CAPITULO 1.
A SITUAÇÃO COLONIAL NO NIASSA ATÉ 19622
Este capítulo constitui o essencial ponto de partida da presente tese. Ele se propõe construir o contexto histórico colonial que se vivia no Niassa, onde se inclui a sua localização geográfica, a descrição da população, educação, saúde, o processo de ocupação colonial até o ano de 1962, quando se funda a FRELIMO. O exercício neste capítulo consiste igualmente em apresentar uma breve contextualização histórica, política, económica e social de Niassa como forma de apresentar o local a ser estudado e a situação que era vivenciada pelas populações locais no contexto colonial.
1.1. Niassa: área do estudo A área do presente estudo é o distrito colonial do Niassa que foi criado ao abrigo do Art.º 7 do Decreto de 1891, Colecção da Legislação, 1894 (COMPANHIA, 1897, p. 86). Está localizada no extremo norte de Moçambique, e faz fronteira, ao norte com a Tanzânia, ao Sul com as províncias de Nampula e Zambézia, a este com a província de Cabo Delgado, e ao oeste com o Malawi, com o qual também divide o Lago Niassa. Em termos de organização administrativa, o território tinha um conselho e três circunscrições administrativas. É uma região bastante receptiva às mais variadas actividades agrícolas: do algodão, em Amaramba e Marrupa, ao trigo nos planaltos, ao café, tabaco, leguminosas e fruteiras, soja, trigos e milhos,
1.2. O povoamento e os primeiros colonos A região do Niassa era habitada, segundo, por povos matrilineares independentes, em que cada grupo tinha uma cultura própria e uma história específica em relação às suas origens, ao povoamento da região em que se encontravam no momento da conquista e às relações com o mundo exterior. O aspecto comum entre esses povos era a prática do comércio a longa distância do marfim e de escravos e o envolvimento nas guerras para a obtenção de cativos, caçadas para a aquisição de despojos de origem animal, nas migrações permanentes para os territórios da África Oriental e norte do Rio Montepuez e norte do Rovuma. Depois da independência nacional de Moçambique, o Distrito de Niassa passou a categoria de Província do Niassa. É a maior província do país em termos de superfície, com 129.362 Km2 e com menor número de habitantes. A etnia dominante nesta região são os Yaos, Macuas e Nianjas, sucessivamente. Os Yaos constituem o grupo populacional maioritário na região, oriundos do monte Yao, perto de Muembe. A distribuição étnica sofreu alterações consecutivas e marcantes como resultado das guerras e migrações do séc. XIX e só viria a ser interrompida pela conquista europeia. Mais tarde, em pleno contexto colonial, voltaram a constituir-se, mas não exactamente do mesmo modo. Não formavam uma unidade política homogénea. Possuíam mitos de origem que eram para explicar as suas relações históricas. Motivados pelo comércio de escravos e afecto pelo islamismo, os Yaos migraram para as margens dos Rios Lugenda e Rovuma tanto como junto as margens do Lago Niassa onde desenvolveram trocas comerciais com os árabes-suaíli e se misturaram com os Nyanjas impondo-se juntamente com os árabes aos territórios vizinhos mantendo sempre a sua supremacia sobre os territórios vizinhos e escravizando a população. Trata-se de um grupo étnico forte, vigoroso e guerreiro que não queria submeter-se aos outros e com alto sentido de independência. Os macuas, também chamados Lomuês, formavam clãs matrilineares a semelhança dos Nyanjas. Os macuas também são conhecidos por Anguro. Supõem se que sejam oriundos do monte Nguru. Em tempos passados, dedicaram-se a escravatura em grande escala dada a sua proximidade ao mar. Trata-se um povo dedicado à agricultura habitando com frequência margens de grandes lagos, onde praticam também a actividade pesqueira. A colonização portuguesa nesta região efectuou-se de forma tardia motivados pelas imensas dificuldades ligadas a febre que dizimava os europeus e pela presença de mosca Tsé-Tsé que os impedia de utilizar animais para o transporte de seus víveres e outros materiais; inexistência de recursos humanos que pudessem gerir e administrar determinados territórios, exiguidades financeiras mas, acima de tudo, ao nível do Niassa, escasseavam grandes rios que pudessem ser usados como via de comunicação para o interior. A estes factores, podem adicionar-se ao facto da não ocorrência de ouro que era produto de maior interesse dos portugueses. Outro sim, é que o comércio do marfim e escravos eram dominados pelos próprios Yaos que conduziam ate a ilha de Mocambique. A história política dos povos da região do Niassa segundo passa a ter notoriedade a partir dos meados do Séc. XIX, com o aparecimento da dinastia Mataka que durante várias décadas dominou a região. A presença portuguesa na região, remota os anos 1881, quando o Governo português pressionado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, apercebe-se da necessidade de transpor a defesa dos direitos do litoral para o interior. Organizam viagens para o interior e em 1885/6 alcançam Mataka e Macanjhila e mais tarde Metarica e outros chefes Ajauas. Durante estas viagens, os portugueses foram implantando postos de ocupação e estabelecendo relações de vassalagem com as populações locais. Foram também estabelecendo tratados de comércio e segurança das rotas comerciais. Todos estes acordos e contactos com as autoridades locais visavam evitar a invasão de outras potências europeias, portanto, tinham um caracter defensivo e de consolidar o controlo da região perante a pressão da Alemanha, no norte de Moçambique, e da Inglaterra, nas margens do Lago Niassa.
