AQUARTELAMENTOS DE MOÇAMBIQUE.
DISTRITOS DO NIASSA E ZAMBÉZIA - 1964 - 1974 E A TRAGÉDIA DO RIO ZAMBEZE 1969
Na tarde de 21 de Junho de 1969, próximo das 17H,que uma coluna militar composta por 150 homens e 30 viaturas, que aguardava havia já seis dias a possibilidade da passagem daquele rio,embarcou no batelão,em Lacerdónia,com destino a Mopeia, na margem esquerda do Zambeze.
Ainda não era decorrida uma hora de viagem quando,inesperadamente,a embarcação,demasiadamente carregada,começou a inclinar sendo invadida pela água,fazendo-a afundar.
As razões que motivaram este trágico acidente não foram, oficialmente, esclarecidas. Admitiram-se vários cenários, expressos nos jornais da época: Excesso de peso , falta de força nos motores; e também o facto de não estar ainda inteiramente concluída a construção do batelão. Meras suposições. Não temos conhecimento se, mais tarde, foram apuradas as verdadeiras causas que motivaram tamanho desastre.
Contudo, no diálogo que travámos com dois dos sobreviventes, foi-nos dito que o batelão,face ao peso da carga,navegava com a plataforma quase submersa o que,por este motivo e também pela pequena ondulação que se fazia sentir,começou a meter água.O comandante da embarcação,que se encontrava na proa,em conversa com o Alferes Rosário e outro graduado,ao verificar a situação, ordenou para a casa das máquinas uma manobra de correcção, ou seja navegar para a margem, ordem esta que não foi percebida pelo maquinista, que ao tentar corrigi-la fá-lo de tal forma brusca, provocando,com a ajuda da água já acumulada no batelão, o seu afundamento, mas não totalmente, pois durante algumas uma pequena parte do mesmo, inclinada a menos de 45 graus,manteve-se fora de água. Este facto,segundo explicação de um dos nossos interlocutores aconteceu visto o batelão navegar já ao longo da margem esquerda do rio, em direcção a Mopeia, que não ficava, como se possa julgar, defronte a Lacerdónia,de onde partiu a coluna , como se disse. Assim, a proa ao afundar-se, arrastando consigo as viaturas, enterrou-se no fundo do rio. A corrente que se fazia sentir e a "provável ajuda"de algumas viaturas,manteve o barco naquela posição,onde seis militares conseguiram agarrar-se até serem salvos pelos pescadores Campira. Muitos dos militares lutaram, alguns durante horas,"com as aguas do Zambeze", mas só 54 sobreviveram, ficando 19 a dever a sua vida a quatro pescadores autóctones que laboravam por perto, os Irmãos Campira.
Aqueles irmãos apercebendo-se, pelo barulho, que algo de estranho se passava, impulsionaram as suas pirogas para as imediações do acidente efectuando, por longo período de tempo, o salvamento de homens semiafogados e exaustos para a ilhota onde viviam. Depois de terminada esta tarefa, os pescadores prestaram aos sobreviventes, que tinham dores,frio e e choque emocional, a assistência possível, fazendo fogueiras para os aquecer.Uma vez que a lenha era escassa, não hesitaram em queimar parte das próprias palhotas onde viviam. Refira-se que as habitações destes pescadores, com tectos de colmo, se encontravam suspensas sobre estacas para as proteger das águas do rio, sendo alguns desses troncos utilizados para a fogueira.
Depois disso, já pela madrugada, os Campira foram a Mopeia, acompanhados por alguns sobreviventes, avisar as autoridades locais que iniciaram de imediato as buscas. A atitude dos pescadores originou em Moçambique,uma onda de solidariedade tal que lhes valeu, por iniciativa do jornal"Diário" de Lourenço Marques, a oferta de uma casa pré-fabricada, bem como um louvor decretado pelo Governador-Geral Dr.Baltazar Rebelo de Sousa.Foi com base neste louvor que lhes foi concedida a Medalha de Prata de serviços distintos no Ultramar.
