ANTÓNIO LOBO ANTUNES:
"MUITOS DAQUELES RAPAZES CONTINUAM LÁ!!!
A guerra é uma memória “dorida”, para António Lobo Antunes, mas o escritor afirma que foi em África que ganhou o “respeito” por si próprio.
“Eu só comecei a ganhar o meu respeito em África. Porque tinha vergonha de mim”, afirmou António Lobo Antunes numa entrevista à Agência Lusa, em Paris, onde esteve para promover a tradução francesa do romance O Meu Nome é Legião.
“Lembro-me vagamente de um discurso de Salazar. Julgo que, na altura, tomei por boa a explicação de uma revolta de bandidos e de canalhas que estavam fazendo coisas cruéis e horríveis em África e portanto o governo português mandava para lá uma força pacificadora, quase de polícia, para resolver o problema”, recorda hoje o escritor.
“Acho que me portei bem em África”, afirmou Lobo Antunes, que combateu em Angola como jovem oficial do Exército português em 1971-72.
“Consegui uma coisa que é muito rara e que é um dos meus orgulhos, que é o respeito dos meus soldados. Eram garotos de 20 anos. Eles só amam quem respeitam. Encontramo-nos todos os anos e a maneira como eles me tratam comove-me sempre. Se eu me tivesse portado mal, eles desprezavam-me”, declarou Lobo Antunes.
“Eu só tenho a dizer bem do Exército português. Os nossos oficiais, os que conheci, que eram poucos, portaram-se com imensa dignidade. Por paradoxal que possa parecer, tive orgulho de estar ao lado daqueles homens”, acrescentou o escritor, que ao longo da entrevista recordou a figura de Ernesto Melo Antunes, “um homem superior”.
Dos soldados portugueses em combate, Lobo Antunes diz que “os rapazes eram extraordinários”. Um oficial cubano disse-lhe mais tarde que “éramos grandes soldados. Então compreendi porque é que fomos nós que fomos à Índia”.
Sobre o comportamento dos soldados portugueses, o escritor recorda que “eram como os oficiais: obedeciam a quem respeitavam. Daí haver pelotões muito melhores que outros, porque havia oficiais mais corajosos que outros e com mais capacidade de decisão debaixo de fogo”.
A guerra foi para Lobo Antunes “uma aprendizagem muito lenta, muito difícil e cheia de culpabilidade”. Cada um tinha os seus valores mas “nunca houve uma conversa” sobre isso entre as tropas, sublinha Lobo Antunes, que recorda uma cena do filme “Non, ou a Vã Glória de Mandar”, de Manoel de Oliveira.
“Os soldados vão num Unimog a discutir da justiça e da injustiça da guerra. Fiquei furioso com aquilo. Nós lá estávamos apenas ocupados em chegar ao dia seguinte”, diz Lobo Antunes.
“Lembro-me de uma carta do Ernesto, lá: ‘Cada vez mais isto me parece um erro formidável’”, acrescentou o companheiro de armas e amigo de Melo Antunes, que morreu “com grande dignidade” aos 66 anos, vítima de um cancro.
“Continuamos todos em guerra”, responde Lobo Antunes quando questionado sobre o seu silêncio em torno dos anos na tropa, comum a muitos antigos combatentes.
“Nunca acaba. As outras pessoas não compreendem. Muitos daqueles rapazes continuam lá e o tema constante das conversas deles é aquilo. O sofrimento, a revolta, o horror daquilo tudo. Cada vez que eu como com os oficiais da minha companhia, sei que nessa noite não durmo”, contou Lobo Antunes.
“Um dos meus oficiais, que morreu há relativamente pouco tempo num acidente brutal de automóvel, estava um dia numa bomba de gasolina e um carro passou-lhe à frente e ele foi de imediato ao porta-luvas buscar a pistola. Um homem doce. Mas a primeira reacção emocional dele foi imediata. Era muito difícil elaborar estas emoções. Havia como que uma regressão e voltávamos àquele estado”, recordou o escritor.
“É uma pena mas ainda não se fez o grande livro sobre a guerra. Tem que ser muito mais que um romance, tem que ser um documento e não é para mim”, conclui António Lobo Antunes. “Terá que ser feito com olhos mais frios e ser feito falando com aquelas pessoas. Com os soldados, não com os chefes.”
