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Livros da guerra colonial

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domingo, 9 de novembro de 2025

O TRAÇADO DIARÍSTICO DE EDUARDO TRACANA. UM ROTEIRO BÉLICO TRAÇADO POLÍTICO (1ª PARTE)

                                                                  E EU, LÁ TÃO LONGE!                                                         EDUARDO TRACANA, DO BI 12 ÀS CAMPANHAS DE ÁFRICA. ROTEIRO DE UMA EXPEDIÇÃO.

O TRAÇADO DIARÍSTICO DE EDUARDO TRACANA. UM ROTEIRO BÉLICO TRAÇADO POLÍTICO

Eduardo dos Santos Tracana nasceu a 27 de Outubro de 1889, na freguesia da Sé, filho natural de Emília Nunes, casou em 26 de Fevereiro de 1919 com Maria Branca Abrantes de Andrade Pissarra. Alistou-se como voluntário em 20 de Janeiro de 1909 para "servir até aos 45 anos de idade (...) tendo sido incorporado no Regimento de Infantaria 12", conforme consta na folha de  matrícula militar. Contudo em 1916 definiu-se que todos cidadãos entre os 20 e os 45 anos de  idade que não estivessem recenseados para o serviço, o deveriam fazer e seriam as Comissões de Recenseamento Militar dos concelhos ou bairros a organizar os recenseamentos dos anos entre 1891 e 1915.

Terminada a recruta em 19 de Abril de 1909, o 1º Cabo Tracana passou ao 2º Batalhão em 1 de Novembro desse ano, continuou, no serviço activo por mais um ano, por declarar"desejar readmitir-se, desde 20 de Janeiro de 1911.  Em 1913, então com vinte e quatro anos, frequenta a Escola de Sargentos, curso que termina com aproveitamento, sendo a partir de 30 de Novembro de 1913, 2º Sargento e, em 1927, ascende ao posto de 1º Sargento, tornando-se professor do Curso Elementar, desde 23 de Abril de 1933. Passou ao Batalhão de Caçadores 7, em 11 de Setembro de 1939; com a idade de cinquenta e um anos foi dada  como incapaz para servir e passa à situação de reforma em 1 de Junho de 1940. Ao longo da carreira foi, ainda, condecorado por diversas vezes.

Ao longo deste artigo, como foi nossa intenção inicial,pretendemos apresentar alguns postais ilustrativos, escritos pelo próprio Eduardo dos Santos  Tracana, enquanto personagem interveniente e activa no conflito, inicialmente em Angola (1914), depois Moçambique (de 1916 a 1917) e, por fim, em Cabo Verde (1918). Será, contudo, durante  a sua estada em Moçambique que iremos privilegiar de sobremaneira, por ter sido aquela que durante mais tempo vivenciou o conflito e por ter sido aquele cenário bélico que durou mais  tempo e de forma mais cruel.

General Alves Roçadas

Em
 3 de Setembro de 1914, na 1ª Expedição de Alves Roçadas, aquando as incursões alemães em território do sul de Angola, Eduardo Tracana embarca para esta para esta província ultramarina, onde chega a 28 de Setembro, integrando o 2º batalhão do 2º grupo  de Metralhadoras. Havia uma evidente falta de soldados para  a especialidade de Metralhadoras do 6º e 7º Grupos de Metralhadoras (Bragança e Castelo Branco) que seriam supridas por soldados do 2º Grupo de Metralhadoras (Guarda) , mandados apresentar em Tancos. Permanece nesta província ultramarina de Janeiro de 1914  a  Setembro de 2015.

Nesta província, o Sargento Tracana fez parte do efectivo que ocupou Quiveva, Cafu e Evale, ainda, escoltou " um comboio de víveres destinado a Mongua, para a colónia de Cuanhama". Após esta comissão regressa à  Metrópole , tendo desembarcado em Lisboa  em  15 de Outubro de 1915, altura do envio da 2ª Expedição para Moçambique..

Uma outra frente que Portugal queria proteger era Moçambique e, à semelhança de Angola decide, também, reforçar a zona da fronteira e enviar tropas  que defendessem o território e os habitantes. Portugal sempre lidou com as colónias de forma diferente da Alemanha; este pais contava com um grande grosso de indígenas nas fileiras, conhecendo, por isso o terreno de forma eficaz e o campo de treino ter sido efectuado em ambiente africano, não havendo necessidade de aclimatização. Ao passo que, as tropas portuguesas, além de exaustas, das campanhas de Angola, desconheciam o terreno, clima e estavam extremamente mal treinadas. Foram necessárias três campanhas em Moçambique para tentar travar o inimigo sem êxito.

A 9 de Março de 1916, a Alemanha declara guerra a Portugal e, nesta altura, mais do que nunca, os portugueses reforçam a defesa das linhas territoriais, tendo o Governador Álvaro de Castro delineado como principal objectivo a recuperação de Quionga.

Álvaro de Castro Governador de Moçambique em 1916

Em Maio de 1916, já no 5º Grupo de Metralhadoras (integrado na 5ª Divisão, organizada em Coimbra) é com este contingente que o 1º Sargento Tracana vai para a Província de Moçambique, tendo desembarcado em Palma em 5 de Julho, com a 3ª Expedição do General Ferreira Gil; Eduardo Tracana, e de  acordo com a sua folha de matrícula, tem aptidões de maqueiro e apontador de Metralhadoras Vichers. Esta expedição chegará a Lourenço Marques a 27 de Junho

General José César Ferreira Gil, comandante da  3ª Expedição

Em 1 de Julho de 1916, Eduardo Tracana encontra-se em Lourenço Marques e dá conta disso à família,num emotivo postal que envia à futura  esposa Branca. Além de indicar o trajecto da expedição, refere ainda que há outros soldados e pessoas conhecidas da sua cidade natal, minimizando a saudade e quiçá o receio da ida para a guerra. Os movimentos do sargento estarão,, a partir de agora, em consonância com a cronologia da guerra, com   os ataques infligidos pelos alemães e com as tentativas de defesa por parte do Corpo Expedicionário Português. Em 2 e 31 de Julho os alemães atacam Nangadi de forma violenta.

O destino da 3ª Expedição será Palma, a sul de Quionga, para depois se poder progredir para o norte do Rovuma, em Setembro, as tropas concentram-se nesta localidade para prepararem o ataque no dia 18, e é um sucesso, os portugueses não encontram oposição. Somente com 3 colunas e 4.000 homens, o general Ferreira Gil, é apoiado por 10 metralhadoras e 14 peças de artilharia, alcança o objectivo. Mas a guarnição alemã, sempre bem informada, estava constantemente um passo à frente das deslocações portuguesas e retira no dia anterior. Lisboa tinha delineado o objectivo desta  expedição: ; a cooperação com as forças aliadas que participavam na campanha. É de Palma. É de Palma que o Sargento Tracana escreve o segundo postal.


A 3ª Expedição encontrará em Moçambique umas tropas destroçadas, um grupo de homens exaustos e famintos, com uma metrópole apenas  preocupada em tirar dividendos políticos. Há, de facto, um evidente mal-estar entre o comandante da 2ª  Expedição , Moura Mendes e o Governador da Província de Moçambique, Álvaro de Castro. 


General José Luís Almeida Mendes, comandante da 2ª Expedição

O primeiro, com a expedição reduzida a metade, tenta adiar qualquer confronto directo com os alemães, sobretudo na zona de Quionga; por outro lado  Álvaro de  Castro, desconhecedor da realidade e cumpridor zeloso das ordens do Governo de Lisboa, impõe o ataque. 

Era a coordenação militar e a política portuguesa, o que leva Jaime Cortesão a afirmar:
Não tínhamos um exército capaz de fazer a guerra moderna(...) Se tivéssemos adoptado o sistema inglês das rápidas promoções por  distinção ter-se.iam evitado muitos erros e vergonhas. A quantos bravos e inteligentes oficiais abafaram a iniciativa e  o  espírito de comando em pequenas missões".
Após a chegada do reforço de tropas, os portugueses atacam Nangadi, liderando a operação o Capitão Francisco Pedro Curado, com a 21ª Companhia Ídigena, após duas horas de combate, as tropas portuguesas tinham sofrido inúmeras baixas.

Capitão Francisco Pedro Curado
 
A 7 de Setembro escreve novo postal à família, dando contada localização, ainda em Palma, que continuava a ser um local insalubre e promotor de várias epidemias, que paulatinamente iam dizimando as tropas, mais que os combates. Nesta altura preparava-se já nova travessia e a tentativa de controlar  o rio Rovuma. Este rio apresentava três pontos de travessia possíveis: Namoto, Nhica e  Porto de Foz, é precisamente de Namoto que Eduardo Tracana vai enviar o terceiro postal, nele é visível a censura.

O general ordena então, então, que uma das colunas avance até Nevala (a 200 Kms a norte do Rovuma), mas a 4 de Outubro sofrem uma emboscada. Após reorganizar a coluna, chega a Nevala a 26 de Outubro de 1916, A coluna do General Ferreira Gil ocupa diversos  postos ao longo do rio Rovuma, de forma a criar uma barreira defensiva, mas toda esta guarnição é composta por apenas alguns elementos, que em caso de combate ficariam em franca desvantagem. Um dos pontos é a Namoto e a 18 de Setembro, Eduardo Tracana encontra-se aí, conforme escreve no postal que envia à sua noiva Branca. De acordo com a Ordem do Quartel General, , ordem de serviço nº 66, Eduardo dos Santos Tracana tomou parte da passagem do rio Rovuma. Sucedem-se uma série de ataques e recuos das tropas portuguesas que conseguiam uma incursão em território alemão, para de seguida recuarem.

Esta coluna, comandada pelo general Ferreira Gil atravessa o Rovuma entrando em território alemão, permitindo fazer todo o reconhecimento de Nevala por Maúta e ainda dos territórios de Miquinvadi. Assim, na madrugada de 19 de Setembro, foi iniciada a travessia do rio Rovuma dando o início à invasáo da África Oriental Alemã, junto a Namoto. A coluna do lado jusante era composta, entre outras, pela Bateria do 5º Grupode Metralhadores, do qual Eduardo Tracana faz parte. Dirigem-se para Migomba, com o objectivo de chegarem a Nevala, trajecto referido pelo beirão.


CONTINUA








sábado, 28 de junho de 2025

TESE DE DOUTOURAMENTO DE PROFª DR: TOMÉ PEDRO MORAIS - HISTÓRIA DE ÁFRICA CONTEMPORÂNEA (DISTRITO DO NIASSA) 1ª PARTE DO 1º CAPÍTULO

CAPITULO  1. 

A SITUAÇÃO COLONIAL NO NIASSA ATÉ 1962

Este capítulo constitui o essencial ponto de partida da presente tese. Ele se propõe construir o contexto histórico colonial que se vivia no Niassa, onde se inclui a sua localização geográfica, a descrição da população, educação, saúde, o processo de ocupação colonial até o ano de 1962, quando se funda a FRELIMO. O exercício neste capítulo consiste igualmente em apresentar uma breve contextualização histórica, política, económica e social de Niassa como forma de apresentar o local a ser estudado e a situação que era vivenciada pelas populações locais no contexto colonial. 

