de 22 anos, de barriga para baixo e de tanto se mexer, estava de "pau feito". Nisto entra o Oficial de Dia, o Capitão Cadete. O Alcides Nunes põe-se em pé na cama, todo nu, em sentido de frente para o Capitão e grita: está em sentido, o nosso Oficial de Dia Capitão Cadete.
Fez-se silêncio e ouviu-se a voz do Capitão Cadete, dirigida ao  Alcides Nunes, todo nu, de "pau feito": baixa lá essa arma , descansa à vontade e toca a dormir. Virou as costas e foi-se embora. Começou-se a ouvir em surdina um riso abafado, que lentamente ganhou coro e foi rir até doer a barriga, pela situação caricata do Alcides.
No dia seguinte apareceu a factura da noite  de farra. O Armando Machiana, glorioso atleta do Ferroviário de Lourenço Marques , desencantou um disco, prato de alumínio das nossas refeições, e pelo corredor fora fazia-o deslizar, provocando um ruído irritante, acompanhado da voz dele, dizendo: então à noite ninguém tem sono, e agora que é de dia, sete horas da manhã, está tudo a dormir? Está a acordar, está a acordar, porque começou o meu treino de atleta lançador de disco, aí vai ele.
E ouvia-se o barulho irritante, provocando variadas reacções, tais como palmas, gargalhadas e objectos pelo ar.
Assim se passavam as noites na gloriosa 4ª Companhia de Comandos de Moçambique. e um com amanhecer promissor.

HENRIQUE MOUTINHO NUNES

Natural de Freixedo do Torrão - Figueira de Castelo Rodrigo, nascido a 10 de Outubro 1950
Furriel Miliciano Comando 72803971 -- 1ª Equipa do 3º Grupo de Combate

                                                 

Desafiaram-me a escrever sobre memórias antigas, tempos de guerra, anos desperdiçados.
Então, o meu camarada e amigo Damas disse-me que era o tempo de relembrar as vivências de outrora, passadas em África, para que ficassem aqui eternizadas.
Eu, que nem aos meus filhos contei estas histórias desse tempo de militar passados em Moçambique.
Há alguns anos, nas minhas idas nocturnas ao Clube de Ténis de Santo André, onde diga-se de passagem, se passavam uns bons bocados, descobri que, o que não era contado por mim aos meus filhos era feito por outra pessoa, um camarada nosso. Ele contou-lhes as muitas histórias passadas na nossa guerra colonial.
A partir  daí, os meus filhos começaram a comentar, que não lhes contava nada sobre o que tinha passado na tropa, mas o meu amigo ía-lhes contando o que se tinha passado por lá, e até souberam que tinha sido ferido.
Ainda tentei desvalorizar esse episódio, disse-lhes que que isso era conversa fiada, mas eles não acreditaram.
Afinal, a história foi contada pelo meu amigo que andou na mesma companhia que eu, na 4ª Companhia de Comandos de Moçambique.
Percebi que tinha sido o "Bé Serradas". Serradas  a contar-lhes, porque ele frequentava o mesmo clube, nessa altura.
Esta fotos aqui colocadas já me fizeram lacrimejar, pois já fazia muito tempo que eu não fazia uma visita ao meu álbum dos tempos militares.

ANTES                                            DEPOIS


Tínhamos apenas 20 anos : Lima, Chico Bife (Castanheira) e H. Nunes mas que trio, na despedida de solteiros, peço desculpa despedida da vida civil  Estávamos em preparativos para embarque, com destino Momtepuez City, onde iríamos fazer o Curso de Comandos e onde mais tarde os três faríamos parte da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique.
A história do relógio, dedicada ao meu amigo Chico Bife (Castanheira)
Lembras-te Chico, em Mocímboa do Rovuma, nos idos anos de Janeiro de 1972, no Planalto?.
Mais um dia perdido.
A saída do quartel de madrugada, grupos 1 Rego e 3 Pereira (penso que não estou enganado?, já lá vão uns aninhos e a memória começa a não ajudar.
Na subida ao  planalto, detectámos e ferimos um IN . Ainda seguimos as pegadas e o sangue, mas chegámos a uma confluência de trilhos. Então, decidimos fazer uma emboscada aos trilhos, e se não estou enganado, a equipa do Chico abate dois IN: uma com uma arma, e outro sem e apanha a arma, e revista os mortos.
Perdera-se muito tempo a sair da zona. Claro que era de esperar, tiros de pistola (morteiro a ser detonado). Malta vem morteirada e tudo no chão.
alguém disse que ainda vinham mais uns quantos, depois houve silêncio, já tinha acabado.


Pensámos em sair dali, mas, de repente, houve um grande estrondo, uma granada tinha rebentado no cimo duma árvore por cima de nós de nós. Havia gritos de feridos, incluindo eu, ferido na garganta do lado direito, lembras-te  Chico?. Não deves ter esquecido, aquele dia do diabo, um dia para recordar toda a vida. Quando joguei a mão à garganta havia só sangue entre os meus dedos. Pensei que ia desmaiar, estava tão atordoado, mas apareceu logo pessoal, não me lembro de quem, mas o Chico lá estava. Pediu-se a bolsa de maqueiro (onde estava?).
Com a morteirada os grupos ficaram separados aleatoriamente, a bolsa e o ficaram com o grupo que desceu a escarpa, nós ficamos com o oito (8) feridos e o APVI. Sem a bolsa, há que fazer garrote ao pescoço diz alguém, e é o que se faz. O lenço preto e o abafo serviram para estancar o sangue.
O famigerado abafo que, possivelmente, me salvou a vida.


Eu, muito combalido e desanimado, devido à grande perda de sangue, perguntei ao Chico o que é que ele achava da minha situação. Ele, prontamente, disse que eu estava porreiro, que aquilo não era nada. Mas, eu via pela cara dele que a coisa estava feia.
Então disse-lhe, que ficasse com tudo que era meu, pois preferia que ficasse com ele, amigo de longa data, do que desconhecidos. Foi assim que eu lhe entreguei o meu relógio, um Seiko, todo cheio de nove horas. Ele ainda disse que não era necessário, que não ia acontecer nada, mas lá ficou com as minhas coisas. E eu a pensar que já não recuperava, que iria partir, mas felizmente isso não chegou a acontecer.
A história continuou dramática, (ainda hoje me lembro) o meu amigo Fachada, que levou com um estilhaço numa perna, gemia, gemia, também se encontrava mal. Como o dia já ia longo , e não se conseguia fazer a evacuação do pessoal, lá tivemos que ir arranjar sítio para pernoitar. Mas que pernoita, às tantas só se ouvia mais uma morteirada, felizmente nada perto de nós.
Fui-me aguentando e sentindo-me melhor. Por isso,aqui me encontro e com o relógio Seiko, ainda comigo, e não com o Chico, se tudo corresse mal.
Estas duas fotos são da  evacuação de Mocímboa do Rovuma para Mueda
 

Fomos evacuados no dia seguinte de helicóptero para Mocímboa do Rovuma, eu e mais alguns fomos de "DO" de Mocímoba do Rovuma para o Hospital em Mueda, onde o médico me disse para acender umas velas à nossa Senhora, pois o estilhaço tinha passado a milímetros da carótida.
Posteriormente, fui para o Hospital de Nampula, onde recuperei.
Tudo passou, fica a saudade dos amigos que fizemos naqueles tempos e que irá perdurar até à nossa morte.

FRANCISCO MANUEL VIEGAS TRINDADE 

Natural de Faro, nascido a 09 de Julho 1950
Soldado Comando 72672771 -- 4ª Equipa do 2º Grupo de Combate

Dezembro 31 do ano de 1972
A noite se aproximava e procurámos um lugar seguro para comer a última refeição de combate do dia.
Encontramos um lugar para comer. Paramos por trinta minutos, comemos a ração de combate e compartimos uma lata de cerveja por quatro. Enterrámos  as latas e qualquer resto de comida para não atrair animais e também para não deixar vestígios da nossa presença no local.
Pusemos as mochilas nas costas e continuamos a caminhar para encontrar um sítio para dormir.
Um céu vermelho e a noite a aproximar-se rapidamente.
Quinze minutos de caminhada, a mata  se torna densa ao ponto de  impossível continuar. Chegamos a uma pequena clareira. Paramos e decidimos pernoitar, pois já era escuro de mais para tentar voltar para traz. No escuro tentamo-nos acomodar o melhor possível.
Senti que o sítio onde fiquei, a terra estava um pouco solta, mas o cansaço era tanto que pouca atençao prestei.
Depois de tirar as botas e as meias acomodei-me e adormeci.
Fui acordado com a água, correndo pelas minhas costas. Um forte chuva tinha começado.
Olhei para o relógio e o mostrador florescente indicava meia noite. O tempo passava e a chuva não parava.
Ao meu lado estava o Armindo Lopes (Bigodes) e o Jorge Ponte. O Victor Mata e o Zé Patalica estavam um pouco mais afastados. A chuva se tornou torrencial e nós cada vez mais molhados ficávamos.
Ouvi um murmúrio ao meu lado e reparei que o Bigodes estava invocando uma oração, que me ficou na memória até hoje
A oração era a seguinte:
Santa Bárbara bendita
Que no céu está escrita
Um pouquinho de água benta
Faz parar esta tormenta

Num espaço de dois minutos a chuva parou. Até deu a impressão que alguém lá de cima ouviu a prece e parou a chuva. Molhado, tentei dormir até o sol romper.
A claridade de um novo dia começou a aparecer. Abri uma lata de leite evaporada e comi um pedaço de pão para o pequeno almoço.
Calcei as meias e as botas e preparei-me para mais um dia de caminhada.
Enterrei a lata  e o resto da comida do mata-bicho, quando me apercebi quem tínhamos dormido num cemitério em cima de uma campa, recentemente utilizada.
Dentro de mim sorri, pensando na noite que passamos, para a mochila às costas, peguei na arma e comecei a caminhar no primeiro dia do ano de 1973.

2º Grupo de Combate em Moatize - Setembro 1971

JOÃO ANTÓNIO BAPTISTA SALAZAR
Natural de Lourenço Marques (Maputo) - Moçambique, Nascido a 24 de Outubro de 1950Furriel Miliciano Comando - 72862071 - 5ª Equipa do 5º Grupo de Combate

1ª INTERVENÇÃO - OPERAÇÃO Marco 6

O 5º Grupo, sob o comando do Furriel Telmo saiu de Chinanga em direcção a Nhacapata, numa operação de nomadização quando,já perto da povoação   o, interceptámos um grupo de mulheres com latas de água à cabeça. E interrogadas da aproximação de inimigos nada disseram, mas tremiam que nem varas verdes, o que nos deixou em sobressalto, tendo o cuidado na aproximação às palhotas, que se avistavam e já em posição de técnica de combate, com a minha equipa na frente, sofremos uma emboscada.

5ª Equipa do 5º Grupo de Combate
A reacção foi rápida, mas sofremos dois feridos, o soldado Chivindje, que seguia à minha frente e o soldado Mabote, que seguia atrás de mim.
Ambos de cor, sendo eu o único branco o que me leva a acreditar que os tiros eram direccionados para mim.A sorte protegeu-me.

GORONGOZA
Numa operação de nomadização a partir de NPassa, foi o 5º grupo lançado em helicópteros (Alouette 111) na zona da Gorongoza.
Para o transporte do pessoal só só havia um helicóptero e um heli-canhão para apoio. Coube àminha equipa a primeira a ser transportada, levando cerca de 20 minutos até chegar ao objectivo.Depois de lançados no terreno, fizemos a devida protecção e ficamos a aguardar a chegada de mais outra equipa, o que demorou cerca de 45 minutos.

Furriel Salazar e soldado Mabote
Durante esse período, começámos a ouvir ruídos à nossa volta e cada vez mais próximo, o que nos obrigou a ficar alerta, aguar dando por qualquer por qualquer coisa que pudesse suceder, até que chegou a nova vaga e o heli-canhão fez vários tiros em redor.
Perguntamos o que era e fomos informados que estávamos rodeados por uma enorme quantidade de búfalos que, curiosamente, se iam aproximando e fechando o cerco.
Foi com muita sorte não sermos atacados, pois éramos só cinco homens contra uma manada enorme de animais selvagens. Quem foi do 5º Grupo, certamente se recordará deste episódio.

O 5º Grupo com a população em Estima (Tete)

Numa das nossas intervenções a partir de Mueda (Cabo Delgado), passou-se uma situação muito parecida como a do Vietname. Numa operação a uma base inimiga perto de Nangololo, fomos transportados de helicóptero, mas ao contrário do que era normal, o voo fez-se a razar a copa das árvores, para não sermos detectados.
Mas por necessidade da  estratégia do ataque, os helicópteros começaram a ganhar altitude, para dar lugar à participação de outras aeronaves de combate. Mas foi com surpresa nossa que acabamos de avistar os aviões de ataque ao solo, os Fiats, fazendo voos picados a lançar bombas, com enorme ruído dos rebentamentos, a que se seguiram vários outros aviões Harvard (T6) participando nos bombardeamentos à zona.
Isto durou alguns minutos e nós a presenciar todo aquele espectáculo, lá bem no alto, quando de repente os nossos helicópteros começaram a perder altitude, vertiginosamente, para a zona onde o bombardeamento tinha ocorrido. Foi um cagaço à moda antiga, mas lá fomos largados no terreno,  para depois os helicópteros desaparecerem num piscar de olhos.