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O ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, enalteceu hoje “o esforço, a dor e a experiência” de todos os envolvidos na Guerra em África, exortando a que se “mantenha viva a memória e a lembrança” dessas pessoas.
Discursando na inauguração de três exposições da Liga dos Combatentes - Programa Afonso Henriques, As Três Frentes em África e A Guerra do Ultramar – no Museu do Combatente, o governante distinguiu o que disse ser uma “evocação de natureza universalista” da Guerra Colonial.
Santos Silva notou que as iniciativas evocativas dos 50 anos sobre o início da Guerra Colonial louvam “todos os que serviram nas Forças Armadas” de então, mas também “toda a rede” humana e as famílias envolvidas nesse processo, assinalando “o esforço, a dor e a experiência de todos”.
Numa cerimónia onde esteve acompanhado pelo presidente da Liga dos Combatentes, general Chito Rodrigues, e onde estiveram o chefe da Casa Militar do Presidente da República, general Carvalho dos Reis, e o ex-governador de Portugal em Macau general Rocha Vieira, para além de vários oficiais generais e almirantes, o ministro considerou que se deve celebrar também a relação que Portugal mantém com as antigas colónias.
“Hoje, somos amigos e irmãos daqueles novos Estados que surgiram”, afirmou, salientando especialmente as relações com Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe no quadro da cooperação técnico-militar e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Na sua intervenção, Santos Silva fez também referência a um tema que já abordou enquanto académico, elogiando “a experiência da integração dos retornados”, processo que considerou ter decorrido “de forma exemplar” e que é estudado “como um caso de sucesso”.
No final, aos jornalistas, Santos Silva disse que a dignificação dos ex-combatentes é “uma das prioridades da política de Defesa Nacional”, dizendo ser “muito bom poder contar, para além do trabalho próprio e das obrigações próprias da administração, com o apoio das organizações dos próprios combatentes”.
O governante rejeitou ainda que os militares que ficaram com sequelas físicas e psicológicas na sequência daquele conflito de 13 anos sejam esquecidos pelo Estado português.
“Não me parece, nem me parece que a sociedade portuguesa se caracterize por essa atitude, antes pelo contrário”, afirmou, assinalando que praticamente todos os portugueses têm familiares que estiveram directamente envolvidos na Guerra Colonial e considerando que “todas essas pessoas” e também as instituições “têm procurado cumprir o seu dever na integração dos antigos combatentes”.
CAMPAS e OSSÁRIOS de MOÇAMBIQUE
A preocupação com a situação em que se encontram as campas e ossários dos militares que serviram, combateram e tombaram por Portugal, inundados no estrangeiro e no território nacional, tem merecido desde sempre uma atenção permanente por parte da Liga dos Combatentes. Razões diversas, muitas vezes de natureza conjuntural, vinham colocando dificuldades à concretização de actividades sustentadas e exequíveis a levar a cabo pelas anteriores direcções. Neste quadro de incapacidades, as maiores implicações incidiram sobre as situações existentes no estrangeiro, já que, no território nacional, por acção dos Núcleos, da Direcção Central, de apoios camarários e de entidades diversas, vinha e vem sendo possível, por vezes com dificuldades, manter com dignidade, talhões, ossários e cripta situados em numerosos cemitérios espalhados pelo país.
As acções no estrangeiro eram cometidas aos Adidos da Defesa e Militares que, na directa dependência do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, alertavam e procuravam resolver algumas situações pontuais. É neste cenário que a anterior Direcção Central propôs, mais uma vez, a constituição de um Grupo de Trabalho para aprofundamento desta problemática, que mereceu a atenção, interesse e resposta pronta do Ministério da Tutela. Assim, por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, de Fevereiro de 2003, é aprovada a criação de um grupo que integra elementos dos três Ramos das Forças Armadas, do Estado-Maior General das Forças Armadas e do Ministério da Defesa, nomeadamente da Secretaria-Geral, Direcção Geral de Pessoal e Direcção Geral de Política de Defesa Nacional. A Liga dos Combatentes em Moçambique - Operação "Nova Frente"
Terminada a intervenção na República da Guiné-Bissau, a Liga dos Combatentes estabeleceu uma NOVA FRENTE – A REPÚBLICA de MOÇAMBIQUE, para prosseguir a sua actividade de Conservação das Memórias. Na observância dos objectivos desse seu Programa Estruturante, a Liga dos Combatentes partiu, em 4 de Setembro pretérito, para Moçambique e durante 19 dias deslocou-se pelo País, percorrendo a Norte as províncias de NAMPULA, NIASSA, CABO DELGADO e ainda o cemitério de GURUÉ na ZAMBÉZIA. A Sul, percorreu MAPUTO, INHAMBANE e GAZA reconhecendo os cemitérios municipais dessas províncias onde se encontram inumados militares que tombaram na I Guerra Mundial e na Guerra do Ultramar, identificando também alguns locais de inumação que se constituem actualmente em locais abandonados de vida humana e à mercê das alterações que a natureza introduz, tudo registando para posterior tratamento documental e concepção da acção de dignificação, a conduzir oportunamente.