Augusto Melo Pinto Cardoso |
Em 1888/9 tem lugar uma outra expedição ao Niassa, comandada por António Cardoso, com missão “civilizadora”, com vista a obter termos de vassalagem e de subordinação de maior número possível de chefes e subchefes do Niassa e garantir a influência portuguesa na região. Outro objectivo desta missão era de reforçar a presença portuguesa entre Mandimba e Lago Niassa. Os portugueses moveram várias expedições sem sucesso com vista a ocupação desta região na segunda metade do Séc. XIX, na tentativa de se estabelecerem próximo do Lago Niassa, o que só viria acontecer depois de 1895 com a derrota dos chefes Ayaos pela expedição dirigida pelo Serpa Pinto, então Cônsul de Zanzibar, que seguia acompanhado por um jovem oficial de nome Augusto Cardoso que assinou tratados com Kwilasi, um dos chefes Ayaos da região com os quais reconheciam a soberania portuguesa e obrigaram os chefes a proteger os comerciantes e a por termo os ataques. O distrito do Niassa passou a ter a sua capital na então Vila Cabral, situada a cerca de 1300 metros de altitude e a meia centena de quilómetros do Lago Niassa, se conferido por uma linha recta. O atraente e progressivo centro urbano, teve a sua origem na antiga povoação de Lichinga, pertencente à Circunscrição de Metonia.
José Ricardo Pereira Cabral |
Em 17 de Novembro de 1945, recebeu oficialmente a designação de Vila Cabral, numa homenagem ao antigo Governador-Geral José Ricardo Pereira Cabral. Por Portaria de 23 de Setembro de 1962, foi elevada à categoria de cidade, em reconhecimento do progresso verificado e da tenacidade de todos os que com a sua presença e trabalho perseverante, contribuíram para o desenvolvimento da capital do Distrito. A pacata cidade foi implantada no cimo do planalto do Niassa com ruas e estradas sem pavimento. Tratava-se na verdade, de um “pequeno estabelecimento português no meio do mato africano em que as pessoas que ali viviam ou trabalhavam na administração civil ou no comércio, nas pequenas quintas ou ainda em propriedades de portugueses”. O Estado português foi erguendo nesta região, segundo, algumas infraestruturas a destacar o Palácio das Repartições, a Escola Técnica e a Aerogare; por sua vez, a iniciativa particular foi se implantando como um pequeno centro de atenção que depois de 1955, impulsiona-se o desenvolvimento considerável dos seus principais centros populacionais, nomeadamente Vila Cabral (Lichinga) e Nova Freixo (Cuamba). Nestes pontos foram implantados serviços que criaram ambientes de confiança e expectativa que favoreceram a fixação de novos europeus e estimulou o interesse pelo Distrito. A mesma ocasião, a capital, Vila Cabral, passou a considerar-se um importante centro administrativo e polo dinamizador de uma região até aí considerada de longínqua e desconhecida. De forma geral, em Moçambique a presença de colonos europeus data desde os primeiros tempos da sua infiltração, principalmente depois da criação dos Sistemas de Prazos. Mesmo assim, o seu número nunca atingiu grandes proporções, podendo mesmo dizer que a presença de colonos em Moçambique é um fenómeno do século passado.Os primeiros colonos a habitar a região do Niassa foram caçadores e comerciantes, que, começam a instalar-se na região por volta de 1930”, destacando-se Abílio de Sousa Cristina, natural de Loulé, província do Algarve, Valimamade Jamal, filho de pais paquistaneses, José Alves Cotrim da Silva Garcez, Manuel Braz da Costa, que nasceu na província do Alentejo, Álvaro Passos Portugal, Joaquim Robalo Salvado, natural da freguesia de Medelim, Manuel França de Lima, natural da
