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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

RUI VERGUEIRO,ALFERES MILICIANO: NO PÓS 25 DE ABRIL DE 1974 NO NIASSA

segunda-feira, 14 de abril de 2014


RUI VERGUEIRO,ALFERES MILICIANO: NO PÓS 25 DE ABRIL DE 1974 NO NIASSA


 TEXTO E FOTOS DE:,
 RUI VERGUEIRO, 


Eu, Rui Vergueiro era estudante de medicina quando o serviço militar obrigatório o foi resgatar à Faculdade de Medicina do Porto.

O alferes Rui Vergueiro, chefe das transmissões do Agrupamento 2000/72 no seu gabinete em Vila Cabral
Depois de cumprida a respectiva instrução na metrópole, seguiu para o norte de Moçambique como alferes miliciano de transmissões.
A minha unidade Com. AGRUP  2000/72 foi formada em Lisboa no RALI-1 e dela faziam parte:
Tenente Coronel Eduardo Jorge Gomes Coelho Picciocchi, comandante do Agrupamento, Majores Simões de Faria (operações), Abrunhosa (logística) Helder (acção psicológica), ficou instalada no quartel no Batalhão de Caçadores 20, em instalações separadas do Comando de Sector, comandado pelo então Brigadeiro Coito Graça, que estava em final de Comissão. O cargo seria ocupado pelo Brigadeiro Stadlin Baptista que foi saneado após o 25 de Abril.
 O seu destino foi a província do Niassa, no extremo norte de Moçambique, e numa época em que a guerra estava longe do seu epílogo.

Em 1º plano  da esqª para a dirª, os Alferes Médicos Sá Couto,Celso Barbosa e Lourenco.
Em 2 º plano o Capitão Médico Requeijo e sua esposa
Estava colocado no hospital militar de Vila Cabral, o cirurgião Capitão Miliciano , Drº Requeijo, que em Portugal era chefe de cirurgia do hospital de Santo António, para onde Rui Vergueiro ia voluntariamente aprender as práticas de urgência. 
Foi a primeira pessoa a  reconhecer o Drº Requeijo logo no primeiro dia da sua chegada. 
Quando havia muitas evacuações, o Cap.Requeijo telefonava para o quartel a pedir uma ajuda. Foi ajudante de cirurgião ocasional e dador de sangue.
Segundo me lembro em finais de Setembro de 1974, recebi,como comandante das Transmissões,do Quartel General em Nampula para o Comando Militar do Sector "A" em Vila Cabral, o Tenente-Coronel Picciochi , ordem para ocupar o Posto de Rádio,da PIDE, e as estações dos CTT e da CHERET e para deter o  chefe local da PIDE.
Estas ocupações aconteceram na sequência de informações chegadas de que iriam ser utilizadas para comunicações contra revolucionárias provavelmente na esfera do que se passou a 7 de Setembro no Rádio Clube de Moçambique.  

