CAPITULO VI
OS CAMINHOS PARA A INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE
A independência dos países africanos constituiu o culminar de um processo de descolonização que assumiu múltiplas formas, de acordo com os contextos, através dos quais, um regime colonial formal chega ao fim. Obviamente, não se tratou de um processo suave pois houve uma série de dificuldades inerentes ao processo que ocorreu na sua maior parte no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Apresentar os contornos gerais para o alcance da independência em Moçambique e os passos observados pelas partes beligerantes na região do Niassa, constitui objectivo do presente capítulo. Para os povos africanos no geral, a independência era o sonho a ser materializado face ao sistema colonial que vigorava nos seus territórios. Ela devia ser alcançada de qualquer forma mesmo que custasse as suas vidas, pelo que em determinadas colónias, para se alcançar a independência, recorreu-se ao uso da força das armas de fogo, enquanto em outras, as negociações por via de diálogo constituíram a arma fundamental. Tratou-se de “um dos fenómenos políticos mais espetaculares da segunda metade do século XX que teve início na África Ocidental Britânica, estendendo-se rapidamente aos Estados francófonos, depois a África Belga e os territórios britânicos da África oriental e central e finalmente às colonias portuguesas”. Sobre este processo, existe uma vasta literatura com narrativas bastante e que explicam os contornos das independências africanas de forma geral e até de casos particulares e regionais, fazendo referências a detalhes conjunturais que impulsionaram a libertação de várias nações em África no contexto da conjuntura mundial. Em termos de conveniência e considerando os meios usado para garantir a exploração e dominação do continente, pode-se referir que a descolonização da África negra,“foi tardia e relativamente controlada, pois as potências coloniais se anteciparam à radicalização dos protestos e puderam encaminhar as independências”. O caracter tardio da descolonização portuguesa que culminou com as independências, particularmente em África, definiu os contornos assumidos no período pós-colonial bem como atraso português em não iniciar o processo de descolonização mais cedo, ou seja, em não seguir o caminho trilhado por outras potências coloniais e perceber que o colonialismo já não era aceitável na nova ordem das coisas e que a descolonização seria o passo seguinte para uma mudança no panorama global. Apesar de tardia, foi oportuna e careceu de preparo dos africanos para assumir a liderança dos seus países e construírem noções estruturadas. O contexto global e continental exigiu mudanças pelo que paulatinamente começaram as iniciativas de libertação. Enquanto decorriam processos de libertação face aos sistemas coloniais, estudantes oriundos das elites locais, foram enviados para estudos superiores nas metrópoles para que no seu regresso, assumissem e tornassem a administração paulatinamente africanizada apesar de assessorada por técnicos europeus, enquanto a autonomia política era concedida progressivamente a uma burguesia nativa previamente cooptada.
| Edifício onde funcionava a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa |
Em 1957, Gana libertou-se da Inglaterra, e o Primeiro-Ministro Nkrumah, adoptou uma política de neutralismo activo, aproximou-se da URSS e da China Popular e declarou-se partidário do Panafricanismo. No ano seguinte, a Guiné separou-se da França, e o Primeiro-Ministro Sekou Touré recebeu apoio dos países socialistas por sua linha política próxima à de Nkrumah. Em 1960, o “ano africano”, a maioria dos países do continente tornou-se independente da França e da Grã-Bretanha, dentro da linha “pacífica”, gradual e controlada: Camarões, Congo-Brazzaville, Gabão, Chade, República Centro-africana, Togo, Costa do Marfim, Daomé (atual Benin), Alto Volta (atual Burkina Fasso), Níger, Nigéria, Senegal, Mali, Madagascar, Somália, Mauritânia e CongoLeopoldville (atual Zaire). Entre 1961 e 1966 foi a vez de outros países na zona tropical africana e posteriormente outras nações juntam-se aos movimentos independentistas.