1.1. Niassa: área do estudo A área do presente estudo é o distrito colonial do Niassa que foi criado ao abrigo do Art.º 7 do Decreto de 1891, Colecção da Legislação, 1894 (COMPANHIA, 1897, p. 86). Está localizada no extremo norte de Moçambique, e faz fronteira, ao norte com a Tanzânia, ao Sul com as províncias de Nampula e Zambézia, a este com a província de Cabo Delgado, e ao oeste com o Malawi, com o qual também divide o Lago Niassa. Em termos de organização administrativa, o território tinha um conselho e três circunscrições administrativas. É uma região bastante receptiva às mais variadas actividades agrícolas: do algodão, em Amaramba e Marrupa, ao trigo nos planaltos, ao café, tabaco, leguminosas e fruteiras, soja, trigos e milhos, 

1.2. O povoamento e os primeiros colonos A região do Niassa era habitada, segundo, por povos matrilineares independentes, em que cada grupo tinha uma cultura própria e uma história específica em relação às suas origens, ao povoamento da região em que se encontravam no momento da conquista e às relações com o mundo exterior. O aspecto comum entre esses povos era a prática do comércio a longa distância do marfim e de escravos e o envolvimento nas guerras para a obtenção de cativos, caçadas para a aquisição de despojos de origem animal, nas migrações permanentes para os territórios da África Oriental e norte do Rio Montepuez e norte do Rovuma.  Depois da independência nacional de Moçambique, o Distrito de Niassa passou a categoria de Província do Niassa. É a maior província do país em termos de superfície, com 129.362 Km2 e com menor número de habitantes. A etnia dominante nesta região são os Yaos, Macuas e Nianjas, sucessivamente. Os Yaos constituem o grupo populacional maioritário na região, oriundos do monte Yao, perto de Muembe. A distribuição étnica sofreu alterações consecutivas e marcantes como resultado das guerras e migrações do séc. XIX e só viria a ser interrompida pela conquista europeia. Mais tarde, em pleno contexto colonial, voltaram a constituir-se, mas não exactamente do mesmo modo. Não formavam uma unidade política homogénea. Possuíam mitos de origem que eram para explicar as suas relações históricas. Motivados pelo comércio de escravos e afecto pelo islamismo, os Yaos migraram para as margens dos Rios Lugenda e Rovuma tanto como junto as margens do Lago Niassa onde desenvolveram trocas comerciais com os árabes-suaíli e se misturaram com os Nyanjas impondo-se juntamente com os árabes aos territórios vizinhos mantendo sempre a sua supremacia sobre os territórios vizinhos e escravizando a população. Trata-se de um grupo étnico forte, vigoroso e guerreiro que não queria submeter-se aos outros e com alto sentido de independência. Os macuas, também chamados Lomuês, formavam clãs matrilineares a semelhança dos Nyanjas. Os macuas também são conhecidos por Anguro. Supõem se que sejam oriundos do monte Nguru. Em tempos passados, dedicaram-se a escravatura em grande escala dada a sua proximidade ao mar. Trata-se um povo dedicado à agricultura habitando com frequência margens de grandes lagos, onde praticam também a actividade pesqueira. A colonização portuguesa nesta região efectuou-se de forma tardia motivados pelas imensas dificuldades ligadas a febre que dizimava os europeus e pela presença de mosca Tsé-Tsé que os impedia de utilizar animais para o transporte de seus víveres e outros materiais; inexistência de recursos humanos que pudessem gerir e administrar determinados territórios, exiguidades financeiras mas, acima de tudo, ao nível do Niassa, escasseavam grandes rios que pudessem ser usados como via de comunicação para o interior. A estes factores, podem adicionar-se ao facto da não ocorrência de ouro que era produto de maior interesse dos portugueses. Outro sim, é que o comércio do marfim e escravos eram dominados pelos próprios Yaos que conduziam ate a ilha de Mocambique. A história política dos povos da região do Niassa segundo passa a ter notoriedade a partir dos meados do Séc. XIX, com o aparecimento da dinastia Mataka que durante várias décadas dominou a região. A presença portuguesa na região, remota os anos 1881, quando o Governo português pressionado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, apercebe-se da necessidade de transpor a defesa dos direitos do litoral para o interior. Organizam viagens para o interior e em 1885/6 alcançam Mataka e Macanjhila e mais tarde Metarica e outros chefes Ajauas. Durante estas viagens, os portugueses foram implantando postos de ocupação e estabelecendo relações de vassalagem com as populações locais. Foram também estabelecendo tratados de comércio e segurança das rotas comerciais. Todos estes acordos e contactos com as autoridades locais visavam evitar a invasão de outras potências europeias, portanto, tinham um caracter defensivo e de consolidar o controlo da região perante a pressão da Alemanha, no norte de Moçambique, e da Inglaterra, nas margens do Lago Niassa. Em 1888/9 tem lugar uma outra expedição ao Niassa, comandada por António Cardoso, com missão “civilizadora”, com vista a obter termos de vassalagem e de subordinação de maior número possível de chefes e subchefes do Niassa e garantir a influência portuguesa na região. Outro objectivo desta missão era de reforçar a presença portuguesa entre Mandimba e Lago Niassa. Os portugueses moveram várias expedições sem sucesso com vista a ocupação desta região na segunda metade do Séc. XIX, na tentativa de se estabelecerem próximo do Lago Niassa, o que só viria acontecer depois de 1895 com a derrota dos chefes Ayaos pela expedição dirigida pelo Serpa Pinto, então Cônsul de Zanzibar, que seguia acompanhado por um jovem oficial de nome Augusto Cardoso que assinou tratados com Kwilasi, um dos chefes Ayaos da região com os quais reconheciam a soberania portuguesa e obrigaram os chefes a proteger os comerciantes e a por termo os ataques. O distrito do Niassa passou a ter a sua capital na então Vila Cabral, situada a cerca de 1300 metros de altitude e a meia centena de quilómetros do Lago Niassa, se conferido por uma linha recta. O atraente e progressivo centro urbano, teve a sua origem na antiga povoação de Lichinga, pertencente à Circunscrição de Metonia. 

José Ricardo Pereira Cabral

Em 17 de Novembro de 1945, recebeu oficialmente a designação de Vila Cabral, numa homenagem ao antigo Governador-Geral José Ricardo Pereira Cabral. Por Portaria de 23 de Setembro de 1962, foi elevada à categoria de cidade, em reconhecimento do progresso verificado e da tenacidade de todos os que com a sua presença e trabalho perseverante, contribuíram para o desenvolvimento da capital do Distrito. A pacata cidade foi implantada no cimo do planalto do Niassa com ruas e estradas sem pavimento. Tratava-se na verdade, de um “pequeno estabelecimento português no meio do mato africano em que as pessoas que ali viviam ou trabalhavam na administração civil ou no comércio, nas pequenas quintas ou ainda em propriedades de portugueses”. O Estado português foi erguendo nesta região, segundo, algumas infraestruturas a destacar o Palácio das Repartições, a Escola Técnica e a Aerogare; por sua vez, a iniciativa particular foi se implantando como um pequeno centro de atenção que depois de 1955, impulsiona-se o desenvolvimento considerável dos seus principais centros populacionais, nomeadamente Vila Cabral (Lichinga) e Nova Freixo (Cuamba). Nestes pontos foram implantados serviços que criaram ambientes de confiança e expectativa que favoreceram a fixação de novos europeus e estimulou o interesse pelo Distrito. A mesma ocasião, a capital, Vila Cabral, passou a considerar-se um importante centro administrativo e polo dinamizador de uma região até aí considerada de longínqua e desconhecida. De forma geral, em Moçambique a presença de colonos europeus data desde os primeiros tempos da sua infiltração, principalmente depois da criação dos Sistemas de Prazos. Mesmo assim, o seu número nunca atingiu grandes proporções, podendo mesmo dizer que a presença de colonos em Moçambique é um fenómeno do século passado.Os primeiros colonos a habitar a região do Niassa foram caçadores e comerciantes, que, começam a instalar-se na região por volta de 1930”, destacando-se Abílio de Sousa Cristina, natural de Loulé, província do Algarve, Valimamade Jamal, filho de pais paquistaneses, José Alves Cotrim da Silva Garcez, Manuel Braz da Costa, que nasceu na província do Alentejo, Álvaro Passos Portugal, Joaquim Robalo Salvado, natural da freguesia de Medelim, Manuel França de Lima, natural da




Abílio Sousa Cristina
Valimamade Jamal



José Alves Garcez               Manuel Brz da Costa                    Manuel  França de Lima

Com a extensão do caminho-de-ferro do Catur até à capital do distrito, mais um passo decisivo foi dado para a valorização da jovem cidade e do Concelho, cuja população era, pelo censo oficial de 1962, de 81.763 indivíduos. Outros relatos fazem referência à presença de missionários anglicanos de origem britânica entre 1883-1886 sobretudo na região de Metónia proveniente de Malawi. Em seguida referem-se a presença de portugueses madeireiros. Já em meados dos anos 30 conforme começam a chegar os primeiros grupos de soldados portugueses oriundo de Tete enviados para planalto de N’chinga com uma brigada de construções cujo acampamento tinha sido estabelecido em Nzinje. 

1.3. A ocupação colonial e a companhia do Niassa embora a presença portuguesa em Moçambique remonte a 1498, aquando da passagem de Vasco da Gama pelo território, a caminho das Índias, só depois da Conferência de Berlim, realizada em 1884/5, é que Portugal se lançou na ocupação efectiva de Moçambique e dos demais territórios que reivindicava na África e isso teve como consequência a deflagração de uma guerra de ocupação contra reinos e impérios nativos que estavam aí instalados. Desta forma, Portugal passou a ter o controle efectivo de Moçambique. Antes da década de 1890, os portugueses haviam efectuado poucas explorações na zona norte do Zambeze, circunscrevendo as suas actividades ao comércio nos seus presídios em Quelimane, Ilha de Moçambique e Ibo. Concretamente, esta potência, não tinha presença efectiva no território moçambicano.  Nesta conferência definiu-se a obrigatoriedade de os países que reivindicavam direitos históricos sobre determinados territórios africanos, devessem ocupa-los de facto, estabelecendo um estado que fizesse a gestão dos territórios de uma forma efectiva. A ocupação colonial de Niassa foi efectuado ao comando do subchefe, Augusto de Mello Pinto Cardoso, na expedição científica “Pinheiro Chagas”, oficialmente encarregada ao cônsul geral de Portugal em Zanzibar, Serpa Pinto, alcançou depois de uma paragem em Quissanga de quase todo o ano de 1885 aqueles que nos parecem os primeiros actos portugueses na região do Niassa. As expedições culminaram com assinaturas de acordos de vassalagem com as lideranças locais, a titulo de exemplo, foi a declaração de vassalagem do Metarica nas margens do rio Lugenda em Dezembro de 1885 e em Janeiro de 1886 com o Cuirassia na extremidade sul do lago Niassa. As declarações dos acordos de vassalagem, dentre outras obrigações, obrigavam aos chefes locais desde o momento do auto de vassalagem a prestar todo o auxílio em mantimentos e carregadores a qualquer viajante português que no futuro atravessasse os seus territórios, obedecer às ordens das autoridades portuguesas e estabelecer uma relação pacífica com a presença portuguesa. 


