Bem vindo

bandeira-portugal-imagem-animada-0007 bandeira-mocambique-imagem-animada-0006

Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

"MATA-BICHO" DA CCAÇ 1558 EM NOVA VISEU DE MAIO A JULHO DE 1968.

Quando a 14 de Fevereiro de 1968, o meu G.C., comandado pelo Alferes Monteiro saiu de Nova Coimbra integrado no 1º escalão do BCAÇ 1891 a caminho do Alto Molócué (Zambézia) onde chegámos a 18 do mesmo mês, pensávamos que estávamos livres do pesadelo da guerra em Nova Coimbra, Lunho e Miandica.
Recordo que no dia seguinte à nossa chegada assistimos, no Club local, aos festejos do Carnaval.

19 de Fevereiro de 1968. 3ª Feira de Carnaval no Club do Alto Molócué
Como foi inevitável eu e o Alferes Monteiro fomos ao ao Ile-Errêgo  visitar os nossos bons amigos locais, sendo primeiramente recebidos pelo Zé Rodrigues e depois pelo Marques o então chefe dos Correios naquela localidade. Pelo Marques e por sua esposa foi-nos oferecido um opípero jantar,
Nessa noite pernoitei na casa da família do sr. Pereira e o Alf. Monteiro pernoitou onde mais gostava, numa palhota....
Já com a 1558 instalada no Alto Molócué, a pedido do alferes Pontes voltei às origens, integrando o seu GC. (Eu e o Alferes Pontes, desde os tempos da Metrópole não nos entendíamos e o Capitão Delgado achou por bem bem, logo após a nossa chegada a Moçambique, transferir-me para o pelotão do alferes Monteiro).
Recordo, como poderei esquecer o fatídico dia de 24 de março de 1968 onde, num desastre de viação perderam a vida o Higino Cunha e o Zé Martins.
Já integrado no pelotão do Alferes Pontes, nos primeiros dias de Abril fomos destacados para o Gurué onde estivava CCS do Batalhão. Aqui, a nossa missão era passar uma semana em Lioma, onde se trabalhou bastante e outra semana no Gurué. E assim sucessivamente....
No Gurué, como é do conhecimento como é do conhecimento de quem por lá passou, era diversão: A piscina, o Clube local, visitas às fábricas de chá, jantaradas de marisco no restaurante do Aeroporto e muita actividade nas inúmeras "boites" existentes nos arredores da vila, feitas de capim e colmo.... Aqui um Furriel do pelotão teve um percalço, porquanto não se cuidou....
Depois do "Céu" adveio o "Inferno" e a 8 de Maio de 1968, quando já tínhamos terminado a Comissão, recebemos ordem para regressar ao Molócué.