Mueda 1972. Borges e Salazar

Como ficámos largados numa zona descampada, seguimos de imediato para o nosso objectivo, com o devido cuidado. Durante o percurso avistámos uma árvore, com cerca de um metro de de diâmetro, cortada como se fosse um legume. Ao chegarmos à base inimiga , que estava deserta, mas para nosso espanto, tinha um campo de futebol com bancadas, de três e quatro degraus, em caniço, debaixo de quatro mangueiras enormes, que cobriam o campo todo, coisa nunca antes vista.
A operação correu com normalidade sem mais nenhum sobressalto.
Na última operação que fizemos foi no Distrito de Tete, noa arredores da cidade. Foi uma operação de nomadização de 4 dias, perto do rio Zambeze.
Andámos a "pastar" todo o tempo, sem nada acontecer. Fomos ter a umas palhotas , junto à estrada, para sermos recolhidos.
Chegamos cedo e o proprietário das palhotas estava a fazer aguardente de maçanica.
Negociamos com ele umas galinhas por troca de ração de combate que tinha sobrado e toca  a assá-las. Como era o fim da tropa, também enchemos uns uns cantis deaguardente e lá comemos e bebemos ainda melhor.

Petiscada no final da tropa

Entretanto chega  a viatura .pois a guerra para nós tinha terminado. Seitei-me nos taipais, com uma perna dentro e outra de fora. A viatura em marcha normal e no meio da picada, quando numa ligeira subida aparece um autocarro em sentido contrário e o nosso condutor deu uma guinada para sedesviar. Desiquilibrei-me e caí para fora da viatura no momento em que se cruzavam, tendo ficado entre a Berliet e o autocarro.
Lembro-me de ouvir o barulho dos pneus a passar perto da minha cabeça, mas como caí como um saco de batatas, acabei por ficar no mesmo sítio sem me mexer. Fooi um susto dos grandes. Passou-me logo a alegria que tinha pois estava no fim da guerra. Safei-me  daquele perigo, que por pouco não vi o fim da minha vida.
Por isso digo: A sorte protege os audazes


Eu e o Vaz a escrever às madrinhas de guerra

 Veríssimo Manuel de  Sá

Natural de Barcel - Mirandela, nascido a 25 de Novembro de 1950
Soldado Comando 73051871, 5ª Equipa do 3º Grupo de Combate


RESUMO DO MEU TEMPO MILITAR - 28 de FEVEREIRO de 1971 a 31 de AGOSTO 1973.

Tendo sido apurado para todo o serviço militar, em 25 de Agosto de 1970, na famosa Vila Trigo de Morais - Baixo Limpopo, fui convocado para me apresentar em Boane no dia 28 de Fevereiro de 1971, para  dar início à recruta.. Não foi fácil  porque era diferente daquilo que estava habituado.Mas como era jovem e nada me metia medo, foi possível ultrapassar com esforço e dedicação, chegando o fim da recruta. Mas estava ainda para vir o mais importante como continuação da vida militar. Chegaram os instrutores dos Comandos,procuram voluntários para frequentarem o 4º Curso de Comandos de Moçambique em Montepuez., mas como poucos se ofereceram, são eles a puxarem por uma lista e convocaram 490 homens para frequentarem o 4º curso de Comandos.
Anres de partir fui despedir-me dos familiares e lá vou eu com outros colegas de avião até à cidade da Beira. Aí entrei no famoso paquete "Niassa", onde já se encontravam oo outros que tinham sido seleccionados comigo e embarcado e Lourenço Marques (Maputo).
Da Beira até Porto Amélia (Pemba), foram quatro dias a navegar, que não me deixam saudades. À chegada a Porto Amélia (Pemba), tínhamos os instrutores à nossa espera, todos bem-dispostos, muito amáveis, a  receberem-nos à cinturada, pontapés, seus filhos deste e daquela, etc...
A partir daí começa outro sacrifício: tentar completar o curso  porque havia vantagens, pois só eram dois anos  de comissão e isso entesava-me porque tinha o meu futuro à minha espera como civil.
Não foi fácil.Começando pela prova de sede: um litro de água por dia dava para fazer barba, lavar a cara e para beber um dia, lá vinha o instrutor passar a folha de papel na cara, verificar se a barba estava bem-feita, não faltando o Franganito ga GAM, que tínhamos de  dar o litro senão a pressão de ar trabalhava com chumbadas.
Seguiu-se a prova de fogo. Na instrução do lançamento do diagrama tivemos um morto e vários feridos. Eu fui um deles, com pouca gravidade, com um estilhaço na perna. No fim de cada prova lá estavam as indesejáveis eliminatórias, sempre esperando não ouvir o meu nome, mas com esforço ecoragem tudo isso se ultrapassou.
Dia da entrega do crachá
Terminado o Curso a 31 de Agosto de 1971, recebi o desejado e merecido crachá . Começa outra etapa. O Capitão deu 10 dias de férias e lá fui eu com outros camaradas esses dias visitar os familiares, dias bem merecidos e para descontrair do Curso.
No regresso das mini férias não tive transporte de avião a horas. Por isso cheguei atrasado ao Batalhão de Comandos em Montepuez. Logo a sair como era uma distância longa tivemos que ir de avião para Tete, para ir integrar a Companhia dos outros camaradas, que já se encontravam em Tamangau e onde a Companhia já estava instalada.
Quando chegamos a Tete fomos para um quartel da outra tropa, esperando coluna para seguir viagem. No entanto, um comunicado dá conta de um administrador desaparecido, numa povoação ali perto. Como estavam ali Comandos fomos mandados para lá. Ao chegarmos ao local foi-nos comunicado que tinha aparecido, mas todo desfeito. Voluntários para recolher os restos mortais fui eu mais o Fernandes e mais dois camaradas, pô-lo na maca que o helicóptero trazia. No dia seguinte de coluna, quando chegámos em Changara  à Companhia uma triste notícia: O Capitão Comando Morais Santos tinha morrido numa mina anti - carro. 
O Veríssimo em Changara
Agrupamos na Companhia e daí seguimos para as operações. Ao fim de dois meses, regressamos ao Batalhão para um merecido descanso. Terminado esse período lá vamos nós para outra intervenção. Desta vez mais difícil, pois era em Mocímboa do Rovuma - Cabo Delgado, que não foi fácil, mas como estávamos preparados para tal assim o cumprimos.
Outras recordações  na véspera de Natal de 1971. Eu e outros camaradas bebemos uns copos a mais. Aliás não havia copos, era pelo garrafão ou pela garrafa: vinho verde, Macieira, 1920 e mais que viesse. Vem o Capitão CMD "Sany", com a calma dele, pergunta: o que se passa aqui?!! lembro de lhe responder: calma meu Capitão!!! São recordações assim como irmos para a pista à noite de castigo, porque o comandante do do quartel nos quis castigar sem razão aparente.
Numa operação no Congolo chegados ao topo da subida, que demorou cerca de três horas, estávamos um pouco cansados. A minha equipa foi fazer protecção, enquanto os outros repousavam um pouco.
.Eu senti um barulho que era um turra que vinha fazer o reconhecimento e disse para o Fernandes: cuidado!!! Quando acabo de chamar a atenção vejo um vulto. Mas como havia muitos arbustos, a visibilidade era muito baixa, tendo eu disparado uns tiros. O Fernandes foi para o trilho fazer uma rajada, mas a arma encravou. Seguimos e frente onde encontramos um cruzamento de trilhos . O capitão disse para o Furriel: a tua equipa não vai emboscar agora derivado daquele contacto. Então fomos ao meio dia emboscar até à uma e trinta. Neste período lá apareceram dois  turras:: um com uma arma outro sem nada. Quando abrimos fogo o turra desarmado conseguiu fugir e o outro largou a arma e meteu-se nos arbustos. Procuramos por ele, que já estava bem tratado, mas vivo.
Levou mais uns toques e  continua vivo.A nossa curiosidade para tirar uma foto e conforme o viro agarra-me a bota em troca dei-lhe uma"azeitona" na cabeça e aí foi de vez.
Logo a seguir lá vem cinco morteiradas aonde tivemos seis feridos. Não foi fácil os helicópteros procederem à recolha dos feridos, pois não conseguiram aterrar, devido à intensidade de arbustos no local e na zona tivemos que improvisar macas para descer com os feridos o monte todo, uns abrindo caminho outros ajudando os feridos. Depois de estarmos instalados no fundo do monte, lá em cima caíram 24 morteiradas: olha se não tivéssemos descido. Terminada essa intervenção, regressamos ao nosso Batalhão de Montepuez, para mais um mês de férias bem merecidas daí seguimos para a Ilha de Moçambique.

Veríssimo, Fernandes e Lima na Ilha de Moçambique
Na terceira intervenção o Furriel da minha equipa veio-me abordar se eu queria ir para a cantina da companhia, porque era o meu ramo na vida civil, pensando eu que era só aquela intervenção como era costume nas anteriores, mas portei-me tão mal que fiquei até ao fim da Comissão. Mas não eram só maravilhas: tinha muita responsabilidade e já nessa altura já movimentava (trezentos cinquenta a quatrocentos contos) nesses dois meses, cad um tinha a sua conta de débitos no fim de cada intervenção, era o Sargento Palma numa secretária a pagar os vencimentos e o sacana do Sá a receber noutra, para não se esqueceram.
Para quem não sabe o que é cantina da tropa é uma tenda que montamos aonde eu e o Furriel íamos á Manutenção Militar abastecer com o necessário. Como cerveja 2M , Laurentina e alguma Manica, o que não podia faltar era ceveja. Vinhos, sumos poucos e alguns eram para o Cheka, que não podia beber muita cerveja para não se embebedar, bebidas espirituosas 1920, Constantino e tudo que diz respeito a higiene pessoal, tabaco, mais todas as bebidas que a malta queria trazer para a vida civil ou quando vinham de férias porque eram mais baratas, encomendavam lá e o cantineiro ia buscá-las

Veríssimo,  Fernandes, Chico e Manuel Santos

Quando os camaradas chegavam da operação ao fim de três ou quatro dias sem qualquer tipo de higiene, a quem visitavam primeiro era o Sá para lhes matar a sede com uma 2M ou Laurentina que já custa na altura 2 escudos cada lata.
Outras peripécias. Quantas vezes estava deitado e me vinham pedir bebida.
Uma cena na Zunga: era por volta da meia noite me batem à porta, porque como sabem lá era uma cantina antiga. Eu também tive direito a uma arrecadação, e como vinha de férias no dia seguinte, tinha feito o balanço e entregue ao Cabo da minha equipa o Fernandes. Quando abro a porta era o nosso capitão. como ele continuou a dormir disse-me logo ele é que ficava a tomar conta da cantina: sim, meu capitão. Mas não há problemas, o Fernandes é serio, mas tu és o responsável. Noutra altura estávamos em Changara: como choveu de novo ao acordar de manhã vou por os pés no chão tinha o burro, ou seja, a cama, com 20 cm de água e mais alguns produtos inundados com água. 
Em Furancungo sofremos um ataque no quartel, cujo bombardeamento atingiu o local onde estávamos acampados. Nesses rebentamentos, houve um estilhaço que me furo uma arca.
Na cantina quase toda a gente tinha a sua conta, mas havia alguns que não queriam. Então pagavam em dinheiro, assim como alguns da CCS (Companhia de Comando e Serviços) ou algum amigo de outra companhia, que aparecesse por lá eu tinha sempre dinheiro. Não era meu, era da cantina, mas eu era o responsável.
Lá vinha um ou outro: Sá !!!  Há aí dinheiro?? Empresta-me.
E la os desenrascava como podia


ANTÓNIO DOS SANTOS GUERRA FACHADA

Natural de Vila Nova de Foz Côa, nascido em 10 de Junho de 1950
Furriel Miliciano Comando 72474471, 2ª Equipa do 1º Grupo de Combate


Com 5 anos fui para Moçambique com a minha mãe e os meus irmãos, pois o meu pai já tinha ido um ano antes. Fomos para um local no meio do mato chamado de Movene, onde o meu pai tomava conta de uma exploração de gado. Essa exploração estendia-se uns 2 Kms ao longo do rio Incomati, e ficava uns Kms a norte de Moamba, que era a povoação mais próxima.
Entretanto, chegou a idade de ir para a escola, então meu pai teve que deixar aquela exploração e fomos viver para  a Namaacha.
Acabado o ensino primário, fui estudar para o Colégio dos Salesianos. Segui o Curso de Serralheiro Mecânico, o qual terminei em 1967.
Acabados os estudos no colégio fui para Lourenço Marques (Maputo) onde continuei a estudar.

Eu, com oito anos. Depois nasceram mais duas

Na escola Industrial Mouzinho de Albuquerque fiz os dois anos da secção preparatória, que davam acesso ao Instituto Industrial. Porém, no final do 2º ano, deixei os estudos e fui trabalhar. Nós éramos seis irmãos e o ordenado do meu pai  era pequeno para tanta gente. Fui trabalhar para dar uma ajuda em casa. Comecei nos CFM (Caminhos de Ferro de Moçambique), nas oficinas de máquinas de ferramentas, onde pude aplicar na prática os ensinamentos que aprendi no colégio. Trabalhei até Dezembro de 1970, pois em Janeiro do ano seguinte, entrava para a tropa. Foi a 29 de Janeiro de 1971 que dei entrada no quartel em Boane para o curso de sargentos Milicianos (CSM).


