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Livros da guerra colonial

Miandica terra do outro mundo


domingo, 10 de agosto de 2025

APERTO AO CERCO NO NIASSA

 2.4. Aperto ao cerco no Niassa - 

As prisões e a violência colonial A autoridade colonial portuguesa, através do seu consulado geral em Salisbury, tomou conhecimento, através dos seus órgãos de espionagem, da movimentação de elementos da MANU e da UDENAMO tendentes a levar a cabo acções de revolta no território moçambicano e o apoio que Nyerere dava aos países como Moçambique e Angola no sentido de alcançarem a independência a partir de 1961 a 1962. A maior ameaça em torno de uma possível revolta no território moçambicano para as autoridades portuguesas em Salisbury residia no facto de em Dar-es-Salaam estarem presentes missões diplomáticas e consulares comunistas e americanas. Também constituía ameaça o regresso de africanos de Moçambique treinados em Gana. Por fim, o trabalho subversivo dos agentes indianos e goeses, gerava a hipótese de desembarque de armas indianas e de outras origens em Dar-esSalaa. A propaganda e organização levada a cabo no sul de Tanganica por pastores protestantes, principalmente os anglicanos como Michael Scott e Hudleston, engrossavam a lista de ameaça a uma possível revolta dos africanos em Moçambique. Estes factores obrigaram a autoridade colonial a imprimir uma maior atenção na região junto a fronteira com o Niassa. A partir de um ofício n.º 391 de 27 de Março de 1962, do Consulado Geral de Portugal em Salisbury, compreende-se a preocupação deste órgão consular com uma possível eclosão de revolta principalmente ao reportar sobre o apoio que as organizações nacionalistas africanas de Moçambique iam recebendo do Governo de Tanzânia, incluindo a declaração aberta de Julius Nyerere em conceder apoios aos nacionalistas africanos de Moçambique que se encontravam na Tanganyika. Olhando para a gama de ofícios que eram enviados para Portugal e outros que circulavam a nível do território colonial, é notório que a informação constituiu uma chave fundamental para a contrainsurreição. Tudo porque as autoridades coloniais compreenderam de início que o fluxo centralizado de informação era um elemento fundamental para as suas acções, visando garantir resposta a uma possível revolta armada, e que esta informação só podia vir da população. Consequentemente, planearam e montaram a sua máquina de recolha de informação para trabalhar neste meio especial. Esta estratégia foi usada pela tropa portuguesa no decurso da guerra na medida em que os guerrilheiros da FRELIMO capturados eram interrogados e forçados a dar informações sobre as acções, apoios, estrutura e meios do movimento de libertação. Outro elemento que evidencia o uso crucial de informação pelas autoridades coloniais neste contexto é o oficio em que o Governo-geral da Província de Moçambique, por determinação e através de um telegrama 505/GOV de 26 de Setembro de 1960 enviado ao Governo do Distrito do Niassa, após tomar conhecimento de que na região de Kota-Kota (Niassalândia) o Dr Kamusu Banda realizou no dia 01 de Outubro de 1960 uma reunião em que provavelmente estiveram presente de forma clandestina alguns moçambicanos.

 Diante desta informação, o Governo Geral da Colónia emitiu uma nota, orientando para prender todos os “indígenas” acusados de terem assistido do comício do Dr. Banda. Tendo também orientado a se instruir o processo a fim de apurar a veracidade dos factos. Jovens, concretamente os Nyanjas residentes ao longo da margem do Lago Niassa nas regiões de Messumba, Cóbuè, Lunho, Ngoo, Wikihi (Lipoche), tinham parentes a residir na Tanzânia, rapidamente, foram tomando conhecimento por diferentes vias (visitas aos parentes, emissoras radiofónicas tanzanianas, deslocação em férias e indivíduos que foram chegando a região de Cóbue com cartões da FRELIMO) da existência do movimento e paulatinamente souberam dos seus objectivos e tomaram consciências nacionalistas. 

Profº Amós Sumane

De seguida, elementos da FRELIMO, nomeadamente, professores como foi o caso de Amós Sumane, catequistas e outros que estiveram na Tanzânia, começaram a realizar reuniões clandestinas com alguns elementos da comunidade, sobretudo jovens estudantes das missões, concretamente em Messumba, onde abordavam assuntos ligados aos mecanismos de adesão ao  movimento, encorajamentos a apoiar de todas as formas a luta de libertação dos colonialistas portugueses e incluía escutas a emissoras radiofónicas da Tanzânia. Face a estes movimentos, as autoridades coloniais enviaram principalmente “para Cóbuè muitos agentes de espionagem. Mas mesmo assim, os militantes da FRELIMO continuavam a trabalhar clandestinamente”. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado - PIDE imprimiu acções de vigilância, detenções e repreensão contra todos indivíduos suspeitos de se envolverem em acções manifestamente expressas contra o regime colonial. Neste contexto, no então Distrito do Niassa, iniciaram-se as detenções, repreensões e torturas levadas a cabo por elementos da PIDE. Foi assim que na Vila Cabral foi detido João Massanche que, “este encontrava-se a beber num bar e tinha sido ouvido a dizer que os portugueses deviam imitar os outros países europeus e sair de África”. Depois de os companheiros o abandonarem, este foi apanhado pela polícia, fechado num armário sem espaço para se sentar durante alguns dias. Em Messumba, no mês de Agosto de 1963, alguns professores da Missão de Messumba com destaque para Amós Sumane, algum pessoal do hospital da Missão e ainda, alguns estudantes não regressaram das férias que teriam ido gozar na Tanzania, presumindo-se desta forma que tenham se juntado a FRELIMO. 

Igreja Anglicana de Messumba

Essa presunção afectou a atitude oficial do governo local em relação a Messumba de tal forma que o então administrador da Vila Cabral, Costa Matos, chegou a apelar aos padres de Messumba para manter uma vigilância estreita sobre os seus empregados de forma a evitar mais deserções para a FRELIMO. Nesta contenda, o Padre Paul foi suspeito pelo não regresso dos professores, pessoal do hospital e alguns estudantes da Missão que teriam ido a Tanzânia em gozo de férias. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado, foi criada pelo Decreto-Lei n.º 35 046 de 22 de Outubro de 1945, em substituição da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. Chegou a ser considerada como um organismo autónomo da Polícia Judiciária. No âmbito das funções de repressão e de prevenção criminal, tinha competências de realizar instrução preparatória dos processos respeitantes aos diferentes crimes, tanto como prendia e interrogava coercivamente os suspeitos. Outro indivíduo preso no dia 24 de Dezembro de 1963 foi António Chizoma, que teria ido de férias a Tanzânia na companhia de Amós e outros. Este, no seu regresso, levou alguns cartões da FRELIMO que estivera a vender a 17$50 cada em Messumba. Um informador da administração, depois de várias tentativas fracassadas, conseguiu comprar um desses cartões. No dia anterior, também tinham sido presas outras pessoas, incluindo o catequista de Metangula,mais duas pessoas de Chigoma. Estes foram levados para Maniamba de onde posteriormente foram encaminhados para Vila Cabral onde foram interrogados pela PIDE. Do interrogatório feito envolvendo torturas severas, Chizoma confessou tudo, tendo mencionado os nomes de todos que consigo compraram cartões da FRELIMO e de lá foi conduzido a Lourenço Marques. Salatathiel, foi solto alguns dias depois e seguiu rumo a Malawi. Outros indivíduos que também foram presos em Messumba foram Reggie e Mário, funcionários da Missão (operários) e que viajaram no barco a Metangula idos de Wikih, onde participaram numa visita pastoral com o padre Paul e coincidiu com a aparição de panfletos da FRELIMO na estrada entre Messumba a Metangula. Por este incidente, foram os dois operários acusados por terem estado na embarcação e, de seguida, foram presos em Vila Cabral quando para lá se deslocaram na companhia do Padre Paul. Aí, foram levados a cadeia, onde foram torturados até desmaiar e jogados água fria para voltar a si, uma acção que foi continuada durante uma semana e depois foram soltos sem nenhuma confissão de culpa. Outro professor da Missão, que também foi preso acusado de ter transportado panfletos da FRELIMO e espalhado em Messumba foi Alexandre Nkalamba. Disseram que foi ele quem trouxe os panfletos no barco e que tinha espalhado entre Messumba e Metangula e que também havia conseguido que o resto dos panfletos fosse levado por qualquer outra pessoa de bicicleta para Vila Cabral. Alexandre foi preso e levado para Lourenço Marques e só foi liberto em fevereiro de 1971 e de acordo com o seu testemunho apresentado por escrito a Comissão das Nações Unidas de Direitos Humanos em 11 de Agosto de 1972 em Dar-es-Salaam, nunca teria sido levado ao julgamento. Os soldados portugueses no início do conflito sempre que se sentissem traídos por conta de uma informação não exacta ou ainda inadequada, torturavam a pessoa ou família do informante. Em determinados casos, chegavam mesmo a cometer assassinatos ou mutilações deliberadas, tal como aconteceu em Ngoo, no ano de 1965, em que alguns meses depois do incidente da Base Naval de Metangula e Messumba, quando numa noite, alguns soldados portugueses pernoitaram na igreja e no dia seguinte partiram e, depois de percorrerem aproximadamente 10km, caíram na emboscada de guerrilheiros da FRELIMO. Na noite seguinte, regressam a Ngoo, extremamente zangados, foram a casa de Afonso Messossa. Este ao se aperceber da presença da tropa, fugiu pela porta traseira da casa. Os soldados foram a casa do Carlos Catatula e quando este respondeu a porta, mataram-no com vinte e seis tiros. Em seguida, foram apanhando outros empregados da Missão de Messumba e levaram para casa do padre Chizuzo tendo espancado e insultado a todos e na “ocasião perante os seus olhos, cortaram a cabeça a Catatula e num acto macabro foram jogando a cabeça deste como se fosse bola de futebol. Depois de eles se retirarem, toda a população da aldeia fugiu para as montanhas excepto o padre Chizuzu e Jacinto Mizaia”. Este acto obrigou o Padre Paul a se descolar a Vila Cabral para contactar o administrador Costa Matos a fim de se inteirar do sucedido e mostrar ao mesmo que se tratou de um acto macabro contra um indivíduo que não esteve envolvido na emboscada que as tropas portuguesas sofreram e nem se quer tinha tentado fugir. No seu regresso, Paul forçou os Padres Chizuzu, Afonso Messossa e Jacinto Mizaia a migrarem para o Malawi tanto como a ida de Bernardo Goi Goi para se juntar a FRELIMO. Os homens que assassinaram Catatula, supostamente, eram os fuzileiros que andavam constantemente pelas aldeias procurando furiosamente por elemento da FRELIMO que raramente apanharam. Neste acto, aterrorizavam os aldeões que, em princípio de 1965, foram migrando para a Ilha de Likoma no Malawi, Tanzânia ou para as colinas onde procuravam a protecção da FRELIMO. As aldeias que a população abandonava, eram sempre queimadas pela tropa portuguesa de forma que os guerrilheiros da FRELIMO não se aproveitassem de nada, à semelhança do que aconteceu em Manda-Mbuzi em que, segundo narrativas do Padre Odala ao padre Paul, “a tropa portuguesa queimou catorze casas”. Na mesma ocasião, visitaram a casa do Padre Odala, perguntaram-lhe se sabia da movimentação de unidades da FRELIMO ao que respondeu negativamente, mesmo sabendo que estes se escondiam nas colinas. Entraram na igreja tendo levado, castiçais, cruzes e pratos da igreja, galinhas e pertences do Padre Odala que, diante do sucedido, fugiu com o seu povo para as colinas e dois meses depois foi a Ilha de Likoma no Malawi. 



Mesmo acto aconteceu quando, segundo informações obtidas por PAUL, as tropas portuguesas foram a Ponta Mala e quando lá chegaram começaram a lançar fogo as casas e os que puderam fugiram para as colinas salvando as suas vidas. No entanto, cerca de uma meia dúzia de pessoas foram presas, incluindo o catequista aposentado Geldart Chisaca, e obrigados a caminhar para Cóbuè. Mas, a meio do caminho, foi-lhes ordenado que entrassem no lago e batessem as palmas e depois foram metralhados. Este acto macabro foi contado ao Padre Paul por um sipaio de Cóbuè que esteve na companhia das tropas portuguesas, como geralmente se procedia. O chefe do posto de nome Morais, em finais de 1965, ao chegar a Cóbuè encontrou, de acordo com relatos de PAUL, alguém que pensou que fosse agente da FRELIMO; e mandando juntar toda aldeia incluindo um padre anglicano aposentado, o Padre Polela, pai de Daniel Polela, e mandou matar o homem a tiro. Na mesma noite, a população da aldeia, o Padre Polela e a maior parte dos sipaios do Morais fugiram para a Ilha de Likoma tanto que o padre Pikito (português) foi para Metangula e desde essa altura a região não teve nenhum padre residente. Os portugueses entregaram-se a matanças indiscriminada. A FRELIMO apenas matava aqueles de que tinha razão para suspeitar” e tanto quanto soube fê-lo sem torturas nem qualquer outra brutalidade. Qualquer indivíduo que mostrasse simpatia de qualquer gesto ou mesmo mostrasse satisfação face às investidas dos guerrilheiros da FRELIMO contra os empreendimentos ou aquartelamentos portugueses era alvo das acções da PIDE, que podiam envolver prisões até mesmo torturas. A título de exemplo: Ernesto Alfredo Rachide (guarda auxiliar da P.S.P), Marques Aide (cozinheiro) Manuel Horta Massanho (empregado de telecomunicações) e João Tender (interprete da Administração) estando na Vila Cabral, estes funcionários assalariados manifestaram atitudes favoráveis ao ataque dos guerrilheiros a cantina de Chiulica – Maniamba. 

MANIAMBA Aquarelamento das tropas portuguesas

A P.S.P, em coordenação com os agentes da PIDE, deteve os mesmos logo de seguida, nos anos subsequentes a 1965, os professores da Missão de Messumba eram sempre chamados a Metangula pelas autoridades e não regressavam ou, se voltavam, eram convocados segunda vez e detidos por um grupo de agentes da PIDE de Nampula que se encontrava a trabalhar na região. Assim que qualquer indivíduo ou parente tentasse visitar o preso, era informado que o mesmo estava sendo mantido incomunicável, significava que o mesmo estava degradado fisicamente por conta das torturas que sofria como forma de persuadir a confessar o seu envolvimento com a subversão levada a cabo pela FRELIMO. No Niassa, as prisões prosseguiram e foram frequentes. Constituiu uma das principais armas do exército colonial português para conseguir progredir nas suas acções. Ao longo da escrita das suas memórias, PAUL  descreve o que ele chamou de “O sábado Negro” que se deu no dia 24 de Julho de 1965 quando por volta da madrugada ouviram-se tiros esporádicos e ele julgou tratar-se da acção da tropa portuguesa, brincando com espingardas. Pela manhã, depara-se com um homem sendo levado ao hospital com tiro na cabeça, abatido quando fazia necessidades biológicas numa mata a céu aberto. Por volta do meio-dia, foi recebendo notícias de detenções de homens que se deslocavam à Missão de Messumba naquela manhã, levadas a cabo pela tropa portuguesa. Tratou-se de uma operação comandada pelo inspector Campus, funcionário da PIDE em Nampula, acompanhado do Rosa também agente da PIDE. Na mesma tarde, os agentes pediram ao padre Paul para os acompanhar porque queriam ver as casas dos professores e, enquanto isso, dois aviões militares sobrevoaram a região. Nestas buscas, levaram os dois professores superiores que sobravam da missão, sob alegação de que estavam indo a Metangula para responder a certas questões e de lá só regressaram a Missão três anos e meio depois e outro, cerca de sete ano mais tarde. Eram professores com aproximadamente de 50 anos de idade. Naquele dia, a região de Messumba ficou toda cercada de soldados, a PIDE, “tinha prendido aproximadamente 350 pessoas” incluindo algumas da Missão católica romana da Nova Coimbra onde o superior era o padre Inácio Mondine.