Ao chegar a esta localidade deparei com a companhia revoltada e altamente desmoralizada, mas como sempre foi uma Unidade disciplinada e trabalhadora, acatou sem problemas a autoridade do Capitão Delgado.
Acontecera que fora determinado que 3 Grupos voltavam para o Niassa para a intervenção. Foi decidido que o GC que ficava no Molócué era o do Alf. Monteiro. Não concordei e fiquei deveras irado. Fiz saber junto do Capitão as minhas razões pelas quais pensava, e ainda penso, que não era justa a minha ida para a intervenção. O meu argumento era que tinha feito grande parte da comissão (a totalidade em Nova Coimbra e Miandica) integrado no pelotão daquele oficial, do qual saí já no Alto Molócué e a convite do Alf. Pontes. De notar que no pelotão do Alf. Monteiro tinham ingressado dois "Chekas".
Apesar dos meus veementes argumentos e desmoralização e o facto dos chekas somente terem chegado à companhia em Janeiro de 1968, o Capitão foi irredutível na sua decisão argumentando que precisava a seu lado de Furrieis experientes.
Assim, a 11 de Maio os três Grupos de Combate, comandados pelo Capitão Delgado, saíram do alto Molócué com destino a Iapala onde, de comboio seguimos até ao Catur e depois, em coluna auto, rumámos a Vila Cabral..
Estação ferroviária de IAPALA. Quem a viu e quem a vê.
Toda a viagem foi muito atribulada, uma vez que as tropas estacionadas no percurso, nomeadamente Nova Freixo, Catur e Messangulo, onde se situava o "célebre caracol", não entendiam a razão de nós, após três meses de termos saído do Niassa e já com a comissão terminada, termos voltado para Vila Cabral para actuar na intervenção. Corria o boato, o maldito boato que fere como uma lâmina, que o Higino Cunha tinha sido assassinado e por isso a companhia fora castigada. Esta atoarda doía-nos bastante e não a conseguíamos vencer porque poucos ou nenhuns acreditavam na nossa versão, a verdadeira. O Furriel Cunha morrera de desastre de viação, como atrás referi.
Os três G.C. ficaram instalados durante alguns dias em Vila Cabral, onde o tal Furriel, "que não se cuidou" no Gurué, se encontrava em desespero total, uma vez que a medicamentação não sortia o efeito desejado, piorando de dia para dia. Valeu-lhe uma injecção de Penadur 600 que o fez arrastar uma perna durante dias, para gáudio dos seus companheiros.
Entretanto, encontravam-se em Vila Cabral algumas companhias de Chekas, que já tinham ouvido falar do tal boato do Cunha.
Na Messe de Sargentos os Furriéis dessas companhias olhavam-nos com espanto e de soslaio.
Na verdade, o aspecto que apresentávamos e os diálogos que mantínhamos não eram os melhores. Gozávamos com a sua inexperiência e perplexidade.
Como Kokuanas (Velhos) sentíamos-nos no direito de fazer as refeições na 1ª mesa. Eles os chekas (Novos) raramente respeitavam o nosso direito. Fomos avisando: vocês querem "maningue milando" (muita zanga) e vão tê-lo. E tiveram mesmo. Num belo dia quando entrámos na messe a mesa já estava ocupada. Num impulso virámos esta de perna para o ar com toda a refeição a ser derramada sobre as pernas dos chekas. Acabou em definitivo o "milando" mas, não nos livrámos de uma forte reprimenda do nosso capitão.
Os chekas abandonaram Vila Cabral onde nós ainda permanecemos alguns dias fazendo patrulhas com os nossos amigos da 4ª Companhia de comandos.
Entretanto, rumámos até Nova Viseu onde fomos confrontados  com uma realidade a que não estávamos habituados. Ao chegar ouvimos com estupefacção, o Capitão Marques da Silva, comandante da Companhia residente a  CART 2374 aos berros a ordenar: fechem tudo não há nada para esses gaijos. Ficámos perplexos com tal recepção. E de facto nada tivemos até ao dia da nossa saída em 27 de Julho de 1968. Dormíamos no chão em tendas cónicas. Só podíamos comer na messe depois dos oficiais e sargentos da companhia residente terminassem as suas refeições e estes não nos emprestavam os pratos e talheres e por isso utilizávamos as marmitas dos nossos soldados depois de estes terem comido. 
Oficiais e Sargentoa da CART. 2374, na sua Messe. 
O dinheiro tinha-se esgotado em Vila Cabral e há muito que não recebíamos o soldo e o correio, por isso não podíamos frequentar a cantina para beber seja o que for. Foram algumas semanas de total abandono e desespero e por isso a moral desmoronava-se em grande velocidade. face a este quadro o capitão resolveu alugar às nossas expensas um Táxi-Aéreo e ir a Vila Cabral resolver definitivamente o problema do dinheiro e do correio.
Nova Viseu, o poço onde lavávamos a nossa pouca roupa.
Para elevar o moral do pessoal, o capitão Delgado juntava à noite, o pessoal na parada para várias cantorias, entre elas o famoso "HINO DO LUNHO" onde o ESTOU FARTO DELES saia do fundo dos nossos peitos, com total estupefacção dos Chekas. Mas o mais paradoxal era nas noites quentes do Niassa quando entoávamos o TOMBE LA NEIJE de Adamo.
A nossa actividade em Nova Viseu está bem expressa na crónica intitulada A CCAÇ 1558 EM NOVA VISEU, publicada na crónica anterior a esta. Entre elas destaco uma em que consistia em acompanhar um oficial de Engenharia que ia estudar um determinado ponto do rio (?) para a construção de uma ponte a qual, presumo eu, iria encurtar a distância entre Vila Cabral e Tenente Valadim. A passagem para a outra margem era difícil e perigosa. O rio tinha pouca água, mas era muito rápidoe o seu leito estava repleto de pedregulhos.
Havia hesitações e receios na passagem para a outra margem, pois é bom recordar que já tínhamos 27 meses de comissão. Depois de muito silêncio compreensivo, eu num assomo de "parvoíce", ofereci-me como voluntário para atravessar o rio e criei assim condições objectivas para que o trabalho de engenharia fosse efectuado.


O Carvalho com o armamento apreendido em Nova Viseu.
Depois de uma barragem de fogo para a outra margem, colocaram-me uma corda à cintura de modo a que se eu escorregasse num pedregulho não seria arrastado pela corrente. Depois de chegar à outra margem amarrei a corda a uma árvore e o pessoal fez a travessia do rio em segurança.
Depois do "paraíso" do Ile-Errêgo e dos "infernos" de Nova Coimbra e Miandica, resistimos, apesar de mal alojados e alimentados e psicologicamente bastante frágeis, ao pesadelo de Nova Viseu sem quais quer baixas e com vário armamento apreendido e muita população recuperada, com destaque para o meu G.C. 
A 27 de Julho de 1968, saímos de Nova Viseu em coluna auto, e para nossa surpresa embarcámos no comboio bem perto de Vila Cabral (talvez fosse em Nova Madeira) com destino a Iapala.
Chegámos a 29 de Julho exaustos, sujos, esfomeados. Sentei-me com a G3 sobre mim nas escadarias do Clube local. A descer as escadas um jovem que me olhou com desprezo. Fiquei de tal forma indignado que por muito pouco não lhe dei um tiro. Melhor para mim. Mas, não esqueço.
Nesse dia chegámos ao Alto Molócué, cansados, tanto física como psicologicamente, mas ao sabermos que a 11 de Agosto embarcávamos de regresso a Portugal, rapidamente superámos as nossas maleitas.

Ainda houve tempo para o alferes Pontes oferecer um jantar de despedida ao G.C. com o dinheiro que foi ganho com a captura das armas apreendidas.
O pouco tempo que nos restava só deu para embalarmos os nossos haveres e partir para Nacala onde nos esperava o Vera Cruz que nos trouxe de regresso a Lisboa onde chegámos a 4 de Setembro de 1968.


































1 comentário:

  1. Yo estaba alla cuando esta Compañia se integro a las labores de patrulla en tierras de NOVA VISEU. Habiamos llegado unos dias antes y eramos por supuesto "chekas". Nuestra Compañia, la Cart. 2374, estubo ahi durante unos 18/19 meses, bajando despues a MORRUMBALA, y en caso concreto mio pasando algunos dias asumimos el compromiso de realizar el trabajo de mantenimiento del orden en MOPEIA. De verdad saludo a estos hombres de la C.Cac. 1558 por todo lo que pasaron y nos ayudaron con su experiencia. Un ABRAZO a todos ellos.

    ResponderEliminar

Páginas

Páginas

Armamento e comunicações

Clique em play-in memories dos camaradas falecidos.