Esta foi a primeira foto tirada como militar, e que consta na caderneta com o respectivo número mecanográfico.
Depois, durante os tempos livres da instrução, fomos tirando outras fotos para mais tarde recordar.
Depois, já na recta final da recruta, fizemos a a chamada semana de mato, que também decorreu sem incidentes, no grupo em que fui integrado.
Acabada a semana de mato regressámos, para começarmos a preparar o Juramento de Bandeira.

Saboreando uma das primeiras rações de combate

Entretanto, nessas semanas finais, os Comandos foram fazer a selecção do pessoal para a formação duma nova companhia. Eu estava à vontade pois pensava que não seria seleccionado. A malta até gozava comigo por eu ser muito magro. "Fachada. Tu não passas pelos intervalos da chuva. Eles nem olham para ti". Puro engano. Fui o primeiro do meu grupo a ser seleccionado. Lembro-me das palavras do Alferes Luz depois de tirarem as pulsações.
"Tu, nem com molho de tomate te safas". Tanto eu como a malta do grupo ficamos surpresos por eu ter sido seleccionado. A surpresa deu lugar à mentalização , e foi assim que a 14 de Maio de 1971 embarquei no navio Niassa, com os outros camaradas, com destino a Porto Amélia onde chegá ano dia 20 e dali até Montepuez em coluna militar onde chegamos na madrugada do dia seguinte.
Ironia do destino, foi no navio Niassa que eu embarquei em Lisboa com a minha mãe e os meus irmãos e chegamos a Lourenço Marques (Maputo) a 26 de Fevereiro de 1956. Tinha eu cinco anos

No Niassa,a caminho de Porto Amélia

Depois de uma breve paragem em Nacala, regressámos ao Niassa e seguimos até Porto Amélia (Pemba), destino final. Aí já estavam alguns dos nossos instrutores com uma frota de várias viaturas, qu nos levaria até Montepuez.
A viagem de Porto Amélia até Montepuez, foi feita durante a noite em coluna auto, e chegamos ao Batalhão de Comandos de manhazinha.
foi-nos dado o pequeno almoço e iniciamos de seguida a instrução do Curso de Comandos.
começamos com a prova de sede, talvez a mais difícil, por ser a primeira e também porque quase ninguém sabia das condições que ia decorrer. Logo no dia que saímos de Montepuez, fomos a pé até ao local onde se realizou a prova. Durante o percurso houve um praça que fugiu, e depois conseguiu esconder-se num aldeamento, onde também havia um aquartelamento. Chegados ao local da prova, quando se deu pela falta do homem, o capitão Morais Santos não se mostrou preocupado, pois devia saber onde muito bem estaria. E assim foi. No dia seguinte chegou a informação que estava no tal aldeamento, e uma equipa foi buscá-lo. Quando chegou ao nosso estacionamento, levou uma carga de porrada tão grande que teve de ser evacuado. Nesse mesmo dia começou a sério a prova de sede.
Tínhamos um cantil de água a cada 24 horas,. Exemplificando: o primeiro era dado às 8 da manhã, mas o segundo só era dado perto da meia-noite do segundo dia, o que fazia que ficávamos sem água  40 horas, e assim sucessivamente. Tudo servia para arranjarmos e guardar a água, pois tínhamos que nos apresentar lavados, bem barbeados e claro água para beber.

A sofreguidão por um pingo de água

Lembro-me que houve alguém um charco ou poça de água e eu também lá fui encher o cantil. Então durante a noite saíamos dois ou três de cada vez e íamos pelo mato fora até ao charco, muita vezes tínhamos rastejar para não sermos apanhados. Muitos caíram desidratados, pois o calor era muito e a instrução física bem dura.
As "GAM" (Ginástica de aplicação militar) eram dadas pelo Franganito, que também deixava marcas ao pessoal.
Com o passar do tempo e com a nossa preparação a evoluir, também começamos a controlar melhor as dificuldades das provas. A "Psico" era outra surpresa. Aquela que marcou mais o pessoal, foi quando nos acordaram por volta da meia noite com a célebre gravação : Donne moi chance" e "Atenção companhia de instrução. Têm um minuto para estarem formados na parada com equipamento de combate". Claro que ninguém estava devidamente pronto. O resultado era de termos de fazer mais umas reflexões de braços, logo apagavam as luzes da parada e deitavam o correio todo ao ar e desenrasquem-se.

Uma imagem de uma GAM 

Outra lembrança, foi na prova de de sobrevivência. No dia final. tínhamos que trazer qualquer coisa que encontrássemos para comer.. Houve de tudo. Mas a maioria trazia gafanhotos, rãs, peixes que o pessoal apanhava depois de mandar uma granada para o rio. Ninguém pensou que aquilo que trazíamos era para comer depois comermos. Quando o Alferes (já não recordo o nome) perguntou ao pessoal o que tínhamos trazido e como disse atrás, a maioria era gafanhotos, pediu a um a um de nós e vira milho comer o gafanhoto à nossa frente. Depois começou com a "psico" gozo. Isto é uma maravilha é como comer um camarão. Já algum de vós comeu? Claro que o pessoal disse que não, e ele retorquiu.Vocês não sabem o que é bom. Virou-se para o primeiro do grupo, que era um camarada chamado Gonçalves, que mais tarde foi eliminado. Sr. Gonçalves: então o que é que traz para comer? O Gonçalves responde-lhe: um gafanhoto meu alferes. O alferes chega-se a ele e diz: vá, está à espera de quê!!! Coma lá isso que é um petisco melhor que o camarão. O Gonçalves pega no camarão olha, volta a olhar, dá uma volta ao gafanhoto, volta a olhar, e de repente o alferes puxa da culatra atrás e manda um chapadão ao Gonçalves que quase virava o boneco. O Gonçalves nem pensou duas vezes, meteu o gafanhoto à boca e aí vai o "camarão".
Depois o alferes virou-se para o Pires Clara, e faz-lhe a mesma pergunta. O Pires Clara nem pestanejou. Meteu o gafanhoto à boca e já está. Depois chegou a minha vez. a mesma pergunta e eu respondi. Uma rã meu alferes. E lá veio o "gozo" outra vez. Uma rã!!! Quem é que não comeu coxinhas de rã? Ainda são melhores que os camarões. Então prove lá isso. Eu depois de ver o que tinha acontecido ao Gonçalves nem hesitei, meti a rã na boca e engoli-a. O alferes ficou na dúvida, pensou que eu tivesse escondido debaixo da língua. Mandou-me abrir a boca para ver se eu a tinha comido ou não. Um a um todos tivemos que comer o "petisco". Houve um africano que quando comeu o gafanhoto que trazia, até o próprio alferes mandou uma cuspidela para  o chão. O gafanhoto era tão grande e vermelho que quando o camarada lhe deu a trinca, até a "nhanha" lhe saiu pelos cantos da boca.


Penso que foi na prova de fogo que tivemos dois camaradas. Quando nos era dada a instrução sobre  o lançamento dos "dilagramas", o nosso camarada Moutinho preparava-se para fazer o disparo quando o lastro da granada se soltou. O grupo todo gritou: dispara!!! dispara!!!, e atiraram-se para o chão, mas o Moutinho não teve tempo de nada. A granada rebentou, e os estilhaços atingiram-no mortalmente, e  ainda houve mais camaradas feridos. 
O outro camarada que faleceu era o João e tinha a alcunha de "Polícia". Foi durante o simulacro de aproximação a um alvo IN. Tínhamos de aplicar toda a técnica ensinada, pois sabíamos que se fossemos detectados, ou estivéssemos já no assalto final ao alvo, éramos recebidos com fogo real. Esse simulacro tornou-se fatal para o "Polícia" quando uma granada atirada, bate numa árvore, ressalta para trás e foi cair nas costas do nosso camarada. Presto aqui a minha homenagem, e que descansem em paz.
No final do curso tínhamos a fase operacional que consistia em realizar uma operação e ter contacto com o IN.
A Companhia de Instrução já estava praticamente formada com os grupos e respectivas equipas.
Saímos de Montepuez em coluna até Mueda.

Em coluna auto de Montepuez até Mueda
Aqui a companhia foi dividida em dois grupos e as operações foram realizadas no Vale de Miteda.
O grupo onde fui integrado, saiu de Mueda em direcção ao Vale de Miteda e no 2º dia ao amanhecer, avistamos um grupo de guerrilheiros que levavam elementos da população, incluindo mulheres e crianças. Tratamos de os interceptar, e eles quando se apercebem da nossa presença põem-se em fuga. Quando abrimos fogo. uma das mulheres levava um puto, que acabou por atirá-lo para um canavial de bambu e também fugiu. Mas com a troca de tiros com os guerrilheiros acabou por causar a morte da mulher e dos guerrilheiros. No final do confronto, eu e o soldado Costa, que tínhamos visto a mulher atirar com o puto para o canavial, fomos lá buscá-lo. Tremia por todos os lados mas não chorava. Entretanto uma das mulheres capturadas, era avó do miúdo que foi atingida com um tiro num pé.
Foi el que nos disse que era avó do puto e ele se chamava HENRIQUE.
Chegados aa Mueda quisemos adoptar o Henrique, mas não nos deixaram.
O puto ficou com a avó em Mueda .
Terminada a fase operacional, regressámos a Montepuez onde começámos a ensaiar a cerimónia da entrega de crachás, que ser realizou 31 de Agosto de 1971.

CERIMÓNIA DA ENTREGA DE CRACHÁS













O Capitão Comando Júlio Oliveira,
comandante do Batalhão de Comandos, a discursar aos militares, na cerimónia da entrega de crachás--


 








Seguiu-se a homenagem aos dois camaradas mortos no Curso











O Capitão CMD.     Morais Santos,
Morais Santos, 
Comandante da         4ª CCMD Moç.
lê o Código Comando
em 31 de Agosto 1971















Seguiu-se a entrega dos crachats                                                          






Eu a colocar o crachá ao peito, entregue pelo Alferes Rego













No final, foi o desfile em parada da 4ª Companhia de Comandos de Moçambique, acabada de formar


No final da cerimónia, eu e o Pinto fomos chamados ao bar dos Oficiai, onde tivemos uma agradável surpresa. Estudei num colégio Salesiano na Namaacha, assim como o Pinto, então quando chegámos ao bar qual foi o nosso espanto ao ver um nosso antigo professor, que era o Capelão do Batalhão, Padre Júlio Macedo.
Terminado o Curso tivemos uma semana de férias, e lá fomos até casa ver a família e amigos. Eu vivia na Machava, e a primeira coisa que fiz foi agradecer a nossa Senhora na igreja da Vila,
Depois os amigos também quiseram ficar nas fotos com os "gingões".


Acabada a semana de férias foi o regresso a Montepuez onde a Companhia se preparou para ir de Nord-Atlas para Tete. Em Tete fomos para Temangau na zona de Changara, Aí tivemos o único morto em combate, e logo o nosso Comandante da Companhia, Capitão Comando Morais Santos.
No estacionamento do Temangau, quem nos levava o correio, era um avião do GPZ (Gabinete do Plano do Zambeze). Então, sempre que tínhamos a informação que o avião ia aparecer, juntávamos-nos em pequenos grupos. Numa das vezes estava eu o Felício, o Bandeira, o Gamito e mais um ou dois, e o avião aterra e sai de lá uma senhora. O pessoal assim que a v~e fica espantado e todos pensam e dizem o mesmo: o que andará uma "ave" sozinha a fazer por estas bandas? De repente ouve-se uma voz. Oh!!!oh!!!, é a minha mulher, diz o Bandeira e a malta fica incrédula, e interroga-se. A tua mulher? És doido ou quê? Mas era verdade, a senhora por portas e travessas apanhou boleis do avião do GPZ, e foi ter com o marido ao mato. E esta não foi a única vez que fez estas visitas