Particularmente ao chefe Metarica, Augusto Cardoso recomendou que ele deveria pôr termo aos “constantes” ataques dos seus súbditos Mafites contra Quissanga. Da declaração consta também que o Metarica enviaria uma embaixada ao Ibo para renovar a sua obediência à Portugal diante do governador do Distrito de Cabo Delgado. Essa embaixada seria acompanhada por um certo número de Mafites, súbditos do Metarica, para “quebrar as zagaias e rodelas” simbolizando a prova do fim dos assaltos. O Cuirassia deveria enviar a sua embaixada à Quelimane com o mesmo objetivo, As expedições, tratados no Niassa foram levados a cabo com interesses na localização de possíveis jazigos de minerais como carvão. Alguns confrontos com súbditos alemães saídos de Quíloa, acompanhados geralmente pela força armada, marcaram o início processo de ocupação do Niassa. Estas expedições culminaram com a criação de comandos militares em Coamuno, Liture, Ingomano e outros em número total de seis que, para além de assegurar a soberania portuguesa, serviram de estações tanto para o Itulle como de estrada que asseguraria fontes de receitas aos cofres portugueses tanto que havia indicações de ser por esse “caminho que todas as caravanas. Fundo do Governo do Distrito de Cabo Delgado (séc. XIX). Ofício de Augusto Cardoso subchefe encarregado da expedição „Pinheiro Chagas“ datado de 18 de Dezembro de 1885 ao governador do distrito de Cabo Delgado (vide também o auto de vassalagem do Metarica datado de 16 de Dezembro de 1885 e o de Cuirassia datado de 20 de Janeiro de 1886)  tanto do Niassa como de outros pontos do sertão trilhavam até chegarem a Mekindane, Palma, Mossimbõa e Quissanga. A par da guerra de ocupação, uma significativa parcela do território moçambicano estava concessionada a empresas de capital estrangeiro não-português. Ou seja, como, durante a corrida imperialista na segunda metade de séc. XIX, Portugal tinha como principais financiadores a Inglaterra, Alemanha e a França que também procuravam tirar maior proveito na exploração das colónias de Portugal, uma situação que se pode verificar depois da delimitação de fronteiras em 1898, quando Portugal denuncia uma crise que seguiu ao ultimatum, estiveram na base de projecto de partilha de Angola e Moçambique por parte da Alemanha e a Inglaterra, que, no dia 30 de Agosto de 1898, assinaram um convénio para consagração das receitas aduaneiras coloniais, caso Portugal quisesse contrair empréstimo com qualquer uma das duas potências, também fixaram as respectivas zonas de influencia, de Norte de Moçambique, Sul de Angola e Timor Leste para Alemanha o resto para Inglaterra. Para o caso de Moçambique, tratou-se de empresas como a Companhia do Niassa, que, dispondo de funções económicas, administrativas, detinha igualmente poderes militares sobre determinadas áreas de sua actuação, no norte do território. A ocupação efectiva de Moçambique e de outros países africanos, que foi ditada pela conferência de Berlim, que decorreu na Alemanha entre 1884 e 1885, entre as grandes potências, onde Portugal fez parte, nos dias 15 de Novembro a 26 de Fevereiro, em que ficou decidido que todas as potências tinham que ocupar e manter uma administração efectiva. Portugal, devido à sua fragilidade económica quando ocupou optou por duas formas da administração colonial: primeira, a administração directa pelo Estado colonial português; a segunda pelo capital internacional expresso em companhias. Este foi o único modo de o Estado Português poder garantir a exploração do território. A heterogeneidade de espaço colonial português constituiu uma particularidade do desenvolvimento económico de Moçambique no momento colonial, o sistema económico imposto por Portugal em Moçambique fez do território um local onde pairavam os interesses de vários grupos de capitalistas representadas pelas companhias, onde havia zonas de influência dos países que o apadrinharam na colonização. 49 A fragilidade económica e financeira levou Portugal a dividir o território em termo da função da acumulação do capital, dando investimento estrangeiro 2/3 de território, centro e norte do país, (companhia de Moçambique de 1888-1942; Companhia de Açúcar de Moçambique “1890” que mais tarde transformou-se em Sena Sugar States “1920”; Companhia de Niassa, 1891-1929; Companhia de Boror, 1898; Companhia de Lugela, 1904; Companhia Agrícola de Madal, 1908). Essas companhias tinham privilégio da administração no território em que estavam, principalmente, a companhia de Moçambique e de Niassa tinham poderes majestáticos. No que concerne ao Sul de Save, foi reservada para trabalho migratório para as minas e plantações sulafricana, (SERRA, 2000, p. 201). O governo português, em pleno contexto europeu de construção dos impérios africanos, através do Ministério do Ultramar, em 26 de Novembro de 1891, por decreto com força de lei, concedeu poderes majestáticos a firma Bernardo Daupias & Ca; denominada Companhia do Niassa sobre toda a região entre os rios Lúrio e Rovuma, incluindo toda a zona costeira do Lago Niassa até a costa marítima de Cabo Delegado. Mas só em 1892 a Companhia do Niassa, constituiu-se formalmente e o seu alvará, foi concedido em 1894 por um período alargado de trinta e cinco anos. Esta companhia, “possuía apenas três fontes de exploração imediata – tributação do campesinato, direitos aduaneiros e laborais”. A ocupação do interior do território da companhia, teve início em 1899 através de três expedições militares que em 1901 haviam estabelecido uma linha de postos da Companhia ligados por telégrafo da costa ao Lago e estudara em parte o percurso para uma via férrea. A proeza significativa desta Companhia verificou-se na zona costeira pelo facto de o Chefe Yao Mataka insistir na sua independência. Na companhia do Niassa, o imposto de palhota constituiu o seu principal recurso financeiro. Outra não menos importante fonte de acumulação de capital para a companhia, esteve ligada ao incremento da produção agrícola do sector familiar que acabou se constituindo no eixo fundamental da economia no território da majestática. A agricultura familiar passou a produzir  na companhia do Niassa, a circulação da moeda era reduzida, o imposto de palhota foi cobrado na maioria do território em produtos comercializáveis e em trabalho o que gerou a crescente produção agrícola do sector familiar para o mercado, mais produtos agrícolas para exportação abrindo espaço para a redução da subsistência das células familiares por falta de tempo, visto que os camponeses, até 1919 a 1920 eram obrigados ao trabalho forçado, que ia de duas semanas a seis meses por ano nas machambas do Chefe do Posto ou do Conselho, produzindo oleaginosas como amendoim e gergelim. Os mecanismos de exploração adoptados pela companhia chegaram a gerar fome e comprometer a reprodução social. Uma das primeiras acções desta companhia foi o recrutamento de mão-de-obra barata para o trabalho migratório nas plantações de tabaco na Zambézia e de cana-de-açúcar em Marromeu incluindo o imposto de palhota que era cobrado em género e dinheiro. Como pretexto a população começou a migrar para zonas do interior até mesmo para territórios britânicos como Malawi e Tanzânia, de forma a conseguir libras para pagar o imposto, comprar roupas e manter o equilíbrio económico das famílias camponesas, outros migravam de forma definitiva. Havia muito pouco onde cobrar impostos. Esta companhia promoveu derradeiras expedições contra o reino independente do chefe Ayao Mataka e garantiu assim a sua administração e cobrança de impostos. Logo após as invasões perpetradas pela expedição ao Niassa comandada pelo major Manoel Machado a preocupação passou a ser a necessidade de implantação da estrutura administrativa na região, que implicava a criação de denominações coloniais que politicamente se sobreporiam às divisões territoriais africanas. Os concelhos e circunscrições deveriam ser chefiados por administradores de concelho e de circunscrição, respetivamente, e os postos por chefes de postos. 