Abílio Sousa Cristina |
Valimamade Jamal |
Com a extensão do caminho-de-ferro do Catur até à capital do distrito, mais um passo decisivo foi dado para a valorização da jovem cidade e do Concelho, cuja população era, pelo censo oficial de 1962, de 81.763 indivíduos. Outros relatos fazem referência à presença de missionários anglicanos de origem britânica entre 1883-1886 sobretudo na região de Metónia proveniente de Malawi. Em seguida referem-se a presença de portugueses madeireiros. Já em meados dos anos 30 conforme começam a chegar os primeiros grupos de soldados portugueses oriundo de Tete enviados para planalto de N’chinga com uma brigada de construções cujo acampamento tinha sido estabelecido em Nzinje.
1.3. A ocupação colonial e a companhia do Niassa embora a presença portuguesa em Moçambique remonte a 1498, aquando da passagem de Vasco da Gama pelo território, a caminho das Índias, só depois da Conferência de Berlim, realizada em 1884/5, é que Portugal se lançou na ocupação efectiva de Moçambique e dos demais territórios que reivindicava na África e isso teve como consequência a deflagração de uma guerra de ocupação contra reinos e impérios nativos que estavam aí instalados. Desta forma, Portugal passou a ter o controle efectivo de Moçambique. Antes da década de 1890, os portugueses haviam efectuado poucas explorações na zona norte do Zambeze, circunscrevendo as suas actividades ao comércio nos seus presídios em Quelimane, Ilha de Moçambique e Ibo. Concretamente, esta potência, não tinha presença efectiva no território moçambicano. Nesta conferência definiu-se a obrigatoriedade de os países que reivindicavam direitos históricos sobre determinados territórios africanos, devessem ocupa-los de facto, estabelecendo um estado que fizesse a gestão dos territórios de uma forma efectiva. A ocupação colonial de Niassa foi efectuado ao comando do subchefe, Augusto de Mello Pinto Cardoso, na expedição científica “Pinheiro Chagas”, oficialmente encarregada ao cônsul geral de Portugal em Zanzibar, Serpa Pinto, alcançou depois de uma paragem em Quissanga de quase todo o ano de 1885 aqueles que nos parecem os primeiros actos portugueses na região do Niassa. As expedições culminaram com assinaturas de acordos de vassalagem com as lideranças locais, a titulo de exemplo, foi a declaração de vassalagem do Metarica nas margens do rio Lugenda em Dezembro de 1885 e em Janeiro de 1886 com o Cuirassia na extremidade sul do lago Niassa. As declarações dos acordos de vassalagem, dentre outras obrigações, obrigavam aos chefes locais desde o momento do auto de vassalagem a prestar todo o auxílio em mantimentos e carregadores a qualquer viajante português que no futuro atravessasse os seus territórios, obedecer às ordens das autoridades portuguesas e estabelecer uma relação pacífica com a presença portuguesa.