Entretanto, outros militares conseguiram,pelos seus próprios meios,alcançar terra firme, muitos deles utilizando, como precioso auxílio, vários objectos flutuantes, tais como:Malas e sacos de viagem, bidões vazios, pedaços de madeira,etc...Houve até quem ficasse a dever a sua vida a uma viola que trouxera da Metrópole. Nos dias consequentes à tragédia,Mopeia foi "invadida"por jornalistas da imprensa da Província e da África do Sul. Deslocaram-se ao local algumas entidades militares.Uma das faltas mais notadas foi a do Movimento Nacional Feminino.
Em praticamente todas as capitais de Distrito foram celebradas exéquias religiosas em memória dos que perderam a vida naquele fatídico acidente.
À grande maioria dos sobreviventes,que se manteve no pequeno destacamento militar de Mopeia, coube-lhe ainda a ingrata missão de tentar identificar os corpos que durante alguns dias iam sendo resgatados das águas e margens do Zambeze.
Quando nos ocorreu a ideia de inserir neste livro a tragédia do Zambeze, estávamos conscientes que, se o fizéssemos só com base nas pesquisas efectuadas nos jornais da época, alguma informação que prestássemos não seria precisa. Então empenhámo-nos no sentido de chegar ao contacto com alguns dos sobreviventes, para ouvir de viva voz, os seus angustiantes relatos das horas que se seguiram ao acidente.
Assim, como já referimos,em Julho de 2009, 40 anos depois, conseguimos falar pessoalmente com dois sobreviventes da tragédia, o António Banza Rodrigues e o João Filipe Barata Coelho, cujas palavras ouvimos sem gravador nem bloco de notas, mas ficaram de tal modo gravadas na nossa memória, que dois dias depois, defronte do computador transcrevemos na íntegra os seus impressionantes relatos. " Ouçamos, então, as suas vozes "
Disse-nos António Banza Rodrigues:
Em traços gerais, sem entrar em pormenor ,corroboro o que atrás foi escrito sobre o acidente. No entanto, quero acrescentar que, antevendo uma eminente tragédia, não cumpri as ordens do comandante da coluna que ordenava ao pessoal para se dirigir ao outro lado do batelão com o objectivo do equilibrar. Naquele breve espaço de tempo despi a camisa e descalcei as botas, mas enquanto o fazia um camarada ainda me disse:« Eh pá, eu não sei nadar» infelizmente engrossou a lista dos mortos.
Já com o batelão a afundar cada vez mais, lancei-me à água, afastando-me desesperadamente do local breves segundos depois, a tragédia se consumava.Foram momentos dramáticos pois ouvia nitidamente os gritos de pânico daqueles que não sabiam nadar tentavam agarrar-se, fosse ao que fosse, na ânsia de se salvarem.
Entretanto, fui nadando de costas com o objectivo de me cansar o menos possível, mas tive que desistir da ideia, uma vez que a água me entrava pela boca. Passado algum tempo vi perto de mim um saco de viagem a boiar, consegui chegar junto a ele, ou ele junto a mim, e lá me segurei, com muito jeitinho, para que não se abrisse e perdesse, por, isso, o efeito de bóia. Lá longe, vislumbrava a margem do rio, o pôr do sol já se iniciara, a noite não tardaria. Acerto passo,ao olhar para o lado, vejo um camarada de infortúnio, já exausto, tentando chegar até mim para usufruir da "boleia" do meu providencial saco, mas tive a consciência de que se isso acontecesse seria, talvez, fatal para ambos, uma vez que aquela "tábua" de salvação não comportar dois "penduras". Além disso, não sabendo em concreto o estado em que se encontrava aquele camarada, resolvi atirar-lhe o saco, evitando assim que ele se aproximasse.
Decorridos mais alguns minutos e cada vez mais exausto, vejo três camaradas agarrados a um bidão vazio a quem pedi "boleia" e me foi concedida visto haver espaço para quatro.
Contudo, face ao esforço despendido, quer físico, quer psicológico, acentuava-se cada vez mais a minha debilidade, até porque a cerca de 50 metros da margem, resolvemos largar o bidão e nadar para terra ficando assim, cada qual entregue a si próprio.
Alguns momentos depois, já sem movimento e vencido, dei os "trunfos" ao Zambeze com que lutara durante duas e intermináveis horas. Acontece que, quando as minhas pernas, já inertes, desciam na vertical, senti os pés pisarem terra. Num impulso, ganhando de novo ânimo, vindo não sei de onde, pus-me de novo de pé e verifiquei que a água me dava por altura do peito.