Vários Estados africanos, face à sua debilidade, tentaram associar-se em nível continental, dentro dos postulados pan-africanistas, ou federar-se pragmaticamente em escala regional, mas a falta de mínimas condições objectivas impediu a realização dessas aspirações. A caminhada para as independências deveu-se não apenas aos princípios consagrados nas Cartas do Atlântico e das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, mas também a outros factores, destacando-se a vitória dos Aliados sobre o eixo Roma-Berlim-Tóquio que não foi apenas uma vitória militar, mas sim, uma vitória da liberdade e das democracias . O processo da independência de Moçambique enquadra-se no contexto de dissolução do império africano de Portugal, que teve lugar num tempo histórico preciso: o terceiro quartel do século XX e foi marcada por uma conjuntura de intersecção das descolonizações europeias e o conflito Leste/Oeste – a Guerra Fria – que desde a década de 1940 configurou, em larga medida, a geopolítica mundial. ̋É, no fundo, o período em que a ascendência europeia, progressivamente afirmada desde a Era Moderna, conhece o seu canto de cisne, com isso abrindo caminho para uma redistribuição do poder à escala global. Tratou-se de um processo que teve lugar concretamente a partir de 1974, quando uma inesperada reviravolta política ocorreu em Lisboa, na sequência do derrube da ditadura de Caetano, que após seis anos no poder fora incapaz de encontrar uma “saída com honra” para um exército impaciente com os bloqueios políticos na metrópole e nas colónias africanas. No mesmo período, a estrutura imperial portuguesa enfrentou várias dificuldades de ordem administrativa que se vivia na Guiné e Moçambique. Associado a estes elementos, Portugal mostrava-se como uma das economias mais débeis da Europa Ocidental, deparava-se com dificuldades crescentes para responder às exigências próprias de uma guerra em três frentes, separadas por milhares de quilómetros de distância. A inflexibilidade de Salazar relativamente a qualquer solução diplomática para pôr fim ao conflito em África abriu um fosso claro entre o regime político, de um lado, e a sociedade e a opinião pública portuguesas do outro. O golpe revolucionário de 25 de Abril de 1974 conduziu rapidamente a uma série de medidas tendentes a terminar com o controlo político formal sobre os territórios coloniais. Na forma pratica, o golpe significou “o fim do compromisso entre as várias fracções das classes dominantes na altura em que estas se mostraram incapazes e sem vontade de representar a nova constelação de interesses que se tinha formado ao longo das ultimas décadas, perigando assim os interesses do capitalismo português no seu todo”. A guerra colonial e o descontentamento com o estado constituíram o principal motivo que levou o Movimento das Forças Armadas ao golpe de estado a 25 de Abril de 1974 e à consequente independência das colónias. A este factor, junta-se a forte oposição interna que o regime fascista teve de enfrentar por estar a mover a guerra colonial. Por outro lado, muitas famílias portuguesas também se opunham ao envio para as colónias dos seus filhos, irmãos e outros parentes. Contestavam, igualmente, o gasto de elevadas somas em dinheiro em despesas militares, diante da pobreza extrema que assolava Portugal. Depois do 25 de Abril, a descolonização tornou-se um facto irreversível, apesar de ″a sociedade portuguesa de então, passar a conter no seu seio elementos dinâmicos suficientes para impedir que voltasse a ser a sociedade bloqueada que foi nos últimos séculos”. A colonização europeia ou, por outra, da expansão ao fim do colonialismo, até a data da publicação do seu livro “passavam-se 560 anos, durante os quais a vida económica, política, administrativa, mental e social dos portugueses esteve condicionada por um factor preponderante que transcendia a sua própria e genuína nacionalidade (…) ocupando territórios que não os pertencia, transformando assim a colonização num fenómeno de longa duração”. A guerra nas três frentes exigia para Portugal um alargamento exponencial do exército o que obrigou a recorrer a mais largas camadas da população civil e algumas delas “já politizada e que devido a sua posição social e dentro do exército, passaram a ter acesso ao círculo de convívio dos oficiais” o que permitiu de certa forma a politização do exército que já vinha confrontado com uma guerra que não conseguia vencer, começando assim a pôr-se a si próprio a questão do sentido da tal guerra e o seu valor político, esta foi a razão da criação do MFA (Movimento das Forças Armadas) que viria organizar o golpe de Estado militar. Analisado os elementos acima, pode-se referir que o golpe militar de 25 de Abril, a contestação popular face a guerra em Moçambique e nas restantes colónias, sobre a qual pouca informação a população tinha, e a decisão do governo de então cogitaram de forma preponderante para o término da luta de libertação em Moçambique e nas outras colónias portuguesas. A presença da guerra colonial na memória da democracia portuguesa constituiu, durante muito tempo, algo próximo daquilo que a Michael Taussig chamou de “segredo público”, ou seja, “algo que é comummente conhecido, mas que não pode ser articulado”. Negociações e correspondências entre os guerrilheiros da FRELIMO e o exército colonial no Niassa.