Ao fim de dois meses de várias intervenções a companhia regressa a Montepuez e segue para descanso na Ilha de Moçambique.
Belos tempos na Ilha de Moçambique.
Acabado o descanso, a Companhia regressou a Montepuez, para preparar-se para a 2ª intervenção em Cabo Delgado.
A 9 de Dezembro de 1971, a Companhia sai de Montepuez em direcção a Mueda onde permanece dois dias, para depois seguir para Mocímboa do Rovuma, na fronteira norte de Cabo Delgado, onde chega a 13 de Dezembro.
Entretanto o Natal estava à porta, e era o primeiro que o pessoal ia passar em zona de guerra e longe da família.
Depois do Natal passado, vem o ano novo, que nós comemoramos com um arraial de fogo real  e  que nos custou um castigo. Passar a noite na pista de aviação.
Quando amanheceu partimos para mais uma operação no Cangolo (Cabo Delgado). Chegámos à base do encarpado onde pernoitámos. No dia seguinte subimos o escarpado e já no cimo foi detectado um IN, que apesar de alvejado consegue fugir ferido. Fizemos a perseguição, seguindo o rasto do sangue que ia deixando ao longo do trilho. Nessa perseguição chegámos a um ponto onde se cruzavam vários trilhos, e então decidiu-se montar uma rede de emboscadas com os dois grupos divididos pelos trilhos.
Cerca das 13h30 um dos grupos vê e abate dois IN, um armado e o outro desarmado, que se suponha ser o guia. A ordem que tínhamos era logo que houvesse tiroteio saíssemos da zona. Eu e a minha equipa estávamos num dos trilhos emboscados a uns cem metros na rectaguarda do grupo. Levantei a emboscada e antes de ir para o ponto de junção, fui com a minha equipa ver o que estava para trás mais uns vinte a trinta metros.
Então vimos uma machamba onde havia gente e é nesse instante quea zona é flagelada com várias granadas de morteiro. Esta flagelação impediu a junção dos dois grupos, e provocou oito feridos nas nossas forças, alguns com gravidade. Um desses feridos fui eu. 
Como durante as morteiradas o pessoal deitava-se no chão, para minimizar possíveis ferimentos provocados pelos estilhaços das granadas, uma delas bateu numa árvore de grande porte e rebentou, fazendo o efeito de "machadada". Foram os estilhaços dessa granada que nos feriram. Eu não senti nada, e só descobri que estava ferido, quando o soldado BUQUE, que também tinha levado com um pequeno estilhaço na zona da clavícula, sangrava muito me diz: "meu Furriel vou morrer".
Eu que estava deitado no chão olhei vi o Buque a sangrar para o ajudar, mas a minha perna esquerda falhou ao impulso de me levantar. Foi aí que me apercebi que também estava ferido. O camuflado já era todo vermelho, pois o sangue jorrava duma das veias que estava cortada e saía da zona esfacelada uns cinco centímetros. Pedi de imediato a bolsa de maqueiro, mas não havia porque tinha ido com o outro grupo, que se tinha separado.
Emissor-Receptor Racal TR 28

Pelo rádio para solicitar a evacuação, mas aconteceu o mesmo. Então como estava a perder muito  
sangue, o Costa mais o Freitas que foram os dois da minha equipa que não foram feridos, tiraram um atacador e fizeram um garrote que me puseram na perna. 
Depois ainda consegui andar durante duas hora, até que avistámos uma avioneta DO, que anda a fazer um "briffing" e com o "banana" que tinha ficado connosco conseguimos falar com eles e pedir as evacuações. Quando o helicóptero chegou, perto das 17 horas, apenas pode evacuar três dos feridos ligeiros, poisa hora tardia e o acidentado do terreno e mata cerrada não permitia o pouso em segurança para levar os feridos graves.
Evacuação para Mueda

A partir daqui, com a perda de sangue e com o arrefecimento do corpo as dores tornaram-se insuportáveis , e já nem o pé conseguia colocar no chão. Então o pessoal fez uma maca improvisada e trouxeram-me até ao sopé da escarpa onde pernoitamos. Nunca perdi os sentidos, mas lembro-me que durante a noite e como não conseguia dormir , o Gamito pegou numa lata de cerveja e enfiou-ma goela abaixo. Claro que não a bebi toda, mas que bebi uma boa parte sem querer beber.. No dia seguinte, logo de manhazinha, acordaram-me e logo me perguntaram se estava bem? "Lembro-me de dizer ainda estou vivo" E entre a malta alguém disse:: "O gajo dormiu que nem uma parte" 
Depois o pessoal arranjou uma clareia para os helicópteros pousarem, e  então fomos evacuados para o Hospital de Mueda.
No hospital estava já tudo preparado para me receberem, e o Garrido, um dos feridos ligeiros, que tinha sido evacuado no dia anterior, também estava lá à espera. Lembro-me de ele me ter dito "Furriel, calma que eu conheço o médico e já falei com ele e disse-me que ia fazer tudo para me safarem a perna". A primeira coisa que me fizeram, foi limpar o ferimento o ferimento, laquear provisoriamente a veia que estava cortada, e tiraram-me então as radiografias. Quando estas já estavam nas mãos do médico, ele  chegou-se ao pé de mim, deu-me uma palmada no ombro e diz-me. "Você é um homem cheio de sorte" Eu cheio de dores  sem poder mexer a perna, pensei que ele só podia estar a gozar. Olhei para ele e então é que me mostrou e explicou o que estava na radiografia. Os estilhaços entraram a meio da anca, cortaram carne, veias, tendão, mas não me tocaram no osso da perna.
Foi isso que levou o médico a dizer que eu era um homem cheio de sorte, porque se os estilhaços atingissem o osso aí não havia nada a fazer, senão amputar a perna. No dia seguinte fui evacuado para o Hospital de Nampula. Chegado, fiquei numa enfermaria com outros feridos.

Enfermaria geral do Hospital de Nampula
Mais tarde os médicos apareceram, tinham visto o processo que trazia de Mueda, e então mandaram os enfermeiros amarrarem a perna a uma tala e disseram-me que os estilhaços iam sair por si, pois o corpo havia de os rejeitar. Foi um erro, pois ao fim de catorze dia preso na cama não cose guia fazer as necessidades na arrastadeira, estava a "apodrecer". Então ao fim desses catorze dias, como os estilhaços não mexeram nem um milímetro os médicos mudaram de táctica, e disseram-me que me começasse a levantar.
Os enfermeiros foram ajudar-me, mas as duas primeiras vezes que tentei sentar-me à mesa, desmaiei. Só passados dois dias é que consegui por-me de pá. Deram-me duas muletas das antigas e transferiram-me para a enfermaria geral.
Nessa enfermaria não recordo o tempo que lá estive.
Ainda com os estilhaços na perna, os médicos mandaram-me andar com as muletas o mais que pudesse, que era para ver se os estilhaços mexiam ou saíam. Nada aconteceu ´, pois, estavam bem agarrados à carne.
Eu, de muletas
Mas um dia voltei a ter sorte. As Senhoras do Movimento Nacional Feminino (MNF) foram fazer uma visita aos feridos no hospital, e nós fomos avisados dessa visita. Disseram-nos que tínhamos de estar todos deitados  nas camas, cobertos com a roupa até meio do peito, e que respondêssemos às senhoras com respeito.
Quando as senhoras chegaram acompanhadas pelo director do hospital, na altura Tenente Coronel Médico Drº Bentes de Jesus, a srª D. Sofia Supico Pinto, que era a Presidente do MNF enovamente para o Dº engraçou comigo. Fez-me várias perguntas sobre o que  me tinha acontecido, e no final virou-se para o Director e dez-lhe: Drº, quero este homem o mais rapidamente em Portugal.
Eu quando ouvi aquilo, fiquei um pouco atordoado, mas disse à Srª que não queria, pois eu era da incorporação de Moçambique. Então ela pergunta-me de que cidade eu era , e quando eu disse Lourenço Marques (LM), vira-se novamente para o Dº e diz "melhor ainda, amanhã quero este homem no hospital de LM.
E assim foi. Passados dois dias estava já no aeroporto de Nampula, acompanhado por um cabo enfermeiro chamado Mira, à espera de embarcar, quando chegou um helicóptero de Mueda que trazia um ferido grave, que tinha de ser evacuado para o hospital de LM.
Era o Chivindje, Tinha pisado uma mina anti pessoal e ficou sem um pé. Como já não havia lugar no avião gerou-se uma pequena confusão entre a tripulação e o pessoal militar que tratava das evacuações. Então eu disse ao cabo Mira que não me importava de ficar e dava o meu lugar ao Chivindje, que estava pior que eu. Depois de várias conversas entre os "Chefões" lá chegaram a um acordo, eu fiquei e o Chvindje foi no meu lugar.
Voltei para o hospital de Nampula onde fiquei mais três dias. Ao fim desses dias, vilto para o aeroporto de Nampula e estava eu novamente com o cabo Mira ao fundo das escadas do avião para embarcar, quando apareceu o General Kaúlza de Arriaga com a esposa, que também íam para LM.
Então o nosso General perguntou-me o que tinha acontecido, e depois de eu lhe ter contado,só me lembro de ele me dizer. "Isto está mau meu homem".
Quando chegamos a Lourenço Marques, ao saírem o General e a esposa desejaram-me boa sorte.
Segui do aeroporto para o hospital de LM , numa ambulância que já estava à espera, e depois de já estar na enfermaria, e perto do anoitecer, deu-me um ataque de apendicite aguda. Chamaram o enfermeiro chefe e este por sua vez chamou o médico. Deram-me um comprimido pequenino de cor branca para me passarem as dores da apendicite.
Verificaram todo o processo que tinha trazido de Nampula, e então o médico decidiu e deu ordem ao enfermeiro para me prepararem para ser operado no dia seguinte. Lembro-me de me terem dado a anestesia muito cedo, depois ainda tenho a noção de que por duas vezes foi lá uma enfermeira ver e perguntar-me se eu estava acordado. A seguir só me lembro de acordar na enfermaria e vislumbrar três vultos ao fundo da cama. Lentamente fui despertando, mas só ao outro dia é que recuperei totalmente da anestesia.
Disseram-me que no dia anterior tinha lá estado a minha mãe e mais duas senhoras uma com um bebé. Nesse dia a minha mãe e a  minha amiga voltaram à hora da visita, onde me contaram a cena da visita da outra senhora. 
A acordar da anestesia. Surpresa!!!
Estava eu a acordar da anestesia, a minha mãe e uma amiga minha da infância estavam no fundo da minha cama, quando essa senhora entra pela enfermaria adentro, chega-se à minha cama e diz: "Olha Fachadas gostas?" foi a surpresa total para a minha mãe e amiga. Olharam uma para a outra sem saber o que dizer. Então a minha mãe dirigiu-se para a outra senhora e diz-lhe: O meu filho foi operado, e está a acordar agora da anestesia. É então que a outra senhora "acorda". Ai desculpem, a senhora é a mãe do Fachada? Desculpem-me, eu sou a mulher do Bandeira, colega dele e foi ele que me disse que o Fachada já estava no hospital de LM, mas não sabia que ele já tinha sido operado.  Eu vinha visitá-lo e ao mesmo tempo mostrar-lhe a  minha filha que nasceu a semana passada. Peço desculpa mais uma vez . Feitas as apresentações, ainda ficaram lá em amena cavaqueira, daí eu só vislumbrar três vultos.
A 31 de Março de 1972, tive alta hospitalar e mandaram-me para o grupo especial de Comandos durante um mês. Fui para Caldas Xavier, mais propriamente a Necungas.
Aí estive sempre no estacionamento com o alferes Fonseca, que na altura ficou a comandar o grupo.
Foi nessa época que começaram as emboscadas e as minas na linha férrea que ia para a Rodésia e Malawi.

Então os pilotos dos helicópteros que estavam estacionados lá convidaram-me várias vezes para ir com eles às zonas onde se davam os rebentamentos.
Depois de estar um mês com o grupo especial de Comandos, regressei à companhia, quando esta estava na Ilha de Moçambique, para mais um período de descanso. Acabado esse período, a companhia seguiu para Mueda, e dali fez várias intervenções, na zona onde tinha sido ferido. Não houve problemas de maior, mas lembro-me bem que fomos flagelados várias vezes com morteiradas, e quando foi da primeira vez, assim que  a malta ouvia a saída da granada começava a tremer como varas verdes, não com medo, mas nervoso, mas assim que ela explodia e víamos que estávamos fora do alcance, acalmava e tudo corria normalmente.
Novamente na Ilha. Seguiu-se Mueda e a seguir Tete..
Bandeira, Felício, Afonso, Fachada e Morais

Numa operação de quatro dias com muito calor. Chegado ao rio Mazoe, matar a sede e recargar cantis.
Acabada esta intervenção, a companhia regressa a Montepuez, para mais um período de descanso, que foi aproveitado para fazer segurança às cerimónias de entrega de crachás À 7ª CCMDS de Moçambique.
Terminado este período, a companhia sai de Montepuez em aviões NordAtlas até à Beira, e daqui em coluna auto para Nhapassa, junto à estrada de Vila Gouveia. Nesta intervenção a maior parte das operações foram para recolha das populações.
Acabada esta intervenção a companhia foi para Lourenço Marques, para participar nas cerimónias do 10 de Junho. Nessa altura eu estava de férias, e em princípio não participaria nas cerimónia. Entretanto o nosso camarada Jorge Lima, que estava indicado para ser ele a levar o guião da Companhia, perguntou-me se eu queria ir no seu lugar. Aceitei, e assim participei no desfile

Terminadas as cerimónias, a Companhia regressou  Montepuez e depois foi para Chicôa e Estima em Tete. Aí fizemos a última intervenção.
Também em Estima, a maioria das operações foram a fazer emboscadas e trilhos em locais onde o IN dava sinais de actividade.

Lourenço Marques. Desfile do 10 de Junho de 1972

Havia também um grupo a fazer segurança às colunas de Songo-Tete-Songo, com materiais e equipamentos para a barragem de Cahora Bassa, por mero acaso encontrei-me lá com um primo meu, que era o chefe de segurança da Barragem, e então convidou-me para fazer uma visita a todaa zona em construção.
                                                Parte do 1º Grupo que fez a vista à Barragem

De pé: Gonçalves; Rainha; Fachada; António Júlio Fachada; Filipe e 2 condutores
Sentados: Serradas; Godinho, Chico Freitas; Santos; Felício; Major;; Lino Freitas; Penteeiros e Garrido


Em cima  é a minha equipa a 2ª do 1º Grupo
Chico Freitas Rainha; Fachada; Catarino; Garrido e António Júlio Fachada


Para terminar a minha história, mostro o símbolo da nossa Companhia feito em cimento, deixado em Estima. 
Na foto eu com a última arma que capturámos


Um Bem - haja a todos os camaradas, em especial para aqueles que me ajudaram no dia em que fui ferido. A todos o meu obrigado.