Com dificuldade, consegui alcançar a margem onde se encontravam já alguns camaradas, uns que chegaram pelos seus próprios meios, outros transportados pelos irmãos Campira, cuja actuação já foi relatada.
Assim foi o primeiro acto da minha comissão de serviço em Moçambique, outros mais estavam para acontecer.
Eis o relato que nos fez João Filipe Barata Coelho:
As quatro décadas decorridas, não foram ainda suficientes para apagar da minha memória os horrores da tragédia que presenciei e vivi naquele fatídico fim de tarde de 21 de Junho de 1969.
Enquanto o batelão navegava eu ia tentando ocupar o tempo conversando com este ou aquele camarada de viagem. No momento em que me encontrava numa amena cavaqueira, à proa, com os comandantes da embarcação e da coluna, comecei a sentir os pés molhados, reparando que as ondas do rio provocavam a entrada de água, com alguma abundância, para cima da plataforma, situação que levou o comandante do barco a dar instruções, como já atrás foi referido, para o manobrarem na direcção da margem. Apercebendo-me que algo ia correr mal , e assim aconteceu num curtíssimo espaço de tempo, dirigi-me, rapidamente, no sentido inverso onde me encontrava, despindo, entretanto, a roupa, ficando apenas em cuecas. Como por magia demoníaca batelão emerge arrastando consigo homens, viaturas e demais carga que transportava. Lá bem no extremo da parte emersa da embarcação preparava-me para me lançar à água quando os cinco camaradas que ali se encontravam, firmemente seguros, imploravam que não os abandonasse, pois não sabiam nadar. Perante aquelas aflitivas súplicas e por verificar que a parte
onde nos encontrávamos não se movia, resolvi ficar. Durante o tempo que ali permanecemos, cerca de duas horas e meia, fui tentando ganhar forças psicológicas para dar ânimo aos meus companheiros de infortúnio e a mim próprio. Era visível que a traseira do batelão se ia afundando gradualmente. Sentíamos isso pela água que, cada vez mais cobria os nossos corpos.
Recordo que o pânico se apoderava de mim quando via, por perto, algo a deslizar pela corrente pois, como é sabido, o Zambeze é habitat natural dos crocodilos, os quais, com toda aquela agitação, deveria, sem dúvida, andar nas redondezas. Felizmente que toda aquela flutuação não passava de ramos de árvore e plantas aquática.
As esperanças de salvamento esfumavam-se, ao mesmo ritmo com que a noite avançava sobre o Zambeze e, por isso, a todo o momento teria que tomar uma decisão, que não poderia ser outra se não abandonar o local, deixando ali os meus companheiros a aguardar que o batelão se afundasse definitivamente, o que aconteceu horas mais tarde.
No meio de um "nocturno silêncio" ouvimos uma voz forte, lá longe, gritar: Há aí alguém?. Enchendo os pulmões de ar, respondemos, com toda a força que nos foi permitida, que sim. Quantos estão aí?, retorquiu aquela voz salvadora. Minutos depois surge perto de nós uma piroga com um único timoneiro, um dos irmãos , que em três viagens transportou os náufragos para porto seguro.
Como devem calcular é difícil descrever em palavras o momento em que pisei terra firme e vejo reunidos os cinco companheiros de infortúnio que horas antes ouvira: Meu Furriel, eu não sei nadar.
Pela madrugada, com o grupo praticamente, reunido seguimos para Mopeia onde permanecemos durante algum tempo.
Quero aproveitar esta oportunidade para, publicamente, enaltecer( julgo que me seria passada procuração para falar em nome de todos) a forma como fomos tratados, pela população local, autoridades civis, camaradas do pelotão que ali se encontrava destacado e, particularmente, a uma grande Senhora do Chinde, de nome Dona Ana do Chinde, pessoa muito conhecida, que foi incansável nos seus préstimos, nomeadamente no fornecimento de produtos alimentares diversos.
Há distância destes longos anos o meu Bem Haja a todos.
Finda a dura tarefa de identificação dos corpos, recebi guia de marcha com destino ao Lunho, "capital do estado de Minas Gerais". Na verdade, nada mais gratificante para recuperar física e psicológica dos males sofridos...
