.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2025
domingo, 9 de novembro de 2025
O TRAÇADO DIARÍSTICO DE EDUARDO TRACANA. UM ROTEIRO BÉLICO TRAÇADO POLÍTICO (1ª PARTE)
E EU, LÁ TÃO LONGE! EDUARDO TRACANA, DO BI 12 ÀS CAMPANHAS DE ÁFRICA. ROTEIRO DE UMA EXPEDIÇÃO.
TEXTO DE: ANABELA MATIAS PROFESSORA E INVESTIGADORA
O TRAÇADO DIARÍSTICO DE EDUARDO TRACANA. UM ROTEIRO BÉLICO TRAÇADO POLÍTICO
Eduardo dos Santos Tracana nasceu a 27 de Outubro de 1889, na freguesia da Sé, filho natural de Emília Nunes, casou em 26 de Fevereiro de 1919 com Maria Branca Abrantes de Andrade Pissarra. Alistou-se como voluntário em 20 de Janeiro de 1909 para "servir até aos 45 anos de idade (...) tendo sido incorporado no Regimento de Infantaria 12", conforme consta na folha de matrícula militar. Contudo em 1916 definiu-se que todos cidadãos entre os 20 e os 45 anos de idade que não estivessem recenseados para o serviço, o deveriam fazer e seriam as Comissões de Recenseamento Militar dos concelhos ou bairros a organizar os recenseamentos dos anos entre 1891 e 1915.
Terminada a recruta em 19 de Abril de 1909, o 1º Cabo Tracana passou ao 2º Batalhão em 1 de Novembro desse ano, continuou, no serviço activo por mais um ano, por declarar"desejar readmitir-se, desde 20 de Janeiro de 1911. Em 1913, então com vinte e quatro anos, frequenta a Escola de Sargentos, curso que termina com aproveitamento, sendo a partir de 30 de Novembro de 1913, 2º Sargento e, em 1927, ascende ao posto de 1º Sargento, tornando-se professor do Curso Elementar, desde 23 de Abril de 1933. Passou ao Batalhão de Caçadores 7, em 11 de Setembro de 1939; com a idade de cinquenta e um anos foi dada como incapaz para servir e passa à situação de reforma em 1 de Junho de 1940. Ao longo da carreira foi, ainda, condecorado por diversas vezes.
Ao longo deste artigo, como foi nossa intenção inicial,pretendemos apresentar alguns postais ilustrativos, escritos pelo próprio Eduardo dos Santos Tracana, enquanto personagem interveniente e activa no conflito, inicialmente em Angola (1914), depois Moçambique (de 1916 a 1917) e, por fim, em Cabo Verde (1918). Será, contudo, durante a sua estada em Moçambique que iremos privilegiar de sobremaneira, por ter sido aquela que durante mais tempo vivenciou o conflito e por ter sido aquele cenário bélico que durou mais tempo e de forma mais cruel.
| General Alves Roçadas |
Em 3 de Setembro de 1914, na 1ª Expedição de Alves Roçadas, aquando as incursões alemães em território do sul de Angola, Eduardo Tracana embarca para esta para esta província ultramarina, onde chega a 28 de Setembro, integrando o 2º batalhão do 2º grupo de Metralhadoras. Havia uma evidente falta de soldados para a especialidade de Metralhadoras do 6º e 7º Grupos de Metralhadoras (Bragança e Castelo Branco) que seriam supridas por soldados do 2º Grupo de Metralhadoras (Guarda) , mandados apresentar em Tancos. Permanece nesta província ultramarina de Janeiro de 1914 a Setembro de 1915.
Nesta província, o Sargento Tracana fez parte do efectivo que ocupou Quiveva, Cafu e Evale, ainda, escoltou " um comboio de víveres destinado a Mongua, para a colónia de Cuanhama". Após esta comissão regressa à Metrópole , tendo desembarcado em Lisboa em 15 de Outubro de 1915, altura do envio da 2ª Expedição para Moçambique..
Uma outra frente que Portugal queria proteger era Moçambique e, à semelhança de Angola decide, também, reforçar a zona da fronteira e enviar tropas que defendessem o território e os habitantes. Portugal sempre lidou com as colónias de forma diferente da Alemanha; este pais contava com um grande grosso de indígenas nas fileiras, conhecendo, por isso o terreno de forma eficaz e o campo de treino ter sido efectuado em ambiente africano, não havendo necessidade de aclimatização. Ao passo que, as tropas portuguesas, além de exaustas, das campanhas de Angola, desconheciam o terreno, clima e estavam extremamente mal treinadas. Foram necessárias três campanhas em Moçambique para tentar travar o inimigo sem êxito.
A 9 de Março de 1916, a Alemanha declara guerra a Portugal e, nesta altura, mais do que nunca, os portugueses reforçam a defesa das linhas territoriais, tendo o Governador Álvaro de Castro delineado como principal objectivo a recuperação de Quionga.
| Álvaro de Castro Governador de Moçambique em 1916 |
Em Maio de 1916, já no 5º Grupo de Metralhadoras (integrado na 5ª Divisão, organizada em Coimbra) é com este contingente que o 1º Sargento Tracana vai para a Província de Moçambique, tendo desembarcado em Palma em 5 de Julho, com a 3ª Expedição do General Ferreira Gil; Eduardo Tracana, e de acordo com a sua folha de matrícula, tem aptidões de maqueiro e apontador de Metralhadoras Vichers. Esta expedição chegará a Lourenço Marques a 27 de Junho
| General José César Ferreira Gil, comandante da 3ª Expedição |
Em 1 de Julho de 1916, Eduardo Tracana encontra-se em Lourenço Marques e dá conta disso à família,num emotivo postal que envia à futura esposa Branca. Além de indicar o trajecto da expedição, refere ainda que há outros soldados e pessoas conhecidas da sua cidade natal, minimizando a saudade e quiçá o receio da ida para a guerra. Os movimentos do sargento estarão,, a partir de agora, em consonância com a cronologia da guerra, com os ataques infligidos pelos alemães e com as tentativas de defesa por parte do Corpo Expedicionário Português. Em 2 e 31 de Julho os alemães atacam Nangadi de forma violenta.