| Rui Vergueiro,Alferes Milº, os padres Camilo e Menegon,da Missão de Vila Cabral, em confraternização com elementos da FRELIMO |
No primeiro semestre de 1974, tiveram lugar em Lisboa, Lusaka (05 de Junho), Dar –es-Salaam, Amesterdão, Mueda e Montepuez, várias negociações tendentes a alcançar uma aproximação entre as partes beligerantes, sobre o fim da guerra. Portanto, existiram negociações encabeçadas pelo Movimento das Forças Armadas Central, isto é, por emissários vindos ou representantes directos de Lisboa, e as que eram da iniciativa dos comandos locais, entre interlocutores regionais e dos próprios quartéis coloniais. Estas negociações foram infrutíferas pela ambiguidade apresentada por Portugal visando chegar a uma plataforma de entendimento rumo a independênci. Em termos práticos, para a FRELIMO, “a independência, não era matéria para negociar, o que estava em causa era apenas os mecanismos de transferência de poder para a FRELIMO como legítimo representante de Moçambique . Em relação ao Niassa, este processo é pouco documentado ou quase que não existe informação nas literaturas de memórias dos combatentes até então produzidas e alguns relatórios de ocorrências da época, escritos pelos comandantes das comissões e quartéis tanto como narrativas da tropa colonial portuguesa e combatentes da luta de libertação de Moçambique que foram entrevistados. Todos entrevistados estiveram em algumas bases da FRELIMO e aquartelamentos da tropa portuguesa até finas da Luta de Libertação de Moçambique no Niassa.
Alguns locais onde decorreram negociações no Niassa
Alguns locais onde decorreram conversações entre a tropa colonial portuguesa e os guerrilheiros da FRELIMO – Lussanhado. Em Agosto de 1975, guerrilheiros da FRELIMO, representados pelo responsável no Niassa, deslocaram se a Valadim para conversações que culminou com um convívio entre os Furriéis e os guerrilheiros da FRELIMO e dai alguma vontade e confiança entre ambas partes. “Houve dificuldades de se tomar decisões locais, mas o ambiente que se vivia, era de paz e não de guerra”. ̋Soubemos mais tarde que tinham ido a Valadim cerca de 500 guerrilheiros da FRELIMO com intensão de tomar o Aquartelamento. No entanto, a segurança montada e os canhões 122 que os guerrilheiros da FRELIMO viram logo que passaram a porta de armas, não se atreveram a fazer nada e abandonaram a operação”. Ao que tudo indica, os guerrilheiros da FRELIMO pretendiam tomar de assalto a base, aproveitando-se da existência de algum contacto entre as partes beligerantes. Uma outra narrativa do Relatório de Accão da 3ª CÇAC assinado pelo Comandante Pedro Joaquim de Almeida, refere que no dia 04 de Setembro de 1974, Cerca das 14h30, “estando o pessoal empenhado só em carregar as viaturas com todo o material menos o de guerra, em virtude de partir no dia seguinte para o Chiulézi, onde se encontrava a sede da companhia, apareceram quatro elementos da FRELIMO, vindos do lado da pista com as armas em bandoleira”, tendo o sentinela de vigia alertado um colega que se dirigiu ao limite do arame farpado, que ficava a 10 metros distanciados do quartel, para os receber conforme ordens recebidas anteriormente via mensagem. “Como entre eles havia elementos conhecidos de um dos nossos graduados pareceu-nos fácil a conversação e sem problemas, pois eram os mesmos que tinham ido a Valadim, e queriam conversar em paz”. O pessoal reunido na pista desconfiou-se logo do caso de Omar, e já estava a tomar as devidas medidas de segurança, quando de repente ouviram-se vozes em volta de todo o Destacamento gritando que davam um minuto para reunir o pessoal na pista ou queimariam tudo, imediatamente invadiram o quartel, “eram cerca de 450 elementos escondidos no meio do mato sem que nós os tivéssemos detectado. Não tendo a tropa, visto qualquer possibilidade de resistir olhando à surpresa, quantidade de forças e armamento das mesmas decidiu-se que o pessoal seguisse para o local orientado e o oficial da tropa portuguesa, tentou dirigir-se para o local onde estava o material para proceder à sua destruição, mas foi impossibilitado de o fazer pelos guerrilheiros que já tinham invadido o destacamento. Ao