segunda-feira, 22 de Junho de 2015
A TRAGÉDIA DO RIO ZAMBEZE -- 1969
Extraído do Livro de:
Manuel Pedro Dias
Aquartelamentos Militares em Moçambique
Os jornais Metropolitanos relataram nas 1ª páginas o trágico acidente |
Ainda não era decorrida uma hora de viagem quando,inesperadamente,a embarcação,demasiadamente carregada,começou a inclinar sendo invadida pela água,fazendo-a afundar.No diálogo que travámos com dois dos sobreviventes,foi-nos dito que o batelão,face ao peso da carga,navegava com a plataforma quase submersa o que,por este motivo e também pela pequena ondulação que se fazia sentir,começou a meter água.O comandante da embarcação,que se encontrava na proa,em conversa com o Alferes Rosário e outro graduado,ao verificar a situação,ordenou para a casa das máquinas uma manobra de correcção,ou seja navegar para a margem,ordem esta que não foi percebida pelo maquinista,que ao tentar corrigi-la fá-lo de tal forma brusca,provocando,com a ajuda da água já acumulada no batelão,o seu afundamento,mas não totalmente,pois durante algumas uma pequena parte do mesmo,inclinada a menos de 45 graus,manteve-se fora de água.Este facto,segundo explicação de um dos nossos interlocutores aconteceu visto o batelão navegar já ao longo da margem esquerda do rio,em direcção a Mopeia,que não ficava,como se possa julgar,defronte a Lacerdónia,de onde partiu a coluna ,como se disse.Assim, a proa ao afundar-se,arrastando consigo as viaturas,enterrou-se no fundo do rio. A corrente que se fazia sentir e a "provável ajuda"de algumas viaturas,manteve o barco naquela posição,onde seis militares conseguiram agarrar-se até serem salvos pelos pescadores Campira. Muitos dos militares lutaram,alguns durante horas,"com as aguas do Zambeze",mas só 54 sobreviveram,ficando 19 a dever a sua vida a quatro pescadores autóctones que laboravam por perto,os Irmãos Campira. Aqueles irmãos apercebendo-se,pelo barulho,que algo de estranho se passava,impulsionaram as suas pirogas para as imediações do acidente efectuando,por longo período de tempo,o salvamento de homens semi- afogados e exaustos para a ilhota onde viviam.Depois de terminada esta tarefa,os pescadores prestaram aos sobreviventes,que tinham dores,frio e e choque emocional,a assistência possível,fazendo fogueiras para os aquecer.Uma vez que a lenha era escassa,não hesitaram em queimar parte das próprias palhotas onde viviam.Depois disso,já pela madrugada, os Campira foram a Mopeia,acompanhados por alguns sobreviventes,avisar as autoridades locais que iniciaram de imediato as buscas.A atitude dos pescadores originou em Moçambique,uma onda de solidariedade tal que lhes valeu,por iniciativa do jornal"Diário" de Lourenço Marques,a oferta de uma casa pré-fabricada,bem como um louvor decretado pelo Governador-Geral Dr.Baltazar Rebelo de Sousa.Foi com base neste louvor que lhes foi concedida a Medalha de Prata de serviços distintos .
Os irmãos Campira |
Entretanto,outros militares conseguiram,pelos seus próprios meios,alcançar terra
firme,muitos deles utilizando,como precioso auxílio,vários objectos flutuantes,tais como:Malas e sacos de viagem,bidões vazios,pedaços de madeira,etc...Houve até quem ficasse a dever a sua vida a uma viola que trouxera da Metrópole.Nos dias consequentes à tragédia,Mopeia foi "invadida"por jornalistas da imprensa da Província e da África do Sul.Deslocaram-se ao local algumas entidades militares.Uma das faltas mais notadas foi a do Movimento Nacional Feminino.
À grande maioria dos sobreviventes,que se manteve no pequeno destacamento militar de Mopeia,coube-lhe ainda a ingrata missão de tentar identificar os corpos que durante alguns dias iam sendo resgatados das águas e margens do Zambeze.Quando nos ocorreu a ideia de inserir neste livro a tragédia do Zambeze,estávamos conscientes que,se o fizéssemos só com base nas pesquisas efectuadas nos jornais da época,alguma informação que prestássemos não seria precisa.Então,empenhar-nos no sentido de chegar ao contacto com algum dos sobreviventes,para ouvir,de viva voz,os seus angustiantes relatos das horas que se seguiram ao acidente.Assim,como já referimos,em Julho de 2009,40 anos depois,conseguimos falar pessoalmente com dois sobreviventes da tragédia,o António Banza Rodrigues e o João Filipe Barata Coelho.
Relato de um sobrevivente:
António Banza Rodrigues
António Banza Rodrigues
Em traços gerais,sem entrar em pormenor,corroboro o que atrás foi escrito sobre o acidente.No entanto,quero acrescentar que,antevendo uma eminente tragédia,não cumpri as ordens do comandante da coluna que ordenava ao pessoal para se dirigir ao outro lado do batelão com o objectivo do equilibrar.Naquele breve espaço de tempo despi a camisa e descalcei as botas,mas enquanto o fazia um camarada ainda me disse:« Eh pá,eu não sei nadar»infelizmente engrossou a lista dos mortos. Já com o batelão a afundar cada vez mais,lancei-me à água,afastando-me desesperadamente do local breves segundos.
pós a tragédia depois,a tragédia se consumava.Foram momentos dramáticos
depois ouvia nitidamente os gritos de pânico daqueles que não sabendo nadar tentavam agarrar-se,fosse ao que fosse,na ânsia de se salvarem.