A 3ª Expedição encontrará em Moçambique umas tropas destroçadas, um grupo de homens exaustos e famintos, com uma metrópole apenas preocupada em tirar dividendos políticos. Há, de facto, um evidente mal-estar entre o comandante da 2ª Expedição , Moura Mendes e o Governador da Província de Moçambique, Álvaro de Castro.
| General José Luís Almeida Mendes, comandante da 2ª Expedição |
A 2 de Outubro as tropas portuguesas ocupam Nichichira (território alemão). mas os germânicos recuperaram este território a 4 de Outubro; no dia 6 dá-se o combate de Maúae a 10 de Outubro, os portugueses conquistam Maiemba e Quivambo. Em 16 de Outubro está em Nangade, de onde envia novo postal, de onde envia novo postal.
Os portugueses em confronto com as tropas alemãs, estiveram sempre em desvantagem, o comandante Von Letow, conhecedor nato do terreno, evita o combate em espaços abertos, tem um estilo muito próprio de comandar e atacar, as suas estratégias militares irão provocar grandes danos à tropas lusas. As suas tropas conheciam bem o território, haviam treinado nessa zona, estavam ambientadas ao clima, conheciam o espaço de fuga, podendo, por isso, atacar os portugueses e retirar rapidamente. Por seu lado os portugueses eram comandados por generais descontentes, recebiam ordens desconexas do Governo, que ignorava a realidade desumana das forças expedicionário em Moçambique, havia um permanente conflito entre os comandantes e o governador, que queria impressionar Lisboa, que, por sua vez, queria servir diligente e subservientemente Lisboa.
| General Paul Von Lettow Vorbesk |
O mês de Dezembro era tradicionalmente o início da estação das chuvas, o que trazia alguma acalmia nos combates e nas hostilidades e, durante os primeiros meses de 1917, as tropas alemãs organizam-se, mas só controlam cerca de um quarto da colónia alemã. A África Alemã Oriental está a ser pressionada pelos aliados em todas as frentes, mas consegue sempre movimentar-se com grande mestria, aproveitando oportunidades e fraquezas dos adversários, infligir pesadas baixas aos adversários e lidar com a pressão nas várias frentes.
A razão da escolha do general Ferreira Gil para liderar a campanha em Moçambique foi peremptória, era um oficial considerado muito disciplinador, para comandar uma tropa bastante indisciplinada. Esta força era a mais indisciplinada, pois quase todos os militares que a compunham foram destacados para Moçambique por terem sido condenados por insubordinação. Mas o general não resiste por muito tempo, não aceia a descoordenação, a falta de resposta, por parte de Lisboa, aos seus pedidos de ajuda para as tropas que combatem em condições desumanas e o desgoverno entre o comando geral e o governo de Lisboa. Em Setembro de 1917, chega o novo comandante da Força expedicionário a Moçambique, com nova expedição, a 4ª desde 1914, o Coronel de Cavalaria Tomás de Sousa Rosa, para substituir o general beirão, conterrâneo do 2º Sargento Tracana. Desembarcou em Mocímboa da Praia, 12 de Setembro de 1917.
| Coronel de Cavalaria Tomás de Sousa Rosa |
O ano de 1917 não é muito profícuo em ataques, somente no final do ano, Novembro uma coluna alemã conquista, em oposição o posto de Nangar, porque em 25 de Novembro as tropas alemãs, comandadas pelo general Van Lettow, atravessam o Rovuma , sem dificuldade ou oposição , perto de Negomano e dá-se um autentico massacre das tropas portuguesas . Os alemães capturam tudo o que podem: material bélica, víveres, solípedes; bens essenciais para sobrevivência das suas tropas impedidas, pelos Aliados,de receberem fornecimento de bens. O general apesar de comandar um pequeno contingente, ataca de surpresa, move-se nas sombras, tal qual um fantasma, destrói. mata, avança e recua consoante as necessidades. Movimenta-se em território moçambicano em surdina, fomenta revoltas com os indígenas, contra os portugueses, deixando atrás de si um rasto de revoltas e rebeliões que durarão décadas após o fim do conflito.
| Troço de estrada entre Roma (Tanzânisa) e Negomano (Moçambique), inaugurado |
| Capitão Francisco Curado - Herói de Mecula |
No final, há um triste balanço da guerra em Moçambique: Portugal enviou para esta colónia a maior força expedicionário, desde Alcácer - Quibir, ao longo dos quatro anos foram mobilizados 19.438 militares, juntando ainda os carregadores locais e os africanos recrutados.
Ainda durante o conflito, a 17 de Outubro de 1917, Eduardo Tracana sai de Moçambique ficando em Cabo Verde até 1918, desembarcando na metrópole em 30 de Julho de 1918.