                                                                        Manuel Jorge Pestana de Ponte
Natural de São Vicente - Madeira, nascido a 22 de Fevereiro de 1950
Soldado Comando nº 72830671, 2ª Equipa do  2º Grupo


Fui convocado para cumprir o serviço militar em 17 de Agosto de 1970, tendo iniciado a recruta em 26 de Fevereiro de 1971.
Terminada a recruta fui seleccionado para frequentar o Curso de Comandos em Montepuez, norte de Moçambique. Quando digo que fui seleccionado, quero dizer fomos num total de cerca de quatrocentos e muitos homens. Este curso teve uma duração de cerca de 100 dias. Durante o Curso, tivemos várias eliminatórias até ao momento em que se formou a 4ª Companhia de Comandos de Moçambique, com cerca de 125 homens.
A partir deste momento, estávamos completamente prontos para a guerra.
Guerra essa que travamos em vários pontos do país, principalmente em Tete e Cabo Delgado.
Vou tentar escrever algumas memórias, o pouco que me recordo. Já se passaram tantos anos que me esqueci de nomes e locais onde realizamos diversas operações de combate.
O episódio mais triste teve lugar logo no começo, quando faleceu o nosso comandante - O Capitão CMD. Morais Santos - nosso ídolo e referência.
Este incidente marcou-nos profundamente e traumatizou a nossa companhia.
A custo ultrapassámos esta triste fase e lá continuámos com a nossa guerra, porque na realidade era para isso que lá estávamos.
Quando fomos destacados para Mocímboa do Rovuma encontrava-me ausente, enquanto a coluna a que pertencia sofreu um acidente, fui evacuado com a clavícula partida. Tive hospitalizado em Mueda, onde permaneci internado, regressando à Companhia algum tempo depois.

Internado no Hospital de Mueda. Setembro 1971

Tenho memória de uma operação que fizemos, que por qualquer motivo, algo correu menos bem. Chegada a hora de arranjar um local para pernoitar fomos abraçados pela escuridão. No amanhecer, ao acordar, verificámos que tínhamos dormido num cemitério. Ossos do ofício!!!
Era duro realizar operações de oito a nove dias de duração. La no fundo apenas pensávamos no regresso ao acampamento, para aqueles merecidos dias de descanso, e de convívio entre todos. Esses instantes eram momentos fantásticos. Descarregar e recarregar baterias para a operação seguinte. 
No meio de toda esta azáfama entre operações, vinham as idas para a ilha de Moçambique, Isso sim era para mim um verdadeiro oásis.


                      Teresa - Teté

Como nessas viagens íamos passando por diversos locais, conheci duas lindas jovens. Uma chamava-se Maria dos Anjos e a outra de seu nome Carmita, logo a seguir desse momento estas jovens tornaram-se minhas madrinhas de Guerra. Escreviam-me maravilhosas cartas. 
Na ilha de Moçambique conheci uma jovem espectacular que se chamava Teresa, mais conhecida por Teté. A cada regresso à ilha, lá estava a amiga Téte.
Tinha também uma outra amiga, essa sim, em Lourenço Marques, de seu nome Fernanda, irmão do nosso camarada Catarino, com quem também trocávamos correspondência.
Porém, além de todas estas lindas jovens, que na realidade me ajudavam com notícias fantásticas, conheci uma outra jovem distinta, esta sim, ainda mais especial, que graças a Deus ainda me acompanha até aos dias de hoje.
Voltando à guerra, que infelizmente esse era o nosso objectivo, para o qual estávamos preparados, depois daquele curso que foi muito intensivo e, em alguns momentos, levou-nos à exaustão, vou falar de uma das operações que talvez mais me marcou durante muito tempo: teve lugar em Nhampassa, onde levamos como guia uma mulher numa maca, porque se encontrava numa máquina e muito debilitada. Mais ou menos a meio da operação ela entrou em trabalho de parto e fui o parteiro, visto que mais ninguém se voluntariara para o efeito. Foi realmente um momento muito dramático
O bébé nasceu já sem vida. Claro que não se esperava outra coisa.
Lá sepultámos o bébé numa cova muito rudimentar. Esta é a imagem que infelizmente me acompanha até aos dias de hoje. Portanto foi a operação que mais me marcou a nível emocional. Mas a nossa missão tinha de continuar. Finda essa operação, a senhora foi entregue aos serviços competentes. Ainda hoje, há quem me chame de o parteiro da companhia. Verdade seja dita, vencer os pbstáculos encaixa como uma luva em nós - os  Comandos.

Foi muito dramático este tempo da minha vida enquanto militar e Comando, mas fazendo um balanço geral, acabo por concluir que foi realmente difícil, mas os momentos de lazer foram tantos e tão bons que ultrapassaram tudo.
Recordo por exemplo, numa operação que fizemos onde no regresso ao acampamento com um enorme rebanho de cabras, de seguida organizamos um curral para as manter juntas. Grandes petiscos fizemos com algumas delas. Lembro-me também que mais do que uma vez, abatemos vacas para que o nosso vagomestre (Morais) mandasse confeccionar  as nossas refeições.
Claro que isto ocorria enquanto nos encontrávamos no acampamento.
Numa outra operação encontrámos um cudo preso numa armadilha. Decidimos transportar o animal para o acampamento, mas a determinada altura chegámos à conclusão de que seria melhor soltá-lo, porque nos encontrávamos muito longe do acampamento. Com muita pena nossa, este sim daria para uns belos petiscos.!
Todas estas situações foram fantásticas e ajudaram-nos a recarregar baterias para os momentos que se seguiriam. Como referi no início, já passou tanto tempo e muitas coisas se vão desvanecendo da memória.


Espero que  algumas destas pequenas recordações contribuíram paraa ideia do livro, ideia essa que considero fantástica.
Um bem - haja aos mentores deste projecto.
 
JOÃO CRISÓSTOMO CALISTO MARRUCHO

Natural da Ilha de Moçambique, nascido a 27 de Maio de 1951
Furriel Miliciano Comando 72686471 do 2º Equipa do 4º Grupo de Combate


Introdução
A minha modesta contribuição incidirá sobre nós e não propriamente sobre factos operacionais.
Em minha opinião e na minha memória vivida, os objectivos a alcançar não se materializaram, considerados menores por uns ou os possíveis por outros, talvez por tácticas ou objectivos desenhados superiormente a que nós éramos alheios.
Todavia, sempre  cumprimos o determinado e fomos uma Companhia harmoniosa, com valores nossos e respeitando os outros, prestações com garbo e humanidade que  sempre  em nós esteve presente.
Sou feliz por isso e por vos ter como camaradas que honrarei até ao fim dos meus dias.

1º Episódio
Uma "sessão" de morteirada no Kongolo, Mocímboa do Rovuma, quebrando o silêncio da noite, quando já descansávamos no bivaque.
O sobressalto foi enorme, mas contido, com folhas, pequenos galhos e areia, a caírem sobre nós. Os corpos ficaram hirtos, momentaneamente, e um vulcão de pensamentos invadiu-nos. Noite desassossegada, no sossego da noite em que os nossos olhares cruzados diziam tudo.
João Marrucho e Ramiro Telmo


2º Episódio
A viagem em coluna de Montepuez para Tete foi concebida e bem, para mostrar que no território as nossas forças militares se deslocavam abertamente e que o domínio era claro. Foi uma viagem fantástica que, a meu ver, mostrou a muitos de nós e em particular a quem nunca conheceu um pedaço daquela terra  telúrica e grandiosa.
No meu grupo muitos olhares de espanto e alegria. Cidades, vilas, aldeias e rios foram atravessados, populações diversas com culturas diferentes.

Mama Suma

JORGE MANUEL DA SILVA MARTINS DE LIMA

Natural de São Pedro do Sul, nascido a 12 de Agosto de 1950
Furriel Miliciano Comando 72883671
2ª Equipa do 3º Grupo de Combate


4ª Companhia de Comandos de Moçambique - 1971 a 1973

I) A Recruta

Em 1971 iniciei, com muitos outros companheiros nascidos em 1950, uma nova fase da vida, esta muito marcada pelo cumprimento do serviço militar obrigatório, a grande maioria daquele tempo em zonas de 100%, as de confronto com o IN.
Depois da incorporação  em Boane, onde fizemos a recruta, eu e   mais alguns chequinhas fomos seleccionados por um grupo de militares meio estranhos, os Comandos! Bem aprumados e pouco sorridentes, não davam nenhuma confiança aos recrutas nem aos outros pacaças de quartel de Boane. Deslocavam-se em passos de corrida e repetiam que em Montepuez é que nos tratariam da saúde...
Terminada a recruta, em Maio, embarcámos no navio "Niassa" para Porto Aélia, tendo depois seguido  em coluna militar até Montepuez, vila  onde há 50 anos atrás frequentámos o temido curso de Comandos onde, a 31 de Agosto de 1971, recebemos o ambicionado "crachá Comando".
De salientar que dos mais de 450 instruendos presentes, apenas 130 foram aprovados. Para minha surpresa, satisfação e orgulho, terminei o 4º Curso de Comandos de Moçambique em 3º lugar.
No encerramento do curso, realizou-se a cerimónia de entrega de crachás, solenidade muito marcante para todos nós e onde compareceu o Comandante-Chefe das Forças Armadas de Moçambique, o General Kaúlza de Arriaga, recebido com todas as honras pelo fundador do Batalhão de Comandos de Moçambique. o então Capitão e agora General Comando Júlio Faria Ribeiro de Oliveira.
Cap.CMD. JúlioOliveira



Dia da formação da 4ª Companhia de Cem diversas zonas de guerra..omandos de Moçambique

Foram-nos concedidos 12 dias de descanso, tendo muitos de nós regressado a casa, para o convívio com a família, namoradas e amigos.
O regresso a Montepuez representou uma nova e marcante etapa das nossas vidas, pois tínhamos pela frente mais 24 meses como operacionais interventores em diversas  zonas de guerra.

II) A prova e a confirmação do que no esperava
Foram três dias de vai-e-vem de Montepuez para o aeroporto de Matundo, perto de Moatize e da cidade de Tete, dos NordAtlas, aviões militares de carga que transportaram todo o pessoal operacional e de apoio, mais os equipamentos necessários a todos. As viaturas tinham seguido por terra, umas semanas antes.
O destino final foi uma pequena povoação localizada a 20 Kms da Changara, chamada Temangau, onde  estava sediada uma delegação do GPZ (Gabinete do Plano do Zambeze).

A 4ª Companhia de Comandos de Moçambique chegou ao Temangau sem problemas de maior, entre os dias 14 e 16 de Setembro e ficámos instalados num terreno localizado nas redondezas das instalações do GPZ, tendo lá ficado instalado por dois meses.
Mas, excepcional e inesperadamente, aconteceu a mais grave de todas as cenas da nossa comissão.
Na manhã de 17 de Setembro de 1971, fui informado por um elemento do GPZ, muito abalado, que o nosso Capitão tinha falecido no rebentamento de uma mina anticarro, junto com outro Capitão. No rebentamento desta mina também ficaram feridos , com gravidade, dois soldados do aquartelamento de Changara.
O Jeep que transportava os Capitães

III) O Stress pós traumático
Apesar da rápida substituição do falecido líder, todos percebemos que o novo comandante, o então Capitão Comando Osvaldo O. Rocha e Silva, embora diferente, era um homem bom, muito humano e amigo de todos nós.
Logo a seguir ao episódio, os 5 Grupos de combate da Companhia, empenharam-se em "vingar" a morte do nosso comandante, perseguindo e castigando o IN.  Deste espírito de desforra e imaginação de alguns, nasceu o cognome da Companhia os "Vingadores" 
De referir que o nome "Vingadores" foi sugerido pelo então Furriel Miliciano Comando Pires Clara, o mesmo que terminou o Curso em 1º lugar, sendo-lhe atribuído o comando do 5º Grupo de Combate tendo, pouco depois, sido graduado em Alferes, com todo o mérito.