Adelino Augusto Padre; Adriano Saveca; Agostinho Francisco; Agostinho Naiveve,
Agostinho Oliveira; Alberto Maganha; Alcino Gomes de Moura; Alfredo Dias;
Alfredo Rende; António Banza Rodrigues; António Bernardino Silva;
António Carlos Prudêncio; António Esteves Lourenço; António Augusto Salgado;
António Lopes Cardoso; Armando Murulango; Armindo Gomes da Silva;
Artur Videira Carreira; Caetano Oala; Ernesto Saete; Eugénio Daniel Santos;
Felizardo Langa; H. Aing; João António F. Carvalho; João Filipe Barata Coelho;
João Louro Carapito; João Manuel Alves Meireles; Joaquim C. Alichamade;
Joaquim L.P. Sardinha; Joaquim Turrula Ribeiro; Joaquim V. Simões Pereira;
José Justino Pinto; José Morais da Silva; Lucas Gasolina: Luís Augusto Silva;
Luís da Silva Torres; Manuel Albino Dabale; Manuel Rodrigues Figueira;
Manuel Costa Almeida; Manuel da Rocha Cardoso; Manuel J.P. Rodrigues;
Manuel santos Ventura; Maximino dos Santos; Nelson Vasconcelos Afonso;
Rafael António A. Pereira; Raúl Lopes Rodrigues; Rodrigues Manuel;
Rui Alexandre Ribeiro Silva; Samuel Elias; Vítor M. Videira Cardoso.
Enquanto o batelão navegava
As razões que motivaram este trágico acidente não foram, oficialmente, esclarecidas. Admitiram-se vários cenários, expressos nos jornais da época: Excesso de peso , falta de força nos motores; e também o facto de não estar ainda inteiramente concluída a construção do batelão. Meras suposições. Não temos conhecimento se, mais tarde, foram apuradas as verdadeiras causas que motivaram tamanho desastre.
Os irmãos Campira. Resgataram 19 sobrevivente e foram condecorados |
Aqueles irmãos apercebendo-se, pelo barulho, que algo de estranho se passava, impulsionaram as suas pirogas para as imediações do acidente efectuando, por longo período de tempo, o salvamento de homens semiafogados e exaustos para a ilhota onde viviam. Depois de terminada esta tarefa, os pescadores prestaram aos sobreviventes, que tinham dores,frio e e choque emocional, a assistência possível, fazendo fogueiras para os aquecer.Uma vez que a lenha era escassa, não hesitaram em queimar parte das próprias palhotas onde viviam. Refira-se que as habitações destes pescadores, com tectos de colmo, se encontravam suspensas sobre estacas para as proteger das águas do rio, sendo alguns desses troncos utilizados para a fogueira.
Depois disso, já pela madrugada, os Campira foram a Mopeia, acompanhados por alguns sobreviventes, avisar as autoridades locais que iniciaram de imediato as buscas. A atitude dos pescadores originou em Moçambique,uma onda de solidariedade tal que lhes valeu, por iniciativa do jornal"Diário" de Lourenço Marques, a oferta de uma casa pré-fabricada, bem como um louvor decretado pelo Governador-Geral Dr.Baltazar Rebelo de Sousa.Foi com base neste louvor que lhes foi concedida a Medalha de Prata de serviços distintos no Ultramar.
Entretanto, outros militares conseguiram,pelos seus próprios meios,alcançar terra firme, muitos deles utilizando, como precioso auxílio, vários objectos flutuantes, tais como:Malas e sacos de viagem, bidões vazios, pedaços de madeira,etc...Houve até quem ficasse a dever a sua vida a uma viola que trouxera da Metrópole. Nos dias consequentes à tragédia,Mopeia foi "invadida"por jornalistas da imprensa da Província e da África do Sul. Deslocaram-se ao local algumas entidades militares.Uma das faltas mais notadas foi a do Movimento Nacional Feminino.
Em praticamente todas as capitais de Distrito foram celebradas exéquias religiosas em memória dos que perderam a vida naquele fatídico acidente.
À grande maioria dos sobreviventes,que se manteve no pequeno destacamento militar de Mopeia, coube-lhe ainda a ingrata missão de tentar identificar os corpos que durante alguns dias iam sendo resgatados das águas e margens do Zambeze.
