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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 20 de maio de 2019

DISTRIBUIÇÃO DE CORREIO

UMA DISTRIBUIÇÃO DE CORREIO

MOLUMBO -ZAMBÉZIA, MOÇAMBIQUE 

POR: Manuel Pedro Dias 
Furriel Miliciano da CCAÇ 1559

Texto retirado da Revista "O BATALHÃO" (BCAÇ 1891) nº 0 de 1992

Dez horas da noite. O Unimog tardava da viagem que fizera a Vila Junqueiro /Gurué) com a missão de trazer o correio. Não estávamos receosos que algo tivesse acontecido, pois sabíamos que quem fazia aquela viagem, sempre muito disputada, se esquecia de regressar, em virtude de, naquela bonita vila, rainha do chá, encontrar atractivos suficientes para compensar o tédio vivido no Molumbo.
Estávamos isso sim, desejosos de ver na nossa frente o saco de correio com o seu precioso conteúdo. O tempo decorria. A rapaziada deambulava em redor do aquartelamento, impaciente. Ninguém se deitava. Se tantas noites se perdiam, obrigatoriamente em patrulhas e sentinelas, porque não esperar até de manhã, se necessário, para receber a mensagem tão desejada?
Ao longe avistam-se os faróis do Unimog. Quase em uníssono foi ouvida a frase: - Lá vem ele! - com a chegada da viatura a algazarra e a excitação recrudesciam. Entretanto uma voz se eleva acima de todos: - Todos para a cama seus "coirões"- gritou o Capitão Veiga - hoje não há correio para ninguém. Estou farto de dizer que não quero barulho.
- OH meu capitão - disse um - a malta está sossegada. Dê lá ordem para distribuir o correio.
- Oh meu capitão - disse outro - então eu estou à espera de carta da miúda que já da última vez não me escreveu. Não nos faça uma coisa dessas.
As solicitações foram surgindo, embora  ooa que conheciam bem o capitão Veiga soubessem que a distribuição seria efectuada.
- Lontão, abra lá o saco e dê o correio a estes <>, mas sem barulho estão a ouvir?
À luz do petromax, os nomes iam surgindo sempre seguidos dos clássicos: "pronto" ou "está no mato" Finda a tarefa da distribuição, vinha para alguns a desilusão e a tristeza, e que tristeza, pois só quem viveu esses momentos pode avaliar o que é não receber uma carta dos entes queridos. Para outros, os mais felizardos, havia que procurar qualquer foco de luminosidade e "devorar"; num ápice toda a correspondência, porque os pormenores, esses, seriam feitos numa 2ª, 3ª ou ª leituras. Entretanto, os analfabetos aguardavam, ansiosamente, de carta na mão, que o seu amigo mais íntimo, (pois estas particularidades não se davam a ler a qualquer um) acabasse a leitura da sua missiva para, de seguida, lhes ler as notícias dos seus familiares. Refira-se, a propósito, que no final da comissão, muitos destes homens já saberiam ler e escrever, graças à sua força de vontade, e à disponibilidade de alguns elementos da companhia, que ministravam as aulas de acordo com os seus tempos livres.

Jorge Packlo da CART. 1710 em Mueda a distribuir o correio
No dia seguinte, havia que pôr toda a escrita em ordem pois, a qualquer momento e por qualquer motivo, uma viatura poder-se-ia deslocar a Vila Junqueiro, aproveitando assim para transportar o correio. Então, por todos os lados se viam homens escrevendo, sentados nas camas, na escadaria do aquartelamento ou em qualquer outro lugar, tendo como mesa os próprios joelhos. As esferográficas corriam céleres sobre o papel, mas de vez em quando, um ou outro parava. Havia que meditar, por vezes, na mentira a pregar aos familiares mais queridos, não lhes contando o modo como vivíamos, mas, pelo contrário, dar-lhes a ideia que não lutávamos com qualquer carência  - a nossa vida era "um mar de rosas"...
Uns diziam que trabalhavam na secretaria nunca indo, por isso, para o mato. Assim, havia que montar um sistema bem organizado com o envio das cartas, quando chegava a sua vez de partir efectivamente para o mato. O único processo era deixar aos companheiros, no aquartelamento, as cartas já escritas e enumeradas para serem enviadas com a devida ordem. Deste modo, os seus familiares nunca sentiriam a falta de correio.

Outros, respondendo ao apelo dos pais - come bem meu filho não te deixes emagrecer, vê lá não adoeças - diziam: Qual quê meus pais aqui, felizmente, não há dificuldades, veja bem que hoje o nosso almoço foi bife com batatas fritas (este prato durante 11 meses que permanecemos no Norte, nunca nos passou pela frente). Outros, ainda com a imaginação mais fértil, retiravam os bancos do unimog, colocavam-nos debaixo duma ´árvore florida, convidavam um ou dois "filhos da terra" e "batiam" uma fotografia que enviavam e diziam que estavam num bom e aprazível local que até possuía jardim.
António Carvalho da CCAÇ 1558 a ler o seu correio
Eram estas e outras mentiras análogas que nos deixavam com uma certa sensação de alívio, ao pensarmos, que, com elas, minimizaríamos a angústia vivida pela grande maioria dos nossos familiares.
Se para nós a chegada de uma carta actuava com uma enorme força sobre os nossos espíritos, qual "tónico fortificante", o mesmo se poderia dizer em relação aos entes queridos, na Metrópole, pois eram elas o único elo de ligação que nos unia.
Ao encerrarmos este capítulo, ficámos com a certeza que o abordámos duma forma muito suscinta, mas, ao mesmo tempo, dum modo muito sentido, por sabermos e vivermos a força que uma carta representava para nós. esse simples pedaço de papel que tanta saudade, longínqua, encerrava dentro de si, e cuja mensagem final nos dava aquele ânimo para sobrevivermos até ao desejado dia do desembarque na Metrópole.