 Todos os presos foram levados a Metangula, onde cerca de 50 foram soltos por não serem naturais. Em algumas aldeias, os soldados tinham levado toda a gente. Os cerca de 300 prisioneiros em Metangula eram mantidos ao ar livre rodeados de 97 arame farpado construído à pressa e guarnecido por soldados armados, expostos ao frio de Junho que ocorria na região do Lago, e não tinham direito a visitas.  Dias depois, os prisioneiros foram levados a Vila Cabral para mais interrogatórios e mantidos sem visita. Estas prisões eram executadas através de equipes de recolha de informações encabeçada pela PIDE. A PIDE foi montada em Moçambique em 1960, cuja Delegação em Lourenço Marques era dirigida por António Vaz, que, depois montou várias subdelegações na Beira, Vila Cabral, Porto Amelia, Nampula e Tete. 

Orlando Cristina

A região norte de Moçambique era dirigida por Orlando Cristina, que tinha sob a sua alçada um conjunto de oficiais milicianos fazendo pesquisas de informações em Cabo Delegado e Niassa. Os milicianos eram liderados por Manuel Gomes dos Santos. Analisando os factos, é notória a acção violenta da autoridade colonial portuguesa por meio da PIDE, face à acção política revolucionária, principalmente a partir de 1963, nas regiões de Cóbuè, e na Missão Anglicana de Messumba, dado o elevado número de indivíduos destas regiões que foram presos, torturados e até mortos. Tratou-se de uma acção de violência visando aterrorizar e acabar com as acções revolucionárias que já eram evidentes. Constata-se também que as autoridades coloniais portuguesas, assim que notassem a presença de indivíduos nativos com suspeitas de ligações ao movimento de libertação de Moçambique, intensificavam a vigilância na referida região através de seus informantes nas comunidades e toda sua máquina de pesquisa de informação com orientações para prendê-los, torturar e eventualmente obter maisinformação sobre o envolvimento de outras pessoas na acção revolucionária encabeçada pela FRELIMO.  

sábado, 28 de junho de 2025

TESE DE DOUTOURAMENTO DE PROFª DR: TOMÉ PEDRO MORAIS - HISTÓRIA DE ÁFRICA CONTEMPORÂNEA (DISTRITO DO NIASSA) 1ª PARTE DO 1º CAPÍTULO

CAPITULO  1. 

A SITUAÇÃO COLONIAL NO NIASSA ATÉ 1962

Este capítulo constitui o essencial ponto de partida da presente tese. Ele se propõe construir o contexto histórico colonial que se vivia no Niassa, onde se inclui a sua localização geográfica, a descrição da população, educação, saúde, o processo de ocupação colonial até o ano de 1962, quando se funda a FRELIMO. O exercício neste capítulo consiste igualmente em apresentar uma breve contextualização histórica, política, económica e social de Niassa como forma de apresentar o local a ser estudado e a situação que era vivenciada pelas populações locais no contexto colonial. 

1.1. Niassa: área do estudo A área do presente estudo é o distrito colonial do Niassa que foi criado ao abrigo do Art.º 7 do Decreto de 1891, Colecção da Legislação, 1894 (COMPANHIA, 1897, p. 86). Está localizada no extremo norte de Moçambique, e faz fronteira, ao norte com a Tanzânia, ao Sul com as províncias de Nampula e Zambézia, a este com a província de Cabo Delgado, e ao oeste com o Malawi, com o qual também divide o Lago Niassa. Em termos de organização administrativa, o território tinha um conselho e três circunscrições administrativas. É uma região bastante receptiva às mais variadas actividades agrícolas: do algodão, em Amaramba e Marrupa, ao trigo nos planaltos, ao café, tabaco, leguminosas e fruteiras, soja, trigos e milhos, 

1.2. O povoamento e os primeiros colonos A região do Niassa era habitada, segundo, por povos matrilineares independentes, em que cada grupo tinha uma cultura própria e uma história específica em relação às suas origens, ao povoamento da região em que se encontravam no momento da conquista e às relações com o mundo exterior. O aspecto comum entre esses povos era a prática do comércio a longa distância do marfim e de escravos e o envolvimento nas guerras para a obtenção de cativos, caçadas para a aquisição de despojos de origem animal, nas migrações permanentes para os territórios da África Oriental e norte do Rio Montepuez e norte do Rovuma.  Depois da independência nacional de Moçambique, o Distrito de Niassa passou a categoria de Província do Niassa. É a maior província do país em termos de superfície, com 129.362 Km2 e com menor número de habitantes. A etnia dominante nesta região são os Yaos, Macuas e Nianjas, sucessivamente. Os Yaos constituem o grupo populacional maioritário na região, oriundos do monte Yao, perto de Muembe. A distribuição étnica sofreu alterações consecutivas e marcantes como resultado das guerras e migrações do séc. XIX e só viria a ser interrompida pela conquista europeia. Mais tarde, em pleno contexto colonial, voltaram a constituir-se, mas não exactamente do mesmo modo. Não formavam uma unidade política homogénea. Possuíam mitos de origem que eram para explicar as suas relações históricas. Motivados pelo comércio de escravos e afecto pelo islamismo, os Yaos migraram para as margens dos Rios Lugenda e Rovuma tanto como junto as margens do Lago Niassa onde desenvolveram trocas comerciais com os árabes-suaíli e se misturaram com os Nyanjas impondo-se juntamente com os árabes aos territórios vizinhos mantendo sempre a sua supremacia sobre os territórios vizinhos e escravizando a população. Trata-se de um grupo étnico forte, vigoroso e guerreiro que não queria submeter-se aos outros e com alto sentido de independência. Os macuas, também chamados Lomuês, formavam clãs matrilineares a semelhança dos Nyanjas. Os macuas também são conhecidos por Anguro. Supõem se que sejam oriundos do monte Nguru. Em tempos passados, dedicaram-se a escravatura em grande escala dada a sua proximidade ao mar. Trata-se um povo dedicado à agricultura habitando com frequência margens de grandes lagos, onde praticam também a actividade pesqueira. A colonização portuguesa nesta região efectuou-se de forma tardia motivados pelas imensas dificuldades ligadas a febre que dizimava os europeus e pela presença de mosca Tsé-Tsé que os impedia de utilizar animais para o transporte de seus víveres e outros materiais; inexistência de recursos humanos que pudessem gerir e administrar determinados territórios, exiguidades financeiras mas, acima de tudo, ao nível do Niassa, escasseavam grandes rios que pudessem ser usados como via de comunicação para o interior. A estes factores, podem adicionar-se ao facto da não ocorrência de ouro que era produto de maior interesse dos portugueses. Outro sim, é que o comércio do marfim e escravos eram dominados pelos próprios Yaos que conduziam ate a ilha de Mocambique. A história política dos povos da região do Niassa segundo passa a ter notoriedade a partir dos meados do Séc. XIX, com o aparecimento da dinastia Mataka que durante várias décadas dominou a região. A presença portuguesa na região, remota os anos 1881, quando o Governo português pressionado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, apercebe-se da necessidade de transpor a defesa dos direitos do litoral para o interior. Organizam viagens para o interior e em 1885/6 alcançam Mataka e Macanjhila e mais tarde Metarica e outros chefes Ajauas. Durante estas viagens, os portugueses foram implantando postos de ocupação e estabelecendo relações de vassalagem com as populações locais. Foram também estabelecendo tratados de comércio e segurança das rotas comerciais. Todos estes acordos e contactos com as autoridades locais visavam evitar a invasão de outras potências europeias, portanto, tinham um caracter defensivo e de consolidar o controlo da região perante a pressão da Alemanha, no norte de Moçambique, e da Inglaterra, nas margens do Lago Niassa. Em 1888/9 tem lugar uma outra expedição ao Niassa, comandada por António Cardoso, com missão “civilizadora”, com vista a obter termos de vassalagem e de subordinação de maior número possível de chefes e subchefes do Niassa e garantir a influência portuguesa na região. Outro objectivo desta missão era de reforçar a presença portuguesa entre Mandimba e Lago Niassa. Os portugueses moveram várias expedições sem sucesso com vista a ocupação desta região na segunda metade do Séc. XIX, na tentativa de se estabelecerem próximo do Lago Niassa, o que só viria acontecer depois de 1895 com a derrota dos chefes Ayaos pela expedição dirigida pelo Serpa Pinto, então Cônsul de Zanzibar, que seguia acompanhado por um jovem oficial de nome Augusto Cardoso que assinou tratados com Kwilasi, um dos chefes Ayaos da região com os quais reconheciam a soberania portuguesa e obrigaram os chefes a proteger os comerciantes e a por termo os ataques. O distrito do Niassa passou a ter a sua capital na então Vila Cabral, situada a cerca de 1300 metros de altitude e a meia centena de quilómetros do Lago Niassa, se conferido por uma linha recta. O atraente e progressivo centro urbano, teve a sua origem na antiga povoação de Lichinga, pertencente à Circunscrição de Metonia. 

José Ricardo Pereira Cabral

Em 17 de Novembro de 1945, recebeu oficialmente a designação de Vila Cabral, numa homenagem ao antigo Governador-Geral José Ricardo Pereira Cabral. Por Portaria de 23 de Setembro de 1962, foi elevada à categoria de cidade, em reconhecimento do progresso verificado e da tenacidade de todos os que com a sua presença e trabalho perseverante, contribuíram para o desenvolvimento da capital do Distrito. A pacata cidade foi implantada no cimo do planalto do Niassa com ruas e estradas sem pavimento. Tratava-se na verdade, de um “pequeno estabelecimento português no meio do mato africano em que as pessoas que ali viviam ou trabalhavam na administração civil ou no comércio, nas pequenas quintas ou ainda em propriedades de portugueses”. O Estado português foi erguendo nesta região, segundo, algumas infraestruturas a destacar o Palácio das Repartições, a Escola Técnica e a Aerogare; por sua vez, a iniciativa particular foi se implantando como um pequeno centro de atenção que depois de 1955, impulsiona-se o desenvolvimento considerável dos seus principais centros populacionais, nomeadamente Vila Cabral (Lichinga) e Nova Freixo (Cuamba). Nestes pontos foram implantados serviços que criaram ambientes de confiança e expectativa que favoreceram a fixação de novos europeus e estimulou o interesse pelo Distrito. A mesma ocasião, a capital, Vila Cabral, passou a considerar-se um importante centro administrativo e polo dinamizador de uma região até aí considerada de longínqua e desconhecida. De forma geral, em Moçambique a presença de colonos europeus data desde os primeiros tempos da sua infiltração, principalmente depois da criação dos Sistemas de Prazos. Mesmo assim, o seu número nunca atingiu grandes proporções, podendo mesmo dizer que a presença de colonos em Moçambique é um fenómeno do século passado.Os primeiros colonos a habitar a região do Niassa foram caçadores e comerciantes, que, começam a instalar-se na região por volta de 1930”, destacando-se Abílio de Sousa Cristina, natural de Loulé, província do Algarve, Valimamade Jamal, filho de pais paquistaneses, José Alves Cotrim da Silva Garcez, Manuel Braz da Costa, que nasceu na província do Alentejo, Álvaro Passos Portugal, Joaquim Robalo Salvado, natural da freguesia de Medelim, Manuel França de Lima, natural da




Abílio Sousa Cristina
Valimamade Jamal



José Alves Garcez               Manuel Brz da Costa                    Manuel  França de Lima

Com a extensão do caminho-de-ferro do Catur até à capital do distrito, mais um passo decisivo foi dado para a valorização da jovem cidade e do Concelho, cuja população era, pelo censo oficial de 1962, de 81.763 indivíduos. Outros relatos fazem referência à presença de missionários anglicanos de origem britânica entre 1883-1886 sobretudo na região de Metónia proveniente de Malawi. Em seguida referem-se a presença de portugueses madeireiros. Já em meados dos anos 30 conforme começam a chegar os primeiros grupos de soldados portugueses oriundo de Tete enviados para planalto de N’chinga com uma brigada de construções cujo acampamento tinha sido estabelecido em Nzinje. 

1.3. A ocupação colonial e a companhia do Niassa embora a presença portuguesa em Moçambique remonte a 1498, aquando da passagem de Vasco da Gama pelo território, a caminho das Índias, só depois da Conferência de Berlim, realizada em 1884/5, é que Portugal se lançou na ocupação efectiva de Moçambique e dos demais territórios que reivindicava na África e isso teve como consequência a deflagração de uma guerra de ocupação contra reinos e impérios nativos que estavam aí instalados. Desta forma, Portugal passou a ter o controle efectivo de Moçambique. Antes da década de 1890, os portugueses haviam efectuado poucas explorações na zona norte do Zambeze, circunscrevendo as suas actividades ao comércio nos seus presídios em Quelimane, Ilha de Moçambique e Ibo. Concretamente, esta potência, não tinha presença efectiva no território moçambicano.  Nesta conferência definiu-se a obrigatoriedade de os países que reivindicavam direitos históricos sobre determinados territórios africanos, devessem ocupa-los de facto, estabelecendo um estado que fizesse a gestão dos territórios de uma forma efectiva. A ocupação colonial de Niassa foi efectuado ao comando do subchefe, Augusto de Mello Pinto Cardoso, na expedição científica “Pinheiro Chagas”, oficialmente encarregada ao cônsul geral de Portugal em Zanzibar, Serpa Pinto, alcançou depois de uma paragem em Quissanga de quase todo o ano de 1885 aqueles que nos parecem os primeiros actos portugueses na região do Niassa. As expedições culminaram com assinaturas de acordos de vassalagem com as lideranças locais, a titulo de exemplo, foi a declaração de vassalagem do Metarica nas margens do rio Lugenda em Dezembro de 1885 e em Janeiro de 1886 com o Cuirassia na extremidade sul do lago Niassa. As declarações dos acordos de vassalagem, dentre outras obrigações, obrigavam aos chefes locais desde o momento do auto de vassalagem a prestar todo o auxílio em mantimentos e carregadores a qualquer viajante português que no futuro atravessasse os seus territórios, obedecer às ordens das autoridades portuguesas e estabelecer uma relação pacífica com a presença portuguesa. 