Partia-se do princípio que a criação dessas instituições teria impacto psicológico nas povoações, submetendo-as à conformação diante da autoridade colonial portuguesa, os territórios da companhia do Niassa ficaram divididos em conselhos e estes em vários postos administrativos ou mesmo militares que abrangiam os principais regulados ou sultanatos. Neste âmbito, a autoridade máxima na Companhia do Niassa era o Governador, sujeito a uma fiscalização do governo português – que se exercia directamente sobre os administradores dos conselhos; destes, por sua vez, dependiam os chefes dos postos, os que fiscalizavam e regularizavam a vida nativa na área dos respectivos postos. 51 Na sua área de jurisdição, esta companhia tinha direito de dar concessão, explorar as estradas, caminho-de-ferro, canais, portos e outros meio de comunicação, emitir acções, cobrar imposto, poderia assinar tratado convecções com autoridades tradicionais ou estabelecer relações de carácter político. A divisão administrativa do território da companhia confinava-se a norte, de princípio, com sultanato de Zanzibar, depois da constituição do protetorado alemão (Deutsch Ostafricanische Gesellschaft), estabelecido em parte no território daquele sultanato, com Tanganhica tendo havido alguns conflitos entre os da companhia de Niassa e o Sultanato de Zanzibar com adventos dos alemães. A companhia implantou uma divisão administrativa que perdurou até finais de 1929 ano em que o governo português, através do decreto Nº 16 757 de 20 de Abril, mandou cessar, a partir de 27 de Outubro os poderes majestáticos concedidos a companhia do Niassa e reintegrar na administração directa do estado o território da Companhia, uma medida associada a reformas administrativas que visavam manter o controlo efectivo dos territórios coloniais. Posto isso, o Governo-geral através do Diploma legislativo Nº 182 de 14 de Setembro de 1929 dividiu o território em dois Distritos nomeadamente Cabo Delegado e Niassa. Ficaram, então, pertencendo ao Niassa as seguintes quatro circunscrições: Lago com a sede em Metangula, Metarica com a sede em Litunde, Amaramba com a sede em Cuamba e Metónia com sede em Mandimba. A partir desta altura se começou a impulsionar o desenvolvimento dos seus dois principais centros populacionais nomeadamente Vila Cabral (Lichinga) e Nova Freixo (Cuamba). Sucessivas reformas administrativas foram ocorrendo até que em 17 de Outubro de 1931, pela portaria nº 1482, foi reservado e classificado em primeira classe, destinado a sede do Distrito de Niassa, na circunscrição de Metónia, um terreno no planalto da serra Lichinga junto a estrada de Mandimba e Metangula, nascendo assim a povoação de Vila Cabral, actual cidade de Lichinga. Face às duras formas de exploração levadas a cabo pela companhia, sobretudo quando, em 1920, o imposto de palhota passou a ser cobrado em género e em dinheiro e com maior controlo, registou-se uma emigração massiva. Em outras aldeias, para fugirem da cobrança de impostos de palhota, a população abandonava suas aldeias para se refugiarem nas florestas ou mesmo para as colónias vizinhas. Milhares de famílias atravessaram fronteiras para Niassalandia (actual Malawi) e para o Tanganica (actual Tanzânia) por conta da exigência de pagamento de imposto, evitar o recrutamento para o trabalho forçado, e a produção agrícola. Em torno destas acções migratórias, MAZULA  refere que até 1929 período de vigência da Companhia do Niassa nos territórios habitados pelos Nianjas havia muitas emigrações, principalmente em 1918. Teria sido o “imposto de 18 Xelins que causou muitas emigrações para o estrangeiro. Milhares de Nianjas do Niassa, emigraram para Tanganica ocidental e para o Sul do Lago Niassa na área de Fort Johnston. Estes formaram na Tanganica grandes povoações tais como Kwambe, Linda e outras”. Tudo viria a terminar por volta de 1918/20, quando todo o território passou a estar definitivamente envolvido na teia das relações de subordinação da administração colonial. O monstro ausente e desconhecido – a Companhia do Niassa – parecia não existir. Mas em nome desse representante de Portugal na região, um outro mundo de relações (coloniais) de subordinação política e económica se forjaria. No dobrar de 1918 para 1919, a companhia estabeleceu o domínio colonial em toda a região do Niassa. No último período de existência da companhia, de 1919 a 1929, faltando apenas dez anos para o seu término, uma vez que o governo português se recusou a conceder uma prorrogação, os princípios do capital financeiro ditavam que era tarde demais para investir rentavelmente na renovação das visões iniciais de amplo desenvolvimento económico. Em vez disso, a Companhia passou a aumentar o nível do imposto de palhotas como meio de aumentar a receita, e a administração expandiu e intensificou os abusos que parece ter sempre praticado. Finalmente, em Outubro de 1929, o contrato chegou ao fim e o governo português assumiu devidamente a administração do Niassa. Neste período, a ideia de amplo desenvolvimento económico, que havia caído em desuso em favor do trabalho migrante, permaneceu na prateleira. Apesar das estruturas administrativas, na forma de circunscrições e regulados, asseguradas por agentes do Estado, já terem sido implantadas em grande parte do território, os administradores da Companhia do Niassa desinteressam-se pelo seu desenvolvimento e, em 1929, a Companhia extingue-se, passando o território para a administração directa do governo da colónia. A implantação da administração colonial na região do Niassa, foi um processo tardio e pelo facto teve de enfrentar dificuldades de ordem administrativa e militar pela natureza dos estados préexistentes, tanto como pela forma como o processo de ocupação e administração do território pretendia ser implantado, que acabou gerando revoltas por parte dos africanos. 

1.4.A implantação do sistema administrativo colonial no Niassa O poder colonial pretendia, “que os Moçambicanos renunciassem à sua identidade cultural, aos seus costumes, às duas instituições tradicionais e abraçassem a cultura de Portugal e o seu modo de vida, que apregoava serem símbolos de civilização”, este projecto não foi visto de forma agradável pelo povo Moçambicano e por sua vez o poder colonial procurar impor o mesmo na base da força. A administração colonial portuguesa considerou esta região de interior impenetrável e traiçoeiro. Ela começa,“logo após as invasões perpetradas pela expedição ao Niassa comandada pelo major Manoel Machado” visto que neste período, a preocupação passou a ser a necessidade de implantação da estrutura administrativa na região, que implicava a “criação de denominações coloniais que politicamente sobreporiam as divisões territoriais africanas”. Nisto, “os concelhos e circunscrições deveriam ser chefiados por administradores de concelho e de circunscrição, respectivamente e os postos por chefes de postos. Partia-se do princípio que a criação dessas instituições teria impacto psicológico nas povoações, submetendo-as à conformação diante da autoridade colonial portuguesa”. De forma prática, a ocupação administrativa da região iniciou-se a 26 de Setembro de 1891, altura em que o Estado português concedeu a uma Companhia Majestática poderes soberanos sobre os territórios situados entre os rios Lúrio e Rovuma. 



Pelo mesmo dispositivo foi suprimido o distrito de Cabo Delgado (Art.º 7 do Decreto de 1891, Colecção da Legislação, 1894). Distrito este onde o domínio português se limitava às Ilhas e a parte do litoral imediato, mas mesmo aqui com parcelas africanas independentes (COMPANHIA, 1897:86-87). A implantação foi realizada com apoio da companhia do Niassa que juntamente tiveram de ultrapassar vários incidentes em que um dos quais, obrigou a comitiva a enfrentar e derrotar o chefe macua de Cuamba (Kwamba) com apoio de uma expedição composta de 300 soldados regulares e 2800 sipaios constituindo um corpo expedicionário, que acabou montado um posto militar chamado Forte Dom Carlos I ou Napulo na margem ocidental do Lago Amaramba. A mesma expedição devastou Muembe, e em seguida (1902) partiu para Luambala em direcção ao Lago optando por seguir mais adiante e fixar um posto em Metangula no litoral do Lago Niassa e nas terras de Messumba. A sua representação foi assegurada por uma linha de postos militares que iam do Ibo e do Porto Amélia em direcção ao Lago Niassa e por postos ao longo da margem do Lago Niassa.Tratou-se de uma acção que “para além do terror das destruições e mortes, em termos efectivos a foi apenas ao ponto de suceder na implantação do forte denominado D. Carlos I e dois baluartes denominados Eduardo Villaça e Álvaro Ferreira a 28 de Setembro de 1899, na povoação de Napulo situada na margem oriental do lago Amaramba”. Ao logo das suas expedições, a companhia do Niassa e o estado português forçavam os clãs dominantes (apesar de alguns experimentarem acções de resistência) a se subordinarem a administração colonial e da companhia, por vezes, com recurso a agressividade e força das armas, destruindo o poder e a organização politico-territorial dos sultões ajauas como aconteceu com Mataka, Metarika, Makandjila e outros chefes Nianjas que dispunham de uma organização política poderosa, governando numerosos súbditos e vastas regiões, numa espécie de “recuperação das chefias tradicionais” , como forma de garantir o controlo do território e sucessivamente implantar uma máquina administrativa que garantisse uma organização territorial e respectiva exploração que de prática era exercida coercivamente mediante cobrança de impostos, exportação de mão-de-obra e trabalho forçado. Estas autoridades tradicionais deviam obediência aos administradores coloniais. A ocupação administrativa foi efectivada na região mediante implantação de comandos militares em pontos considerados essenciais e estratégicos. Contou também com o apoio não menos essencial de missionários que faziam mapeamentos dos territórios e das diferentes tribos geralmente identificadas como prioritárias das mesmas para o domínio missionário. Mas só a partir de 1900 é que se estabelecem os primeiros postos militares precisamente junto ao lago, com o objectivo de cercar o Mataka. GALVÃO (1970) descreve Niassa como sendo o distrito mais logicou de Moçambique e a equipara com o vagão da cauda na marcha de progresso e desenvolvimento da colónia. Através da carta de concessão, a companhia tinha obrigações de ter um corpo policial militar e aduaneiro com vista a garantir o monopólio da colecta do imposto indígena, o monopólio dos direitos alfandegários e outras actividades. Para o seu funcionamento pleno, precisava de um aparelho administrativo e de uma governação local. O Estado português segundo, acabou por manter no Ibo um resquício de aparelho judiciário e um Intendente, que apenas assegurava as relações entre a Majestática e Lisboa, na medida em que o governo português pertencia ao conselho de gestão desta Companhia. Localmente, as forças policiais e de milícia e os funcionários administrativos eram dirigidos pelo governador da Majestática e pelo seu secretário-geral, directamente responsáveis perante o Conselho de Administração”. Esta administração procurou sempre estabelecer um princípio de organização territorial, em coordenação com vários chefes locais, sob a responsabilidade de um capitão-mor no qual os chefes iriam participar do sistema efectuando a cobrança de impostos de palhota, fornecimento de carregadores, controlo do comércio a longa distância que passassem pelas suas terras incluindo o comercio de contrabando das firmas instaladas nos seus territórios. Neste contexto surgem os regulados e as regedorias. Os regulados do Niassa,  passaram a ter chefes solenemente reconhecidos pelo colonizador que cobravam o imposto sob fiscalização da Companhia. O regulado colonial ou regedoria passou a ser uma circunscrição territorial bem definida, englobando, normalmente, vários chefes de grupo de povoações, cada uma destas com a respectiva chefia. O régulo era simultaneamente o chefe da sua própria povoação e, por vezes, também do seu grupo de povoações. O chefe tradicional era reconhecido pela população e mantinha o seu poderio. É importante referir que a região foi bastante influenciada pelos suaílis que chegaram a criar as suas raízes entre os nativos a partir da costa até as margens do lago Niassa, pelo que existe nesta região um considerável numero de população islamizada. Em 1943, Portugal embarca num processo de administração directa dos territórios, uma medida associada de reformas administrativas que visavam manter o controlo efectivo dos territórios. Uma destas medidas, dentre as primeiras, foi através do Diploma Legislativo nº 182, de 14 de Setembro de 1929, em consequência das disposições do Decreto nº 16757 de 20 de Abril de 1929, passaram este território (Niassa) a ter uma estrutura administrativa em moldes que perdurou até a época da independência de Moçambique. (PT/TT/SCCIM/A/19/8 – Distrito do Niassa – SCCIM nº 1088). 

O mesmo Decreto previa a criação de dois «Distritos» nos territórios que pertenciam à Companhia do Niassa, nomeadamente o Distrito de Cabo Delgado e o Distrito do Niassa. O Distrito do Niassa, área de interesse para a presente tese, por sua vez, foi subdivido por Circunscrições civis e estas em postos administrativos a saber: a) Circunscrição civil do Lago, sede em Metangula e os postos administrativos de Unango, Cobuè e Macaloge b) Circunscrição Civil de Metarica, com sede em Litunde e os postos administrativos de Muembe, Mecula e Lucinge c) Circunscrição Civil de Metónia, com Sede em Mandimba e os postos administrativos de Metónia e Catur d) Circunscrição Civil de Amaramba, com Sede em Cuamba e os postos administrativos de Maua e Mecanhelas. (PT/TT/SCCIM/A/19/8 – Distrito do Niassa – SCCIM nº 1088). 