Entretanto, fui nadando de costas com o objectivo de me cansar o menos possível, mas tive que desistir da ideia, uma vez que a água me entrava pela boca.Passado algum tempo vi perto de mim um saco de viagem a boiar, consegui chegar junto a ele, e lá me segurei, com muiti jeitinho, para que não se abrisse e perdesse por isso o efeito de bóia.
Lá longe, via a margem do rio, o pôr do sol já se iniciara, a noite não tardaria.
A certo passo, ao olhar para o lado, vejo um camarada de infortúnio, já exausto, tentando chegar até mim para usufruir da "boleia" do meu providencial saco, mas tive a consciência que se isso acontecesse seria, talvez, fatal para ambos, uma vez que aquela "tábua" de salvação não suportar dois "penduras". Além disso, não sabendo em concreto do estado em que se encontrava aquele camarada, resolvi atirar-lhe o saco, evitando assim que ele se aproximasse. Decorridos mais alguns minutos e cada vez mais exaustos, vejo três camaradas agarrados a um bidão de 200 L vazio a quem pedi "boleia" e me foi concedida visto haver espaço para quatro.
Contudo, face ao esforço despendido, quer físico, quer psicológico, acentuava-se cada vez mais a minha debilidade, até porque a cerca a cerca de 50 metros da margem, resolvemos largar o bidão e nadar para terra ficando, assim, cada qual entregue a si próprio
Alguns momentos depois,já sem movimentos e vencido, dei os "trunfos" ao Zambeze que lutara duas longas e intermináveis horas.
Os três camarads a que pedi boleia |
Com dificuldade, consegui encontrar a margem onde se encontravam já alguns camaradas, uns que chegaram pelos seus próprios meios, outros transportados pelos irmãos Campira, cuja actuação já foi relatada.
Assim foi o epílogo deste primeiro acto da minha comissão de serviço em Moçambique,outros mais estavam para acontecer.
Relato de um sobrevivente:
As quatro décadas decorridas,não foram ainda suficientes para apagar da minha memória os horrores da tragédia que presenciei e vivi naquele fatídico fim de tarde de 21 de Junho de 1969. Enquanto o batelão navegava eu ia tentando ocupar o tempo conversando com este ou aquele camarada de viagem.No momento em que me encontrava numa amena cavaqueira,à proa,com os comandantes da embarcação e da coluna militar,comecei a sentir os pés molhados,reparando que as ondas do rio provocavam a entrada de água,com abundância,para cima da plataforma, situação que levou o comandante do barco a dar instruções,como já atrás referi ,para o manobrarem na direcção da margem.Apercebendo-me que algo ia correr mal,e assim aconteceu num curtíssimo espaço de tempo,dirigi-me,a correr,no sentido inverso onde me encontrava,despindo,entretanto,a roupa,ficando apenas .Como por magia demoníaca o batelão imerge arrastando consigo homens, viaturas e demais carga que transportava.Lá bem no extremo da parte emersa da embarcação preparava-me para me lançar à água quando os cinco camaradas que ali se encontravam,firmemente seguros,imploravam que não os abandonasse,pois não sabiam nadar. Perante aquelas aflitivas súplicas e por verificar que a parte onde nos encontrávamos não se movia,resolvi ficar.
Era visível que a proa do batelão se ia afundando gradualmente.
Sentíamos isso pela água que,cada vez mais cobria os nossos corpos.Recordo que o pânico se apoderava de mim quando via,por perto,algo deslizar pela corrente pois,como é sabido,o
Zambeze é habitat natural dos crocodilos,os quais,com toda aquela agitação,deveriam,sem dúvida,andar nas redondezas.
As esperanças de salvamento esfumavam-se,ao mesmo ritmo com que a noite avançava sobre o
Zambeze e,por isso,a todo o momento teria que tomar uma decisão,que não poderia ser outra senão abandonar o local,deixando ali os meus companheiros a aguardar que o batelão se .afundasse,definitivamente, o que aconteceu horas mais tarde.
No meio de um "nocturno silêncio"ouvimos uma voz forte,lá longe,gritar:
«Há aí alguém?». Enchendo os pulmões de ar respondemos,com toda a força que nos foi permitida,que sim.«Quantos estão aí!»,retorquiu aquela voz salvadora.Minutos depois surge perto de nós uma piroga com um único timoneiro,um dos irmãos Campira,que em três viagens transportou os náufragos para "porto seguro". Como devem calcular é difícil descrever em palavras o momento em que pisei terra firme e vejo reunidos os cinco companheiros de infortúnio que antes ouvira:«Meu Furriel,eu não sei nadar».
Pela madrugada,com o grupo praticamente reunidos seguimos para Mopeia onde permanecemos durante algum tempo.
Finda a dura tarefa de identificação dos cadáveres,recebi guia de marcha com destino ao Lunho."capital do estado de minas gerais"na verdade,nada mais gratificante para recuperar,física e psicologicamente,dos males sofridos..."
Os sobreviventes da tragédia do Rio Zambeze |
Tinha vindo há dois anos de Angola quando ouvi falar desta tragédia, mas com esta descrição feita por os sobreviventes, não imaginei o que se tinha passado, assim como eu certamente houve mais pessoas pois as informações que chegava a Portugal sobre a guerra eram sempre muito resumidas. è bom que todas as coisas boas e má que se passaram na guerra colonial sejam publicadas, quer em livros ou em pequenas mensagens. Meu nome é António Vieira estive em Angola desde Junho de 1965 a Junho de 1967 embora a minha companhia estive-se sempre em aquartelamentos no mato felizmente pouco tenho que contar o tempo foi-se passado...Saudações
ResponderEliminarTambém estive no Lunho. No princípio da guerra, conheci aquela zona do Niassa. Da qual não tenho saudades!
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