Particularmente ao chefe Metarica, Augusto Cardoso recomendou que ele deveria pôr termo aos “constantes” ataques dos seus súbditos Mafites contra Quissanga. Da declaração consta também que o Metarica enviaria uma embaixada ao Ibo para renovar a sua obediência à Portugal diante do governador do Distrito de Cabo Delgado. Essa embaixada seria acompanhada por um certo número de Mafites, súbditos do Metarica, para “quebrar as zagaias e rodelas” simbolizando a prova do fim dos assaltos. O Cuirassia deveria enviar a sua embaixada à Quelimane com o mesmo objetivo, As expedições, tratados no Niassa foram levados a cabo com interesses na localização de possíveis jazigos de minerais como carvão. Alguns confrontos com súbditos alemães saídos de Quíloa, acompanhados geralmente pela força armada, marcaram o início processo de ocupação do Niassa. Estas expedições culminaram com a criação de comandos militares em Coamuno, Liture, Ingomano e outros em número total de seis que, para além de assegurar a soberania portuguesa, serviram de estações tanto para o Itulle como de estrada que asseguraria fontes de receitas aos cofres portugueses tanto que havia indicações de ser por esse “caminho que todas as caravanas. Fundo do Governo do Distrito de Cabo Delgado (séc. XIX). Ofício de Augusto Cardoso subchefe encarregado da expedição „Pinheiro Chagas“ datado de 18 de Dezembro de 1885 ao governador do distrito de Cabo Delgado (vide também o auto de vassalagem do Metarica datado de 16 de Dezembro de 1885 e o de Cuirassia datado de 20 de Janeiro de 1886)  tanto do Niassa como de outros pontos do sertão trilhavam até chegarem a Mekindane, Palma, Mossimbõa e Quissanga. A par da guerra de ocupação, uma significativa parcela do território moçambicano estava concessionada a empresas de capital estrangeiro não-português. Ou seja, como, durante a corrida imperialista na segunda metade de séc. XIX, Portugal tinha como principais financiadores a Inglaterra, Alemanha e a França que também procuravam tirar maior proveito na exploração das colónias de Portugal, uma situação que se pode verificar depois da delimitação de fronteiras em 1898, quando Portugal denuncia uma crise que seguiu ao ultimatum, estiveram na base de projecto de partilha de Angola e Moçambique por parte da Alemanha e a Inglaterra, que, no dia 30 de Agosto de 1898, assinaram um convénio para consagração das receitas aduaneiras coloniais, caso Portugal quisesse contrair empréstimo com qualquer uma das duas potências, também fixaram as respectivas zonas de influencia, de Norte de Moçambique, Sul de Angola e Timor Leste para Alemanha o resto para Inglaterra. Para o caso de Moçambique, tratou-se de empresas como a Companhia do Niassa, que, dispondo de funções económicas, administrativas, detinha igualmente poderes militares sobre determinadas áreas de sua actuação, no norte do território. A ocupação efectiva de Moçambique e de outros países africanos, que foi ditada pela conferência de Berlim, que decorreu na Alemanha entre 1884 e 1885, entre as grandes potências, onde Portugal fez parte, nos dias 15 de Novembro a 26 de Fevereiro, em que ficou decidido que todas as potências tinham que ocupar e manter uma administração efectiva. Portugal, devido à sua fragilidade económica quando ocupou optou por duas formas da administração colonial: primeira, a administração directa pelo Estado colonial português; a segunda pelo capital internacional expresso em companhias. Este foi o único modo de o Estado Português poder garantir a exploração do território. A heterogeneidade de espaço colonial português constituiu uma particularidade do desenvolvimento económico de Moçambique no momento colonial, o sistema económico imposto por Portugal em Moçambique fez do território um local onde pairavam os interesses de vários grupos de capitalistas representadas pelas companhias, onde havia zonas de influência dos países que o apadrinharam na colonização. 49 A fragilidade económica e financeira levou Portugal a dividir o território em termo da função da acumulação do capital, dando investimento estrangeiro 2/3 de território, centro e norte do país, (companhia de Moçambique de 1888-1942; Companhia de Açúcar de Moçambique “1890” que mais tarde transformou-se em Sena Sugar States “1920”; Companhia de Niassa, 1891-1929; Companhia de Boror, 1898; Companhia de Lugela, 1904; Companhia Agrícola de Madal, 1908). Essas companhias tinham privilégio da administração no território em que estavam, principalmente, a companhia de Moçambique e de Niassa tinham poderes majestáticos. No que concerne ao Sul de Save, foi reservada para trabalho migratório para as minas e plantações sulafricana, (SERRA, 2000, p. 201). O governo português, em pleno contexto europeu de construção dos impérios africanos, através do Ministério do Ultramar, em 26 de Novembro de 1891, por decreto com força de lei, concedeu poderes majestáticos a firma Bernardo Daupias & Ca; denominada Companhia do Niassa sobre toda a região entre os rios Lúrio e Rovuma, incluindo toda a zona costeira do Lago Niassa até a costa marítima de Cabo Delegado. Mas só em 1892 a Companhia do Niassa, constituiu-se formalmente e o seu alvará, foi concedido em 1894 por um período alargado de trinta e cinco anos. Esta companhia, “possuía apenas três fontes de exploração imediata – tributação do campesinato, direitos aduaneiros e laborais”. A ocupação do interior do território da companhia, teve início em 1899 através de três expedições militares que em 1901 haviam estabelecido uma linha de postos da Companhia ligados por telégrafo da costa ao Lago e estudara em parte o percurso para uma via férrea. A proeza significativa desta Companhia verificou-se na zona costeira pelo facto de o Chefe Yao Mataka insistir na sua independência. Na companhia do Niassa, o imposto de palhota constituiu o seu principal recurso financeiro. Outra não menos importante fonte de acumulação de capital para a companhia, esteve ligada ao incremento da produção agrícola do sector familiar que acabou se constituindo no eixo fundamental da economia no território da majestática. A agricultura familiar passou a produzir  na companhia do Niassa, a circulação da moeda era reduzida, o imposto de palhota foi cobrado na maioria do território em produtos comercializáveis e em trabalho o que gerou a crescente produção agrícola do sector familiar para o mercado, mais produtos agrícolas para exportação abrindo espaço para a redução da subsistência das células familiares por falta de tempo, visto que os camponeses, até 1919 a 1920 eram obrigados ao trabalho forçado, que ia de duas semanas a seis meses por ano nas machambas do Chefe do Posto ou do Conselho, produzindo oleaginosas como amendoim e gergelim. Os mecanismos de exploração adoptados pela companhia chegaram a gerar fome e comprometer a reprodução social. Uma das primeiras acções desta companhia foi o recrutamento de mão-de-obra barata para o trabalho migratório nas plantações de tabaco na Zambézia e de cana-de-açúcar em Marromeu incluindo o imposto de palhota que era cobrado em género e dinheiro. Como pretexto a população começou a migrar para zonas do interior até mesmo para territórios britânicos como Malawi e Tanzânia, de forma a conseguir libras para pagar o imposto, comprar roupas e manter o equilíbrio económico das famílias camponesas, outros migravam de forma definitiva. Havia muito pouco onde cobrar impostos. Esta companhia promoveu derradeiras expedições contra o reino independente do chefe Ayao Mataka e garantiu assim a sua administração e cobrança de impostos. Logo após as invasões perpetradas pela expedição ao Niassa comandada pelo major Manoel Machado a preocupação passou a ser a necessidade de implantação da estrutura administrativa na região, que implicava a criação de denominações coloniais que politicamente se sobreporiam às divisões territoriais africanas. Os concelhos e circunscrições deveriam ser chefiados por administradores de concelho e de circunscrição, respetivamente, e os postos por chefes de postos. 



Partia-se do princípio que a criação dessas instituições teria impacto psicológico nas povoações, submetendo-as à conformação diante da autoridade colonial portuguesa, os territórios da companhia do Niassa ficaram divididos em conselhos e estes em vários postos administrativos ou mesmo militares que abrangiam os principais regulados ou sultanatos. Neste âmbito, a autoridade máxima na Companhia do Niassa era o Governador, sujeito a uma fiscalização do governo português – que se exercia directamente sobre os administradores dos conselhos; destes, por sua vez, dependiam os chefes dos postos, os que fiscalizavam e regularizavam a vida nativa na área dos respectivos postos. 51 Na sua área de jurisdição, esta companhia tinha direito de dar concessão, explorar as estradas, caminho-de-ferro, canais, portos e outros meio de comunicação, emitir acções, cobrar imposto, poderia assinar tratado convecções com autoridades tradicionais ou estabelecer relações de carácter político. A divisão administrativa do território da companhia confinava-se a norte, de princípio, com sultanato de Zanzibar, depois da constituição do protetorado alemão (Deutsch Ostafricanische Gesellschaft), estabelecido em parte no território daquele sultanato, com Tanganhica tendo havido alguns conflitos entre os da companhia de Niassa e o Sultanato de Zanzibar com adventos dos alemães. A companhia implantou uma divisão administrativa que perdurou até finais de 1929 ano em que o governo português, através do decreto Nº 16 757 de 20 de Abril, mandou cessar, a partir de 27 de Outubro os poderes majestáticos concedidos a companhia do Niassa e reintegrar na administração directa do estado o território da Companhia, uma medida associada a reformas administrativas que visavam manter o controlo efectivo dos territórios coloniais. Posto isso, o Governo-geral através do Diploma legislativo Nº 182 de 14 de Setembro de 1929 dividiu o território em dois Distritos nomeadamente Cabo Delegado e Niassa. Ficaram, então, pertencendo ao Niassa as seguintes quatro circunscrições: Lago com a sede em Metangula, Metarica com a sede em Litunde, Amaramba com a sede em Cuamba e Metónia com sede em Mandimba. A partir desta altura se começou a impulsionar o desenvolvimento dos seus dois principais centros populacionais nomeadamente Vila Cabral (Lichinga) e Nova Freixo (Cuamba). Sucessivas reformas administrativas foram ocorrendo até que em 17 de Outubro de 1931, pela portaria nº 1482, foi reservado e classificado em primeira classe, destinado a sede do Distrito de Niassa, na circunscrição de Metónia, um terreno no planalto da serra Lichinga junto a estrada de Mandimba e Metangula, nascendo assim a povoação de Vila Cabral, actual cidade de Lichinga. Face às duras formas de exploração levadas a cabo pela companhia, sobretudo quando, em 1920, o imposto de palhota passou a ser cobrado em género e em dinheiro e com maior controlo, registou-se uma emigração massiva. Em outras aldeias, para fugirem da cobrança de impostos de palhota, a população abandonava suas aldeias para se refugiarem nas florestas ou mesmo para as colónias vizinhas. Milhares de famílias atravessaram fronteiras para Niassalandia (actual Malawi) e para o Tanganica (actual Tanzânia) por conta da exigência de pagamento de imposto, evitar o recrutamento para o trabalho forçado, e a produção agrícola. Em torno destas acções migratórias, MAZULA  refere que até 1929 período de vigência da Companhia do Niassa nos territórios habitados pelos Nianjas havia muitas emigrações, principalmente em 1918. Teria sido o “imposto de 18 Xelins que causou muitas emigrações para o estrangeiro. Milhares de Nianjas do Niassa, emigraram para Tanganica ocidental e para o Sul do Lago Niassa na área de Fort Johnston. Estes formaram na Tanganica grandes povoações tais como Kwambe, Linda e outras”. Tudo viria a terminar por volta de 1918/20, quando todo o território passou a estar definitivamente envolvido na teia das relações de subordinação da administração colonial. O monstro ausente e desconhecido – a Companhia do Niassa – parecia não existir. Mas em nome desse representante de Portugal na região, um outro mundo de relações (coloniais) de subordinação política e económica se forjaria. No dobrar de 1918 para 1919, a companhia estabeleceu o domínio colonial em toda a região do Niassa. No último período de existência da companhia, de 1919 a 1929, faltando apenas dez anos para o seu término, uma vez que o governo português se recusou a conceder uma prorrogação, os princípios do capital financeiro ditavam que era tarde demais para investir rentavelmente na renovação das visões iniciais de amplo desenvolvimento económico. Em vez disso, a Companhia passou a aumentar o nível do imposto de palhotas como meio de aumentar a receita, e a administração expandiu e intensificou os abusos que parece ter sempre praticado. Finalmente, em Outubro de 1929, o contrato chegou ao fim e o governo português assumiu devidamente a administração do Niassa. Neste período, a ideia de amplo desenvolvimento económico, que havia caído em desuso em favor do trabalho migrante, permaneceu na prateleira. Apesar das estruturas administrativas, na forma de circunscrições e regulados, asseguradas por agentes do Estado, já terem sido implantadas em grande parte do território, os administradores da Companhia do Niassa desinteressam-se pelo seu desenvolvimento e, em 1929, a Companhia extingue-se, passando o território para a administração directa do governo da colónia. A implantação da administração colonial na região do Niassa, foi um processo tardio e pelo facto teve de enfrentar dificuldades de ordem administrativa e militar pela natureza dos estados préexistentes, tanto como pela forma como o processo de ocupação e administração do território pretendia ser implantado, que acabou gerando revoltas por parte dos africanos. 

1.4.A implantação do sistema administrativo colonial no Niassa O poder colonial pretendia, “que os Moçambicanos renunciassem à sua identidade cultural, aos seus costumes, às duas instituições tradicionais e abraçassem a cultura de Portugal e o seu modo de vida, que apregoava serem símbolos de civilização”, este projecto não foi visto de forma agradável pelo povo Moçambicano e por sua vez o poder colonial procurar impor o mesmo na base da força. A administração colonial portuguesa considerou esta região de interior impenetrável e traiçoeiro. Ela começa,“logo após as invasões perpetradas pela expedição ao Niassa comandada pelo major Manoel Machado” visto que neste período, a preocupação passou a ser a necessidade de implantação da estrutura administrativa na região, que implicava a “criação de denominações coloniais que politicamente sobreporiam as divisões territoriais africanas”. Nisto, “os concelhos e circunscrições deveriam ser chefiados por administradores de concelho e de circunscrição, respectivamente e os postos por chefes de postos. Partia-se do princípio que a criação dessas instituições teria impacto psicológico nas povoações, submetendo-as à conformação diante da autoridade colonial portuguesa”. De forma prática, a ocupação administrativa da região iniciou-se a 26 de Setembro de 1891, altura em que o Estado português concedeu a uma Companhia Majestática poderes soberanos sobre os territórios situados entre os rios Lúrio e Rovuma. 



Pelo mesmo dispositivo foi suprimido o distrito de Cabo Delgado (Art.º 7 do Decreto de 1891, Colecção da Legislação, 1894). Distrito este onde o domínio português se limitava às Ilhas e a parte do litoral imediato, mas mesmo aqui com parcelas africanas independentes (COMPANHIA, 1897:86-87). A implantação foi realizada com apoio da companhia do Niassa que juntamente tiveram de ultrapassar vários incidentes em que um dos quais, obrigou a comitiva a enfrentar e derrotar o chefe macua de Cuamba (Kwamba) com apoio de uma expedição composta de 300 soldados regulares e 2800 sipaios constituindo um corpo expedicionário, que acabou montado um posto militar chamado Forte Dom Carlos I ou Napulo na margem ocidental do Lago Amaramba. A mesma expedição devastou Muembe, e em seguida (1902) partiu para Luambala em direcção ao Lago optando por seguir mais adiante e fixar um posto em Metangula no litoral do Lago Niassa e nas terras de Messumba. A sua representação foi assegurada por uma linha de postos militares que iam do Ibo e do Porto Amélia em direcção ao Lago Niassa e por postos ao longo da margem do Lago Niassa.Tratou-se de uma acção que “para além do terror das destruições e mortes, em termos efectivos a foi apenas ao ponto de suceder na implantação do forte denominado D. Carlos I e dois baluartes denominados Eduardo Villaça e Álvaro Ferreira a 28 de Setembro de 1899, na povoação de Napulo situada na margem oriental do lago Amaramba”. Ao logo das suas expedições, a companhia do Niassa e o estado português forçavam os clãs dominantes (apesar de alguns experimentarem acções de resistência) a se subordinarem a administração colonial e da companhia, por vezes, com recurso a agressividade e força das armas, destruindo o poder e a organização politico-territorial dos sultões ajauas como aconteceu com Mataka, Metarika, Makandjila e outros chefes Nianjas que dispunham de uma organização política poderosa, governando numerosos súbditos e vastas regiões, numa espécie de “recuperação das chefias tradicionais” , como forma de garantir o controlo do território e sucessivamente implantar uma máquina administrativa que garantisse uma organização territorial e respectiva exploração que de prática era exercida coercivamente mediante cobrança de impostos, exportação de mão-de-obra e trabalho forçado. Estas autoridades tradicionais deviam obediência aos administradores coloniais. A ocupação administrativa foi efectivada na região mediante implantação de comandos militares em pontos considerados essenciais e estratégicos. Contou também com o apoio não menos essencial de missionários que faziam mapeamentos dos territórios e das diferentes tribos geralmente identificadas como prioritárias das mesmas para o domínio missionário. Mas só a partir de 1900 é que se estabelecem os primeiros postos militares precisamente junto ao lago, com o objectivo de cercar o Mataka. GALVÃO (1970) descreve Niassa como sendo o distrito mais logicou de Moçambique e a equipara com o vagão da cauda na marcha de progresso e desenvolvimento da colónia. Através da carta de concessão, a companhia tinha obrigações de ter um corpo policial militar e aduaneiro com vista a garantir o monopólio da colecta do imposto indígena, o monopólio dos direitos alfandegários e outras actividades. Para o seu funcionamento pleno, precisava de um aparelho administrativo e de uma governação local. O Estado português segundo, acabou por manter no Ibo um resquício de aparelho judiciário e um Intendente, que apenas assegurava as relações entre a Majestática e Lisboa, na medida em que o governo português pertencia ao conselho de gestão desta Companhia. Localmente, as forças policiais e de milícia e os funcionários administrativos eram dirigidos pelo governador da Majestática e pelo seu secretário-geral, directamente responsáveis perante o Conselho de Administração”. Esta administração procurou sempre estabelecer um princípio de organização territorial, em coordenação com vários chefes locais, sob a responsabilidade de um capitão-mor no qual os chefes iriam participar do sistema efectuando a cobrança de impostos de palhota, fornecimento de carregadores, controlo do comércio a longa distância que passassem pelas suas terras incluindo o comercio de contrabando das firmas instaladas nos seus territórios. Neste contexto surgem os regulados e as regedorias. Os regulados do Niassa,  passaram a ter chefes solenemente reconhecidos pelo colonizador que cobravam o imposto sob fiscalização da Companhia. O regulado colonial ou regedoria passou a ser uma circunscrição territorial bem definida, englobando, normalmente, vários chefes de grupo de povoações, cada uma destas com a respectiva chefia. O régulo era simultaneamente o chefe da sua própria povoação e, por vezes, também do seu grupo de povoações. O chefe tradicional era reconhecido pela população e mantinha o seu poderio. É importante referir que a região foi bastante influenciada pelos suaílis que chegaram a criar as suas raízes entre os nativos a partir da costa até as margens do lago Niassa, pelo que existe nesta região um considerável numero de população islamizada. Em 1943, Portugal embarca num processo de administração directa dos territórios, uma medida associada de reformas administrativas que visavam manter o controlo efectivo dos territórios. Uma destas medidas, dentre as primeiras, foi através do Diploma Legislativo nº 182, de 14 de Setembro de 1929, em consequência das disposições do Decreto nº 16757 de 20 de Abril de 1929, passaram este território (Niassa) a ter uma estrutura administrativa em moldes que perdurou até a época da independência de Moçambique. (PT/TT/SCCIM/A/19/8 – Distrito do Niassa – SCCIM nº 1088). 

