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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 27 de agosto de 2018

VÍTIMA DE GUERRA

1º Cabo Radio Telegrafista Manuel Sousa
Sou Manuel Lopes de Sousa, natural de Espargo- Santa Maria da Feira e nasci em 2 de Novembro de 1944
Assentei praça em 25 de Outubro de 65 no G:A:C:A:3(grupo de artilharia contra aeronaves em Espinho.Finda a recruta foi destacado para o R:A:P3 na Figueira da Foz para tirar a especialidade de transmissões.Finda a especialidade foi para Queluz,R.A.A.F.,que ficava na parte norte do palácio de Queluz. Finda a especialidade foi-me concedida uma licença de 20 dias,mas ao fim de uma semana recebi um telegrama para me apresentar em 24 h. por motivo de mobilização.Chegado a Queluz fui enviado para o RAL1 para o BCART. 1881. Dias depois enviaram-me para o Depósito Geral de Adidos, na Calçada da Ajuda,onde aguardei embarque para Moçambique.
Embarquei no navio Príncipe Perfeito em 7 de Maio de 66, no Paquete só iam 20 militares, os restantes passageiros eram civis.tudo civis,viagem maravilhosa;Funchal,Luanda,Lobito,Cidade do Cabo e Durban na Africa do Sul e finalmente Lourenço Marques,onde esteve umas 3 semanas num quartel que ficava num alto.Depois no navio Angola;Beira,ilha de Moçambique e Nacala. Em Lourenço Marques fui colocado na CCS do BCAV 1879, que estava sediado em Metangula.Entre Nacala e Catur fomos de comboio,de Nova Freixo até Catur o comboio só andava de dia,dormi uma noite em Nova Freixo.Chegados a Catur,fui de machibombo (autocarro) até V.Cabral onde estive uns dias. Daqui seguimos em coluna auto até Meponda onde embarcámos numa lancha da Marinha até Metangula onde cheguei em fins de Junho de 1966.
Apresentei-me ao comandante da comp. e fui integrado na equipa de transmissões,éramos 9,fazia-mos escala nas saídas,um mês cada um.Calhou-me em Agosto de 66,tudo correu bem.Regressei a base até Março de 67,onde voltei a ser escalado.Nesses meses entre Agosto e Março fazia serviço no posto de rádio como radio telegrafista,e o resto do tempo eram banhos nas águas do lago.Em 4 de Março de 1967, uma Berliet e um Unimog saíram de Metangula com destino a Nova Coimbra, para levar o correio da CCAV. 1506 estacionada naquela localidade. A distância entre ambas era de cerca de 18 Kms. A meio do trajecto e bem perto da Missão Anglicana de Messumba fomos atacados com disparos de bazuka e de tiros de metralhadora. O atirado do LGF da Frelimo surgiu do mato e colocou-se em frente da Berliet e disparou atingindo-a em cheio
Foi como uma trovoada que caiu sobre nós. 
A Berliet ficou nesta estado, após a emboscada
Eu ia na Berliet , atrás vinha o Unimog. O pessoal que seguia na Berliet ou morreram ou ficaram gravemente feridos. Os que estavam no Unimog ripostaram ao fogo do inimigo o que provocou a sua fuga.Levaram-nos para Nova Coimbra e daqui fomos evacuados de helicóptero para Vila Cabral, onde permaneci uma noite. 
No dia seguinte fui enviado para o Hospital de Nampula, onde me disseram que tinha sido atingido com um tiro na coluna e estilhaços de bazuca no ombro esquerdo, tendo um deles  perfurado o pulmão esquerdo,onde perdi muito sangue.Posso agradecer por ainda estar vivo a um médico que estava em Nova Coimbra e me fez uma transfusão de sangue.
De Nampula foi enviado para o hospital Miguel Bombarda em Lourenço Marques,onde estive umas semanas até ser evacuado para Lisboa,Hospital Militar na Estrela.  Passados uns dias foi para o anexo em Campolide,onde estive 3 anos a recuperar. Já era casado e tinha uma filha,de tempos a tempos recebia a visita da família  e mais tarde quando comecei a melhorar era eu que vinha à terra visitar a família.
Quando finalmente fiquei recuperado, não dava mais, vim para casa, e a Junta Médica deu-me 100% de incapacidade e segui a minha vida. O Coronel Freire Damião comandante do meu Batalhão visitou-me no Hospital e ofereceu-me em Lisboa um curso de ourivesaria mas, eu preferi regressar à minha terra e retornar a minha profissão de sapateiro.
Montei em minha casa uma pequena oficina e foi graças a ela que sobrevivi até ao 25 de Abril de 1974, visto que era miserável a pensão que o Estado Novo nos dava. Com o 25 de Abril melhorou um pouco,mas não há dinheiro que pague a saúde.