IV) A primeira experiência com perca de confiança
Na primeira operação do nosso Grupo, em busca de inimigos, um elemento estranho foi detectado  e mandado parar. Como não o fez, pondo-se em fuga um soldado do 3º Grupo abriu fogo e atingiu-o. O homem ficou ferido com gravidade, gritava imenso. Foi-lhe ministrada uma petidina e tentada a sua evacuação, facto que não foi possível, pois não existiam meios disponíveis no aeroporto de Tete. Em face da situação e com a convicção de que o ferido não sobreviveria muito mais tempo, o chefe do nosso Grupo decidiu que era preferível por termo a tanta dor,pois dadas as circunstâncias era o que se afigurava melhor para o homem. Incompreensivelmente e para espanto de todos, o Alferes pediu ao Grupo que alguém tratasse do caso. Como ninguém se manifestou eu, também admirado com tanta falta de discernimento, lembrei-lhe que ele, como chefe, é que deveria ordenar e não pedir quem deveria resolver o destino do ferido.
Visivelmente perturbado não conseguiu dar a ordem, ficando assim por comprovar a sua capacidade de chefia. Solucionada aquela desagradável situação pois o ferido faleceu entretanto, qual não foi o nosso espanto quando percebemos que o Alferes se encontra prostrado no chão, quase desmaiado...
Pediu água e eu dei-lha ... do cantil dele...
Após algumas operações, fui destacado pelo comandante da nossa companhia, o Capitão Comando Rocha e Silva, para ir para Montepuez intervir como instrutor no 5º Curso de Comandos...
Fiquei muito admirado com aquela escolha, para mim talvez um castigo pelo atrevimento contraproducente para com o chefe do meu Grupo, mas, como não podia deixar de ser e muito menos recusar, lá fui com entusiasmo e entrega  

V) O 5º Curso, a prova de sede e as habituais vítimas da formação Comando
Neste 5º Curso foi-me atribuído a chefia do P4, um grupo composto por mais de quarenta soldados, um dos 8 grupos de praças que, para além de outros 3 grupos de milicianos, um de oficiais, (COM) e 2 de sargentos (CSM), completavam a companhia de instrução, num total de mais de 450 homens.
Após os três primeiros dias no quartel de Montepuez, partimos para a Prova de Choque, a primeira do calendário deste 5º Grupo, a famosa "prova de sede".
A viagem decorreu sem incidentes, tendo chegado à zona escolhida, perto do Chai, com todos bem-dispostos, mas algo preocupados...
Com um calor abrasador, um cantil de água por diae com poucas sombras, o resultado foi o esperado; muitos instruendos desistindo ou "arreando", como nós dizíamos.
Eu já o previa, pois tinha passado pelo mesmo drama, 6 meses antes, em pleno mês de Maio e com temperaturas bastante elevadas.
A diferença para alguns amigos foi que, devido ao "desastre" físico na enfermaria de campanha, consegui ajudar muitos deles, oferecendo-lhes água quando os mesmos se encontravam prostados.
Um instruendo exausto

Estava ciente que o que fiz era contra as regras, mas o meu instinto de sobrevivência, de amizade de camaradagem para com eles, foi superior à disciplina militar "Comando"
 
VI) O João Cardoso o Cabo Jorge e o execrável pacaça do Ralis.
Não me esqueço do meu amigo João Cardoso e do Cabo Jorge, este último operacional da 21ª Companhia de Comandos, formada em Angola, e da sua actuação como instrutor durante 0 4º Curso, tendo sido posteriormente nomeado meu auxiliar, no 5º Grupo.
Apesar da sua Companhia já ter terminado a sua comissão, a passagem à disponibilidade do Cabo Jorge dependia  de um processo judicial que ainda decorria na justiça militar. Este procedimento existente por motivos relacionados com a morte acidental , durante o 4º Curso, do nosso companheiro, amigo e colega de escola, o João Manuel da Silva Cardoso.
Sem entrar em muitos pormenores, reafirmo a minha desilusão para com certas pessoas, neste caso um militar não Comando que, incompreensivelmente, capitaneava o nosso Grupo de instrução do CSM. 
Esse arrogante, convencido e "emproado" militar, foi o responsável pela morte do João Cardoso, pois foi ele mesmo que deu as ordens de execução do plano de lançamento de granadas, durante a Técnica de Combate que e seguiu, quando me ordenou e a mais três instruendos do Grupo para irmos buscar as necessárias granadas ofensivas, à tenda "paiol" da Prova de Fogo.
A sua errónea decisão estratégica para aquela aula, colocou-nos a todos em perigo de vida. Isto porque lançar granadas para a mata de onde provinham os instruendos, numa simulação de ataque a uma base, colocava todos em risco de vida, pois não nos seria possível visualizar o lançamento ou a chegava de todas as granadas...
Mas a fatídica má sorte calhou ao João Cardoso e, por inerência, ao Cabo Jorge.
Ainda hoje tenho bem viva aquela dramática cena; o Cabo Jorge avista o João Cardoso e lança a granada, ao mesmo tempo que grita "Sai aí se pardal".
A granada passou por cima da cabeça do João Cardoso, a uns três metros, mas bate no tronco de uma árvore seca, ressalta e volta para trás, indo encaixar-se nas costas do João Cardoso.
O JC foi projectado de cara para o chão. O seu bornal cheio com pedras, ficou desfeito com a forte explosão. Os danos provocados eram também visíveis nas costas dele, sendo também perceptíveis os seus últimos sinais estertores de vida. 
A lamentável e revoltante da consequência deste fatídico incidente, terminou com  um "lavar de mãos" ou fuga à responsabilidade por parte de Dinis de Almeida, quando em tribunal militar  alegou que o Cabo Jorge tinha lançado a granada sem a sua autorização...Apesar de Dinis de Almeida já ter deixado o mundo dos vivos, não posso esquecer a sua triste passagem pelos Comandos, especialidadedas tropas portuguesas que o mesmo nunca conseguiu alcançar.

VII) O Regresso à 4ª Companhia e a Indisciplina de alguns
Após a atribuição de crachás que terminaram positivamente o 5º Curso de Comanos de Moçambique, fui passar uns dias de descanso a Lourenço Marques   (Maputo) e regressei à 4ª Companhia que, na altura, estava localizada em  Estima, Tete.

 Entrega de crachás à  5ªCCMS de Moçambique
Cap. Lopes Martins a receber o guião da Companhia

Ciente que a intervenção em Mocíboa do Rovuma não tinha corrido da melhor forma, pois lá sofremos várias baixas em combate, percebi que o pessoal demonstrava algum alheamento ou sobranceria para com as regras militares e para com as chefias.
Eu estava de Sargento-de-dia e esta percepção foi confirmada no momento da chamada para a formatura que antecedia a toma do pequeno-almoço.
Dos cerca de 100 homens presentes no estacionamento, apenas uns vinte compareceram à formatura, facto que me surpreendeu negativamente. 
Como sargento de dia , não aceitei a ausência da maioria do pessoal nem permiti o início da entrega dos alimentos. Assim, ordenei que um elemento de cada Grupo fosse à tenda chamar os restantes soldados. Esta situação prolongou-se por cerca de uma hora, para revolta dos presentes já formados.
Como não cedi, o pequeno-almoço só foi distribuído quando não existia ninguém nas tendas. Pode parecer estranha a atitude que assumi no momento, mas uma falta de respeito destas não se pode admitir numa força militar especial como os Comandos.
O que verifiquei de seguida é que, ao almoço, toda a companhia formou pontualmente e impecavelmente fardada.

VIII) A Grande emboscada
Esta terceira intervenção foi também alo marcante e para os soldados que me apoiaram na reacção a uma emboscada que sofremos na estrada alcatroada, a que ligava a cidade de Tete ao Songo.
Nesta estrada passavam 4 grandes colunas por dia, duas em cada sentido.
Todos os dias de manhã saía uma coluna de Tete  para o Songo e à tarde era o regresso. Esta coluna era escoltada por duas viaturas blindadas "Chaimite" , equipadas com metralhadoras pesadas e morteiros 60mm. Para completar esta força de segurança motorizada , seguiam mais duas viaturas Berliet, viaturas militares que abriam e fechavam a coluna, maioritariamente preenchida com viaturas civis pesadas e algumas ligeiras e de onde se destacavam os camions cisternas que transportavam cimento para a Barragem de Cabora Bassa.
A outra coluna, a escoltada pelos Comandos saía de manhã dp Songo para Tete e regressava de Tete, para o Songo, ao início da tarde. Esta coluna também protegida por duas Berliet, a primeira e a última viaturas ocupadas por militares da tropa normal. A escolta dos Comandos que a ela se juntava, dispunha de dois jeeps Toyota Land Cruiser. Como estávamos sediados em Estima, calhava-nos a coluna que saía do Songo de manhã, regressando à tarde ao mesmo local.

Naquele dia, salvo erro a 28 de Março 1972, coube-me a mim comandar as nossas tropas e a coluna, pois eu era o militar mais graduado.
O trajecto para Tete decorreu sem problemas, sendo apenas referir que a meio do caminho, na povoação chamada de Marara, cruzamos com a coluna que vinha de Tete.
Ao Songo regressámos por volta das 14 horas.
Esta coluna de regresso estava bem fornecida de viaturas, com mais de 50, com destaque para os camions cisternas que transportava cimento a granel e também para outros camions de carga geral, com mantimentos, combustíveis, materiais de construção, gá, alguns veículos ligeiros, etc... Na frente e na retaguarda seguiam as duas Berliet. As nossas  Tayotas, escoltavam a coluna transitando sempre na faixa direita da estrada . A faixa erquerda era utilizada por todas as as outras viaturas, militares ou não.
A coluna iniciou pontualmente a sua marcha, de cerca de 150 Kms.
Tudo decorria normalmente, até que percebemos que a frente da coluna se tinha imobilizado. Fomos nos jips até quase frente da mesma, onde encontrámos um militar, o Cabo que seguia na Berliet da frente, a interpelar um condutor civil.
O mesmo viu-me com as divisas de Furriel, e explicou-me o que tinha acontecido. O motorista daquele camião carregado com botijas de gás, tinha ultrapassado várias viaturas e, segundo  as regras das colunas militares em zona de guerra, era expressamente proibido aos civis, ultrapassar qualquer outra viatura.

Poucos minutos depois do início do movimento da frente da coluna, fui surpreendido por inúmeros disparos de armas de fogo, rajadas de metralhadora, rebentamento de granadas de morteiro e de rockets.
A estratégia deles, bem montada por sinal, dirigia a maior parte do fogo de armas automáticas, lança-roquetes e morteiros também para a frente do grupo deles, pois estavam localizados no enfiamento da coluna que, uns vinte minutos antes, tinha sido parada por causa do tal homem do camião carregado com botijas de gás.
Como se impunha uma reacção rápida, dirigi-me para o jipe Toyota, com a minha equipa. Nessa pequena fracção de tempo, entrou uma bala pelo para-brisa e um rocket passou a pequenos metros de nós indo rebentar lá para o meio da coluna. Percebi de imediato que a reacção à emboscada, utilizando a viatura seria um erro. Decidi então que atacaríamos a pé, de frente para os mais de 20 inimigos que nos continuavam a flagelar, com muita intensidade de fogo. Rapidamente nos aproximamos deles, usando a técnica de combate Comando e, depois infindáveis 300 metros que implicavam a passagem por um riacho seco, visualizei de relance a queda acidental do soldado Manuel Moutinho. Felizmente que não foi atingido pelo fogo, mas cravou a ponta do cano da G3, o tapa-chamas, no chão de areia e matope. Deste incidente que resultou que, logo a seguir e ao dar mais um tiro, a ponta do cano entupido da arma dele, explodiu.
Percebi também que, conforme nos aproximávamos, a intensidade de fogo do IN ia diminuindo consideravelmente.
Continuando com o episódio da reacção à emboscada, termino com duas situações caricatas, mas marcante;
A primeira passou-se com o motorista rodesiano que conduzia o camião de transporte de cimento, 
 o que eu vi fugir para o lado oposto de onde vinha o "fogachal". O homem saiu do local onde se tinha refugiado e veio ter connosco muito excitado. Felicitou-nos pelo acto que ele considerou corajoso e de bravura, pois o mesmo tinha visto quase todo o nosso avanço.
Eu fiquei particularmente satisfeito pelos elogios com que ele nos brindou e também pelo facto de que o mesmo não tinha ficado ferido ou sido sequestrado.
O outro caso, este mais engraçado, foi o que se passou com um homem que viajava com a mulher num carro ligeiro. O indivíduo parou junto dr nós, após a debandada dos turras, tendo barafustado, reclamado imenso, alegando que ele e a mulher tinham ficado debaixo de fogo,  abandonados à sua sorte. 
Curiosamente, a mulher estava ferida superficialmente nos dois joelhos. Tinha a pele a sangrar ligeiramente, por arranhões por pedras ou ramos existentes na beira da estrada e por onde ela e o marido se arrastaram a tentar proteger-se das explosões e dos tiros.
Arrancou dali furioso, mas meio cabisbaixo..
Pouco tempo depois, chegou a frente da coluna que vinha em sentido contrário, do Songo para Tete, encabeçada naquele momento por uma Chaimite. O comandante da viatura, penso que também daquela coluna, questionou-me sobre o ocorrido, pois tinha ouvido à distância, as explosões.
Contei-lhe o sucedido e pedi-lhe para bater a zona, com granadas de morteiro, para onde os turras se tinham escapado.
Dispararam 5 morteiradas e foram-se embora com a coluna, a caminho de Tet

IX) A insolência do chefe militar da ZOT
Muito satisfeitos com o nosso feito, com a forma como acabámos com a emboscada e como o IN bateu em retirada, sem nos causar feridos ou estragos nas viaturas civis e militares, acompanhamos a coluna até ao Songo e regressamos a Estima.
Ao chegar ao nosso aquartelamento de campanha, em Estima, percebi que todos já tinham conhecimento da emboscada e que, por advertência do Capitão Rocha e Silva, eu teria de ir de seguida, com ele, para um briefing com o Coronel comandante da ZOT
Assim foi.
Mas antes de chegarmos ao edifício onde aquela gente fazia a "guerra", eu e o Capitão percebemos a existência de um bunker, ou abrigo subterrâneo, localizado mesmo em frente à porta do escritório.
Na sala estavam vários militares, a maioria com galões muito dourados e de onde se destacavam um Coronel com ar de combatente destemido...
Imediatamente o mesmo deu início à reunião e perguntou-me, com ar severo, porque motivo não tínhamos conseguido melhores resultados.
Percebi de imediato a sua frustração e que o sucedido não lhe proporcionaria grandes louvores, perante as suas chefias, e que o culpado era eu.
Depois de lhe explicara forma como reagimos, o "guerreiro" ripostou com a seguinte questão; "Porque motivo reagiram à moda antiga?".
Surpreendido e revoltado com tamanha ignorância e falta de respeito por quem arriscou a vida, questionei o sujeito sobre qual era, na opinião dele, a forma "moderna" de reagir a uma emboscada tão violenta como aquela.
O homem ficou possesso ... Por trás dele o nosso comandante, o Capitão Rocha e Silva, gesticulava fazendo-me sinais para que eu me contivesse.
Não me calei, mas contive-me mais do que desejava. Enfim, foi revoltante!!!