O Cabo Cripto Eduardo Silva a receber do Ten.Cor, Picciochi, um prémio pelo seu trabalho literário 
O Tenente-coronel Picciochi, manteve-se à margem,tendo chegado a afirmar que, assim, não sabia ser militar. foi ele que recebeu  ordem para "deter" o Chefe local da PIDE/DGS. 
Os Majores Simões de Faria e Abrunhosa aderiram claramente ao espírito do 25 de Abril e já tinham conhecimento prévio do golpe militar.
Entre 27 e 29 de Abril estive em Nampula, onde participei numa reunião onde se exigiu uma clarificação da tomada de posição por parte das novas autoridades em Lisboa. Entre os participantes estava o meu amigo e companheiro das lutas académicas, Jorge Strech, julgo que pertencia como alferes à justiça militar.
Perante o impasse no pós revolução em que se encontrava Moçambique e a falta de directrizes da Metrópole, na reunião, onde esteve presente o major Mário Tomé, alguns mais inflamados sugeriram um golpe militar prendendo as chefias para quebrar a inércia e dinamizarem um processo revolucionário em Moçambique.
 Depois de muito tempo de espera por directrizes por parte de Nampula, o pessoal resolveu fazer uma "eleição" para representante local do MFA, na qual fui eleito. Esta eleição deveu-se à estratégia de criar ligações que garantissem uma nova dinâmica, de acordo com o espírito de ABRIL. 
Foi já nesta última qualidade,que por imperativo categórico, encetei as tentativas de contactar elementos da Frelimo, pois o Niassa foi o último Sector a fazer o cessar-fogo e Samora Machel havia determinado  que fosse feito um recrudescimento das acções militares.Com os acordos políticos assinados  entendi que não fazia sentido continuar a morrer gente e jovens a ficar estropiados.
Para chegar à Frelimo, contacte um Engº. agrónomo que se dizia sobrinho de Marcelino dos  Santos. Com ele só houve a 1ª saída e fizemo-lo no seu Volkswagen Carocha. Nessa viagem partiu-se e a viatura ficou imobilizada em pleno mato. Ao longe avistámos uma viatura que, mercê dos nossos sinais veio ao nosso encontro. Era um manchambeiro a que pedimos ajuda para avisar a guarnição militar de Unango, a nós e à viatura e se encarregaram de nos transportar até Vila Cabral.
Participei,amiudadas vezes à civil, e quase sempre desarmado e só, em vários encontros com responsáveis locais da Frelimo em locais como Cantina Dias, Unango, Nova Coimbra, Metangula, etc. Os nomes de alguns desses elementos dos guerrilheiros ficaram para sempre no limbo da memória que a passagem do tempo sempre acarreta, mas os encontros , as emoções vividas pela esperança da paz, essas não desapareceram.




Rui Vergueiro com os padres Camilo e Menegon, que pertenciam à Missão de Vila Cabral. 

O encontro foi no Bandece/Maniamba.Os dois civis, um era professor o outro foi o elo de 

ligação e intérprete que nos levou ao encontro com os guerrilheiros
A dada altura cheguei a entrar na base de Bandece/ Maniamba, onde me apontaram a mítica Kalashnikov à cabeça. Esta visita foi precedida da recepção duma missiva que me foi entregue na sequência de cartas que fiz seguir solicitando contactos e que foram veiculados pela Missão de Vila Cabral. Daí estarem os padres Camilo e Menegon, ambos Colombianos. Estava também presente um Professor (Mazuda ?) que serviu de contacto local.
Fomos no Land Rover da Missão até um ponto onde apanhámos um outro guia. Depois de cerca de meia hora a subir pelo monte, ouvimos o "enculatrar" de armas e fomos rodeados por guerrilheiros apontando-nos as Kalashnikov.
Houve um outro diálogo com o novo guia e ficámos à espera de ordem para avançar, com escolta até à presença das chefias. As minhas diligências foram cruciais para o abrandamento das actividades dos guerrilheiros, quer ao nível das emboscadas de itinerários, quer na colocação de minas nestes. Isto aconteceu por os responsáveis da Frelimo acreditarem na minha boa vontade, e na razoabilidade do MFA, que eu representava, querer uma negociação autentica.
Depois de tudo terminar assisti incrédulo ao comportamento dos políticos que na minha opinião não souberam salvaguardar os interesses de todos os residentes em Moçambique, das populações propriamente ditas e sobretudo daqueles que haviam combatido no exército português. Não tenho dúvidas que terão existido alguns fuzilamentos após a retirada completa do dispositivo militar português.
Quando preparava uma deslocação até à povoação de Cantina Dias a fim de ali tomar parte numa reunião preparatória com a Frelimo sobre a forma de materializar o cessar-fogo, recordo-me que ainda no comando em Vila Cabral cruzei-me ocasionalmente com o então capitão miliciano Cordeiro, comandante da 3ª do BCcaç 5011, que tratava naquele dia da burocracia para poder ir de férias.. O comandante da zona "A" ao ver o capitão ali, ordenou-lhe que me acompanhasse a Cantina Dias, que aliás ficava na jurisdição militar da sua companhia. Não muito satisfeito com a tarefa, o capitão lá partiu à civil comigo para o encontro aprazado. O encontro foi com o comandante Braga da Frelimo, que me pareceu um homem muito próximo do comandante provincial da época, Pedro Juma. Depois, e porque o jantar era pouco para os presentes, sentámos-nos à mesa com os guerrilheiros em sinal de amizade e franco convívio, mas optámos por não comer ali. Não foi ali que delineámos os traços gerais para um futuro cessar-fogo . Eles só queriam saber o que pensávamos e o que pretendíamos.Foi isso que escreveram exaustivamente.
 Para ajudar nas diligências pedi ao Bispo da igreja Anglicana,  Pina Cabral quer natural do Porto e na época estava em Lourenço Marques ou em Nampula. Contactei-o pela influencia que poderia ter para o meu objectivo.
 Mais tarde esteve aprazada nova reunião,esta a um nível já superior, em que estariam presentes altos dignatários da Frelimo em Nova Coimbra. Tudo foi combinado para os primeiros dias do mês de Setembro de 1974, altura em que delegações do governo provisório nacional e da direcção da Frelimo se encontravam em Lusaka a discutir os termos da passagem do poder.
Pela parte portuguesa deveriam estar presentes o major Simões Faria, responsável pelas operações militares no Sector"A", em representação do exército, o major Mesquita em representação da Força Aérea e o comandante da base naval de Metangula pela Marinha. A minha memória esbate-se neste ponto, mas julgo que terão sido estes os oficiais escolhidos para o encontro. Presente estaria igualmente o Tenente-Coronel Cyrne do Batalhão de Macaloge. Este oficial superior ofereceu-me, ainda na messe de oficiais de Vila Cabral, o seu pigalim que era símbolo de poder. Digamos que fui "condecorado" com o símbolo de poder de Comandante de Batalhão.