1.5. A sociedade, educação, saúde e religião A sociedade no Niassa, estava organizada de forma estratificada por força do sistema discriminatório implantado pelo regime colonial português em Moçambique, conciliado ainda por um sistema de ensino e aprendizagem altamente segregacionista o que impossibilitou muitos moçambicanos daquela região de obterem uma educação formal adequada, exceptuando os que residiam nos arredores das Missões com destaque para as missões de Messumba e Massangulo. A educação em Moçambique colonial foi um sector racializado. Historicamente, tendo sido atribuído à igreja Católica, a educação da maioria da população africana, reservando-se as escolas do Estado a educação dos colonos e outros moradores bem enquadrados nas sociedades urbana colonial. Tratou-se de um sistema de educação que esteve sempre em consonância aos objectivos económicos, políticos e culturais do regime colonial por forma a garantir uma relação de exploração e dominação que favorecesse a formação de um homem estranho ao seu meio e ao seu povo, um homem que pudesse mais tarde se constituir em instrumento do poder colonial para a dominação territorial. Foi um sistema educacional desenhado para a formação de mão-de-obra barata com objectivos totalmente “desafricanizantes” associados a práticas e métodos autoritários. Regulamentado por meio de decretos que diferenciavam o ensino das colónias a da metrópole com conteúdos que asseguravam a exploração dos recursos humanos e materiais. Os livros que eram usados em Moçambique eram os mesmos usados em Portugal e os alunos deviam ter maior domínio de conteúdos sobre a metrópole que de Moçambique, conhecer as cidades de Portugal, linhas de caminho-de-ferro e outros. Era um sistema de educação que não estava preparado para as necessidades e experiências dos moçambicanos e estava cerca de trinta anos atrasado e título de exemplo, a aritmética mental era positivamente desencorajada, todo cálculo matemático devia ser feito em papel. O regime salazarista e a Igreja católica definiram a política educativa colonial do império português sob a dupla prioridade de nacionalizar e evangelizar os “indígenas” das colónias africanas, através de acordos firmados pela Concordata, Acordo Missionário e pelo Estatuto Missionário (1941). Pelos acordos, as missões católicas foram declaradas instituições de utilidade nacional e civilizadora, ficando o ensino destinado aos “indígenas”, ou seja, aos africanos, inteiramente confiado ao pessoal missionário e aos auxiliares, tendo por objectivo prático a perfeita nacionalização e moralização dos indígenas e a aquisição e aptidões de trabalho, de harmonia com as conveniências regionais. Desta forma, o Estado e a Igreja formalizaram o projecto de “uma missão para o império”, que em síntese significava legitimar o controlo social dos “indígenas” pela educação promovida pelos missionários no sentido de levar a evangelização cristã, a cultura e língua portuguesa para as comunidades negras. A política educativa colonial foi apresentada como “projecto civilizatório” para as colónias africanas, e uma das condições para se atribuir o estatuto de “assimilado”. Na implementação da “missão para o império”, o projecto de evangelização se sobrepõe ao de nacionalização das  colónias, devido ao predomínio dos missionários no controle da educação dos “indígenas” e de formação de professores “indígenas” no espaço colonial, principalmente, devido à precariedade da presença do Estado no interior das colónias tal aconteceu com o distrito do Niassa onde os portugueses chegaram tardiamente. Pelo acordo com o Estado, ficava a Igreja missionária nacional responsável pelas escolas rudimentares e de artes e ofícios nas comunidades rurais, além das escolas de “habilitação de professores para indígenas”. Com isso, a Igreja conseguiu avançar em seu projecto de evangelização e expansão da fé cristã nas comunidades rurais, produzindo “semeadores em solo africano num processo que nunca parou de crescer. Paralelamente, o projecto de nacionalização do salazarismo para integração das colónias no império enfrentava vários problemas, que iam das resistências internas, de pressões externas a problemas financeiros. Na primeira metade do século XX, as missões católicas obtiveram novas condições de actuação nas colónias portuguesas pelo Estatuto Orgânico para as Missões no Ultramar, através do Decreto 12.485, de 13.10.1926. Depois do decreto, os missionários ganharam estatuto de “personalidade jurídica no direito do estado português”, com direito a subsídio para formação de pessoal e sustento das obras missionárias, conforme seu Art.50. Paralelamente, a Igreja lançou a Encíclica Rerum Ecclesiae, do Papa Pio XI, defendendo a formação de catequistas nativos como prioridade para contribuir com a introdução dos ensinamentos cristãos entre “os seus conaturais no mundo da fé através da língua nativa”, servir de tradutores e guias para os missionários. Considerava o Papa que “o clero indígena deve ter papel importante na evangelização das suas terras porque é ele que melhor conhece as culturas locais e entende os seus conterrâneos. Conforme vamos seguindo o caminhar da nova actuação missionária, no âmbito da nova política “educativa” do regime salazarista para os nativos de Angola e Moçambique, percebe-se que a Igreja vai se expandindo e garantindo sua presença no espaço colonial, deixando plantada a semente do seu “clero indígena. Na perspectiva da Santa Sé, a Igreja católica também deveria trabalhar com missionários católicos estrangeiros para a propagação da fé cristã e implantação da Igreja em África, por determinação da Propaganda. 59 Por seu turno, apesar destes e outros planos que visavam implantar uma educação que pudesse garantir um mínimo de ensino e solidificar as relações de produção, baseados no assimilacionismo, trabalho forçado e migratório, o sistema público de ensino nas colónias, “mais do que fracasso foi uma irrealidade, uma vez que das poucas escolas existentes, em Moçambique, a sua maioria pertencia a igreja católica”. Algumas destas escolas e missões, na sua maioria situadas nas zonas rurais, contribuíram com alguma significância para a educação de alguns jovens em matéria de literacia e cálculo até mesmo em áreas profissionalizantes como carpintaria e outras. É possível perceber que, Portugal dependia da actuação dos missionários católicos, tendo em vista as formas de actuação e objectivos das práticas missionárias de outras nações, considerados prejudiciais ao projecto civilizatório português. Por outro lado, Portugal não podia proibir a actuação de outros missionários protestantes e católicos estrangeiros, em decorrência do número reduzido de missionários católicos para dar conta de todo espaço colonial africano. Vai ser neste contexto em que se abre espaço para a entrada de mais missionários protestantes. As poucas escolas que existiam no Niassa eram de difícil alcance. Associado a isso existiam as dificuldades locais, a negligência e uma organização imperfeita que paralisava as tentativas do governo em estabelecer um sistema educacional colonial. O acesso à educação formal também era feito de forma discriminatória, pelo que os negros, principalmente os residentes na circunscrição de Maniamba concretamente em Messumba, Ngoo, Metangula, Cóbue e outras povoações, encontraram na Missão cristã Anglicana de Messumba, alternativas minimamente viáveis para a sua formação académica pelo facto de esta se pautar por uma ideologia assente em valores nobres ligados a solidariedade, igualdade e a justiça social, diferentemente da política da administração colonial portuguesa. Outros ainda procuraram migrar para as vizinhas colónias britânicas em busca de uma educação formal, neste caso Tanganica e Niassalandia. As escolas das missões protestantes, como a de Messumba, sofriam hostilidades, proibições e exclusão das línguas africanas no ensino, da falta de recursos financeiros e o fracasso na formação de professores africanos. Em relação à actuação da missão de Messumba, no que diz respeito ao ensino, foi construída junto a missão, a “Escola Santa Maria que leccionava da pré-primária a primeira classe, São José que ministrava a segunda e a terceira classe rudimentares e São Tiago onde ensinava-se a terceira complementar e a quarta classe elementar. Para alem destas existiam outras escolas distantes em Unango, Cóbue, Chia e Ngóo”. A actividade comercial era mais acentuada na Vila Cabral até princípios de 1958, dominado na sua maioria por cidadãos de origem indiana e portuguesa que eram proprietários de cantinas onde era possível encontrar produtos de primeira necessidade como arroz, óleo de cozinha, sal, sabão, bebidas alcoólicas, cigarro, entre outros. A assistência sanitária, pelo menos até 1945, era bastante deficitária ou quase inexistente em diferentes zonas do Distrito. Esta actividade era mantida por quatro unidades sanitárias distribuídas de forma desproporcional, sendo localizadas na então Vila Cabral (actual Lichinga), Amaramba (Nova Freixo actual Cuamba), Maniamba e Marrupa. Com o passar do tempo, foram erguidas outras unidades sanitárias nas áreas do que é hoje Distrito do Lago, Mecula, Maua e Sanga . Estas unidades sanitárias eram caracterizadas segundo pela “insuficiência de pessoal, escassas dotações financeiras, clínicos sedentários, medicamentos por conta a gotas, falta de programa de assistência social, sem uma estrutura de funcionamento e objectivos dos serviços” o que revela a ineficácia e ineficiência dos mesmo para promover serviços sanitários a população local. O deficiente sistema de assistência sanitária fornecido pela administração colonial a nível do então Distrito do Niassa, particularmente a região do Lago, obrigou a população a recorrer aos serviços disponibilizados de forma gratuita pela unidade sanitária da Missão de Messumba, onde havia pessoal de saúde e enfermeiros disponíveis e locais. Por outro lado, pode ter precipitado o aparecimento de ideais nacionalistas, dado que as populações desta região, tendo parentes nos territórios vizinhos, procuravam nestas, assistência sanitária adequada. Na componente religiosa tradicional, os povos do Niassa (Ayao, Makua e Nyanja) são de origem bantu, dai que conservam os mesmos valores religiosos “animistas”, mas com algumas diferenças entre eles, mantendo sempre a substancialidade de valorização dos espíritos dos antepassados por 61 constituir na prática o centro de todos os cultos e serem considerados como intermediários entre os vivos e o Deus. Os seus cultos aos antepassados eram sempre precedidos pela crença islâmica, principalmente entre os Yaos e Macuas, mas em alguns casos esporádicos entre os Nyanjas. Todos os habitantes têm uma árvore sagrada na qual fazem as suas preces através de bebidas geralmente alcoólicas, farinha de milho e valores monetários. No ritual feito em torno de árvores, dançam fazendo apelos a diferentes necessidades individuais, familiares ou mesmo das comunidades. Cada família, clã e tribo tem o seu espírito protector que pode ser o espírito de um chefe ou régulo defunto ou ainda alguém da própria família. Entre eles havia um complexo de cultos, tabus, tradições, magias, feitiços e superstições ligados a natureza. É de notar que os grupos populacionais do Niassa, como todas as formas humanas têm suas práticas religiosas. Nos seus cultos, todas as práticas são solenes, desde a lavagem do cadáver, enterro e o famoso SADAKA (refeição servida depois do funeral ou após quarenta dias depois do funeral) até ao nascimento do filho e a sua primeira saída da casa para o pátio. As suas religiões estão associadas a crença num só Deus poderoso invisível, criador de tudo e de todos, vingador do mal e compensador dos bons. Baseia-se também num conjunto de crenças que ofuscam a ideia de um monoteísmo. No meio de todas crenças, a população dava maior importância ao culto dos antepassados mais temidos do que ao próprio Deus. Consideravam os espíritos como elementos sempre presentes, seja para o bem ou para o mal em todas as suas acções. A religião islâmica foi introduzida no Niassa de forma parcial através da actividade comercial do tráfico de escravos no século XIX com os suaílis e árabes a partir do porto de Kilwa na África Oriental até ao Lago Niassa. Os compradores de escravos (Árabes) em Kilwa atraídos pelo negócio dos escravos trazidos das zonas do Niassa pelos Balisas (comerciantes de esravos) decidem acompanhar as caravanas no seu regresso ao país de origem. No decurso destas viagens, os Árabes chegaram a conhecer aquele povo (Ayao) que já se dedicava ao comércio de escravos e já desenvolviam uma afeição ao islamismo. A chegada da religião católica a Niassa enquadra-se no processo de colonização e partilha dos territórios africanos pelas potências europeias. Os primeiros missionários católicos, começam a chegar a Niassa em 1828 concretamente a região de Mandimba onde constroem suas habitações e o primeiro hospital da região, que também descreveu os territórios e tribos do Niassa, refere que na mesma ocasião, altura de que se tem registo e há na memória sobre a chegada dos primeiros indivíduos da raça branca a região, neste caso Livingstone e Kirk (exploradores ingleses) que exploraram o Lago Niassa e o planalto do Shire, uniu-se a eles uma Missão Cristã – Anglicana (University Mission of Central África – U.M.C.A), sob as directivas do Bispo Mackanzie. 