X) As operações seguintes
Depois de Estima seguiu-se Mueda em Cabo Delgado, alternando até ao fim da comissão, com a zona de Tete. Fiz cerca de 45 operações e nunca fui ferido ou beneficiei de qualquer baixa por doença.
Assisti à partida do primeiro comandante do nosso grupo de combate, o Furriel Milº CMD graduado em Alferes, José M.Pereira que passou à disponibilidade algum tempo depois. De seguida demos as boas vindas ao Alferes CMD, o camarada de armas António Ferreira da Costa vindo da 2040ª CCMDS , que connosco permaneceu até Maio de 1973 . Foi o mesmo substituído pelo Alferes CMD José Ramos Sousa, que veio directamente da Companhia de Instrução do Batalhão de Comandos de Montepuez, último oficial que comandou o nosso Grupo.
A penúltima intervenção teve lugar em Nhampassa, pero de Vila Gouveia e a última novamente em Estima, distrito de Tete.



Na Nhampassa recebemos a visita do General Kaúlza de Arriaga, o Comandante Chefe das Forças Armadas em Moçambique, militar que respeitava e que hoje muito admiro.
Para minha satisfação, conseguimos alcançar algum sucesso nesta zona, pois numa das operações abatemos e capturamos elementos IN, um deles armado com uma espingarda Siimonov.
Para terminar este meu depoimento, não posso deixar de referir a minha influência na captura daquela arma e que a seguir vou descrever.

XI) Um prémio em forma de arma.
Tínhamos saído de Nhampassa de viatura, sendo largados no sopé da serra Choa. Connosco seguia em elemento da DGS, como intérprete, e um prisioneiro, que supostamente nos iria conduzir a uma base IN.
O nosso grupo de combate composto por 20 homens, comandados pelo Alferes CMD José R.de Sousa.
Iniciada a subida da serra e indo a minha equipa à frente do Grupo, percebi  que o guia nos estava a tentar enganar.
Já no início da tarde, chamei o elemento da DGS junto a mim e expliquei-lhe que o trajecto escolhido pelo guia era intencional, pois naquela zona era impossível existir uma base.
O agente da DGS questionou e pressionou o guia, mas ele não cedeu.
Chamei o soldado Comando Frederico de Sousa, a quem expliquei o que pretendíamos. Este foi com o elento da DGS e o guia e mais dois soldados nossos, para uma zona recatada. Qual não foi o meu espanto quando ouvi um estardalhaço e gritos de vários homens.
Dirigi-me de imediato para o local e vi o guia já ferido e prostado no chão.
Desiludidos e desanimados com aquele inesperado acontecimento, continuamos para o topo da serra Ochoa, onde  chegamos a meio da tarde.
Como eu suspeitava, a acção do guia não visava levar-nos a qualquer base, mas sim denunciar a nossa presença aos comparsas e aos populares companheiros deles.
Neste segundo dia da operação,a minha equipa, composta pelo Cabo CMD Lhaísso e pelos soldados Cheng, Pinto e Cruz, seguiam na retaguarda. Duranteuma pequena paragem da progressão, bebi a minha lata de leite com chocolate e comi uma sanduíche. Atravessámos o rio Nhacama que, curiosamente e apesar da altitude, levava uma boa corrente de água limpa e fresca. Mas logo a travessia do rio, o grupo imobilizou-se. Como o tempo de paragem se prolongava sem motivo aparente, deixei a minha equipa e fui até à frente da fila do grupo onde percebi que algo tinha chamado a atenção da primeira equipa, agora a do António Paiva e onde já se encontrava o Alf. CMD José R. Sousa.
Por cima das  copas das árvores, podíamos avistar no horizonte, um grupo de homens parado num cabeço rochoso, local muito próximo de onde tínhamos passado na tarde do dia anterior.
Em face daquela descoberta e dado que ninguém do nosso lado se mexia, questionei o alferes, perguntando-lhe porque motivo estávamos ali parados há mais de meia hora, em vez de invertermos a marcha e irmos tentar capturar aquela gente.
O alferes CMS Sousa e o furriel Paiva concordaram com a minha observação e logo de seguida, utilizando o mesmo trilho em sentido oposto, voltammos a passar o rio Nhacama e iniciámos a progressão na direcção do grupo inimigo.
Mas uma vez mais o grupo parou, demorou e eu, como sempre, voltei até à frente do grupo para tentar perceber o que se passava. Lá, foram-me mostrados  pelo Paiva, sinais de pegadas recentes, presumivelmente deixadas por elementos do grupo avistados e que, nessa mesma manhã, tinham descoberto o seu rasto.
Como agora estávamos perto onde eu tomei o "mata-bicho", percebi que a lata de chocolate, que eu tinha bebido, já lá não estava enterrada.
Curiosamente e naquele momento conseguimos ouvir vozes, trazidas pelo vento. Fui então com a primeira equipa, a do Paiva e, ao fim de uns 20 minutos de progressão, o primeiro homem baixou-se e chamou-nos.
Ao lado dele, ouvimos vozes, agora mais perto, vindo da direcção de uma grande e frondosa árvore que estava a uns 250 metros à nossa frente.
Decidi então com o Paiva, avançar mais um pouco e a uns 100 metros da árvore, abrimos em linha, comigo no meio. Fomos rastejando até mais perto da árvore, sempre as vozes como ruído de fundo. A uns 20 metros da árvore percebi que os outros elementos tinham avançado pelas laterais da árvore e que eu estava praticamente sozinho.
De seguida fui chamado pelo Paiva,  com aqueles "pssssttt" quase silencioso.O mesmo estava do lado direito, a uns 50 metros e fazia-me sinais excitados, apontando para a frente. Já ao lado dele, avistei o grupo que ele descobriu e que há quase duas horas procurávamos.
Estaríamos a uns 400 metros ou mais metros de nós.
Chamámos o alferes, reunimos o pessoal e decidimos que teríamos de fazer de seguida, antes que o grupo IN se fosse embora.  O plano era simples, avançar progredindo sempre por trás das árvores existentes entre nós e eles
Com essa estratégia conseguimos chegar até à última árvores sem sermos detectados. Daquele local dava para perceber que era um grupo com cerca de 5 ou 6 elementos, abancados numa zona irregular rochosa,mas que não nos dava a certeza se lá estariam homens armados, fomos a rastejar até um cume rochoso, local que nos manteria protegidos e escondidos do inimigo  durante a aproximação e chegada de todo o restante pessoal.
De seguida organizei o assalto final, dispondo o pessoal em linha, não sem antes tentar uma aproximação solitária pela escarpado lado esquerdo, esta com centenas de metros de altura. Alertei o meu pessoal e avancei alguns metros. Mas logo percebi que se fosse descoberto nem teria oportunidade de reagir, pois as minhas mãos estavam ocupadas a evitar que eu caísse pela encosta abaixo, impedindo-me de pegar na G3.
Esta minha iniciativa foi desenvolvida porque um dos meus objectivos, naquela guerra de guerrilha, era  tentar apanhar um turra armado... mas vivo.
Foi durante esta iniciativa que avistei lá em baixo, na zona das machambas, vários elementos da população a colher elementos. Nesse momento percebi que, se eles me avistassem, avisariam o grupo que estava a uns 30 metros de mim.
De volta à nossa posição, onde tinha montado a linha de fogo, iniciei a contagem dos "habituais" 1,2,3  e.. ordenei... FOGO!!!
Ainda não tinham terminado os nossos disparos e já eu corria pela lateral esquerda, para cima do grupo que esteve debaixo de fogo e se pusera em fuga. Ao chegar ao local encontrei um guerrilheiro prostrado de costas gravemente ferido, mas ainda vivo.  Segurava a Simonov por cima do peito e da barriga e tinha os olhos esbugalhados.
Imediatamente a seguir, avistámos um dos que se tinham posto em fuga e abrimos fogo. Iniciamos de imediato a perseguição ao mesmo, mas não resultou.
No entanto e enquanto o perseguis, percebi também um movimento de homens a esconder-se num buraco existentes nas rochas, na encosta, uns metros abaixo do local de onde fugiram  onde tinha ficado o guerrilheiro abatido.Por instruções minhas,outros elementos do nosso grupo,foram lá capturá-los.
Percebemos então que um deles também se encontrava gravemente ferido, com os intestinos de fora do corpo...

De referir um pormenor engraçado, quando vi que alguns dos nossos operacionais, estavam à volta do guerrilheiro, a tirar fotografias, e a exibir a arma capturada nas mãos...!
Para terminar esta narrativa, resta-me transmitir o orgulho do nosso sucesso e as palavras de conforto e de elogio que recebi do alferes Sousa e do elemento da DGS, manifestamente agradado com a actuação de todos.

XII) O Aniversário e os parabéns
Para concluir este já longo depoimento, vou contar-vos um pequeno episódio que muito me marcou e afligiu. 
Com a perspectiva da passagem à "peluda" (31 de Agosto de 1973) e do meu aniversário a 12 do mesmo mês disponibilizei-me perante o comandante da companhia, para participar em todas as operações, sem descanso, isto para que eu tivesse a oportunidade de comemorar os meus anos no estacionamento e não mais ir para o mato, poiso regresso da 4ª Companhia a Montepuez estava previsto para o dia 17 desse mês e a passagem à disponibilidade seria no dia 31.
Qual não foi o meu espanto quando, daquela última actuação me vi convocado pelo nosso comandante de companhia para participar nessa operação.
Apesar da desilusão e dos meus receios psicológicos, percebi que a sua justificação era  convincente, pois o mesmo entendia que o grupo, no momento representado por apenas 3 equipas, estaria melhor comigo presente.
Não dormi nessa noite. O meu subconsciente alertava-me de que algo poderia correr mal. Ao romper do "meu" dia 12 de Agosto e já dentro  do helicóptero, um PUMA-330, com capacidade para transportar 16 militares armados, nosso comandante, o Cap. CMD Rocha e Silva, a confortar-memais conhecido por Sanny madrugou e apareceu-me junto ao helicóptero a confortar-me, a dar-me os parabénspelo meu aniversárioe, ao mesmo tempo, a desejar-me sorte e a animar-me "garantindo" que tudo iria correr bem.


Obrigado amigo "Osvaldo Orico da Rocha e Silva"

A operação foi pouco atribulada e até descontraída. Passados 4 dias fomos recolhidos, todos ilesos, pelos mesmos dois helicópteros.

XII) A inesperada condecoração
Foi principalmente com a ajuda, a entrega, a camaradagem e a fidelidade dos membros da minha equipa e do meu grupo de combate, que tive a a satisfação e o orgulho de ver o meu nome proposto para a atribuição de uma Cruz de Guerra.
No entanto devido ao 25 de Abril de 1974, ao 7 de Setembro em Lourenço Marques (Maputo) e da escapadela para a África do Sul, seguiu-se a emigração para o Brasil e, por último, foi o regresso definitivo a Portugal em 1977,
Somente nesse ano tomei conhecimento que a minha condecoração já estava confirmada em Ordem do Exército de 1975.
Foi o então Presidente da Associação de Comandos, Vitor Ribeiro, comandante da TAP e ex. Oficial Comando que intercedeu e acelerou o processo de outorgada condecoração,
A medalha foi-me entregue em 2003 pelo General Abrantes dos Santos, na para principal do Regimento de Comandos da Carregueira , na cerimónia militar comemorativa do dia dos Comandos, que é realizada anualmente a 29 de Junho


CAMARADAS DE ARMAS E COMPANHEIROS COMANDOS, SEMPRE PRONTOS PARA O SACRIFÍCIO.