Rui Vergueiro e esposa, o alferes Mendes com bigode. Os dois últimos são o major Vieira Monteiro, com um dedo na cara, e um capitão. Ambos pertenciam ao BCAÇ 20 sediado em Vila Cabral
Saímos de Vila Cabral a bordo de um Cessna, com destino  à base de Metangula, e depois por via rodoviária até Nova Coimbra (MEVCHUMA). Ali foi preparada uma recepção excelente pelo capitão miliciano Salaviza, comandante da CArtª 7260 que estava no Lunho. No entanto os homens da Frelimo não apareceram e às 16h os militares portugueses optaram por almoçar sozinhos. Passados poucos minutos, chegaram emissários da Felimo,empunhando uma bandeira branca, que afirmaram que não tinha sido possível a comparência dos representantes esperados, mas no dia seguinte a reunião se poderia fazer na missão que ficava a meio caminho entre Nova Coimbra e Metangula (Missão Anglicana em Messumba) Assim ficou combinado, e no regresso a Metangula,resolvi pernoitar na missão, enquanto a totalidade dos outros oficiais recolheu à base naval em Metangula.
Era o dia 6 de Setembro de 1974. Na missão estivemos em amena cavaqueira com elementos do Conselho Provincial ali reunido quando por volta das 18h o rádio transístor que até aí transmitia música, interrompeu a emissão, anunciando a tomada do Rádio Clube de Moçambique em Lourenço Marques. Em altos berros o locutor anunciava que várias unidades, Comandos incluindo, tinham aderido ao movimento e que agora é que Moçambique ia ser livre. A Frelimo isto, aquilo etc... O Conselho Provincial retirou-se para reunir e eu fiquei a noite só, nada alegre mas sim bastante apreensivo
O Cap. Salavissa da CART. 7260, na Base Gungunhana, em confraternização com elementos da Frelimo
Passou-se a noite toda e foi pela manhã que surgiu na picada um jeep, transportando apenas um oficial. Tratava-se do major Simões de Faria, que saindo da sua posição de conforto, e questionado por mim. do porquê de correr tal risco, afirmou que na qualidade de oficial do quadro não aceitava o abandono à sua sorte de um oficial que lhe era subalterno e ainda por cima miliciano. Ali se estabeleceu para sempre uma amizade sólida entre nós dois.
O major era portador de uma mensagem interceptada, proveniente da Tanzânia, emitida por ordem de Samora Machel, em que eram dadas instruções claras para aprisionarem a Delegação portuguesa que estava presente na reunião.
Às 11 horas do dia 7, chegaram novos emissários da Frelimo que afirmaram estarem convencidos da justeza e autenticidade dos oficiais ali presentes, e portanto estes poderiam partir em paz, assim que desejassem.

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