Lisboa, Anexo do Hospital Militar a fazer fisístria
No anexo convivi muito com outros colegas mais velhos que eu,e fomos-nos mentalizando que o resto da nossa vida era passada numa cadeira de rodas.Felizmente tinha e tenho uma esposa e resto da família excelente que me ajudou em tudo,e hoje já velhote,73 quase 74 vou vivendo com as minhas limitações,mas tento viver o melhor que posso;Tenho carro,conduzo,fiz casa própria com as condições mínimas,e é assim a minha vida,não sou como antigamente se dizia um coitadinho,eu e os meus colegas que estão nas mesmas condições que eu,vivemos o melhor possível.
Sou Deficiente das Forças Armadas,vou muitas vezes ao Porto aos convívios e tenho assistência médica e medicamentosa no hospital Militar do Porto gratuita.Estive um ano em Moçambique,embarquei em 7 de Maio de 66 e regressei em 7 de maio de 67.

NOTA DO BLOG
A 4 de Março de 1967, (dia do acidente de guerra acima descrito) a CCAÇ 1558 desembarcou vinda de Meponda em Metangula. Daqui seguiu para Nova Coimbra para render a CCAV 1506. Em Nova Coimbra deparámos com a realidade da guerra, pelo chão jaziam mortos e muitos feridos, vitimados pelas emboscada feita minutos antes. No chão, muito ferido, encontrava-se o meu amigo de infância Gustavo, felizmente não morreu mas as marcas ficaram-lhe para a vida.
Presumimos que aquela emboscada estava preparada para a CCAÇ 1558 mas, aquela coluna saiu à nossa frente.
Deste acidente faleceram:
Da CCS do BCAV 1879
António Augusto Moreira  sepultado em Maniamba
Joaquim Soares Andrade sepultado em Vila Cabral (Lichinga)
Da CCAV 1505
Abel Amorim Rente sepultado em Carnaxide
Arnaldo Fernandes João sepultado em Vila Cabral (Lichinga)
José Almeida Lopes sepultado em Sátão
José da Silva Gomes sepultado em Vila Cabral (Lichinga)
DA CCAV 1506
Luís da Silva Aço sepultado em Benavila, concelho de Avis

Infelizmente e escandalosamente até 1967, as despesas com os restos mortais dos combatente portugueses, eram suportadas pelas famílias.



No dia 4 de Maio de 2018, no Regimento de Engenharia 3 em Espinho, reci a medalha de feridos em campanha. Foi um dia muito emotivo, trataram-nos muito bem. Ainda há quem se lembre de nós e nos respeitam.










1 comentário:

  1. Uma saudação a todos os camaradas que passaram por essas paragens (e a minha sentida homengaem aos que tombaram pela Pátria...que Descansem em Paz)...

    Também estive por essas paragens...
    Fiz parte da Companhia de Caçadores de Marrupa, sediada na Povoação de Marrupa do Batalhão de Caçadores de Nampula...
    Mas que fui apanhar em Pundanhar do Distrito de Cabo Delgado...
    Fui o Furriel Enfermeiro Martins e estive na Companhia de Dezembro de 1965 A Julho DE 1967...
    tendo depois sido colocado nos ultimos 6 meses de Comissão, no Batalhão de Engª de L.Marques...
    Fui em rendição individual, pelo que nunca me juntei aos camaradas nas suas confraternizações...
    Um abraço para todos...
    A

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