O mesmo Decreto previa a criação de dois «Distritos» nos territórios que pertenciam à Companhia do Niassa, nomeadamente o Distrito de Cabo Delgado e o Distrito do Niassa. O Distrito do Niassa, área de interesse para a presente tese, por sua vez, foi subdivido por Circunscrições civis e estas em postos administrativos a saber: a) Circunscrição civil do Lago, sede em Metangula e os postos administrativos de Unango, Cobuè e Macaloge b) Circunscrição Civil de Metarica, com sede em Litunde e os postos administrativos de Muembe, Mecula e Lucinge c) Circunscrição Civil de Metónia, com Sede em Mandimba e os postos administrativos de Metónia e Catur d) Circunscrição Civil de Amaramba, com Sede em Cuamba e os postos administrativos de Maua e Mecanhelas. (PT/TT/SCCIM/A/19/8 – Distrito do Niassa – SCCIM nº 1088). 

1.5. A sociedade, educação, saúde e religião A sociedade no Niassa, estava organizada de forma estratificada por força do sistema discriminatório implantado pelo regime colonial português em Moçambique, conciliado ainda por um sistema de ensino e aprendizagem altamente segregacionista o que impossibilitou muitos moçambicanos daquela região de obterem uma educação formal adequada, exceptuando os que residiam nos arredores das Missões com destaque para as missões de Messumba e Massangulo. A educação em Moçambique colonial foi um sector racializado. Historicamente, tendo sido atribuído à igreja Católica, a educação da maioria da população africana, reservando-se as escolas do Estado a educação dos colonos e outros moradores bem enquadrados nas sociedades urbana colonial. Tratou-se de um sistema de educação que esteve sempre em consonância aos objectivos económicos, políticos e culturais do regime colonial por forma a garantir uma relação de exploração e dominação que favorecesse a formação de um homem estranho ao seu meio e ao seu povo, um homem que pudesse mais tarde se constituir em instrumento do poder colonial para a dominação territorial. Foi um sistema educacional desenhado para a formação de mão-de-obra barata com objectivos totalmente “desafricanizantes” associados a práticas e métodos autoritários. Regulamentado por meio de decretos que diferenciavam o ensino das colónias a da metrópole com conteúdos que asseguravam a exploração dos recursos humanos e materiais. Os livros que eram usados em Moçambique eram os mesmos usados em Portugal e os alunos deviam ter maior domínio de conteúdos sobre a metrópole que de Moçambique, conhecer as cidades de Portugal, linhas de caminho-de-ferro e outros. Era um sistema de educação que não estava preparado para as necessidades e experiências dos moçambicanos e estava cerca de trinta anos atrasado e título de exemplo, a aritmética mental era positivamente desencorajada, todo cálculo matemático devia ser feito em papel. O regime salazarista e a Igreja católica definiram a política educativa colonial do império português sob a dupla prioridade de nacionalizar e evangelizar os “indígenas” das colónias africanas, através de acordos firmados pela Concordata, Acordo Missionário e pelo Estatuto Missionário (1941). Pelos acordos, as missões católicas foram declaradas instituições de utilidade nacional e civilizadora, ficando o ensino destinado aos “indígenas”, ou seja, aos africanos, inteiramente confiado ao pessoal missionário e aos auxiliares, tendo por objectivo prático a perfeita nacionalização e moralização dos indígenas e a aquisição e aptidões de trabalho, de harmonia com as conveniências regionais. Desta forma, o Estado e a Igreja formalizaram o projecto de “uma missão para o império”, que em síntese significava legitimar o controlo social dos “indígenas” pela educação promovida pelos missionários no sentido de levar a evangelização cristã, a cultura e língua portuguesa para as comunidades negras. A política educativa colonial foi apresentada como “projecto civilizatório” para as colónias africanas, e uma das condições para se atribuir o estatuto de “assimilado”. Na implementação da “missão para o império”, o projecto de evangelização se sobrepõe ao de nacionalização das  colónias, devido ao predomínio dos missionários no controle da educação dos “indígenas” e de formação de professores “indígenas” no espaço colonial, principalmente, devido à precariedade da presença do Estado no interior das colónias tal aconteceu com o distrito do Niassa onde os portugueses chegaram tardiamente. Pelo acordo com o Estado, ficava a Igreja missionária nacional responsável pelas escolas rudimentares e de artes e ofícios nas comunidades rurais, além das escolas de “habilitação de professores para indígenas”. Com isso, a Igreja conseguiu avançar em seu projecto de evangelização e expansão da fé cristã nas comunidades rurais, produzindo “semeadores em solo africano num processo que nunca parou de crescer. Paralelamente, o projecto de nacionalização do salazarismo para integração das colónias no império enfrentava vários problemas, que iam das resistências internas, de pressões externas a problemas financeiros. Na primeira metade do século XX, as missões católicas obtiveram novas condições de actuação nas colónias portuguesas pelo Estatuto Orgânico para as Missões no Ultramar, através do Decreto 12.485, de 13.10.1926. Depois do decreto, os missionários ganharam estatuto de “personalidade jurídica no direito do estado português”, com direito a subsídio para formação de pessoal e sustento das obras missionárias, conforme seu Art.50. Paralelamente, a Igreja lançou a Encíclica Rerum Ecclesiae, do Papa Pio XI, defendendo a formação de catequistas nativos como prioridade para contribuir com a introdução dos ensinamentos cristãos entre “os seus conaturais no mundo da fé através da língua nativa”, servir de tradutores e guias para os missionários. Considerava o Papa que “o clero indígena deve ter papel importante na evangelização das suas terras porque é ele que melhor conhece as culturas locais e entende os seus conterrâneos. Conforme vamos seguindo o caminhar da nova actuação missionária, no âmbito da nova política “educativa” do regime salazarista para os nativos de Angola e Moçambique, percebe-se que a Igreja vai se expandindo e garantindo sua presença no espaço colonial, deixando plantada a semente do seu “clero indígena. Na perspectiva da Santa Sé, a Igreja católica também deveria trabalhar com missionários católicos estrangeiros para a propagação da fé cristã e implantação da Igreja em África, por determinação da Propaganda. 59 Por seu turno, apesar destes e outros planos que visavam implantar uma educação que pudesse garantir um mínimo de ensino e solidificar as relações de produção, baseados no assimilacionismo, trabalho forçado e migratório, o sistema público de ensino nas colónias, “mais do que fracasso foi uma irrealidade, uma vez que das poucas escolas existentes, em Moçambique, a sua maioria pertencia a igreja católica”. Algumas destas escolas e missões, na sua maioria situadas nas zonas rurais, contribuíram com alguma significância para a educação de alguns jovens em matéria de literacia e cálculo até mesmo em áreas profissionalizantes como carpintaria e outras. É possível perceber que, Portugal dependia da actuação dos missionários católicos, tendo em vista as formas de actuação e objectivos das práticas missionárias de outras nações, considerados prejudiciais ao projecto civilizatório português. Por outro lado, Portugal não podia proibir a actuação de outros missionários protestantes e católicos estrangeiros, em decorrência do número reduzido de missionários católicos para dar conta de todo espaço colonial africano. Vai ser neste contexto em que se abre espaço para a entrada de mais missionários protestantes. As poucas escolas que existiam no Niassa eram de difícil alcance. Associado a isso existiam as dificuldades locais, a negligência e uma organização imperfeita que paralisava as tentativas do governo em estabelecer um sistema educacional colonial. O acesso à educação formal também era feito de forma discriminatória, pelo que os negros, principalmente os residentes na circunscrição de Maniamba concretamente em Messumba, Ngoo, Metangula, Cóbue e outras povoações, encontraram na Missão cristã Anglicana de Messumba, alternativas minimamente viáveis para a sua formação académica pelo facto de esta se pautar por uma ideologia assente em valores nobres ligados a solidariedade, igualdade e a justiça social, diferentemente da política da administração colonial portuguesa. Outros ainda procuraram migrar para as vizinhas colónias britânicas em busca de uma educação formal, neste caso Tanganica e Niassalandia. As escolas das missões protestantes, como a de Messumba, sofriam hostilidades, proibições e exclusão das línguas africanas no ensino, da falta de recursos financeiros e o fracasso na formação de professores africanos. Em relação à actuação da missão de Messumba, no que diz respeito ao ensino, foi construída junto a missão, a “Escola Santa Maria que leccionava da pré-primária a primeira classe, São José que ministrava a segunda e a terceira classe rudimentares e São Tiago onde ensinava-se a terceira complementar e a quarta classe elementar. Para alem destas existiam outras escolas distantes em Unango, Cóbue, Chia e Ngóo”. A actividade comercial era mais acentuada na Vila Cabral até princípios de 1958, dominado na sua maioria por cidadãos de origem indiana e portuguesa que eram proprietários de cantinas onde era possível encontrar produtos de primeira necessidade como arroz, óleo de cozinha, sal, sabão, bebidas alcoólicas, cigarro, entre outros. A assistência sanitária, pelo menos até 1945, era bastante deficitária ou quase inexistente em diferentes zonas do Distrito. Esta actividade era mantida por quatro unidades sanitárias distribuídas de forma desproporcional, sendo localizadas na então Vila Cabral (actual Lichinga), Amaramba (Nova Freixo actual Cuamba), Maniamba e Marrupa. Com o passar do tempo, foram erguidas outras unidades sanitárias nas áreas do que é hoje Distrito do Lago, Mecula, Maua e Sanga . Estas unidades sanitárias eram caracterizadas segundo pela “insuficiência de pessoal, escassas dotações financeiras, clínicos sedentários, medicamentos por conta a gotas, falta de programa de assistência social, sem uma estrutura de funcionamento e objectivos dos serviços” o que revela a ineficácia e ineficiência dos mesmo para promover serviços sanitários a população local. O deficiente sistema de assistência sanitária fornecido pela administração colonial a nível do então Distrito do Niassa, particularmente a região do Lago, obrigou a população a recorrer aos serviços disponibilizados de forma gratuita pela unidade sanitária da Missão de Messumba, onde havia pessoal de saúde e enfermeiros disponíveis e locais. Por outro lado, pode ter precipitado o aparecimento de ideais nacionalistas, dado que as populações desta região, tendo parentes nos territórios vizinhos, procuravam nestas, assistência sanitária adequada. Na componente religiosa tradicional, os povos do Niassa (Ayao, Makua e Nyanja) são de origem bantu, dai que conservam os mesmos valores religiosos “animistas”, mas com algumas diferenças entre eles, mantendo sempre a substancialidade de valorização dos espíritos dos antepassados por 61 constituir na prática o centro de todos os cultos e serem considerados como intermediários entre os vivos e o Deus. Os seus cultos aos antepassados eram sempre precedidos pela crença islâmica, principalmente entre os Yaos e Macuas, mas em alguns casos esporádicos entre os Nyanjas. Todos os habitantes têm uma árvore sagrada na qual fazem as suas preces através de bebidas geralmente alcoólicas, farinha de milho e valores monetários. No ritual feito em torno de árvores, dançam fazendo apelos a diferentes necessidades individuais, familiares ou mesmo das comunidades. Cada família, clã e tribo tem o seu espírito protector que pode ser o espírito de um chefe ou régulo defunto ou ainda alguém da própria família. Entre eles havia um complexo de cultos, tabus, tradições, magias, feitiços e superstições ligados a natureza. É de notar que os grupos populacionais do Niassa, como todas as formas humanas têm suas práticas religiosas. Nos seus cultos, todas as práticas são solenes, desde a lavagem do cadáver, enterro e o famoso SADAKA (refeição servida depois do funeral ou após quarenta dias depois do funeral) até ao nascimento do filho e a sua primeira saída da casa para o pátio. As suas religiões estão associadas a crença num só Deus poderoso invisível, criador de tudo e de todos, vingador do mal e compensador dos bons. Baseia-se também num conjunto de crenças que ofuscam a ideia de um monoteísmo. No meio de todas crenças, a população dava maior importância ao culto dos antepassados mais temidos do que ao próprio Deus. Consideravam os espíritos como elementos sempre presentes, seja para o bem ou para o mal em todas as suas acções. A religião islâmica foi introduzida no Niassa de forma parcial através da actividade comercial do tráfico de escravos no século XIX com os suaílis e árabes a partir do porto de Kilwa na África Oriental até ao Lago Niassa. Os compradores de escravos (Árabes) em Kilwa atraídos pelo negócio dos escravos trazidos das zonas do Niassa pelos Balisas (comerciantes de esravos) decidem acompanhar as caravanas no seu regresso ao país de origem. No decurso destas viagens, os Árabes chegaram a conhecer aquele povo (Ayao) que já se dedicava ao comércio de escravos e já desenvolviam uma afeição ao islamismo. A chegada da religião católica a Niassa enquadra-se no processo de colonização e partilha dos territórios africanos pelas potências europeias. Os primeiros missionários católicos, começam a chegar a Niassa em 1828 concretamente a região de Mandimba onde constroem suas habitações e o primeiro hospital da região, que também descreveu os territórios e tribos do Niassa, refere que na mesma ocasião, altura de que se tem registo e há na memória sobre a chegada dos primeiros indivíduos da raça branca a região, neste caso Livingstone e Kirk (exploradores ingleses) que exploraram o Lago Niassa e o planalto do Shire, uniu-se a eles uma Missão Cristã – Anglicana (University Mission of Central África – U.M.C.A), sob as directivas do Bispo Mackanzie. 