Estes Missionários fixaram-se na parte oriental das terras altas do Chire na mesma altura em que os Ayao muçulmanos as tinham invadido e desenvolviam o comércio de escravos com a costa. A presença das igrejas protestantes em Moçambique começa a constituir realidade sobretudo importada dos territórios vizinhos, resultante de um processo migratório das populações residentes ao longo das fronteiras do território. Pequenos núcleos de protestantes expandiram-se no território na mesma época da Conferência de Berlim, sendo a primeira instituição religiosa protestante a instalar-se em Moçambique a Igreja Metodista Episcopal, em 1883, dai seguiram-se outras como foi o caso da Missão Metodista Livre e depois da Missão Suíça. Em 1893, surgem em Chamanculo e em Maciene os Anglicanos. No Niassa, a Missão Anglicana de Messumba teve maior aderência das populações pelo facto de esta disponibilizar recursos de forma permanente como: acção social, promoção de uma educação aceitável e ao hábil aproveitamento de certas fraquezas da Administração colonial. referem que foi através da compreensão e aproveitamento de alguns usos e costumes dos autóctones, à divulgação de um conhecimento simples mas útil, à actuação junto dos chefes tradicionais, ao recurso ao desporto; à usualmente pouca importância paga nos seus bons préstimos para a educação dos alunos internos da Missão de Messumba, a gratuidade dos serviços hospitalares; o facto de acobertar elementos da comunidade que colaboravam com a FRELIMO, o planeamento da celebração do culto sincronizado com os afazeres dos jovens que frequentavam a escola da missão; Todos foram estudantes da Missao de Messumba – Entrevistados para a presente Tese, escolas em locais dominantes facilitou a adesão dos elementos da comunidade local à missão. Contudo, o aspecto prático e utilitário promovido nas suas formações em geral, dispondo de recursos consideráveis, conduziam com facilidade o autóctone a aderir a Missão e a religião no geral. As Igrejas Protestantes, no desempenho das suas actuações socioeconómicas e de catequização eram auxiliadas com fundos dos países de origem e por algumas organizações internacionais. Mas, no sistema político então vigente, em que era inviável uma tomada de posição aberta daquelas Igrejas para com a subversão, diversas delas, através do Conselho Mundial das Igrejas, apoiaram a FRELIMO com fundos para fins humanitários e de outras formas (PP/TT/SCCIM/A/9/31) que será abordado nos próximos capítulos. Para os missionários era preciso definir um território para envangelização, enquanto para o Estado português era preciso defender um território para o exercício da soberania colonial. Foi neste quadro que especificamente a região do lago Niassa foi colonizada quase exclusivamente por missionários da University Mission for Central Africa (UMCA) entre as duas últimas décadas do século XIX e as primeiras duas décadas do século XX. A presença dos missionários da UMCA na região anteriormente referida, situada entre os actuais territórios do Malawi, Moçambique e Tanzânia estava directamente ligada à economia do Oceano Índico na segunda metade do século XIX, que pela sua natureza envolvia rotas comerciais no interior do continente, na confluência entre o vale do rio Zambeze e o vale do rio Chire. Entre cerca de 1853 e 1856 David Livingstone, um dos mais conhecidos exploradores britânicos, andou pelos vales dos rios Zambeze e rio Chire em missões de reconhecimento dos territórios e em 1857 foi para o Reino Unido e moveu uma campanha para denunciar o tráfico de escravos e rogar pela «salvação» dos povos da África Central 

 CAPÍTULO II 

O PAN-AFRICANISMO E A FRELIMO NO NIASSA 

O Pan-africanismo foi a designação atribuída à ideologia que defende que a união de povos de todos países africanos na luta contra a dominação colonial e o preconceito racial - tratou-se de um movimento de carácter social, filosófico e político que buscava defender o direito dos povos africanos através de um único estado soberano. Como movimento de libertação, o pan-africanismo remonta, à invasão da Etiópia pelos fascistas italianos, em 1935, assim como e, sobretudo, ao quinto Congresso Pan-africano reunido em Manchester, em Outubro de 1945. 


Neste congresso, pela primeira vez, durante toda a história do movimento pan-africano, os representantes africanos eram os mais numerosos e os debates envolveram, essencialmente, a libertação da África colonizada. Dentre as principais deliberações, que estavam marcadas por um tom mais pugnaz e radical, comparativamente aos congressos precedentes, neste se destaca em seu primeiro ponto “a emancipação e a total independência dos africanos e dos outros grupos raciais submetidos à dominação das potências europeias, as quais pretendiam exercer, sobre eles, um poder soberano ou um direito de tutela. No evento, os representantes exigiam que a África se livrasse da dominação política e económica dos imperialismos estrangeiros. Foi pela primeira vez que os africanos advertiam publica e formalmente as potências europeias, para muito bem atentarem ao fato que eles também recorreriam à força para se libertarem, caso elas persistissem em querer governar a África pela força. Ao povo africano, os representantes dirigiram uma declaração enfatizando o facto de a luta pela independência política ser somente a primeira etapa e o meio para se atingir a completa emancipação nas esferas económica, cultural e psicológica. Eles exortaram a população das cidades e dos campos africanos, os intelectuais e os profissionais liberais a se unirem, organizarem- -se e lutarem até a absoluta independência. Em suma, o quinto Congresso tornou o pan-africanismo uma ideologia de massas, elaborada pelos africanos e em seu próprio favor. Inicialmente, ideologia reformista e protestante em favor das populações de origem africana, habitantes na América. Vai ser desta forma que o pan-africanismo tornara-se uma ideologia nacionalista orientada para a libertação do continente africano. No livro, África na sala de aula: visita à história contemporânea (2008), o movimento Pan-Africano é descrito como um gradativo e processual sistema de obtenção das mudanças, remetendo à ideia de um movimento político e ideológico, que centraliza as noções referentes à raça, onde se faz de primordial importância uma união daqueles que possuem uma semelhança histórica, assim como origens humanas e negras. Esta ideologia tem  duas dimensões importantes. a primeira, como factor de integração nacional, como uma força para se alcançar a unidade e cooperação política, cultural e económica entre os países africanos. A segunda dimensão do pan-africanismo seria como movimento de libertação nacional. Perspectiva que teve origem no ano de 1935, quando os fascistas italianos invadiram a Etiópia, evento que serviu de estopim para sacudir os africanos e afrodescendentes em solidariedade ao território africano invadido, marcando o início da ação de estudantes africanos na luta pela independência de seus países. Este nacionalismo ganhou maior intensidade por ocasião do V Congresso Pan-africano, realizado em Manchester, no ano de 1945. É em torno da segunda dimensão do pan-africanismo (movimento de libertação nacional) que se pretende abordar no presente capítulo, o contexto internacional que vai assinalar a génese dos movimentos nacionalistas em África e em Moçambique que com a fusão dos mesmos vai dar origem a FRELIMO como movimento de libertação de Moçambique, sua constituição, seus objectivos, os seus contornos com vista a dar início a luta de libertação em Moçambique e que implicações tiveram lugar na região face as suas primeiras acções concretamente na região do Niassa. Enquanto discurso e movimento de autoafirmação, o Pan-africanismo tornou-se central e motivador político na luta contra o colonialismo e imperialismo, um movimento racial e político que enriqueceu a luta pela libertação do continente africano. A fase mais importante deste movimento de descolonização e de integração é registada entre os anos de 1950 e 1965 pelo intelectual Kwame Nkrumah. 