ADEUS, ADEUS ATÉ AO MEU REGRESSO
(Para muitos infelizmente não houve regresso)

Texto retirado da Revista "O BATALHÃO" (BCAÇ 1891) nº 0 de 1992



POR: Amadeu Neves da Silva 

Furriel Miliciano da CCAÇ 1558




O dia do correio era sem qualquer dúvida, o mais importante da semana e o que causava mais ansiedade ,alegrias e às vezes tristezas. Quando chegava era, em alvoroço que cada um de nós se refugiava na leitura das cartas e os pensamentos voavam para junto dos entes queridos. Havia ,infelizmente na CCAÇ 1558 muitos analfabetos, e isso reflectia em toda a plenitude o que era o Portugal de então. Esses “coitados” tinham que esperar e partilhar as suas alegrias e confidencias com algum companheiro mais chegado que lhes liam as cartas e escreviam as suas respostas.
Mas, também chegavam más notícias. Recordo o desespero do “Mirandela ” quando no ILE-ERRÊGO um companheiro e seu amigo lhe leu carta onde era anunciado a morte do seu pai.
Felizmente eu, recebi e enviei centenas de cartas. Mas entre elas há algumas que não se me apagam da memória e que as recordo com saudades dos tempos idos.


As primeiras a surpreenderem e a comoverem foram recebidas em NAMARROI. Recebi uma fita gravadora . As mensagens gravadas dos meus pais, irmão , da minha namorada, hoje esposa e de alguns amigos incentivam-me a ter esperança visto que o tempo passaria depressa .Como foram comoventes e de enorme animo as palavras das pessoas que eu amava.
Ainda em NAMARROI, e vindo ao escurecer duma patrulha, foi-me entregue o correio e debaixo do alpendre que servia de refeitório, entre várias cartas , houve uma que me despertou grande curiosidade . Era a primeira carta da minha jovem prima Luísa. Abri-a de imediato .Li e reli-a, e as lágrima soltaram-se. A Luísa no entusiasmo da sua juventude escreveu palavras de muito carinho e de esperança, mas o que foi mais marcante na sua carta foi o anuncio da conclusão do seu Curso Comercial.

O aumento da minha família , nascimento dos meus sobrinhos Jorge e Carla foi-me anunciado quando estava em Nova Coimbra Abril de 1967, e em Nova Viseu Julho de 1968. Esta com a particularidade de ter nascido no mesmo dia que eu ( 14 de Julho ).
Em Nova Coimbra havia um dia da semana que chegava o avião D O , com abastecimentos e o bem aventurado correio. Quando por qualquer motivo o avião se atrasava era normal subirmos à barreira existente e olhava-mos o horizonte em direcção a Vila Cabral. A visão e ao audição estavam estava bem atentos e quando ao longe se vislumbrava o avião era uma festa.
Em Miandica , o ócio, as dificuldades e as carência eram totais. Os pensamentos e as saudades vagueavam por aquele local de má memória .O reabastecimento era realizado em péssimas condições e muito irregular. E por isso as faltas de tabaco e do correio eram as que mais se faziam sentir , o que agravava o nosso estado de espírito.
Mas ,foi lá que recebi e enviei as cartas mais sentidas e profundas e as que mais me marcaram em toda a Comissão.
A 25 de Novembro de 1967 houve as grandes inundações na região de Lisboa . Eu, soube de madrugada pelo Rádio Clube de Moçambique do desastre. Fiquei deveras preocupado e só sosseguei quando soube que nada tinha acontecido aos meus familiares .
Ainda em Miandica, minha prima Maria, com grande dor e em desespero , disse-me na sua carta que tinha perdido o filho que trazia no ventre e que o seu casamento não ia bem. Foi um choque .Eu que na aquele malfadado local estava extremamente fragilizado , consegui reunir força e respondi-lhe com enorme emoção e comoção. Recordo que fui capaz de lhe transmitir ânimo e vontade de forma que ela percebesse que apesar do infortúnio e dificuldades a vida continuava.
No “Mata-Bicho” , de Maio a Julho , três Pelotões da 1558 foram deslocados para Nova Viseu. Aqui ,voltou outro pesadelo da falta de correio acrescido de o “Pré “ não ser pago ,visto que o nosso SPM estava no Alto Molócué a correspondência e o soldo vinha para esta localidade que de seguida era enviada para Vila Cabral onde ficavam retidos , porque não havia ninguém que os reencaminhasse para Nova Viseu. Foi necessário que o Capitão Delgado alugasse às nossas custas um Táxi-Aéreo para se deslocar a Vila Cabral para que a situação se normalizasse.

Já em Nacala e em Luanda enviei cartas para os meus pais e familiares dizendo que estava a bordo d "Vera Cruz" e que muito em breve regressaria para junto deles
 







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