Quando nos ocorreu a ideia de inserir neste livro a tragédia do Zambeze, estávamos conscientes que, se o fizéssemos só com base nas pesquisas efectuadas nos jornais da época, alguma informação que prestássemos não seria precisa. Então empenhámo-nos no sentido de chegar ao contacto com alguns dos sobreviventes, para ouvir de viva voz, os seus angustiantes relatos das horas que se seguiram ao acidente.
Assim, como já referimos,em Julho de 2009, 40 anos depois, conseguimos falar pessoalmente com dois sobreviventes da tragédia, o António Banza Rodrigues e o João Filipe Barata Coelho, cujas palavras ouvimos sem gravador nem bloco de notas, mas ficaram de tal modo gravadas na nossa memória, que dois dias depois, defronte do computador transcrevemos na íntegra os seus impressionantes relatos. " Ouçamos, então, as suas vozes "
Disse-nos António Banza Rodrigues:
Eu, já refeito do susto em Mopeia |
Já com o batelão a afundar cada vez mais, lancei-me à água, afastando-me desesperadamente do local breves segundos depois, a tragédia se consumava.Foram momentos dramáticos pois ouvia nitidamente os gritos de pânico daqueles que não sabiam nadar tentavam agarrar-se, fosse ao que fosse, na ânsia de se salvarem.
Entretanto, fui nadando de costas com o objectivo de me cansar o menos possível, mas tive que desistir da ideia, uma vez que a água me entrava pela boca. Passado algum tempo vi perto de mim um saco de viagem a boiar, consegui chegar junto a ele, ou ele junto a mim, e lá me segurei, com muito jeitinho, para que não se abrisse e perdesse, por, isso, o efeito de bóia. Lá longe, vislumbrava a margem do rio, o pôr do sol já se iniciara, a noite não tardaria. Acerto passo,ao olhar para o lado, vejo um camarada de infortúnio, já exausto, tentando chegar até mim para usufruir da "boleia" do meu providencial saco, mas tive a consciência de que se isso acontecesse seria, talvez, fatal para ambos, uma vez que aquela "tábua" de salvação não comportar dois "penduras". Além disso, não sabendo em concreto o estado em que se encontrava aquele camarada, resolvi atirar-lhe o saco, evitando assim que ele se aproximasse.
Os três companheiros de infortúnio a quem pedi boleia no bidão |
Alguns momentos depois, já sem movimento e vencido, dei os "trunfos" ao Zambeze com que lutara durante duas e intermináveis horas. Acontece que, quando as minhas pernas, já inertes, desciam na vertical, senti os pés pisarem terra. Num impulso, ganhando de novo ânimo, vindo não sei de onde, pus-me de novo de pé e verifiquei que a água me dava por altura do peito.
Com dificuldade, consegui alcançar a margem onde se encontravam já alguns camaradas, uns que chegaram pelos seus próprios meios, outros transportados pelos irmãos Campira, cuja actuação já foi relatada.
Assim foi o primeiro acto da minha comissão de serviço em Moçambique, outros mais estavam para acontecer.
O Governador Geral, Drº Baltazar Rebelo de Sousa,ouve, os sobreviventes |
As quatro décadas decorridas, não foram ainda suficientes para apagar da minha memória os horrores da tragédia que presenciei e vivi naquele fatídico fim de tarde de 21 de Junho de 1969.
Enquanto o batelão navegava eu ia tentando ocupar o tempo conversando com este ou aquele camarada de viagem. No momento em que me encontrava numa amena cavaqueira, à proa, com os comandantes da embarcação e da coluna, comecei a sentir os pés molhados, reparando que as ondas do rio provocavam a entrada de água, com alguma abundância, para cima da plataforma, situação que levou o comandante do barco a dar instruções, como já atrás foi referido, para o manobrarem na direcção da margem. Apercebendo-me que algo ia correr mal , e assim aconteceu num curtíssimo espaço de tempo, dirigi-me, rapidamente, no sentido inverso onde me encontrava, despindo, entretanto, a roupa, ficando apenas em cuecas. Como por magia demoníaca batelão emerge arrastando consigo homens, viaturas e demais carga que transportava. Lá bem no extremo da parte emersa da embarcação preparava-me para me lançar à água quando os cinco camaradas que ali se encontravam, firmemente seguros, imploravam que não os abandonasse, pois não sabiam nadar. Perante aquelas aflitivas súplicas e por verificar que a parte
onde nos encontrávamos não se movia, resolvi ficar. Durante o tempo que ali permanecemos, cerca de duas horas e meia, fui tentando ganhar forças psicológicas para dar ânimo aos meus companheiros de infortúnio e a mim próprio. Era visível que a traseira do batelão se ia afundando gradualmente. Sentíamos isso pela água que, cada vez mais cobria os nossos corpos.