"A sorte Protege os Audazes"                 
MAMA SUMAJOÃO NUNES RÊGO
 
Natural de Machedue-Moatize-Moçambique. Nascido a 5 de Setembro de 1949
Alferes Miliciano Graduado Comando 70915669
Comandante do 1º Grupo de Combate e 3ª Equipa

O relato da actividade da 4ª CCMDS de Moçambique que o Livro proporciona, no meu  entendimento, é exemplar.
No concernente, porém, à 1ª intervenção no Distrito de Tete e a seguinte, já em Cabo Delgado, baseada em Mocímboa do Rovuma, sobram assuntos relevantes e atinentes, por abordar e dar a conhecer.
É assim:
Ao fidar da tarde do dia da chegada a Tete e após acomodar a Compannhia no Quartel do BCAÇ. 17 e também do comando do Sector "F" BCAÇ 17, o Cap.CMD Morais Santos deslocou-se às instalações da Zona Operacional de Tete (ZOT) Brigadeiro Rocha Simões.
A complexidade e volume dos itens, tornou morosa a exposição atinentes, acabando por absorver por longo tempo os participantes. Apesar disso, nessa noite ainda o Cap.CMD Morais Santos convocou as chefias do 5º Grupo de Combate (GC), aos quais falou concretamente da panorâmica política/militar prevalecente na Região de Tete e das directrizes e competências incumbidas  à Companhia.
Assim, enumerou os imperativos de ordem operacional, estratégica, por que fora requisitada uma companhia de Comandos para operar nessa Zona, a razão da fixação do efectivo em Temangau e a premência de sediar, no Quartel de Moatize, um dos seus GC, constituindo a Força de Reacção Rápida, face à proximidade do AB7 - Aeródromo Base  de CHINGODZI/REVUBUÉ, a 13 Kms.

15 de Setembro de 1971
Foi dia de prover a Companhia da logística indispensável com vista a adequar o seu desempenho aos objectivos delineados.

16 de Setembro de 1971
Data da colocação do 2ºGC, em Moatize e em que o grosso do efectivo da Companhia ruma a Tamangau onde chegou a meio da tarde.
Temangau, situada na margem direita do rio Mazoe, era uma povoação administrativa do Distrito de Tete. O Gabinete do Plano do Zambeze (GPZ), possuía aí algumas viaturas de caixa aberta, tratores agrícolas e outro equipamento afim.
Temangau contava com uma pequena pista de aviação.

Estacionamento da Companhia
O GPZ preparara terreno para nele fixar a 4ªCCMDS de Moçambique e também a Brigada da DGS (Ex.PIDE) que viria deslocalizada de Vila Gouveia.
Decorria a montagem do estacionamento, quando funcionários do GPZ dirigiram-se ao Capitão tendo um deles, de semblante visivelmente perturbado, Spínola, de seu nome, começou a dizer que na Chinanga, localidade a uma dúzia de Kms, cerca de meia hora atrás fora alvo de ataque armado desencadeado por desconhecidos e que ele  lograra escapar num carro da empresa GPZ.
Prosseguindo o declarante justificou a perturbação ainda evidente devido ao choque emocional porque passara... o súbito troar de várias armas naquela pacata localidade, teve o condão de detonar nos populares um misto de sobressalto, terror ... gerou uma gritaria e um estado emocional geral, jamais vivenciado ... a visão do que sucedia entre o soar ensurdecedor dos disparos às acções de tudo DESTRUIR ateando fogo a tractores, máquina agrícola e a outros bens.
Tudo isso, levado a cabo, em breves instantes, por aqueles armados!
A actividade IN reportada reportada pelo sr. Spínola tornou imperioso agir de pronto, pelo que breves minutos bastaram para a ordem de início da Operação "Marco 1", lançando no terreno o 4º Grupo de Combate (GC).

Changara
Entretanto nesse dia 16  e Setembro, o Capitão CMD Morais Santos falou-me que o Comandante da Companhia de Changara, Cap. Milº Pacheco, teria sido seu condiscípulo; ao mesmo queria muito poder revê-lo, também se afigurava importante uma abordagem ... fazer o ponto da situação sobre as actividades do IN na área ... e que nem de propósito acresceria a acção IN do próprio dia, na citada citada localidade de Nachinanga.

Era da incumbência da Companhia da Changara colocar duas patrulhas móveis "A" e "B" circulando na área da sua actividade, sob sua alçada operacional. Assim a patrulha "A" circulava de forma a passar por Cademera, Nachinanga, Temangau, Desvio (embondeiros) Mazoi, com término em Changara e, a outra unidade a "B" , observava o giro no sentido oposto

Temangau
Ainda a 16 de Setembro. Preparava-se o lançamento da Operação "Marco 1", quando se acercou do estacionamento a patrulha "A", a qual momentos antes passara por Nachinanga, cujo responsável relatou ao Cap. Morais Santos a ocorrência, enunciando genericamente os danos e outros vestígios resultantes da acção do IN.
Esse relato corroborando de todo as declarações do civil sr. Spnínol, foi relevante para as recomendações passadas ao Comandante do 4º GC, Alferes CMD Quesada, que de seguida daria início à progressão rumo a Nachinanga.
E o pôr do sol já se declarava quando o Capitão CMD Morais Santos tomou lugar na viatura "A" seguindo para Changara, onde pernoitou.

Dia 17 de Setembro
Choque e luto com a morte com a morte do Comandante da 4ªCCMDS de Moçambique!
A meio da manhã dá-se a chegada do Cap. Morais dos Santos ao estacionamento, à boleia da  patrulha "B", onde permaneceria por breves instantes apenas, já que acordara reunir em Nachinanga com o seu homólogo e anfitrião, Cap. Pacheco, para apuração, in loco, dos danos morais, materiais e de outra natureza causados à população e ao GPZ, na decorrência  ada acção IN no dia anterior.
De referir que o Cap. de Changara fizera o percurso até Nachinanga em Jeep da Companhia, tendo por escolta a patrulha "A".
O Caap. CMD Morais dos Santos já em Nachinanga contou com a presença do 4º GC.
Uma vez terminada a avaliação da acção IN, afigurou-se chegado o momento de prosseguir o patrulhamento "A" e de o Cap.CMD Morais Santos retornar ao estacionamento, pois claro.
Assim, o Unimog da patrulha fez-se à picada. Após percorrer alguma distância acabou, porém franqueando a dianteira ao Jeep que trazia ao volante o Cap. Pacheco e no assento do pendura o Capitão Morais Sarmento.
É já no vale entre Nachinanga e Chiutundo (planície de inundação do rio Mazoi), quando percorrera cerca de 200 metros à frente do Unimog, que se deu a fatídica deflagração com o Jeep a detonar o engenho explosivo, mina antitanque, aí implantada, no dia anterior
Como ficou o jeep onde pereceram os dois oficiais

Morte imediata do Cap. Morais Sarmento cujo corpo acabou, tristemente, fragmentando-se parcialmente embora,ao passo que o Capitão da Changara sucumbiu momentosos depois.
Entretanto, foi possível falar com Montepuez.
Tive por interlocutor o Major CMD Belchior a quem relatei as consequências dramáticas da deflagração da mina.
Novo rebentamento de mina anticarro, 4 dias depois após o acidente de Vale de Chiutundo.
Novo engenho foi detonado sob o peso de uma viatura de carga do GPZ, desta feita no troço Desvio /Embondeiro para Tamangau.
Esta explosão, além de danos no veículo que a detonou, causou ferimentos em dois militares.
O GPZ  em Temangau, ao ser informado da ocorrência e de que a gravidade dos ferimentos em um deles requeria a sua pronta evacuação, que de imediato agilizou esse procedimento, enviando um helicóptero para o local. 
A sabotagem acabada de relatar correspondia à terceira manifestação IN, em apenas cinco dias. Essa frequência aliada às distâncias entre os locais alvo, no conjunto, vieram constituir prova do grau efectivo da infiltração e disseminação da guerrilha na zona encravada entre o rio Mazoi e o rio Luenha tendo, como "barreira" natural a linha delimitativa da Região de Tete com a fronteira da Rodésia.


Decorria o intervalo entre as explosões de uma e outra mina, quando a ZOT fixou em Temangau  2 Capitães para, objectivamente, intermediar a relação de trabalho entre as esferas militar, a 4ª CCMDS, e a político administrativa, de que a DGS era a representante.
Entre outros aconselhamentos e recomendações no domínio do Plano de Prevenção e Combate à Infiltração do IN, eventualmente pelo corredor fronteiriço com a Rodésia, as duas partes em Temangau entenderam propor à ZOT, a disponibilização urgente de um meio visando  a observação e reconhecimento aéreo do referido corredor.
Volvidos 2 a 3 dias, a ZOT, numa demonstração de que aprovara a proposta, mandou para Temangau um Dornier DO, pilotado por um antigo colega de Escola o Vilela da Mota.
O reconhecimento aéreo efectuado, aflorou a necessidade de reunir as hierarquias militares, da região de  Tete e da vizinha Rodésia, propósito que só muito mais tarde  veio a ser concretizado agendando-se um briefing, em Temangau, a poucos dias do 11 de Novembro, data da Auto Proclamada Independência do Território da Rodésia do Sul.
O Cap. CMD Rocha e Silva, novo comandante da 4ªCCMDS de Moçambique, não pôde estar presente, em virtude de se encontrar enquadrado na força empenhada na Operação "Pandora", a ser levada a cabo na margem do rio Zambeze.
Se para o briefing a ZOT destacou uma equipa de 4 elementos, sob a liderança de um Coronel, desembarcando estes em Temangau numa aeronave pequenininha....Opostamente, Genarais e  diversos outros Oficiais de allta  patente, um civil e, muito bem, um intérprete  (!!!) compunham a Delegação rodesiana. A aeronave, um Douglas DC-3, a bordo da qual desembarcou a comitiva estrangeira, transportando ainda um efectivo militar de elite com cerca de 20 homens.
Com aprovação dos Generais, Sr. Murphy, encarregado dos Serviços de Emigração e Fronteiras, convidoua 4ª CCMDS a visitar Nyamapanda, a 11 de Novembro a 11 de Novembro, por ocasião da celebração da Independência do País, convite que anuí. No final do briefing. o General Chefe fez questão que o acompanhasse ao interior do avião ... instantes depois apeava eu com algumas caixas contendo rolos de Mapas/Cartas referentes ao Distrito de Tete.
Uma preciosidade a qualidade da informação destas cartas só possível, aliás, adoptando uma escala grande como o fizeram os serviços rodesianos.
Na data agendada e acompanhado por uma equipa do 1º GC, deu-se a visita àquele posto fronteiriço.

Operação "Rómulo"
Seja-me permitido a propósito da Operação em menção o seguinte acréscimo:
De volta à ZOT após cessarem funções em Temangau os capitães tirocinados Félix e Geraldes acompanharam-me no reconhecimento do terreno, onde o 2ª Grupo da 4ª CCMDS iriam desenvolver a actividade e, face à extensão longitudinal, qual o dispositivo a adoptar para o bom desempenho da missão. 
O efectivo seria "estendido" ao longo da orla direita do Vale do Nyartanda, no sentido montande/jusante 
do rio Zambeze , desde, portanto, a confluência dos rios Chemadzi/Zambeze, nas proximidades da Missão Católica de S.Pedro, até à estrada nacional Tete/Beira, extremo Sul, aliás, da Serra da Caroeira.
Para levar por diante a Operação foi necessário solicitar viaturas à ZOT.
Fim da Intervenção Operacional de Tete (ZOT).
De regresso a Montepuez, mas ainda em Tete, obtive autorização do Comando do Sector "F" (Tete) para a travessia apeada do Zambeze, pela ponte, com o dever, contudo, de aguardar no Matundo, a coluna auto que  faria a travessia do Zambeze em batelão, após o que levaria a Companhia ao AB7, onde tudo estava a postos para, em NordAtlas, chegarmos ao nosso destino, no mesmo dia 15 de Novembro de 1971.
Esta ponte começou por se chamar Ponte Edgar Cardoso, depois Samora Machel e actualmente Ponte de Tete

Permito-me referir que em substituição da 4ª CCMDS de Moçambique, Temangau recebeu a 1ª Companhia dos GEP (Grupos Especiais de Paraquedistas) comandados  pelo já Capitão Sereno.
Da 2ª intervenção, em que a 4ª CCMDS ficou baseada em Mocímboa do Rovuma haverá um ou outro episódio para lembrar.
Por exemplo:

Operação "Obriga 6"
O lançamento dos 30 homens implicou 6 helicópteros, em progressão rasante, com asaeronaves em formação flecha/delta.
Foi sensacional, gostei.

Operação "Obriga 8"
6 e 7 de Fevereiro de 1972.
Última tarde/noite de chuva incessante a par do constante trovão... ensurdecedor e se pausa, quase!
Era eu lembrando, os não raros registos nefastos para quem buscava o abrigo das árvores em circunstâncias meteorológicas similares, portanto, eu estava a desincentivando essa opção.
Entretanto, o rio Matiu, aumentava o seu caudal pois a montante , a chuva continuava caindo e por assim dizer a torneira continuava a debitar água. 
A 4ª Companhia de Comandos de Moçambique "apadrinhou" a Cerimónia de imposição de Crachás à 5ª Companhia de Comandos de Moçambique. 
Acompanhei a Formação dos candidatos a "COMANDOS", desde a Prova de água.
Os Formandos Aprovados receberam o Título  em 31 de Agosto de 1971, data a partir da qual puderam ostentar ao peito o Crachá conquistado e também desde quando desde quando passaram a militares integrantes do efectivo da 5ª CMDS. de Moçambique

Cap. CMD. Lopes Martins a receber o guião da 5ª CCMS 

Integrei e enquadrei o efectivo da Companhia até 13 de Abril de 1972
Gozei um período de refrescamento, na Ilha de Moçambique 
Primei pela pontualidade, disciplina e sentido elevado do dever e da honra.
Não me desobriguei de nenhuma responsabilidade
Estive sempre pronto a comandar e disposto a obedecer.

Tenho dito






























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