Particularmente ao chefe Metarica, Augusto Cardoso recomendou que ele deveria pôr termo aos “constantes” ataques dos seus súbditos Mafites contra Quissanga. Da declaração consta também que o Metarica enviaria uma embaixada ao Ibo para renovar a sua obediência à Portugal diante do governador do Distrito de Cabo Delgado. Essa embaixada seria acompanhada por um certo número de Mafites, súbditos do Metarica, para “quebrar as zagaias e rodelas” simbolizando a prova do fim dos assaltos. O Cuirassia deveria enviar a sua embaixada à Quelimane com o mesmo objetivo, As expedições, tratados no Niassa foram levados a cabo com interesses na localização de possíveis jazigos de minerais como carvão. Alguns confrontos com súbditos alemães saídos de Quíloa, acompanhados geralmente pela força armada, marcaram o início processo de ocupação do Niassa. Estas expedições culminaram com a criação de comandos militares em Coamuno, Liture, Ingomano e outros em número total de seis que, para além de assegurar a soberania portuguesa, serviram de estações tanto para o Itulle como de estrada que asseguraria fontes de receitas aos cofres portugueses tanto que havia indicações de ser por esse “caminho que todas as caravanas. Fundo do Governo do Distrito de Cabo Delgado (séc. XIX). Ofício de Augusto Cardoso subchefe encarregado da expedição „Pinheiro Chagas“ datado de 18 de Dezembro de 1885 ao governador do distrito de Cabo Delgado (vide também o auto de vassalagem do Metarica datado de 16 de Dezembro de 1885 e o de Cuirassia datado de 20 de Janeiro de 1886) tanto do Niassa como de outros pontos do sertão trilhavam até chegarem a Mekindane, Palma, Mossimbõa e Quissanga. A par da guerra de ocupação, uma significativa parcela do território moçambicano estava concessionada a empresas de capital estrangeiro não-português. Ou seja, como, durante a corrida imperialista na segunda metade de séc. XIX, Portugal tinha como principais financiadores a Inglaterra, Alemanha e a França que também procuravam tirar maior proveito na exploração das colónias de Portugal, uma situação que se pode verificar depois da delimitação de fronteiras em 1898, quando Portugal denuncia uma crise que seguiu ao ultimatum, estiveram na base de projecto de partilha de Angola e Moçambique por parte da Alemanha e a Inglaterra, que, no dia 30 de Agosto de 1898, assinaram um convénio para consagração das receitas aduaneiras coloniais, caso Portugal quisesse contrair empréstimo com qualquer uma das duas potências, também fixaram as respectivas zonas de influencia, de Norte de Moçambique, Sul de Angola e Timor Leste para Alemanha o resto para Inglaterra. Para o caso de Moçambique, tratou-se de empresas como a Companhia do Niassa, que, dispondo de funções económicas, administrativas, detinha igualmente poderes militares sobre determinadas áreas de sua actuação, no norte do território. A ocupação efectiva de Moçambique e de outros países africanos, que foi ditada pela conferência de Berlim, que decorreu na Alemanha entre 1884 e 1885, entre as grandes potências, onde Portugal fez parte, nos dias 15 de Novembro a 26 de Fevereiro, em que ficou decidido que todas as potências tinham que ocupar e manter uma administração efectiva. Portugal, devido à sua fragilidade económica quando ocupou optou por duas formas da administração colonial: primeira, a administração directa pelo Estado colonial português; a segunda pelo capital internacional expresso em companhias. Este foi o único modo de o Estado Português poder garantir a exploração do território. A heterogeneidade de espaço colonial português constituiu uma particularidade do desenvolvimento económico de Moçambique no momento colonial, o sistema económico imposto por Portugal em Moçambique fez do território um local onde pairavam os interesses de vários grupos de capitalistas representadas pelas companhias, onde havia zonas de influência dos países que o apadrinharam na colonização. 49 A fragilidade económica e financeira levou Portugal a dividir o território em termo da função da acumulação do capital, dando investimento estrangeiro 2/3 de território, centro e norte do país, (companhia de Moçambique de 1888-1942; Companhia de Açúcar de Moçambique “1890” que mais tarde transformou-se em Sena Sugar States “1920”; Companhia de Niassa, 1891-1929; Companhia de Boror, 1898; Companhia de Lugela, 1904; Companhia Agrícola de Madal, 1908). Essas companhias tinham privilégio da administração no território em que estavam, principalmente, a companhia de Moçambique e de Niassa tinham poderes majestáticos. No que concerne ao Sul de Save, foi reservada para trabalho migratório para as