Estes Missionários fixaram-se na parte oriental das terras altas do Chire na mesma altura em que os Ayao muçulmanos as tinham invadido e desenvolviam o comércio de escravos com a costa. A presença das igrejas protestantes em Moçambique começa a constituir realidade sobretudo importada dos territórios vizinhos, resultante de um processo migratório das populações residentes ao longo das fronteiras do território. Pequenos núcleos de protestantes expandiram-se no território na mesma época da Conferência de Berlim, sendo a primeira instituição religiosa protestante a instalar-se em Moçambique a Igreja Metodista Episcopal, em 1883, dai seguiram-se outras como foi o caso da Missão Metodista Livre e depois da Missão Suíça. Em 1893, surgem em Chamanculo e em Maciene os Anglicanos. No Niassa, a Missão Anglicana de Messumba teve maior aderência das populações pelo facto de esta disponibilizar recursos de forma permanente como: acção social, promoção de uma educação aceitável e ao hábil aproveitamento de certas fraquezas da Administração colonial. referem que foi através da compreensão e aproveitamento de alguns usos e costumes dos autóctones, à divulgação de um conhecimento simples mas útil, à actuação junto dos chefes tradicionais, ao recurso ao desporto; à usualmente pouca importância paga nos seus bons préstimos para a educação dos alunos internos da Missão de Messumba, a gratuidade dos serviços hospitalares; o facto de acobertar elementos da comunidade que colaboravam com a FRELIMO, o planeamento da celebração do culto sincronizado com os afazeres dos jovens que frequentavam a escola da missão; Todos foram estudantes da Missao de Messumba – Entrevistados para a presente Tese, escolas em locais dominantes facilitou a adesão dos elementos da comunidade local à missão. Contudo, o aspecto prático e utilitário promovido nas suas formações em geral, dispondo de recursos consideráveis, conduziam com facilidade o autóctone a aderir a Missão e a religião no geral. As Igrejas Protestantes, no desempenho das suas actuações socioeconómicas e de catequização eram auxiliadas com fundos dos países de origem e por algumas organizações internacionais. Mas, no sistema político então vigente, em que era inviável uma tomada de posição aberta daquelas Igrejas para com a subversão, diversas delas, através do Conselho Mundial das Igrejas, apoiaram a FRELIMO com fundos para fins humanitários e de outras formas (PP/TT/SCCIM/A/9/31) que será abordado nos próximos capítulos. Para os missionários era preciso definir um território para envangelização, enquanto para o Estado português era preciso defender um território para o exercício da soberania colonial. Foi neste quadro que especificamente a região do lago Niassa foi colonizada quase exclusivamente por missionários da University Mission for Central Africa (UMCA) entre as duas últimas décadas do século XIX e as primeiras duas décadas do século XX. A presença dos missionários da UMCA na região anteriormente referida, situada entre os actuais territórios do Malawi, Moçambique e Tanzânia estava directamente ligada à economia do Oceano Índico na segunda metade do século XIX, que pela sua natureza envolvia rotas comerciais no interior do continente, na confluência entre o vale do rio Zambeze e o vale do rio Chire. Entre cerca de 1853 e 1856 David Livingstone, um dos mais conhecidos exploradores britânicos, andou pelos vales dos rios Zambeze e rio Chire em missões de reconhecimento dos territórios e em 1857 foi para o Reino Unido e moveu uma campanha para denunciar o tráfico de escravos e rogar pela «salvação» dos povos da África Central 

 CAPÍTULO II 

O PAN-AFRICANISMO E A FRELIMO NO NIASSA 

O Pan-africanismo foi a designação atribuída à ideologia que defende que a união de povos de todos países africanos na luta contra a dominação colonial e o preconceito racial - tratou-se de um movimento de carácter social, filosófico e político que buscava defender o direito dos povos africanos através de um único estado soberano. Como movimento de libertação, o pan-africanismo remonta, à invasão da Etiópia pelos fascistas italianos, em 1935, assim como e, sobretudo, ao quinto Congresso Pan-africano reunido em Manchester, em Outubro de 1945. 


Neste congresso, pela primeira vez, durante toda a história do movimento pan-africano, os representantes africanos eram os mais numerosos e os debates envolveram, essencialmente, a libertação da África colonizada. Dentre as principais deliberações, que estavam marcadas por um tom mais pugnaz e radical, comparativamente aos congressos precedentes, neste se destaca em seu primeiro ponto “a emancipação e a total independência dos africanos e dos outros grupos raciais submetidos à dominação das potências europeias, as quais pretendiam exercer, sobre eles, um poder soberano ou um direito de tutela. No evento, os representantes exigiam que a África se livrasse da dominação política e económica dos imperialismos estrangeiros. Foi pela primeira vez que os africanos advertiam publica e formalmente as potências europeias, para muito bem atentarem ao fato que eles também recorreriam à força para se libertarem, caso elas persistissem em querer governar a África pela força. Ao povo africano, os representantes dirigiram uma declaração enfatizando o facto de a luta pela independência política ser somente a primeira etapa e o meio para se atingir a completa emancipação nas esferas económica, cultural e psicológica. Eles exortaram a população das cidades e dos campos africanos, os intelectuais e os profissionais liberais a se unirem, organizarem- -se e lutarem até a absoluta independência. Em suma, o quinto Congresso tornou o pan-africanismo uma ideologia de massas, elaborada pelos africanos e em seu próprio favor. Inicialmente, ideologia reformista e protestante em favor das populações de origem africana, habitantes na América. Vai ser desta forma que o pan-africanismo tornara-se uma ideologia nacionalista orientada para a libertação do continente africano. No livro, África na sala de aula: visita à história contemporânea (2008), o movimento Pan-Africano é descrito como um gradativo e processual sistema de obtenção das mudanças, remetendo à ideia de um movimento político e ideológico, que centraliza as noções referentes à raça, onde se faz de primordial importância uma união daqueles que possuem uma semelhança histórica, assim como origens humanas e negras. Esta ideologia tem  duas dimensões importantes. a primeira, como factor de integração nacional, como uma força para se alcançar a unidade e cooperação política, cultural e económica entre os países africanos. A segunda dimensão do pan-africanismo seria como movimento de libertação nacional. Perspectiva que teve origem no ano de 1935, quando os fascistas italianos invadiram a Etiópia, evento que serviu de estopim para sacudir os africanos e afrodescendentes em solidariedade ao território africano invadido, marcando o início da ação de estudantes africanos na luta pela independência de seus países. Este nacionalismo ganhou maior intensidade por ocasião do V Congresso Pan-africano, realizado em Manchester, no ano de 1945. É em torno da segunda dimensão do pan-africanismo (movimento de libertação nacional) que se pretende abordar no presente capítulo, o contexto internacional que vai assinalar a génese dos movimentos nacionalistas em África e em Moçambique que com a fusão dos mesmos vai dar origem a FRELIMO como movimento de libertação de Moçambique, sua constituição, seus objectivos, os seus contornos com vista a dar início a luta de libertação em Moçambique e que implicações tiveram lugar na região face as suas primeiras acções concretamente na região do Niassa. Enquanto discurso e movimento de autoafirmação, o Pan-africanismo tornou-se central e motivador político na luta contra o colonialismo e imperialismo, um movimento racial e político que enriqueceu a luta pela libertação do continente africano. A fase mais importante deste movimento de descolonização e de integração é registada entre os anos de 1950 e 1965 pelo intelectual Kwame Nkrumah. 

Francis Kwame Nkrumah


Por meio das acções e declarações políticas, Nkruman conseguiu reunir vários dirigentes africanos e representantes de movimentos de libertação em prol da libertação completa e unificada do continente africano. Ao protagonizar a luta e conquista da independência de Gana lançaram-se as bases para a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), que objetivava a independência política e organização dos movimentos de libertação. Este movimento, na mesma época conheceu êxitos mais variáveis e sofreu derrotas a partir de meados dos anos 1960, e se, finalmente, demonstra um forte impulso desde meados dos anos 1970, e como movimento de libertação, alcançou o seu apogeu nos primeiros dez anos posteriores à conquista da independência pela África. A luta pela auto-determinacão política na África colonial se desdobrou em quatro etapas, por vezes entrecruzadas nos factos mas, nitidamente, passíveis de análise. Antes da Segunda Guerra Mundial, produziu-se primeiramente uma fase de agitação das elites em favor de uma maior autonomia. A ela seguiu-se um período caracterizado pela participação das massas na luta contra o nazismo e o fascismo. Adveio, em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, a luta não violenta das massas por uma total independência. Finalmente, sobreveio o combate armado pelo reino político: a guerrilha contra os governos de minoria branca, sobretudo a partir dos anos 1960. Este movimento, propunha aos Estados membros um conjunto de princípios destinados a reforçar o seu desejo de unidade e de solidariedade. Inicialmente considerado como “um movimento de ideias e de emoções”, o Panafricanismo soube, portanto, modelar os sentimentos, a energia e as aspirações dos povos da África e expressou-os no conteúdo da Carta da Unidade Africana. É de notar que o pan-africanismo consistia na libertação dos negros, em geral, e dos africanos, em especial. Esta notoriedade expressa-se por meio das suas ideologias e da solidariedade com todos os movimentos de libertação africana que alcançaram eco entre as massas, preparando os africanos a aceitarem os custos económicos e os sacrifícios humanos necessários à libertação dos seus irmãos. 2.1. O contexto internacional do nacionalismo O conceito de Nação é algo complexo e difícil de definir. Contudo, far-se-á um esforço alicerçado em diferentes autores para encontrar uma chave de análise. Sendo que o mais importante foi o de Estado-Nação com as revoluções políticas desta época. Etimologicamente, o termo provém da palavra natione que significa nascimento e faz apelo à origem comum “naissance, extraction".  sobre o Estado no contexto africano refere que o termo resulta do verbo nasci que significa nascer e por extensão ter a origem, provir, começar. Afirma ainda tratar-se de um termo que originalmente refere-se a um grupo de pessoas nascidas ou provenientes de um mesmo lugar. Na tradição latina da Bíblia, consta logo no Livro do Génesis  utilizado no plural e associado como sinónimo a países, povos e línguas. Também podemos nos socorrer na definição apresentada por alguns dicionários, que se referem a nação como, “o agregado dos habitantes de uma província, de um país ou reino” ou “um Estado ou corpo político que reconhece um centro supremo de governo comum” ou ainda “o território constituído por esse Estado e pelos seus habitantes individuais, considerando um todo. O mesmo conceito também é bastante aprofundado, fazendo referência aos seus Princípios da Filosofia do Direito, no qual este “utiliza-o ainda raras vezes e de certo modo como sinónimo de povo, debruçando-se aliás preferencialmente sobre este último, dando a entender que a nação é um povo independente em relação ao exterior, detentor de um Estado”. 
Ele refere ainda que o carácter semântico, a polissemia do conceito de nação ficou, pois, praticamente estabelecida no século XIX, de “uma forma que se tem mantido até aos dias de hoje, como pode ser observado no seu duplo sentido geoistórico (consequentemente históricosociológico) e político-jurídico. É possível constatar aqui que o conceito de nação está em interação com a evolução da conjuntura, “adquirindo uma tonalidade emotiva e viu reforçado o seu sentido político-jurídico, não obstante a imprecisão da sua definição, fenómeno semântico aliás comum à maioria das palavras”. O conceito de nação é ainda um valor supremo de coesão dos Estados contemporâneos, quer sejam homogéneos quer heterogéneos do ponto de vista étnico, linguístico e cultural. Por isso, segundo é muito difícil universalizar a definição do conceito de nação no sentido de o fazer corresponder a uma única situação ou tipo real de relações sociais. Outro sim é que a sua polissemia se confunde com os conceitos de povo, pátria e etnia, os quais frequentemente são utilizados como sinónimos da mesma realidade e frequentemente também como indicadores de realidades distintas. Na conjuntura actual, pelas implicações político-jurídicas do consagrado direito à autodeterminação. O essencial significado de nação, é o político e este está associado à ideia de “povo”, a “nossa terra comum”, o “público”, o “bem-estar público”. Pode assim referir-se que se trata afinal de um “corpo de cidadãos cuja soberania colectiva constituía um Estado”. Porém, a posse do sentimento nacional não esgota o conceito de nação, pois os membros de uma nacionalidade desejam estar sob o mesmo governo e ser governados por eles próprios ou por uma parte deles. A ligação de um conjunto de cidadãos a uma descendência comum, normalmente pressupõe a existência de um território. E a terra de onde as pessoas são originárias conduz ao surgimento da ideia de pátria, ou seja, local de nascimento, e assenta na combinação da terra e do sangue. A veneração da pátria e de um conjunto de coisas materiais e imateriais do passado, presente e futuro reflectem-se em patriotismo e representa sobretudo a total lealdade dos seus membros. Entretanto, nacionalismo é uma ideologia política que defende e exalta a nação, tendo por base, sentimentos comuns do grupo numa lógica identitária que procura, por um lado, a autodeterminação e, por outro, assenta em sentimentos de lealdade que são partilhados por um conjunto de indivíduos que têm valores culturais, religiosos, étnicos ou linguísticos comuns aos restantes membros. Nesta perspectiva, as nações existem enquanto se mantiverem como entidades espirituais desejadas na cabeça e nos corações dos indivíduos. Trata-se de uma síntese de noções e de sentimentos referida a agregação de vários grupos numa “comunidade” a qual pode aparecer como “natural” historicamente sedimentada, conquanto em África frequentemente surge em construção, o nacionalismo é, essencialmente, um princípio político que defende que a unidade nacional e a unidade política devem corresponder uma à outra”, entendendo ser “uma teoria da legitimidade política que exige que as fronteiras étnicas não atravessem as fronteiras políticas e que as fronteiras étnicas dentro de um mesmo Estado não separem os detentores do poder do resto da população”. Foi neste entendimento que inicialmente buscamos discutir o conceito de nação, com vista a associá-lo ao nacionalismo e produzir uma compreensão clara e coerente sobre esta corrente em África. Analisando o conceito de nação, percebe-se que elas se enquadram perfeitamente na ideia que buscamos desenvolver sobre o nacionalismo. Embora seja complexo encontrar uma definição unívoca de nação, o autor parte da ideia da cultura na qual encontra a representação de um sistema de ideias, signos e associações, os modos de comportamento e comunicação; e conclui que as nações são artefactos das convicções, lealdades e solidariedades do homem. No seu entender, “as nações fazem o homem” e daí que o nacionalismo se transforme numa exaltação do sentimento e de defesa das nações. Nesta relação que, de certo modo, identifica os dois conceitos de nação e nacionalismo, há um elemento institucional que gera a unidade da nação: o Estado nacional, atribui ao Estado um papel importantíssimo, na medida em que, enquanto entidade constituída por uma elite política tem a seu cargo o exercício do poder de governo. Nesta lógica de ideias e para realçar o papel do Estado na formação, defesa e manutenção da unidade da nação, esta entidade é definida como sendo aquela que detém o monopólio do uso da força ou da violência. O contexto é o nacionalismo africano das décadas de 50 a 70, refere que em todos os lugares de África em que este acto teve lugar, as suas raízes residem na busca dos meios de autodefesa contra uma inferioridade que foi imposta, portanto trata-se de uma luta pela igualdade de oportunidade e de modo de vida. Os movimentos emergentes neste sentido floriram numa tentativa de tirar partido dos argumentos e do espírito europeu, concretamente do nacionalismo burguês amadurecido do perdido imperialista. O nacionalismo diz respeito a nações ou povos existentes em África antes do colonialismo (…) a criação de realidades politicamente novas. Ele só é justificável quando um povo se encontra oprimido. O Nacionalismo concentra então numa aspiração bruta as diversas forças sociais, igualmente humilhadas e que vivem na esperança. Este despertar dos povos africanos, teve início com os primeiros antagonismos com os estrangeiros e nunca desapareceu por completo. As fontes e formas deste relançamento do nacionalismo político situam-se na Europa ocidental em meados do séc. XIX, inicialmente aplicado a grupos ideológicos de direita, em França e na Itália, que se mostravam contra os estrangeiros, liberais e socialistas, sendo que a partir de então a palavra 70 nacionalismo começou a ser aplicada a todos os movimentos nos quais a causa nacional ocupasse o primeiro lugar político: a todos os que reclamavam o direito a autodeterminação, em vista a formar um Estado independente destinado a determinado grupo nacionalmente definido. O desenvolvimento do nacionalismo político, segundo o autor, registou certas mutações caracterizadas em quatro aspectos seguintes: primeiro, o surgimento do nacionalismo e do patriotismo enquanto ideologia de direita política; segundo, a ideia da autodeterminação nacional que conduziria à formação de Estados soberanos, defendida pelos grupos com sentimentos de proclamar a nação; terceiro, a ideia de que a autodeterminação nacional pugnava pela defesa da independência plena; e, finalmente, a tendência para definir a nação em termos étnicos, especialmente em função da língua. No princípio do século XX, conforme refere, o comunismo soviético encontrava o africano como um potencial revolucionário, ainda inconsciente do seu destino histórico na luta global contra o capitalismo e o seu lacaio, o imperialismo. A Rússia era a força impulsionadora da revolução mundial e os seus propagandistas trabalhavam para semeá-la nos Estados capitalistas e as suas colónias na Ásia e em África. Em 1920, anteviram revoltas iminentes das massas oprimidas na India, Pérsia, Egipto e Argélia. Verificaram-se focos de agitação intermitente que foram reprimidos pelas autoridades e os partidos comunistas locais não conseguiram avanços muito significativos em qualquer destes países. Existe consenso quanto à forma como o nacionalismo se desenvolve. Compreende-se que, de alguma forma, um movimento nacional se torna significativo, em termos de ameaça para um governo, no seio de um estado multi-étnico, quando consegue mobilizar apoio suficiente nos diferentes grupos sociais para que a reivindicação de independência política surja como pré-condição para a obtenção dos objectivos próprios de cada um. Esta condição é válida, tanto para os movimentos de 1848, como para os de final do século XX. Cada grupo social acreditava que, através da independência política, conseguiria atingir os seus objectivos. Assim, por exemplo, a classe operária do império AustroHúngaro, tanto na Boémia como na Hungria, acreditava que conseguiria um mercado nacional e que, desse modo, poderia usufruir de um maior desenvolvimento. Mas, por outro lado, , há a expectativa de índole internacional, vendo-se claramente no facto de os antigos territórios colonizados imitarem a Europa, insistindo em tornar-se estados-nação. Ocorre aqui, a necessidade de se ser reconhecido num mundo em que se era ignorado, de ganhar uma legitimidade no seio da comunidade internacional. Isto explica que o nacionalismo é preferencialmente europeu, tendo sido exportado para fora da Europa. Para os autores acima citados, o princípio das nacionalidades e das liberdades vai ter o seu apogeu, por toda a Europa, com Napoleão Bonaparte, que procura expandir os ideais revolucionários. As tentativas de autodeterminação têm um período de pausa, após a derrota definitiva do Imperador francês em Waterloo, em 1815, e, durante o Congresso de Viena, por parte das nações vencedoras, que dominou todo o espectro político no século XIX. Apesar dos propósitos da Santa Aliança, o certo é que surgem novos surtos nacionalistas em França (as revoluções de 1830 e 1848) cujos movimentos produziram, na Europa, alterações significativas. A Bélgica separa-se da Holanda em 1831; a Itália unifica-se em 1861, após a expulsão da influência austríaca da maior parte do seu território; em 1871, o nacionalismo alemão atinge o seu auge, com a proclamação do império. O nacionalismo político e o nacionalismo cultural tornaram-se parte integrante do liberalismo do século XIX, o nacionalismo liberal inspirou muitos desenvolvimentos políticos e sociais, entre 1815 e 1880. Foi necessário recorrer à força e à luta como meio político de transformar o nacionalismo cultural em nacionalismo político. A ideologia nacionalista chega a África numa época em que o continente possuía uma nova cartografia. Em 1919, as colónias alemãs foram confiscadas e repartidas pelos vencedores. A GrãBretanha e a França dividiram a Togolândia e os Camarões entre si, a primeira assegurou do domínio da África Oriental alemã (Tanganica) enquanto o sudoeste Africano foi atribuído a África do Sul. A Bélgica recebeu pequenas parcelas da África Oriental alemã como prémio de consolação. Os africanos dotados de consciência política tinham encarado a Iª Guerra Mundial como um trampolim para ascenderem às liberdades políticas que conduziram a uma futura autodeterminação. Os soldados e trabalhadores africanos haviam contribuído para a vitória da Grã- Bretanha e da França, que esperavam receber algo em troca. O esforço de guerra do continente e as baixas sofridas haviam encorajado um sentimento de reciprocidade moral, razão pelas quais nacionalistas argelinos e egípcios solicitaram em vão para defenderem a causa dos seus países na Conferencia de Paz de Versalhes. Em 1919, procurando apelar a consciência britânica, a Egyptian Association of Great Britain solicitou ao governo de Egyptian Association of Great Britain que concedesse a independência ao Egipto em nome dos mortos gloriosos que haviam dado a vida pela liberdade e pela defesa do conceito britanico de fair play. Diante desses factos, o Egipto assumiu a liderança e traçou o rumo para os movimentos nacionalistas africanos no período entre as duas guerras e nos anos seguintes. Os estudantes, como os que aderiram à Egyptian Association of Great Britain, solicitou ao governo de LIoyd George que concedesse a independência ao Egipto em nome dos mortos gloriosos que haviam dado a vida pela liberdade e pela defesa do conceito britanico de fair play. Diante desses factos, o Egipto assumiu a liderança e traçou o rumo para os movimentos nacionalistas africanos no período entre as duas guerras e nos anos seguintes. 