Durante 19 dias, percorrendo as províncias referidas, concretizaram-se todos os objectivos definidos para esta acção de intervenção, devendo ser referido o bom estado de conservação geral de muitos cemitérios visitados e a colaboração das autoridades administrativas provinciais para ajudarem a localizar as campas situadas em zonas fora dos cemitérios. Cerca de 7 mil quilómetros percorridos em viaturas todo o terreno e várias horas de deslocação em avião (linhas aéreas de Moçambique) proporcionaram à Equipa de Missão da Liga dos Combatentes efectuar o total levantamento da situação em que se encontravam os Cemitérios e as Campas neles instaladas, ou fora deles, por forma a que o antecipado conhecimento que a Liga possuía dos locais e do quantitativo de Campas a identificar e posteriormente intervencionar, pudesse ser validado no terreno.
A situação real proporcionou ajuizar dos estragos que a natureza, as intempéries e os muitos anos passados sobre as inumações ocorridas têm provocado em Campas e em Cemitérios, partindo placas de cimento e destruindo identificação em muitas das Campas, provocando abatimento de solos e vendo crescer árvores de grande porte cujas raízes desagregam Campas e outras infraestruturas cemiteriais. No quadro anteriormente descrito, regista-se o cuidado das autoridades locais em preservar o que podem, pintando muros e armaduras de campas, evitando a degradação total de infraestruturas e proporcionando-nos a certeza de que têm preservado deliberadamente um espaço de memória física daqueles que tombaram. Há excepções, nalguns locais o abandono era total e elevado o desinteresse pelos Talhões de militares portugueses, mas os contactos com os Administradores do Governo Local proporcionaram criar uma relação que visa a contratualização de serviços de manutenção daqueles espaços.
A Equipa de Missão da Liga dos Combatentes não logrou contactos com Autoridades Governamentais do Governo Central de Moçambique, embora a Embaixada e o Consulado de Portugal naquele País tivessem diligenciado nesse sentido, mas a data da chegada a Moçambique da Equipa da Liga dos Combatentes constituía um momento singularmente delicado da governação do País e não possibilitou a credenciação documental da Missão, embora esta estivesse antecipadamente respaldada na intervenção da Embaixada de Moçambique em Portugal para garantir a boa execução da Missão, o que de facto veio a suceder.
Regressando a Equipa de Missão da Liga dos Combatentes a Portugal, em 22 de Setembro, validando o sentimento de ter cumprido o objectivo da Operação "NOVA FRENTE", a Equipa visitou 24 locais diferentes, todos os que se propunha visitar e "estudar", de Maputo a Tenente Valadim – esta a poucas dezenas de quilómetros da Tanzânia e a 50 quilómetros de Mavago, passando por Chibuto, Inhambane, Nampula, Angoche (António Enes) Malema (Entre Rios), Mirrote, Malapísia, Marrupa, Metangula, Mecaloge (Miranda), Mechuma (Nova Coimbra), Cuambo (Nova Freixo), Unango, Lichinga (Vila Cabral), Macomia, Mocimboa da Praia, Montepuez, Mueda, Palma, Quionga e Pemba. Ficaram bem alicerçados no terreno, para efeitos mediatos, os contactos com Administradores locais que activarão contratualmente melhorias já definidas e, em particular, com a Cônsul Honorária de Portugal em Nampula, neste último caso para se desenvolverem todas as diligências que viabilizem a construção de um Ossário que receberá as Ossadas dos militares a exumar de diversos locais das províncias de Nampula, Niassa e Cabo Delgado, num total estimado em cerca de 20.
Cemitério de Nangololo |
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