minas e plantações sulafricana, (SERRA, 2000, p. 201). O governo português, em pleno contexto europeu de construção dos impérios africanos, através do Ministério do Ultramar, em 26 de Novembro de 1891, por decreto com força de lei, concedeu poderes majestáticos a firma Bernardo Daupias & Ca; denominada Companhia do Niassa sobre toda a região entre os rios Lúrio e Rovuma, incluindo toda a zona costeira do Lago Niassa até a costa marítima de Cabo Delegado. Mas só em 1892 a Companhia do Niassa, constituiu-se formalmente e o seu alvará, foi concedido em 1894 por um período alargado de trinta e cinco anos. Esta companhia, “possuía apenas três fontes de exploração imediata – tributação do campesinato, direitos aduaneiros e laborais”. A ocupação do interior do território da companhia, teve início em 1899 através de três expedições militares que em 1901 haviam estabelecido uma linha de postos da Companhia ligados por telégrafo da costa ao Lago e estudara em parte o percurso para uma via férrea. A proeza significativa desta Companhia verificou-se na zona costeira pelo facto de o Chefe Yao Mataka insistir na sua independência. Na companhia do Niassa, o imposto de palhota constituiu o seu principal recurso financeiro. Outra não menos importante fonte de acumulação de capital para a companhia, esteve ligada ao incremento da produção agrícola do sector familiar que acabou se constituindo no eixo fundamental da economia no território da majestática. A agricultura familiar passou a produzir na companhia do Niassa, a circulação da moeda era reduzida, o imposto de palhota foi cobrado na maioria do território em produtos comercializáveis e em trabalho o que gerou a crescente produção agrícola do sector familiar para o mercado, mais produtos agrícolas para exportação abrindo espaço para a redução da subsistência das células familiares por falta de tempo, visto que os camponeses, até 1919 a 1920 eram obrigados ao trabalho forçado, que ia de duas semanas a seis meses por ano nas machambas do Chefe do Posto ou do Conselho, produzindo oleaginosas como amendoim e gergelim. Os mecanismos de exploração adoptados pela companhia chegaram a gerar fome e comprometer a reprodução social. Uma das primeiras acções desta companhia foi o recrutamento de mão-de-obra barata para o trabalho migratório nas plantações de tabaco na Zambézia e de cana-de-açúcar em Marromeu incluindo o imposto de palhota que era cobrado em género e dinheiro. Como pretexto a população começou a migrar para zonas do interior até mesmo para territórios britânicos como Malawi e Tanzânia, de forma a conseguir libras para pagar o imposto, comprar roupas e manter o equilíbrio económico das famílias camponesas, outros migravam de forma definitiva. Havia muito pouco onde cobrar impostos. Esta companhia promoveu derradeiras expedições contra o reino independente do chefe Ayao Mataka e garantiu assim a sua administração e cobrança de impostos. Logo após as invasões perpetradas pela expedição ao Niassa comandada pelo major Manoel Machado a preocupação passou a ser a necessidade de implantação da estrutura administrativa na região, que implicava a criação de denominações coloniais que politicamente se sobreporiam às divisões territoriais africanas. Os concelhos e circunscrições deveriam ser chefiados por administradores de concelho e de circunscrição, respetivamente, e os postos por chefes de postos.
Partia-se do princípio que a criação dessas instituições teria impacto psicológico nas povoações, submetendo-as à conformação diante da autoridade colonial portuguesa, os territórios da companhia do Niassa ficaram divididos em conselhos e estes em vários postos administrativos ou mesmo militares que abrangiam os principais regulados ou sultanatos. Neste âmbito, a autoridade máxima na Companhia do Niassa era o Governador, sujeito a uma fiscalização do governo português – que se exercia directamente sobre os administradores dos conselhos; destes, por sua vez, dependiam os chefes dos postos, os que fiscalizavam e regularizavam a vida nativa na área dos respectivos postos. 