David LLoyd George


Os estudantes, como os que aderiram à Egyptian Association of Great Britain, emprestaram o ímpeto e, por vezes, a força física à causa nacional. Portanto, o exemplo do Egipto foi uma inspiração para os nacionalistas indianos e mais tarde os africanos. As causas do nacionalismo são apontadas  como sendo; o abalo da segunda guerra mundial e a suas consequências, a política dos Estados Unidos, a política da U.R.S.S.S, a acção da ONU, o exemplo da Ásia, o exemplo da África do Norte e as contradições internas do colonialismo. Os grupos motores deste movimento em África foram os sindicatos, a acção dos intelectuais, os movimentos dos estudantes, as igrejas e os partidos políticos. Finalmente, podemos entender que o nacionalismo foi um fenómeno que defendeu a ideia política de uma organização social que procurou reger-se por uma autoridade própria, cujos objectivos foram definidos em função dos mesmos ideais fundamentados em interesses comuns a uma determinada comunidade política, numa combinação de elementos como o território próprio, estruturas políticas próprias e valores característicos, materiais e espirituais, da respectiva comunidade. Este movimento constituiu, de certa forma, os fundamentos do Estado moderno e soberano em África. 

2.2. A génese do nacionalismo moçambicano Os povos colonizados em África nunca cessaram de se opôr à exploração. Mesmo depois de vencidos nas campanhas de pacificação, optaram e seguiram no começo da década 1920 por uma resistência não armada que foi crescendo e se multiplicando para diferentes quadrantes do continente. As ideais nacionalistas, nas colónias portuguesas começam a florir concretamente em finais da década de 1950. No mesmo período, estas ideias começam a significar alguma coisa para a maioria dos povos nas colónias. A causa da chegada tardia deste pensamento nestas colónias deveu-se ao facto de, antes, os poucos privilegiados capazes de procurar uma estratégia de autodefesa nas ideias do nacionalismo europeu estavam muito separados da grande maioria dos seus compatriotas. Em Moçambique, a dominação colonial e militar, afirmada na década de 1880, esteve consolidada apenas no decorrer do século XX pelos portugueses, após 1935, a região da África Austral representava a parte mais importante do continente por factores económicos e geopolíticos, como a vasta fonte de minérios e o tráfego entre a Ásia e o Ocidente através da rota do Cabo. Essa região esteve sob domínio colonial até fins da década de 1970. A luta pela autodeterminação política na África colonial decorreu em quatro etapas, por vezes entrecruzadas nos factos, mas, nitidamente passiveis de análise. Antes da Segunda Guerra Mundial, desenrolou-se uma fase de agitação das elites em favor de uma maior autonomia. Seguiu-se um período caracterizado pela participação das massas na luta contra o nazismo e o fascismo. Adveio, em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, a luta não violenta das massas por uma total independência. Finalmente, sobreveio o combate armado pelo reino político: a guerrilha contra os governos de minoria branca, sobretudo a partir dos anos 1960. No caso de Moçambique, em que a sua economia era organizada pelo sistema de exportação de mão de ob, mantida pela reserva de domínio de terras para portugueses e a mão-de-obra migrante. Onde a circulação de nativos entre Moçambique e as nações limítrofes para o trabalho nas fazendas e minas trouxe como consequências o aumento das desigualdades raciais, a dificuldade de uma resistência anti-colonial e a fragmentação dos núcleos familiares, de modo que em sua maioria, as mulheres passaram a ser responsáveis pela economia familiar e o trabalho doméstico. Por seu turno, os códigos de trabalho da metrópole portuguesa mantinham diferenças legais para os europeus, considerados “civilizados”, e para os chamados “indígenas”, tidos como não civilizados. Em 1899, foi criado o primeiro código de trabalho obrigatório para os nativos, chamado em Moçambique por “Chibalo” que, até 1950, o trabalho indígena constituía a principal mão-de-obra para as construções e obras estatais, quando se inicia o aumento do sector secundário e a indústria, avançando o capital em áreas de habitação e construção comercial, expandindo as oportunidades de trabalho livre para os africanos, tornando o Chibalo algo desnecessário e inaceitável, pois já existiam maiores possibilidades de trabalho no meio urbano. O engajamento político anti-colonial em Moçambique, é visível no final da década de 1940, com o final da Segunda Guerra Mundial, quando as políticas coloniais são exaradas e o engajamento de estudantes e trabalhadores conduzem inúmeras greves e paralisações na região de Lourenço Marques em áreas urbanas e rurais, culminando em intensas repressões. Nos anos de 1950 a 1960, ocorre a proliferação de movimentos de libertação nacional em colónias como a África do Sul, Rodésia, Angola, Moçambique e Namíbia. Estes movimentos tinham reivindicações em comum, como a rejeição do colonialismo, capitalismo, racismo e a adopção de teses do socialismo marxista-leninista. Para o caso de Moçambique, o momento de ebulição dos movimentos de organização da luta armada é assinalado com o Massacre de Mueda – actual distrito da província de Cabo Delgado, centro da população maconde no dia 16 de Junho de 1960. 


Neste episódio, uma multidão de macondes se reuniu para ouvir a delegação da MANU e o discurso do Governador de Cabo Delgado, Teixeira da Silva, que, ao contrário do esperado, não tratou das questões de terras do povo Maconde e apenas foi vaiado. Neste dia, a população foi encurralada pelo exército e outras pessoas foram mortas a tiros. Este episódio, foi muito funcional para a mobilização moçambicana, pois foi utilizado como legitimador da necessidade de uma luta armada para a conquista da independência, pelo que viria a se constituir FRELIMO. O massacre de Mueda, serviu de meio para incentivar o engajamento político da população moçambicana, de tal forma que a FRELIMO reproduziu amplamente relatos e interpretações do ocorrido. A partir deste período (1960), com o desencadear da luta armada nas colónias portuguesas, se intensifica a repressão colonial, diminuindo as possibilidades de luta interna em Moçambique. Isso ocorre principalmente após 1961, com o início da revolta e guerra colonial em Angola, que gera uma grande quantidade de refugiados nas regiões vizinhas, particularmente na Tanzânia. Os exilados criaram associações de refugiados, ainda não pertencendo a nenhuma das organizações políticas já existentes e exerceram uma forte pressão para a criação de uma única frente de libertação. A província do Niassa não constituiu uma ilha face aos acontecimentos internacionais, regionais e de Moçambique, em particular, tendentes à insurgência face a actuação do regime colonial português em África, incluindo as acções que já eram desenvolvidas por povos da região e colónias portuguesas visando acabar com as diferentes formas de dominação e exploração promovidos por minorias brancas em África. Neste constexto, em finais de 1960 a 62, sobretudo na circunscrição de Maniamba, concretamente em Cóbuè, Metangula e Messumba, começaram a aparecer ideais revolucionárias propalados por indivíduos que visitavam seus parentes residentes na Tanzânia e no Malawi e constatavam a existência de diferenças na forma de tratamento e de convivência social entre os europeus e africanos. 



Estes também viam nestes países vizinhos a emergência de liberdade de expressão política e alguns princípios de igualdade entre os homens. Desta forma, começou a tornar-se clara a necessidade de encontrar uma estratégia de erradicação do sistema colonial que vai ser estimulada pelo surgimento da FRELIMO, em 1962, pois alguns moçambicanos residentes concretamente em Ngoo, Metangula, Cóbuè e outras regiões do Niassa especificamente, aderiram à causa da libertação nacional difundida pelos emissários deste movimento nacionalista. Algumas colónias britânicas situadas na região austral de África, como Malawi e Tanzânia, vizinhos de Moçambique e que fazem fronteiras com a extensa província do Niassa, já tinham alcançado as independências e começado com o projecto de construção de nação democrática. Portugal manteve-se sempre relutante em admitir o direito à auto-determinação dos povos nas suas colónias, consequentemente os moçambicanos decidiram envolver-se no caminho mais radical possível, a independência completa em relação a Portugal. Só que este estava determinado e por todos os meios possíveis, incluindo a força das armas, a manter-se em Moçambique.  A questão da independência de Moçambique foi sempre apresentada ao governo português de todas as maneiras possíveis, mas este procurou de formas diferenciadas manter o seu sistema de exploração e repressão política fascista, baseado em desenvolvimento desigual alicerçado na divisão racial, impedindo o desenvolvimento dos povos que oprimia. Para perpetuar as suas acções procurou sempre envolver a fé católica romana nas suas ambições imperialistas de dominação e exploração. Para compreender as acções dos Moçambicanos face a dominação colonial e o surgimento da FRELIMO e o contexto do nacionalismo, é necessário olhar para a importância geoestratégica do continente africano além da sua orla mediterrania que foi posta em relevo na pratica após a II ª Guerra Mundial e especialmente apoios à constituição da OTAN16, pois, foi a partir desta altura que África passou a ser um teatro de operações, ambicionado pelas superpotências que tinham em vista atingir objectivos decisivos para dominação mundial. Estas nações “apoiaram as ideologias e movimentos independentistas, que lhes facilitavam a expulsão dos colonizadores europeus dos seus territórios. A consciência política começa a adquirir força nacionalista, principalmente com a derrota do fascismo e principalmente com o desenvolver de um movimento anticolonialista por todo o mundo. Na esfera política, observou-se que a criação da ONU, em 1945, e a luta pelo voto que ali imperou, sobretudo nos anos 1950, impulsionaram a descolonização de África. As independências do continente asseguraram um manancial de votos, na assembleia geral das Nações Unidas. Com a formação dos blocos opostos e em equilíbrios de força, surgiu uma nova estratégia, a penetração ideológica e a subversão revolucionária. A guerra vai transbordar do campo das armas para o campo das ideias e das reivindicações sociais e passou a processar-se em âmbitos territoriais nacionais com amplitude internacional. Também pode-se apontar a conferência de Bandung, em 1955, que reuniu os países não-alinhados como um dos antecedentes por ter marcado decisivamente o aprofundar do movimento anticolonialista africano ao aprofundar sobre a necessidade de se impulsionar a revolução africana através do seu comunicado de autodeterminação dos povos e nações tal como se referia na carta da Organização do Tratado Atlântico Norte da ONU, deplorando ainda as políticas e práticas segregacionistas e descriminação racial que estavam em voga nas bases dos governos e das relações humanas em grandes regiões de África. 


