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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

A BREDA, O 342 E O CABO MILICIANO ESPANHOL – CISMI - TAVIRA – FEVEREIRO DE 1972 - História triste vivida

  16 - A BREDA, O 342 E O CABO MILICIANO ESPANHOL – CISMI - TAVIRA – FEVEREIRO DE 1972 - História triste vivida

Ao Silva, nunca lhe assentou bem a tropa. Sentia-se desenquadrado naquele meio, sentia-se um erro de casting naquela película. Ali andava a contra gosto, a marcar passo. Tinha a certeza que iria malhar na guerra numa das províncias ultramarinas portuguesas como atirador de G3. Apenas queria que o tempo passasse e depressa.
Assentou praça nas Caldas da Rainha, onde pela primeira vez, brincou aos jogos de guerra, Tinha como comandante de companhia o já bastante sénior Capitão Luís, o Luisinho, militar de carreira do Norte de Portugal que nos dizia depois da instrucção: - «Ponham as “iarmas” nos “iarmeiros”» ,fazendo uso do seu sotaque nortenho.
No seu pelotão comandava o Alferes miliciano Oliveira, rapaz da Freixianda (Ourém), que amaciava a dureza daquela vida e com quem o Silva se identificaria de imediato. Para aquele graduado aquilo não era para levar a sério.
A secção do Silva era comandada pelo seu ex colega na Escola Industrial de Leiria, o Virgílio Santana que nessa escola tinha ganho a alcunha de “O Truca” Aqui no Quartel manifestava uma atitude “achicalhada”,um comportamento de grande dureza para com os instruendos.Tinham-lhe subido â cabeça as divisas de Cabo Miliciano, sentia-se alguém. Fazia difícil a vida difícil aos soldados instruendos milicianos.
Depois houve testes escritos sobre variados temas a que os instruendos teriam de responder.
Um desses testes era de Electricidade, área onde o Silva se sentia à vontade. Correu bem a prova, o Silva respondeu acertadamente a tudo. Dias depois o Truca informou-o que tinha obtido a 2ª melhor nota de todo o Batalhão.
Quando isto soube, o Silva descomprimiu, pensou que um 2º lugar naquela prova de Electricidade entre cerca de 400 homens, dar-lhe-ia uma especialidade de Rádio Montador, que o livraria de vir a ser atirador. Ficou sossegado e agradecido ao Truca por aquela informação
Passaram dias, passaram semanas e a recruta chegou ao fim. O capitão Luisinho frente ao grupo formado, foi citando nomes e números de cada um, informando da especialidade atribuída e do quartel onde iria ser tirada.
Antes de ser citado o nome Silva, Já havia atribuídas duas especialidades de Rádio Montadores, Porém quando ouviu da boca do Capitão:
- «Manuel Silva, especialidade de Armas Pesadas vai para o CISMI, Tavira»
Ficou sem jeito o Silva, ficou revoltado, percebeu o esquema das cunhas. alguém tinha mexido nas fichas e na ordem de classificação e a partir daí o Silva foi-se marimbando ainda mais e mais para o serviço militar
Já em Tavira no CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria), apanhou outro militarista Cabo Miliciano alentejano, o Cabo Miliciano Espanhol que fazia ainda mais dura, a dura vida de todos os instruendos de Armas Pesadas. E ganhou uma fixação mais especial pelo Silva por se ter apercebido que ele se desenfiava tanto quanto podia àqueles afazeres militares. Tomou o Silva de ponta. e até lhe decorou o Número, o 342. O Silva estava fod####. Na tropa não se deve dar muito nas vistas, deve passar – se despercebido, quanto mais melhor.
Um dia, uma 2ª feira de manhã, o Espanhol, levou a rapaziada para uma sala com carteiras onde todos se sentaram para estudar a metralhadora BREDA.
Colocou a pesada arma sobre um pano e pôs-se a desmonta-la, peça por peça enquanto ia atribuindo nomes a todas elas. O Silva vindo de um esgotante fim-de-semana em Leiria estava bastante ensonado e pensando que ficaria despercebido o acto, encostou-se à parede, tapando a cabeça com os cortinados da janela, qual avestruz, isolando-se assim de toda a actividade envolvente
Já passava pelas brasas, quando foi energicamente acordado pelo Cabo:
-Sôr 342, vá imediatamente p`rali acabar de montar a arma e quero que me diga o nome de todas as peças.
E lá foi o Silva obedecendo àquela ordem. E foi montando a arma, mas falhavam-lhe os nomes das partes. Quando montava a última peça, não disse o seu nome e o Espanhol interpelou-o - «Como se chama isso» - ao que o Silva contestou - «Nosso Cabo Miliciano, deste “pinchavelho” eu também não sei o nome»
Furibundo, nervoso, exaltado o Cabo vociferou:
-Pinchavelho, o car@###! Sôr 342,você está fo#### comigo. Faço queixa de si. Você baixa ao Contingente Geral e é imediatamente mobilizado para a Guiné que se fo## .
A partir desse momento o Silva, instruendo nº 342 do Curso de Armas Pesadas, começou a adoptar um “saber estar” mais consentâneo para não comprar mais guerras com aquele instrutor, para não se lixar.
Terminaria o Curso com a nota mínima, um (10) dez e iniciou um célere percurso, passando por Chaves agora com posto de Cabo Miliciano onde foi instrutor de uma Recruta e rodou depois para a Amadora onde formou a CCAÇ 4140 (Companhia de Caçadores 4140) Chegaria depois com o posto de Furriel Miliciano a uma das piores zonas de Guerra em Moçambique, a famosa Mueda, “a terra da Guerra”

Aquartelamento de Mueda

Tempos passaram quando em Mueda,no planalto dos Macondes o Silva teve conhecimento que o seu instrutor, o Cabo Miliciano Espanhol ,agora Furriel Miliciano, teria sido abatido na Guiné pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e que o seu corpo teria sido desmembrado por aqueles guerrilheiros. Ficou consternado, ficou triste com aquela notícia. Gostaria de saber que não era verdade.
Até hoje o Silva não conseguiu confirmar o facto. Pode ser até, que alguém, aqui NESTE TERREIRO, saiba dizer que não aconteceu ou se aconteceu, saiba dizer quando e como.

Manuel Neves Silva. Ex Furriel Miliciano de Armas Pesadas.

Altura, 14 de Novembro de 2021.

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