fundo da pista com o pessoal todo formado tiveram uma conversação com o comandante de artilharia, Pedro Canísio, que na ocasião, pediu que os deixasse regressar ao quartel e que iriam abandoná-lo no dia seguinte, tendo sido respondido que as forças da FRELIMO não tinha ordens de finalizar as operações e teriam de os levar para mostrar aos seus superiores os resultados das suas operações, mas que não queriam mais derramamento de sangue por isso utilizaram o plano de capturar a tropa, estando seguros que eles não fariam fogo a não ser em legítima defesa. Por conta das conversações feitas em Valadim com o seu comissário político, Manuel Majice, depois da reunião, dirigiu-se para um local distanciado do destacamento, a cerca de 3Kms, onde pernoitaram. No dia seguinte, apareceram elementos da população para carregarem todo o material do destacamento, cerca das 11h apareceu dois bombardeiros da FAP (Forcas Armadas Portuguesa) para se certificarem da nossa situação, sobrevoaram o destacamento e imediatamente retiraram-se. No dia 06 de Setembro, a tropa capturada seguiu em direcção a base central M`zumbig de onde partiram no dia 8 de Setembro de 1975 em direcção a Tanzânia, tendo escalado Vila de Songuea, campo político de Thunduru, até a cidade de Nashinguea onde foram colocados com o pessoal de Omar no quartel tanzaniano, num pátio rodeado de arame farpado e soldados tanzanianos. (.
| Presidente Samora, em Mkunya, falando com os soldados capturados em Omar |
No dia 19 de Setembro de 1975, as tropas portuguesas receberam a visita do presidente Samora Machel que cumprimentou um por um os homens, tendo afirmado o seguinte: ̋pedimos ao governo português que elaborasse uma lista de prisioneiros de guerra e a resposta que nos deram foi a seguinte: "não temos nenhum". Vocês são uns assassinos! Mataram-nos todos.! Mas a FRELIMO entrega-vos ao vosso governo e partem hoje mesmoo. No dia 20 de Setembro de 1975, a tropa Partiu em direcção a Nangade e no dia 21, de Nangade num avião da FAP em direcção a Nampula, onde se encontravam entidades superiores para nos receberem.Sobre os acontecimentos do final da Luta de Libertação em Moçambique, Jaime Bondo(2021) referiu que, em Junho de 1974, os contactos com comandantes de alguns quartéis portugueses já vinham decorrendo de acordo com orientações emitidas do comando provincial. O comandante provincial da região do Niassa emitiu uma carta com orientações para o início de cessar-fogo na nossa região. Nos encontros realizados para o alcance de um entendimento/cessa r-fogo o que mais se aflorava era o interesse da FRELİMO que tinha a ver com o termino da guerra desde que a contraparte colaborasse. Em seus comentários relatou que do lado da tropa colonial era visível a fadiga ocasionada pela guerra e o desejo ardente de se livrarem daquelas matas onde enfrentavam um conflito que grande parte, considerava de injusto e injustificável. Mesmo nas cartas enviadas pelo comando da Região Militar de Moçambique era notório a afirmação de que já havia um reconhecimento de legitimidade da luta levada a cabo pela FRELIMO, o forte desejo do fim da guerra colonial para qual se solicita a colaboração dos guerrilheiros. Percebe-se que o ambiente das negociações entre o exercito colonial e os guerrilheiros da FRELIMO no Niassa, foi marcado por aproximações tímidas de ambas partes, Combatente da luta de libertação de Moçambique (entrevistado) visto que pairava em ambas partes o espirito e sentimento da duvida sobre o calar das armas de forma efectiva. Os guerrilheiros da FRELIMO recebiam diferentes informações sobre fim da guerra e alguns comandantes da guerrilha, olhando para a atuação ou movimentação da tropa colonial e não se confortavam de imediato com o fim da guerra, optando por montar estratégias de cerco e tomada de algumas posições da tropa colonial a semelhança do que se deu em Lussanhando em princípios de Setembro de 1974 conforme se pode ver no texto seguinte, enviado ao Comandante da Base do mesmo nome.
| O Cap. Salavissa comandante da CART. 7260 a confraternizar na base Mpotxi (Gugunhana) com soldados da FRELIMO |
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