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1º Ministro Chinês Zhon Enlai discursa na Conferência de Bandung

 

Juntamente, no mesmo encontro, se reafirmou a condenação do colonialismo, afirmando-se que a sujeição dos povos a dominação e a exploração estrangeira constituía uma negação aos direitos elementares do homem, era contraria a carta das Nações Unidas e um entrave ao progresso da paz e da cooperação mundial, declarando-se, ainda, o apoio à causa da liberdade e da independência para todos os povos subjugados e convidando-se as potências em causa a acordarem a liberdade e a independência a esses povos. É neste contexto que foi apoiada e desenvolvida em África a acção de revolta ou “subversão” contra a dominação colonial que foi se propagando paulatinamente a partir dos anos 50 por todas regiões incluindo Moçambique onde se localiza a província do Niassa. Em cerca de 20 anos, as potências coloniais europeias foram cedendo, perante a pujança do movimento descolonizador, às reivindicações e a luta dos povos pela sua autodeterminação, o que acabou dando lugar a emergência de uma dezena de países em África, Extremo Oriente e no Médio Oriente. Depois de alcançadas as independências de países como Gana, Marrocos, Tunísia e Sudão, em 1968 já existiam em África 34 novos estados independentes, faltando os territórios africanos da Rodésia, do Saara Espanhol, o Sudoeste africano e os territórios de expressão portuguesa cujo governo de então insistia em lutar pela sobrevivência do tipo de colonialismo que preservava (de exploração, segregação, coerção). O regime de então (Salazarista) não tinha menor intenção de renunciar às suas colónias – pretendia incluí-las como seus territórios no ultramar, uma ideia utópica que com o passar do tempo, mostrou-se tarefa impossível, pois o nacionalismo africano estava estreitamente ligado a tomada de consciência negra e manifestava-se numa pluralidade de formas que permitiram o surgimento de movimentos anticoloniais. Inicialmente, no meio estudantil na diáspora e em menor escala em algumas escolas nos centros urbanos das principais colónias, sobretudo as pertencentes a igrejas. Comunicado final da Conferência de Bandung, protestantes, nas associações culturais e grupos recreativos, nas organizações religiosas, nas comunidades, todas como manifestações clandestinas. Estas manifestações terão sido as precursoras dos futuros movimentos independentistas e outros chamam de Nacionalismo, resultante de uma convergência cultural em que os dirigentes, atento a realidade, caminharam ao encontro do povo, principalmente os camponeses para incutir neles a ideia da necessidade de libertação. No seio de alguns africanos instruidos e alguns “assimilados” surgem indivíduos formados, educados e ocidentalizados que vão criar os movimentos independentistas, paulatinamente dando corpo aos movimentos nacionalistas. Em Moçambique, estes movimentos de opinião de resistência, tiveram alguma expressão inicial apenas nas zonas urbanas bem localizadas como foi o caso da zona sul do país, alicerçadas pelas missões protestantes que educaram basicamente alguns futuros dirigentes nacionalistas. A origem dos movimentos independentistas também esteve associada aos grandes aglomerados urbanos e a emigração aos países vizinhos dado que as condições de desenvolvimento e propagação dos ideais revolucionários nas cinturas dos grandes centros, propiciavam a liberdade de organização política. Esses centros foram também propícios ao recrutamento de apoiantes. O elevado número de comunidades africanas originárias dos territórios portugueses em países vizinhos, onde se consolidara os ideais independentistas e o transfronteirismo étnico e a existência de laços familiares entre eles, facilitaram a permeabilidade desses ideais. Em Moçambique, este fenómeno verificou-se nos centros urbanos do litoral, o que conduziu a uma rarefacção de estruturas administrativas no interior e de maneira geral nas proximidades das fronteiras, esta situação, levou a que a população dessas regiões fosse atraída para os centros urbanos dos países vizinhos não longe destas fronteiras. Para o caso de Moçambique, o desencadear da luta na Angola e a independência da Tanganica estimularam os sentimentos patrióticos, mas, foi o processo de evolução no interior de Moçambique que desencadeou o movimento unificador catalisado pela visita de Eduardo Chivambo Mondlane em 1961, quando este era ainda funcionário das Nações Unidas.

Eduardo Chivambo Mondlanne

 A colonização portuguesa, caracterizada por um sistema de culturas obrigatórias, remunerações deficientes, condicionamento de mobilidade geográfica, elevado imposto de palhota e de capitação, uso intenso do trabalho forçado e as desfavoráveis relações de troca com o comércio local favoreceram o desenvolvimento de actividades políticas de resistência anticolonial de cariz independentista. Em si, a colonização “precipitou a tomada da consciência nacional do colonizado (…) moderou o seu ritmo ao manter o colonizado fora das condições objectivas da nacionalidade contemporânea”. A acção dos colonizados perante o colonizador na perspectiva deveu se ao facto de este não lhe ser permitido desfrutar de atributo algum de nacionalidade; nem da sua, que era dependente, contestada, sufocada, nem, bem entendido, da nacionalidade do colonizador. Portanto, devido a colonização, o colonizado quase nunca fez a experiência da nacionalidade ou da cidadania a não ser de forma privada. Associado a esse conjunto de factores, temos o facto de após a IIª Guerra Mundial, terem surgido grandes potências mundiais como os EUA e a União Soviética que na disputa de zonas de influência vão apoiar a formação dos nacionalistas independentes contra a presença europeia nas suas colónias, apoiando ideológica, doutrinária e militarmente. Neste âmbito, a partir dos anos 1950/1960, nacionalistas africanos começam a estabelecer contactos com as massas. Em Moçambique, várias reivindicações foram feitas, através de canais democráticos disponíveis, mas a atitude negativa de Portugal relativamente a estas exigências desacreditou os métodos pacíficos dando como resposta as estas exigências, massacres como o de Mueda em 1960. Um outro factor é mencionado por  MOYANE então chefe da FRELIMO para Defesa e Secretário Regional de Acção na Província de Tete em 1972, na entrevista a Saul de carvalho (1976) em que faz referência ao seu lento desenvolvimento da consciencialização política como algo que foi alimentado pelos acontecimentos algures, este menciona: a acção do Nkruma no Gana, Nyerere na Tanzânia, a luta contra a federação, a independência do Congo, o alastrar das lutas em Angola e a dramática visita de Eduardo Mondlane a Moçambique (na altura em que este ainda estava a trabalhar nas Nações Unidas) em 1961. Este sentimento vivido por Moyane aconteceu com muitas outras pessoas, incluindo os residentes no então Distrito de Niassa de onde vários
 moçambicanos partiram com destino a Tanzânia a fim de se juntar a FRELIMO nos princípios da década de 1960. 

2,3,A fundação da FRELIMO 

As durissimas condições de vida impostas aos africanos, com base no estatuto do trabalho nas culturas obrigatórias e sobretudo na necessidade do seu deslocamento para todo o território ou na ida para o estrangeiro (como especialmente aconteceu em Moçambique), fizeram com que pudessem estabelecer-se condições de maior contacto entre as populações, o que favoreceu a solidariedade e a abertura à ideia do nacionalismo na diaspora. Esta acção contribuiu para a progressiva consciência da condição do africano e para a capacidade de realização de vários actos de protesto que tiveram lugar principalmente nos centros urbanos. Este ambiente esteve também na origem da criação do Núcleo dos Estudantes Africanos de Moçambique (NESAM), em 1949, que, apesar de vir a ser proibido, ajudou a difundir a ideia de independência, acabando muitos dos seus membros por se integrar na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), à semelhança de Eduardo Chivambo Mondlane. Em Moçambique, foi uma minoria de trabalhadores urbanos, quem primeiro desenvolveu uma resistência activa e organizada contra as autoridades portuguesas. Um dos fenómenos que despertou ideias reivindicativas com intuitos nacionalistas nos finais dos anos de 1950 em Moçambique e que pode ser considerado, é a greve dos estivadores do Lourenço Marque em 1956. Outro factor que pode ser elencado na senda do surgimento dos ideais reivindicativos patente em diferentes literaturas que abordam a luta de libertação nacional, e que precedeu a luta armada em Moçambique, foram os acontecimentos de Mueda, em Cabo Delgado, no dia 16 de Junho de 1960. O incidente de Cabo Delegado, foi interpretado como repercussão da independência do Congo, demonstrando a intranquilidade sentida pela população branca no Norte de Moçambique. Para MONDLANE (1995) é nestes incidentes onde se centra-se o mais amargo ódio contra os portugueses e terá sido esta a razão da decisão da criação de um movimento nacionalista militante forte. Para ele, a origem da unidade nacional justificava-se pelo sentimento maioritário da dominação efectiva portuguesa, pelo que, formar uma frente de luta comum, fazendo apelo a oposição colonial e pela necessidade de independência seria simples. Em torno dos factores decisivos para a fundação da FRELIMO, há três elementos fundamentais, nomeadamente o papel geoestratégico do território tanzaniano para a independência nacional de Moçambique, o envolvimento da TANU no processo da sua formação a 25 de Junho de 1962 em Dar-es Salaam, tanto como as relações desenvolvidas entre os dois movimentos. O terceiro elemento é o ato político geoestratégico da Tanzania, visto que, por força da repressão política de Portugal, o país constituiu local de encontro entre as principais elites revolucionárias moçambicanas, nomeadamente a elite académica, a elite literária e a elite fundadora dos principais movimentos nacionalistas que antecederam a FRELIMO. O terceiro e último elemento apontado, é o acto político ligado ao O movimento nacionalista moçambicano, a semelhanças dos outros das colónias portuguesas, implantou os seus santuários nos territórios vizinhos já independentes e dai, rapidamente levaram a cabo as suas acções de organização e oposição política ao governo colonial. No caso da FRELIMO, desenvolveu-se também nas populações emigradas na Tanzânia, Malawi e Zâmbia, países independentes desde o início da década de 1960 e cujos habitantes das zonas fronteiriças pertenciam muitas vezes aos mesmos grupos étnicos. A estes vieram a juntar-se, mais tarde, os exilados procedentes da pequena burguesia nativa das cidades do Sul, principalmente, Lourenço Marques (actual Maputo) e Beira, os quais viriam a converter-se nos principais dirigentes do movimento. Após a criação do movimento, juntam se outros populares residentes da região norte de Moçambique, principalmente provenientes das províncias do Niassa e Cabo Delegado. No seio dos moçambicanos colonizados, era, na   hesitação, insuficiência e ambiguidade de uma agressividade de vencido que, à sua revelia, admira seu vencedor. A revolta era tanta que não demoraria em chegar no meio deles ideias e acções nacionalistas pois era, para a situação colonial, a única saída, ruptura com o sistema colonial. As primeiras tentativas de se criar um movimento nacionalista foram levados a cabo por moçambicanos que trabalhavam nos países vizinhos que criaram diversas organizações. Os primeiros movimentos moçambicanos de resistência viriam a estruturar-se entre as populações emigradas nos países circunvizinhos e independentes em 1961 (Tanganica, actual Tanzania) e em 1964 (actuais Malawi e Zâmbia). Dentre os principais movimentos, destaca-se o Maconde African National Union, posteriormente transformado em Mozambique African National Union (MANU), fundado no Tanganhica, em 1958/1959, com o intuito de reunir os Macondes de Moçambique e libertar a sua região de acordo com os interesses da Tanzânia porque os seus líderes eram originários da Tanzânia, membros da TANU (Tanganica African Union) de Julius Nyerere, por falta de elites instruída no grupo. A MANU foi dirigida por Mateus Mmole, integravam cidadãos como Lourenço Milinga Milinga, Samuli Ndyankali e Daude Atupale,  A União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), organizada na Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), em 1960, e cujos membros procediam em grande parte de Manica e Sofala, Gaza e Maputo, foi criada por Adelino Gwambe