Francis Kwame Nkrumah


Por meio das acções e declarações políticas, Nkruman conseguiu reunir vários dirigentes africanos e representantes de movimentos de libertação em prol da libertação completa e unificada do continente africano. Ao protagonizar a luta e conquista da independência de Gana lançaram-se as bases para a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), que objetivava a independência política e organização dos movimentos de libertação. Este movimento, na mesma época conheceu êxitos mais variáveis e sofreu derrotas a partir de meados dos anos 1960, e se, finalmente, demonstra um forte impulso desde meados dos anos 1970, e como movimento de libertação, alcançou o seu apogeu nos primeiros dez anos posteriores à conquista da independência pela África. A luta pela auto-determinacão política na África colonial se desdobrou em quatro etapas, por vezes entrecruzadas nos factos mas, nitidamente, passíveis de análise. Antes da Segunda Guerra Mundial, produziu-se primeiramente uma fase de agitação das elites em favor de uma maior autonomia. A ela seguiu-se um período caracterizado pela participação das massas na luta contra o nazismo e o fascismo. Adveio, em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, a luta não violenta das massas por uma total independência. Finalmente, sobreveio o combate armado pelo reino político: a guerrilha contra os governos de minoria branca, sobretudo a partir dos anos 1960. Este movimento, propunha aos Estados membros um conjunto de princípios destinados a reforçar o seu desejo de unidade e de solidariedade. Inicialmente considerado como “um movimento de ideias e de emoções”, o Panafricanismo soube, portanto, modelar os sentimentos, a energia e as aspirações dos povos da África e expressou-os no conteúdo da Carta da Unidade Africana. É de notar que o pan-africanismo consistia na libertação dos negros, em geral, e dos africanos, em especial. Esta notoriedade expressa-se por meio das suas ideologias e da solidariedade com todos os movimentos de libertação africana que alcançaram eco entre as massas, preparando os africanos a aceitarem os custos económicos e os sacrifícios humanos necessários à libertação dos seus irmãos. 2.1. O contexto internacional do nacionalismo O conceito de Nação é algo complexo e difícil de definir. Contudo, far-se-á um esforço alicerçado em diferentes autores para encontrar uma chave de análise. Sendo que o mais importante foi o de Estado-Nação com as revoluções políticas desta época. Etimologicamente, o termo provém da palavra natione que significa nascimento e faz apelo à origem comum “naissance, extraction".  sobre o Estado no contexto africano refere que o termo resulta do verbo nasci que significa nascer e por extensão ter a origem, provir, começar. Afirma ainda tratar-se de um termo que originalmente refere-se a um grupo de pessoas nascidas ou provenientes de um mesmo lugar. Na tradição latina da Bíblia, consta logo no Livro do Génesis  utilizado no plural e associado como sinónimo a países, povos e línguas. Também podemos nos socorrer na definição apresentada por alguns dicionários, que se referem a nação como, “o agregado dos habitantes de uma província, de um país ou reino” ou “um Estado ou corpo político que reconhece um centro supremo de governo comum” ou ainda “o território constituído por esse Estado e pelos seus habitantes individuais, considerando um todo. O mesmo conceito também é bastante aprofundado, fazendo referência aos seus Princípios da Filosofia do Direito, no qual este “utiliza-o ainda raras vezes e de certo modo como sinónimo de povo, debruçando-se aliás preferencialmente sobre este último, dando a entender que a nação é um povo independente em relação ao exterior, detentor de um Estado”. 
Ele refere ainda que o carácter semântico, a polissemia do conceito de nação ficou, pois, praticamente estabelecida no século XIX, de “uma forma que se tem mantido até aos dias de hoje, como pode ser observado no seu duplo sentido geoistórico (consequentemente históricosociológico) e político-jurídico. É possível constatar aqui que o conceito de nação está em interação com a evolução da conjuntura, “adquirindo uma tonalidade emotiva e viu reforçado o seu sentido político-jurídico, não obstante a imprecisão da sua definição, fenómeno semântico aliás comum à maioria das palavras”. O conceito de nação é ainda um valor supremo de coesão dos Estados contemporâneos, quer sejam homogéneos quer heterogéneos do ponto de vista étnico, linguístico e cultural. Por isso, segundo é muito difícil universalizar a definição do conceito de nação no sentido de o fazer corresponder a uma única situação ou tipo real de relações sociais. Outro sim é que a sua polissemia se confunde com os conceitos de povo, pátria e etnia, os quais frequentemente são utilizados como sinónimos da mesma realidade e frequentemente também como indicadores de realidades distintas. Na conjuntura actual, pelas implicações político-jurídicas do consagrado direito à autodeterminação. O essencial significado de nação, é o político e este está associado à ideia de “povo”, a “nossa terra comum”, o “público”, o “bem-estar público”. Pode assim referir-se que se trata afinal de um “corpo de cidadãos cuja soberania colectiva constituía um Estado”. Porém, a posse do sentimento nacional não esgota o conceito de nação, pois os membros de uma nacionalidade desejam estar sob o mesmo governo e ser governados por eles próprios ou por uma parte deles. A ligação de um conjunto de cidadãos a uma descendência comum, normalmente pressupõe a existência de um território. E a terra de onde as pessoas são originárias conduz ao surgimento da ideia de pátria, ou seja, local de nascimento, e assenta na combinação da terra e do sangue. A veneração da pátria e de um conjunto de coisas materiais e imateriais do passado, presente e futuro reflectem-se em patriotismo e representa sobretudo a total lealdade dos seus membros. Entretanto, nacionalismo é uma ideologia política que defende e exalta a nação, tendo por base, sentimentos comuns do grupo numa lógica identitária que procura, por um lado, a autodeterminação e, por outro, assenta em sentimentos de lealdade que são partilhados por um conjunto de indivíduos que têm valores culturais, religiosos, étnicos ou linguísticos comuns aos restantes membros. Nesta perspectiva, as nações existem enquanto se mantiverem como entidades espirituais desejadas na cabeça e nos corações dos indivíduos. Trata-se de uma síntese de noções e de sentimentos referida a agregação de vários grupos numa “comunidade” a qual pode aparecer como “natural” historicamente sedimentada, conquanto em África frequentemente surge em construção, o nacionalismo é, essencialmente, um princípio político que defende que a unidade nacional e a unidade política devem corresponder uma à outra”, entendendo ser “uma teoria da legitimidade política que exige que as fronteiras étnicas não atravessem as fronteiras políticas e que as fronteiras étnicas dentro de um mesmo Estado não separem os detentores do poder do resto da população”. Foi neste entendimento que inicialmente buscamos discutir o conceito de nação, com vista a associá-lo ao nacionalismo e produzir uma compreensão clara e coerente sobre esta corrente em África. Analisando o conceito de nação, percebe-se que elas se enquadram perfeitamente na ideia que buscamos desenvolver sobre o nacionalismo. Embora seja complexo encontrar uma definição unívoca de nação, o autor parte da ideia da cultura na qual encontra a representação de um sistema de ideias, signos e associações, os modos de comportamento e comunicação; e conclui que as nações são artefactos das convicções, lealdades e solidariedades do homem. No seu entender, “as nações fazem o homem” e daí que o nacionalismo se transforme numa exaltação do sentimento e de defesa das nações. Nesta relação que, de certo modo, identifica os dois conceitos de nação e nacionalismo, há um elemento institucional que gera a unidade da nação: o Estado nacional, atribui ao Estado um papel importantíssimo, na medida em que, enquanto entidade constituída por uma elite política tem a seu cargo o exercício do poder de governo. Nesta lógica de ideias e para realçar o papel do Estado na formação, defesa e manutenção da unidade da nação, esta entidade é definida como sendo aquela que detém o monopólio do uso da força ou da violência. O contexto é o nacionalismo africano das décadas de 50 a 70, refere que em todos os lugares de África em que este acto teve lugar, as suas raízes residem na busca dos meios de autodefesa contra uma inferioridade que foi imposta, portanto trata-se de uma luta pela igualdade de oportunidade e de modo de vida. Os movimentos emergentes neste sentido floriram numa tentativa de tirar partido dos argumentos e do espírito europeu, concretamente do nacionalismo burguês amadurecido do perdido imperialista. O nacionalismo diz respeito a nações ou povos existentes em África antes do colonialismo (…) a criação de realidades politicamente novas. Ele só é justificável quando um povo se encontra oprimido. O Nacionalismo concentra então numa aspiração bruta as diversas forças sociais, igualmente humilhadas e que vivem na esperança. Este despertar dos povos africanos, teve início com os primeiros antagonismos com os estrangeiros e nunca desapareceu por completo. As fontes e formas deste relançamento do nacionalismo político situam-se na Europa ocidental em meados do séc. XIX, inicialmente aplicado a grupos ideológicos de direita, em França e na Itália, que se mostravam contra os estrangeiros, liberais e socialistas, sendo que a partir de então a palavra 70 nacionalismo começou a ser aplicada a todos os movimentos nos quais a causa nacional ocupasse o primeiro lugar político: a todos os que reclamavam o direito a autodeterminação, em vista a formar um Estado independente destinado a determinado grupo nacionalmente definido. O desenvolvimento do nacionalismo político, segundo o autor, registou certas mutações caracterizadas em quatro aspectos seguintes: primeiro, o surgimento do nacionalismo e do patriotismo enquanto ideologia de direita política; segundo, a ideia da autodeterminação nacional que conduziria à formação de Estados soberanos, defendida pelos grupos com sentimentos de proclamar a nação; terceiro, a ideia de que a autodeterminação nacional pugnava pela defesa da independência plena; e, finalmente, a tendência para definir a nação em termos étnicos, especialmente em função da língua. No princípio do século XX, conforme refere, o comunismo soviético encontrava o africano como um potencial revolucionário, ainda inconsciente do seu destino histórico na luta global contra o capitalismo e o seu lacaio, o imperialismo. A Rússia era a força impulsionadora da revolução mundial e os seus propagandistas trabalhavam para semeá-la nos Estados capitalistas e as suas colónias na Ásia e em África. Em 1920, anteviram revoltas iminentes das massas oprimidas na India, Pérsia, Egipto e Argélia. Verificaram-se focos de agitação intermitente que foram reprimidos pelas autoridades e os partidos comunistas locais não conseguiram avanços muito significativos em qualquer destes países. Existe consenso quanto à forma como o nacionalismo se desenvolve. Compreende-se que, de alguma forma, um movimento nacional se torna significativo, em termos de ameaça para um governo, no seio de um estado multi-étnico, quando consegue mobilizar apoio suficiente nos diferentes grupos sociais para que a reivindicação de independência política surja como pré-condição para a obtenção dos objectivos próprios de cada um. Esta condição é válida, tanto para os movimentos de 1848, como para os de final do século XX. Cada grupo social acreditava que, através da independência política, conseguiria atingir os seus objectivos. Assim, por exemplo, a classe operária do império AustroHúngaro, tanto na Boémia como na Hungria, acreditava que conseguiria um mercado nacional e que, desse modo, poderia usufruir de um maior desenvolvimento. Mas, por outro lado, , há a expectativa de índole internacional, vendo-se claramente no facto de os antigos territórios colonizados imitarem a Europa, insistindo em tornar-se estados-nação. Ocorre aqui, a necessidade de se ser reconhecido num mundo em que se era ignorado, de ganhar uma legitimidade no seio da comunidade internacional. Isto explica que o nacionalismo é preferencialmente europeu, tendo sido exportado para fora da Europa. Para os autores acima citados, o princípio das nacionalidades e das liberdades vai ter o seu apogeu, por toda a Europa, com Napoleão Bonaparte, que procura expandir os ideais revolucionários. As tentativas de autodeterminação têm um período de pausa, após a derrota definitiva do Imperador francês em Waterloo, em 1815, e, durante o Congresso de Viena, por parte das nações vencedoras, que dominou todo o espectro político no século XIX. Apesar dos propósitos da Santa Aliança, o certo é que surgem novos surtos nacionalistas em França (as revoluções de 1830 e 1848) cujos movimentos produziram, na Europa, alterações significativas. A Bélgica separa-se da Holanda em 1831; a Itália unifica-se em 1861, após a expulsão da influência austríaca da maior parte do seu território; em 1871, o nacionalismo alemão atinge o seu auge, com a proclamação do império. O nacionalismo político e o nacionalismo cultural tornaram-se parte integrante do liberalismo do século XIX, o nacionalismo liberal inspirou muitos desenvolvimentos políticos e sociais, entre 1815 e 1880. Foi necessário recorrer à força e à luta como meio político de transformar o nacionalismo cultural em nacionalismo político. A ideologia nacionalista chega a África numa época em que o continente possuía uma nova cartografia. Em 1919, as colónias alemãs foram confiscadas e repartidas pelos vencedores. A GrãBretanha e a França dividiram a Togolândia e os Camarões entre si, a primeira assegurou do domínio da África Oriental alemã (Tanganica) enquanto o sudoeste Africano foi atribuído a África do Sul. A Bélgica recebeu pequenas parcelas da África Oriental alemã como prémio de consolação. Os africanos dotados de consciência política tinham encarado a Iª Guerra Mundial como um trampolim para ascenderem às liberdades políticas que conduziram a uma futura autodeterminação. Os soldados e trabalhadores africanos haviam contribuído para a vitória da Grã- Bretanha e da França, que esperavam receber algo em troca. O esforço de guerra do continente e as baixas sofridas haviam encorajado um sentimento de reciprocidade moral, razão pelas quais nacionalistas argelinos e egípcios solicitaram em vão para defenderem a causa dos seus países na Conferencia de Paz de Versalhes. Em 1919, procurando apelar a consciência britânica, a Egyptian Association of Great Britain solicitou ao governo de Egyptian Association of Great Britain que concedesse a independência ao Egipto em nome dos mortos gloriosos que haviam dado a vida pela liberdade e pela defesa do conceito britanico de fair play. Diante desses factos, o Egipto assumiu a liderança e traçou o rumo para os movimentos nacionalistas africanos no período entre as duas guerras e nos anos seguintes. Os estudantes, como os que aderiram à Egyptian Association of Great Britain, solicitou ao governo de LIoyd George que concedesse a independência ao Egipto em nome dos mortos gloriosos que haviam dado a vida pela liberdade e pela defesa do conceito britanico de fair play. Diante desses factos, o Egipto assumiu a liderança e traçou o rumo para os movimentos nacionalistas africanos no período entre as duas guerras e nos anos seguintes. 