51 Na sua área de jurisdição, esta companhia tinha direito de dar concessão, explorar as estradas, caminho-de-ferro, canais, portos e outros meio de comunicação, emitir acções, cobrar imposto, poderia assinar tratado convecções com autoridades tradicionais ou estabelecer relações de carácter político. A divisão administrativa do território da companhia confinava-se a norte, de princípio, com sultanato de Zanzibar, depois da constituição do protetorado alemão (Deutsch Ostafricanische Gesellschaft), estabelecido em parte no território daquele sultanato, com Tanganhica tendo havido alguns conflitos entre os da companhia de Niassa e o Sultanato de Zanzibar com adventos dos alemães. A companhia implantou uma divisão administrativa que perdurou até finais de 1929 ano em que o governo português, através do decreto Nº 16 757 de 20 de Abril, mandou cessar, a partir de 27 de Outubro os poderes majestáticos concedidos a companhia do Niassa e reintegrar na administração directa do estado o território da Companhia, uma medida associada a reformas administrativas que visavam manter o controlo efectivo dos territórios coloniais. Posto isso, o Governo-geral através do Diploma legislativo Nº 182 de 14 de Setembro de 1929 dividiu o território em dois Distritos nomeadamente Cabo Delegado e Niassa. Ficaram, então, pertencendo ao Niassa as seguintes quatro circunscrições: Lago com a sede em Metangula, Metarica com a sede em Litunde, Amaramba com a sede em Cuamba e Metónia com sede em Mandimba. A partir desta altura se começou a impulsionar o desenvolvimento dos seus dois principais centros populacionais nomeadamente Vila Cabral (Lichinga) e Nova Freixo (Cuamba). Sucessivas reformas administrativas foram ocorrendo até que em 17 de Outubro de 1931, pela portaria nº 1482, foi reservado e classificado em primeira classe, destinado a sede do Distrito de Niassa, na circunscrição de Metónia, um terreno no planalto da serra Lichinga junto a estrada de Mandimba e Metangula, nascendo assim a povoação de Vila Cabral, actual cidade de Lichinga. Face às duras formas de exploração levadas a cabo pela companhia, sobretudo quando, em 1920, o imposto de palhota passou a ser cobrado em género e em dinheiro e com maior controlo, registou-se uma emigração massiva. Em outras aldeias, para fugirem da cobrança de impostos de palhota, a população abandonava suas aldeias para se refugiarem nas florestas ou mesmo para as colónias vizinhas. Milhares de famílias atravessaram fronteiras para Niassalandia (actual Malawi) e para o Tanganica (actual Tanzânia) por conta da exigência de pagamento de imposto, evitar o recrutamento para o trabalho forçado, e a produção agrícola. Em torno destas acções migratórias, MAZULA refere que até 1929 período de vigência da Companhia do Niassa nos territórios habitados pelos Nianjas havia muitas emigrações, principalmente em 1918. Teria sido o “imposto de 18 Xelins que causou muitas emigrações para o estrangeiro. Milhares de Nianjas do Niassa, emigraram para Tanganica ocidental e para o Sul do Lago Niassa na área de Fort Johnston. Estes formaram na Tanganica grandes povoações tais como Kwambe, Linda e outras”. Tudo viria a terminar por volta de 1918/20, quando todo o território passou a estar definitivamente envolvido na teia das relações de subordinação da administração colonial. O monstro ausente e desconhecido – a Companhia do Niassa – parecia não existir. Mas em nome desse representante de Portugal na região, um outro mundo de relações (coloniais) de subordinação política e económica se forjaria. No dobrar de 1918 para 1919, a companhia estabeleceu o domínio colonial em toda a região do Niassa. No último período de existência da companhia, de 1919 a 1929, faltando apenas dez anos para o seu término, uma vez que o governo português se recusou a conceder uma prorrogação, os princípios do capital financeiro ditavam que era tarde demais para investir rentavelmente na renovação das visões iniciais de amplo desenvolvimento económico. Em vez disso, a Companhia passou a aumentar o nível do imposto de palhotas como meio de aumentar a receita, e a administração expandiu e intensificou os abusos que parece ter sempre praticado. Finalmente, em Outubro de 1929, o contrato chegou ao fim e o governo português assumiu devidamente a administração do Niassa. Neste período, a ideia de amplo desenvolvimento económico, que havia caído em desuso em favor do trabalho migrante, permaneceu na prateleira. Apesar das estruturas administrativas, na forma de circunscrições e regulados, asseguradas por agentes do Estado, já terem sido implantadas em grande parte do território, os administradores da Companhia do Niassa desinteressam-se pelo seu desenvolvimento e, em 1929, a Companhia extingue-se, passando o território para a administração directa do governo da colónia. A implantação da administração colonial na região do Niassa, foi um processo tardio e pelo facto teve de enfrentar dificuldades de ordem administrativa e militar pela natureza dos estados préexistentes, tanto como pela forma como o processo de ocupação e administração do território pretendia ser implantado, que acabou gerando revoltas por parte dos africanos.
CONTINUA