Eduardo Mondlane e Adelino Gwambe


Nesta organização, destacaram-se alguns cidadãos como Uria Simango, Feliciano Gundana, Mário Matsinha, Joao Munguambe e Lopes Tembe. A União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI), surgiu, em 1961, na antiga Niassalânda (actual Malawi), com base em emigrados das zonas de Tete, Zambézia e Niassa, esta descende da Associação Nacional Africana de Moatize criada em 1959 com intuitos aparentemente culturais que, na prática, prestavam finalidades políticas visando subverter o pessoal da região. Estes movimentos,incorporavam valores nobres dos seus antepassados e falhavam por possuírem biforcações em relação aos seus objectivos nacionais, dai a necessidade de criação de um só movimento que aglutinasse os ideais e anseios do povo moçambicano como um todo. Estes movimentos, tinha em comum o facto de seus militantes e seus dirigentes terem residido muito tempo no exterior, logo, não possuíam uma noção clara das condições reais do território, sendo todos eles largamente influenciados pelos tipos de organizações existentes na tradição colonial inglesa, com uma base étnica e regional. Eles tiveram de se organizar na clandestinidade ou em santuários.  O processo unificador destes movimentos foi assumido em especial pela UDENAMO que havia participado na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), realizada em Casablanca em 1961, em que se apelou à necessidade de congregar esforços contra o inimigo comum. Marcelino dos Santos, membro da comissão executiva da CONCP, era também dirigente da UDENAMO, movimento que convocou, em Janeiro de 1962, para Dar-es-Salam, o MANU e a UNAMI. Dessa reunião surgiu o Comité de Unificação dos Movimentos Nacionalistas de Moçambique, presidido por um dirigente da UDENAMO, Uria Simango, filho de pastor protestante, depois de diversos contactos, as três organizações, a 25 de Junho de 1962, foi assinado um protocolo que dissolveu os outros movimentos e constituiu a FRELIMO com uma direcção provisória encabeçada por Eduardo Mondlane, que ficou responsável por organizar o Iº congresso que viria a ser realizado de 23 a 28 de Setembro em Dares Salaam. Neste encontro, “foi eleito Eduardo Mondlane como presidente do movimento e foi consignado o programa e estatutos da FRELIMO. Portanto, os três movimentos acabaram por se fundir em nova organização, a FRELIMO, criada em 25 de Junho de 1962 e segundo os seus estatutos, “tratou-se de uma organização política constituída por moçambicanos, sem distinção de sexo, origem étnica, crença religiosa ou lugar de domicílio. Tinha por objectivo a liquidação total, em Moçambique da dominação colonial portuguesa e de todos os vestígios do colonialismo e do imperialismo, a conquista da independência imediata e completa de Moçambique e a defesa da realização das reivindicações de todos os moçambicanos explorados e oprimidos pelo regime colonial português. (Estatutos da FRELIMO, A formação da FRELIMO “representou o início e o fim do colonialismo Português em Moçambique”. Constituiu para a população do Niassa uma prancha que todos esperavam para orientar as suas acções tendentes a acabar com as diferentes formas de atrocidade perpetrados pelo regime colonial fascista. Como os seus grupos constitutivos eram de base étnica, a coesão revelou-se desde o início muito frágil, razão que levou à escolha de Eduardo Mondlane como presidente, por não proceder de 84 qualquer dos grupos anteriores, se olharmos para a composição da direcção dos movimentos que deram origem a FRELIMO, mas sabe-se que Eduardo Mondlane, antes de 1962 nutria boas relações com Nyerere. Assim, pode afirmar-se que a FRELIMO é produto de uma convergência cultural. Tendo em conta o quadro da sua realidade, da sua personalidade imediata e real, os dirigentes caminharam ao encontro do povo, sobretudo ao encontro dos camponeses e das populações rurais. Uma acção que, inicialmente, exigiu um esforço pessoal como aconteceu com vários indivíduos que percorreram e trilharam caminhos espinhosos para se juntarem ao movimento e levarem a cabo a acção revolucionária. Indivíduos inicialmente formados na Europa, tiveram de aprender ou reaprender a sua língua nativa, readaptar-se aos seus iniciais estilos de vida e tiveram de vencer o grande peso de preconceitos e hábitos por eles abandonados a anos atrás. Tiveram de reconverter as suas atitudes, comportamentos, ambições e perspectivas pessoais tanto como a dureza da vida nas matas. Tiveram de transpor o complexo de superioridade e de inferioridade por forma a se integrarem as fileiras do movimento de libertação e obter aceitação no meio rural, nas comunidades como estratégia para fazer chegar a elas os ideais da FRELIMO tendentes a libertação do país como um todo. Os primeiros dirigentes da FRELIMO (Eduardo Mondlane, Marcelino dos Santos e até Samora Machel e outros) “tiveram uma iniciação intelectual muito menos elaborado e foram um extraordinário exemplo daqueles que tiveram de abrir caminho para a claridade da teoria e da prática através das estreitíssimas fendas. Há que destacar a extraordinaridade de Eduardo Mondlane cuja formação era tudo menos marxista, cujo treino foi pelo contrário, o de um ortodoxo sociólogo americano, tendo-se tornado o arquiteto do desenvolvimento da FRELIMO no grupo dos exilados até ser um movimento popular, mas também o timoneiro durante alguns dos mais difíceis anos do movimento, Eduardo Mondlane tinha estudado antropologia e sociologia nos Estados Unidos, começando a prestar serviço na ONU em 1961. Já como funcionário das Nações Unidas, visitou Moçambique, vindo a ser convidado pelo Governo português para trabalhar na administração colonial, convite 85 que recusou. Nos Estados Unidos, foi ainda professor da Universidade de Siracusa, mas, no início de 1962, decidiu empenhar-se inteiramente na luta de libertação nacional. Foi, então, encarregado de organizar o I Congresso da FRELIMO em Dar-es-Salam, em Setembro de 1962, congresso que veio a consolidar a organização e a prepará-la para o início da luta armada. De 1962 até ao início das hostilidades, a FRELIMO fortaleceu a sua retaguarda na Tanganica (actual Tanzânia), contando com apoios diversificados, desde os Estados Unidos, no início, até à Argélia, países socialistas e China. Em 1963, várias centenas de militantes foram enviados para Argel, Moscovo e Nanquim, onde receberam treino militar. Após o seu regresso receberam a missão de iniciar a luta armada. No mesmo contexto de preparação da luta armada, a FRELIMO enviou voluntários para a Argélia, Tanzânia e mais tarde para a Ucrânia, sob supervisão e apoio chinês e soviético, algo que justificava os seus ideais comunistas e métodos militares fundamentalmente maoístas. Com isto, aquilo que nos primeiros anos seria um efectivo desorganizado passaria a, no final da década de 1960 e início de 1970, a ser um contingente na ordem dos 2.400 elementos, treinado para a guerrilha. A Luta armada levada a cabo pela FRELIMO foi uma luta revolucionária dos explorados contra os exploradores; uma luta política, ideológica, económica, cultural e social fundada no interesse das largas massas trabalhadoras oprimidas. É de notar que, a formação da FRELIMO resulta de um processo conjugado a factores externos e do próprio colonialismo em Moçambique e da conjuntura da época. Tratou se de um movimento que teve origem nas massas oprimidas, mas alicerçada numa elite instruída. A sua criação como movimento nacionalista que pretendia acabar com todas as formas de exploração e dominação em Moçambique foi notícia em diferentes órgãos de informação, nacional e internacional e chegou ao conhecimento da autoridade colonial portuguesa. Analisando os factos, entende-se que a formação da FRELIMO resulta da consciência do povo moçambicano sobre a necessidade da sua libertação do jugo colonial português; do aprimoramento dos ideais nacionalistas que paulatinamente foi partilhado e absolvido pela população e por último e a questão da irredutibilidade do regime colonial. 2.3

2.3.1. A implantação da FRELIMO no Niassa 


Major Costa Matos, Governador Geral do Niassa DE 1962 A 1964 e Daniel Roxo

2.3.1. A implantação da FRELIMO no Niassa O processo da implantação e preparação da Luta Armada de Libertação de Moçambique, encabeçada pela FRELIMO no Niassa, foi orientado pelo Comité Central que decidiu que a luta se iniciaria no dia 25 de Setembro de 1964. Esta acção contou com apoio de alguns indivíduos (regedores, pastores, entre outros) que, de forma directa ou indirecta, facilitaram as actividades dos primeiros emissários do movimento na região de diferentes formas (dando alimentos, abrigo, distribuindo panfletos, facilitando o recrutamento de jovens, sensibilizando a população a se juntarem ao movimento, fornecendo pistas da movimentação da tropa colonial e outras), conforme passamos a descrever, alguns casos que estão reportados em diferentes relatórios dos administradores coloniais constantes no Arquivo Histórico Diplomático e Arquivo Nacional Torre do Tombo em Lisboa com destaque a: Aidão Chitenge (regedor) e Aidane Cauela – estes, em 1963, enviaram a partir de Cóbuè para Tanzânia, 30 jovens que sabiam ler e escrever correctamente português. Realizavam reuniões no qual aconselhavam os participantes a contribuírem de diferentes formas visando apoiar a FRELIMO para que Moçambique se tornasse independente. Estes acabaram presos por causa das suas actividades como membros da FRELIMO e encaminhados para Vila Cabral. A denúncia, foi feita pelo regedor Mataca que tinha o regedor Chitenge como seu rival, numa manobra política visando eliminar o regedor Chitenge e ganhar as atenções do governo. Para além disso, existiam desavenças e inveja entre os dois que datavam do antigo regedor Chitenge, que acusava Mataca de ser feiticeiro por lhe roubar as águas da chuva, e quando morreu o regedor Chitenge, Mataca quis ver se conseguia ligar a regedoria Chitenge a sua regedoria. Segundo o mesmo relatório, o regedor Chitenge
 foi solto da suspeita de envolvimento em actividades subversivas através de uma carta. O processo da implantação e preparação da Luta Armada de Libertação de Moçambique, encabeçada pela FRELIMO no Niassa, foi orientado pelo Comité Central que decidiu que a luta se iniciaria no dia 25 de Setembro de 1964. Esta accão contou com apoio de alguns indivíduos (regedores, pastores, entre outros) que, de forma directa ou indirecta, facilitaram as actividades dos primeiros emissários do movimento na região de diferentes formas (dando alimentos, abrigo, distribuindo panfletos, facilitando o recrutamento de jovens, sensibilizando a população a se juntarem ao movimento, fornecendo pistas da movimentação da tropa colonial e outras), conforme passamos a descrever, alguns casos que estão reportados em diferentes relatórios dos administradores colonias constantes no Arquivo Histórico Diplomático e Arquivo Nacional Torre do Tombo em Lisboa com destaque a: Aidão Chitenge (regedor) e Aidane Cauela – estes, em 1963, enviaram a partir de Cóbuè para Tanzânia, 30 jovens que sabiam ler e escrever correctamente português. Realizavam reuniões no qual aconselhavam os participantes a contribuírem de diferentes formas visando apoiar a FRELIMO para que Moçambique se tornasse independente. Estes acabaram presos por causa das suas actividades como membros da FRELIMO e encaminhados para Vila Cabral. A denúncia, foi feita pelo regedor Mataca que tinha o regedor Chitenge como seu rival, numa manobra política visando eliminar o regedor Chitenge e ganhar as atenções do governo. Para além disso, existiam desavenças e inveja entre os dois que datavam do antigo regedor Chitenge, que acusava Mataca de ser feiticeiro por lhe roubar as águas da chuva, e quando morreu o regedor Chitenge, Mataca quis ver se conseguia ligar a regedoria Chitenge a sua regedoria. Segun assinada por nativos moçambicanos residentes em Blantyre, Malawi datada de 10 de Julho de 1964, dirigida ao Governador do Distrito do Niassa em que pedia-se a libertação desta autoridade tradicional com os seus rapazes como forma de manter a paz com a população de Cóbuè. Matias Cassonjola – natural de Chigoma, Pastor, foi quem recebia os cartões da FRELIMO e fazia as distribuições. Williade Quida- natural de Wiqui, vendedor de cartões da FRELIMO, depois da prisão de Mainade Paulo, Francisco Mucamba. Em Miandica – o regedor Maniamba permitia a realização de reuniões (banjas) em sua casa – O Chefe Abílio oferecia milho aos guerrilheiros da FRELIMO. Em termos práticos, a FRELIMO instalou-se no Niassa em Janeiro de 1963 com a implantação dos primeiros núcleos clandestinos. Portanto, três meses apoios a sua formação. Mainade Paulo Negumbe – treinado em diversos locais do estrangeiro, acomodou os guerrilheiros da FRELIMO depois dos ataques de Cóbuè e Metangula, em 25 Setembro, portanto, a partir do dia 11 de Outubro de 1964 a 25 de Novembro 1964, tendo-os mantido escondidos e fornecendo alimentação. 


Manteve a instrução de guerrilha, recebeu voluntários dos quais se destaca: Francisco Muapulo, Elias Mapelele, Andre Nzunja, Ezra Ezau Cágua, Alfredo Binaule, Tomás Jalafe, Tiago Juma, Mateus Futtalila e Jorge Ganangue. A permanência do grupo na região foi do conhecimento de pouca gente. Os habitantes da margem do Lago Niassa, dedicam se a pesca, criação de gado e em menor escala a agricultura. Desde sempre emigraram para territórios vizinhos demonstrando uma ânsia em viajar, vivendo sempre junto a uma importante via de comunicação que lhe possibilitasse a vida de intensos contactos com o exterior, reunido assim condições óptimas para ser sujeito a influências externas ou estranhas o que o tornava receptível a quaisquer ideologias. Tal facto, terá facilitado o contacto com povos de territórios vizinhos e constituído zona fértil para o início da Luta de Libertação Nacional, no Distrito de Niassa, concretamente na região do Lago, dado que as actividades do inimigo se iniciaram precisamente nesta região. As actividades preliminares da FRELIMO começaram na área do posto administrativo de Cóbuè, muito antes aos assaltos ali efectuados, no dia 25 de Setembro, segundo uma nota enviada pelo administrador do posto administrativo da região, datado de Janeiro de 1964, em que o mesmo garantia que em toda área da sua jurisdição estava infestada de nativos ligados a FRELIMO, desempenhando todos funções de relevo no movimento. Referiu, também, que a infiltração dos mesmos elementos se vinha efectivando há muito tempo alastrando de tal modo que era quase impossível exercer algum controle. Adiante, refere que as autoridades gentílicas nada faziam para conter a onda da movimentação dos mesmos porque, segundo este, tinham receio de os impedirem. Mas tarde, veio a saber que estes colaboravam com os elementos da FRELIMO na região. 


No mesmo informe, o administrador faz referência ao facto de as autoridades da Ilha de Likoma fornecerem asilo aos que exerciam propaganda revolucionária em Moçambique e, posteriormente, para lá se dirigiam, destacando os nomes de Matias Lituaua, Alberto Gaungue e Leonardo, que se encontravam na Ilha de Likoma sob a protecção das autoridades locais e que eram alimentados por Landeford Gaunge, filho de Alberto Gaunge, que residia em Mataca. Dadas as circunstâncias em que se entravam, de acordo com o mesmo relatório, o chefe do posto de Cóbuè solicitou uma embarcação a gasóleo para fiscalização da região. Solicitou também que a embarcação de carga e passageiros de nome Ilala II, para que estendesse o seu percurso até a Ilha de Likoma, à Cóbuè. Pediu ainda, a colocação de tropas ou outros elementos militares perto da fronteira com Tanzânia a fim de exercer fiscalização rigorosa da mesma e conter assim a movimentação dos militantes da FRELIMO para aquela região. Para conter a movimentação massiva da população, o chefe solicitou a abertura de um estabelecimento comercial na povoação de Lipoche para evitar que as populações se deslocassem frequentemente à Tanzânia a fim de efectuar compras e aí, clandestinamente, adquiriam cartões da FRELIMO, um cartão que chegou a ser exigido pelas autoridades Malawianas para entrar na Ilha de Likoma.  O chefe do posto exigia, ainda, a colocação urgente de uma parteira, alojamento dos guardas PSP e reparação urgente do posto sanitário que se encontrava em estado deplorável. Igualmente, pedia a vinda periódica de aviões da FAP (Força Aérea Portuguesa) como forma de marcar presença na região e encorajar os informadores assim como a realização de banjas (reuniões) periódicas a serem dirigidas pelo Administrador de Maniamba, desencorajando alianças com a FRELIMO e outros grupos que eventualmente realizavam propagandas revolucionárias na região. Todas estas benfeitorias visavam reduzir, se não mesmo acabar, com a movimentação da população para a Ilha de Lokoma, no Malawi, e a vizinha Tanzânia, onde entrariam em contacto com elementos da FRELIMO e organizassem a revolta na região. Constituiu uma estratégia tardia 89 de mostrar as populações que seriam capazes de prestar apoios, protecção contra os assédios dos agentes da propaganda e da perturbação nas suas povoações. O administrador da circunscrição de Maniamba em coordenação com o então Governo do Distrito do Niassa consentiu e levou a cabo acções visando materializar todas solicitações do chefe do posto de Cóbuè. Assim, se passou a realizar semanalmente visitas e realizar “banjas” com a população local, esclarecendo a necessidade de evitar aliciamentos de elementos da FRELIMO e passar a dar ouvido aos informadores locais. O modelo de desenvolvimento colonial de Portugal em Moçambique, nos qual a maior parte dos colonos portugueses radicou-se no litoral para prestar serviços às cidades portuárias e uma minoria instalou-se nos terrenos mais férteis do interior centro e do norte do país, permitiu que a guerra se desenrolasse inicialmente em zonas de reduzida presença de colonos europeus, com baixa densidade populacional de povos locais, com uma fraca malha administrativa e quase que ausentes ou frágeis infra-estruturas. Em termos gerais, o Niassa era uma região debilmente ocupado pela autoridade colonial portuguesa até finais de 1960. A quando da sua aparição no Niassa, através dos seus primeiros membros exilados na Tanzania, nomeadamente James Msadala, José Chitenji, Carlos Dewasi, Henrique Mwenda e Mandindique, que desenvolveram a experiência de luta política ao lado da Tanganyika African National Union (TANU), a FRELIMO foi analisada pelas autoridades coloniais portuguesas como uma organização que comandava a revolta em Moçambique e que não resultou da espontânea vontade das organizações e grupos que a integravam mas sim de uma imposição do exterior com destaque para os EUA, Este movimento implantou-se no Niassa através dos seus emissários, que, inicialmente, foram ao encontro das autoridades locais e criaram núcleos clandestinos com a tarefa de acelerar o recrutamento de jovens para engrossar as fileiras da FRELIMO na Tanzânia, estes núcleos tinham uma estrutura clandestina. O primeiro a ser criado localizava-se na região de Chigoma, Cóbué, foi o que mais se destacou na Província do Niassa. Reuniões  pelo número de jovens mobilizados e recrutados. Estes núcleos, também foram criados nas Missões, escolas e outros. A partir destes núcleos muitos outros foram surgindo ao longo do litoral do Lago Niassa até Messumba com influências na Vila Cabral- Lichinga, envolvendo professores, catequistas, alunos, enfermeiros e outros. Aperto ao cerco no Niassa - as prisões e a violência colonial

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