Recordo que o pânico se apoderava de mim quando via, por perto, algo a deslizar pela corrente pois, como é sabido, o Zambeze é habitat natural dos crocodilos, os quais, com toda aquela agitação, deveria, sem dúvida, andar nas redondezas. Felizmente que toda aquela flutuação não passava de ramos de árvore e plantas aquática.
As esperanças de salvamento esfumavam-se, ao mesmo ritmo com que a noite avançava sobre o Zambeze e, por isso, a todo o momento teria que tomar uma decisão, que não poderia ser outra se não abandonar o local, deixando ali os meus companheiros a aguardar que o batelão se afundasse definitivamente, o que aconteceu horas mais tarde.
No meio de um "nocturno silêncio" ouvimos uma voz forte, lá longe, gritar: Há aí alguém?. Enchendo os pulmões de ar, respondemos, com toda a força que nos foi permitida, que sim. Quantos estão aí?, retorquiu aquela voz salvadora. Minutos depois surge perto de nós uma piroga com um único timoneiro, um dos irmãos , que em três viagens transportou os náufragos para porto seguro.
O Governador do Distrito da Zambézia cumprimenta os irmãos Campira |
Pela madrugada, com o grupo praticamente, reunido seguimos para Mopeia onde permanecemos durante algum tempo.
Quero aproveitar esta oportunidade para, publicamente, enaltecer( julgo que me seria passada procuração para falar em nome de todos) a forma como fomos tratados, pela população local, autoridades civis, camaradas do pelotão que ali se encontrava destacado e, particularmente, a uma grande Senhora do Chinde, de nome Dona Ana do Chinde, pessoa muito conhecida, que foi incansável nos seus préstimos, nomeadamente no fornecimento de produtos alimentares diversos.
Há distância destes longos anos o meu Bem Haja a todos.
Finda a dura tarefa de identificação dos corpos, recebi guia de marcha com destino ao Lunho, "capital do estado de Minas Gerais". Na verdade, nada mais gratificante para recuperar física e psicológica dos males sofridos...
Os sobreviventes da tragédia |
Agostinho Oliveira; Alberto Maganha; Alcino Gomes de Moura; Alfredo Dias;
Alfredo Rende; António Banza Rodrigues; António Bernardino Silva;
António Carlos Prudêncio; António Esteves Lourenço; António Augusto Salgado;
António Lopes Cardoso; Armando Murulango; Armindo Gomes da Silva;
Artur Videira Carreira; Caetano Oala; Ernesto Saete; Eugénio Daniel Santos;
Felizardo Langa; H. Aing; João António F. Carvalho; João Filipe Barata Coelho;
João Louro Carapito; João Manuel Alves Meireles; Joaquim C. Alichamade;
Joaquim L.P. Sardinha; Joaquim Turrula Ribeiro; Joaquim V. Simões Pereira;
José Justino Pinto; José Morais da Silva; Lucas Gasolina: Luís Augusto Silva;
Luís da Silva Torres; Manuel Albino Dabale; Manuel Rodrigues Figueira;
Manuel Costa Almeida; Manuel da Rocha Cardoso; Manuel J.P. Rodrigues;
Manuel santos Ventura; Maximino dos Santos; Nelson Vasconcelos Afonso;
Rafael António A. Pereira; Raúl Lopes Rodrigues; Rodrigues Manuel;
Rui Alexandre Ribeiro Silva; Samuel Elias; Vítor M. Videira Cardoso.
A retirada de uma viatura do fundo do rio |
RECORTE DE JORNAIS DA ÉPOCA QUE RELATARAM A TRAGÉDIA DO RIO ZAMBEZE DE 21 DE JUNHO DE 1969
Enquanto o batelão navegava
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