David LLoyd George


Os estudantes, como os que aderiram à Egyptian Association of Great Britain, emprestaram o ímpeto e, por vezes, a força física à causa nacional. Portanto, o exemplo do Egipto foi uma inspiração para os nacionalistas indianos e mais tarde os africanos. As causas do nacionalismo são apontadas  como sendo; o abalo da segunda guerra mundial e a suas consequências, a política dos Estados Unidos, a política da U.R.S.S.S, a acção da ONU, o exemplo da Ásia, o exemplo da África do Norte e as contradições internas do colonialismo. Os grupos motores deste movimento em África foram os sindicatos, a acção dos intelectuais, os movimentos dos estudantes, as igrejas e os partidos políticos. Finalmente, podemos entender que o nacionalismo foi um fenómeno que defendeu a ideia política de uma organização social que procurou reger-se por uma autoridade própria, cujos objectivos foram definidos em função dos mesmos ideais fundamentados em interesses comuns a uma determinada comunidade política, numa combinação de elementos como o território próprio, estruturas políticas próprias e valores característicos, materiais e espirituais, da respectiva comunidade. Este movimento constituiu, de certa forma, os fundamentos do Estado moderno e soberano em África. 

2.2. A génese do nacionalismo moçambicano Os povos colonizados em África nunca cessaram de se opôr à exploração. Mesmo depois de vencidos nas campanhas de pacificação, optaram e seguiram no começo da década 1920 por uma resistência não armada que foi crescendo e se multiplicando para diferentes quadrantes do continente. As ideais nacionalistas, nas colónias portuguesas começam a florir concretamente em finais da década de 1950. No mesmo período, estas ideias começam a significar alguma coisa para a maioria dos povos nas colónias. A causa da chegada tardia deste pensamento nestas colónias deveu-se ao facto de, antes, os poucos privilegiados capazes de procurar uma estratégia de autodefesa nas ideias do nacionalismo europeu estavam muito separados da grande maioria dos seus compatriotas. Em Moçambique, a dominação colonial e militar, afirmada na década de 1880, esteve consolidada apenas no decorrer do século XX pelos portugueses, após 1935, a região da África Austral representava a parte mais importante do continente por factores económicos e geopolíticos, como a vasta fonte de minérios e o tráfego entre a Ásia e o Ocidente através da rota do Cabo. Essa região esteve sob domínio colonial até fins da década de 1970. A luta pela autodeterminação política na África colonial decorreu em quatro etapas, por vezes entrecruzadas nos factos, mas, nitidamente passiveis de análise. Antes da Segunda Guerra Mundial, desenrolou-se uma fase de agitação das elites em favor de uma maior autonomia. Seguiu-se um período caracterizado pela participação das massas na luta contra o nazismo e o fascismo. Adveio, em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, a luta não violenta das massas por uma total independência. Finalmente, sobreveio o combate armado pelo reino político: a guerrilha contra os governos de minoria branca, sobretudo a partir dos anos 1960. No caso de Moçambique, em que a sua economia era organizada pelo sistema de exportação de mão de ob, mantida pela reserva de domínio de terras para portugueses e a mão-de-obra migrante. Onde a circulação de nativos entre Moçambique e as nações limítrofes para o trabalho nas fazendas e minas trouxe como consequências o aumento das desigualdades raciais, a dificuldade de uma resistência anti-colonial e a fragmentação dos núcleos familiares, de modo que em sua maioria, as mulheres passaram a ser responsáveis pela economia familiar e o trabalho doméstico. Por seu turno, os códigos de trabalho da metrópole portuguesa mantinham diferenças legais para os europeus, considerados “civilizados”, e para os chamados “indígenas”, tidos como não civilizados. Em 1899, foi criado o primeiro código de trabalho obrigatório para os nativos, chamado em Moçambique por “Chibalo” que, até 1950, o trabalho indígena constituía a principal mão-de-obra para as construções e obras estatais, quando se inicia o aumento do sector secundário e a indústria, avançando o capital em áreas de habitação e construção comercial, expandindo as oportunidades de trabalho livre para os africanos, tornando o Chibalo algo desnecessário e inaceitável, pois já existiam maiores possibilidades de trabalho no meio urbano. O engajamento político anti-colonial em Moçambique, é visível no final da década de 1940, com o final da Segunda Guerra Mundial, quando as políticas coloniais são exaradas e o engajamento de estudantes e trabalhadores conduzem inúmeras greves e paralisações na região de Lourenço Marques em áreas urbanas e rurais, culminando em intensas repressões. Nos anos de 1950 a 1960, ocorre a proliferação de movimentos de libertação nacional em colónias como a África do Sul, Rodésia, Angola, Moçambique e Namíbia. Estes movimentos tinham reivindicações em comum, como a rejeição do colonialismo, capitalismo, racismo e a adopção de teses do socialismo marxista-leninista. Para o caso de Moçambique, o momento de ebulição dos movimentos de organização da luta armada é assinalado com o Massacre de Mueda – actual distrito da província de Cabo Delgado, centro da população maconde no dia 16 de Junho de 1960. 


Neste episódio, uma multidão de macondes se reuniu para ouvir a delegação da MANU e o discurso do Governador de Cabo Delgado, Teixeira da Silva, que, ao contrário do esperado, não tratou das questões de terras do povo Maconde e apenas foi vaiado. Neste dia, a população foi encurralada pelo exército e outras pessoas foram mortas a tiros. Este episódio, foi muito funcional para a mobilização moçambicana, pois foi utilizado como legitimador da necessidade de uma luta armada para a conquista da independência, pelo que viria a se constituir FRELIMO. O massacre de Mueda, serviu de meio para incentivar o engajamento político da população moçambicana, de tal forma que a FRELIMO reproduziu amplamente relatos e interpretações do ocorrido. A partir deste período (1960), com o desencadear da luta armada nas colónias portuguesas, se intensifica a repressão colonial, diminuindo as possibilidades de luta interna em Moçambique. Isso ocorre principalmente após 1961, com o início da revolta e guerra colonial em Angola, que gera uma grande quantidade de refugiados nas regiões vizinhas, particularmente na Tanzânia. Os exilados criaram associações de refugiados, ainda não pertencendo a nenhuma das organizações políticas já existentes e exerceram uma forte pressão para a criação de uma única frente de libertação. A província do Niassa não constituiu uma ilha face aos acontecimentos internacionais, regionais e de Moçambique, em particular, tendentes à insurgência face a actuação do regime colonial português em África, incluindo as acções que já eram desenvolvidas por povos da região e colónias portuguesas visando acabar com as diferentes formas de dominação e exploração promovidos por minorias brancas em África. Neste constexto, em finais de 1960 a 62, sobretudo na circunscrição de Maniamba, concretamente em Cóbuè, Metangula e Messumba, começaram a aparecer ideais revolucionárias propalados por indivíduos que visitavam seus parentes residentes na Tanzânia e no Malawi e constatavam a existência de diferenças na forma de tratamento e de convivência social entre os europeus e africanos. 



Estes também viam nestes países vizinhos a emergência de liberdade de expressão política e alguns princípios de igualdade entre os homens. Desta forma, começou a tornar-se clara a necessidade de encontrar uma estratégia de erradicação do sistema colonial que vai ser estimulada pelo surgimento da FRELIMO, em 1962, pois alguns moçambicanos residentes concretamente em Ngoo, Metangula, Cóbuè e outras regiões do Niassa especificamente, aderiram à causa da libertação nacional difundida pelos emissários deste movimento nacionalista. Algumas colónias britânicas situadas na região austral de África, como Malawi e Tanzânia, vizinhos de Moçambique e que fazem fronteiras com a extensa província do Niassa, já tinham alcançado as independências e começado com o projecto de construção de nação democrática. Portugal manteve-se sempre relutante em admitir o direito à auto-determinação dos povos nas suas colónias, consequentemente os moçambicanos decidiram envolver-se no caminho mais radical possível, a independência completa em relação a Portugal. Só que este estava determinado e por todos os meios possíveis, incluindo a força das armas, a manter-se em Moçambique.  A questão da independência de Moçambique foi sempre apresentada ao governo português de todas as maneiras possíveis, mas este procurou de formas diferenciadas manter o seu sistema de exploração e repressão política fascista, baseado em desenvolvimento desigual alicerçado na divisão racial, impedindo o desenvolvimento dos povos que oprimia. Para perpetuar as suas acções procurou sempre envolver a fé católica romana nas suas ambições imperialistas de dominação e exploração. Para compreender as acções dos Moçambicanos face a dominação colonial e o surgimento da FRELIMO e o contexto do nacionalismo, é necessário olhar para a importância geoestratégica do continente africano além da sua orla mediterrania que foi posta em relevo na pratica após a II ª Guerra Mundial e especialmente apoios à constituição da OTAN16, pois, foi a partir desta altura que África passou a ser um teatro de operações, ambicionado pelas superpotências que tinham em vista atingir objectivos decisivos para dominação mundial. Estas nações “apoiaram as ideologias e movimentos independentistas, que lhes facilitavam a expulsão dos colonizadores europeus dos seus territórios. A consciência política começa a adquirir força nacionalista, principalmente com a derrota do fascismo e principalmente com o desenvolver de um movimento anticolonialista por todo o mundo. Na esfera política, observou-se que a criação da ONU, em 1945, e a luta pelo voto que ali imperou, sobretudo nos anos 1950, impulsionaram a descolonização de África. As independências do continente asseguraram um manancial de votos, na assembleia geral das Nações Unidas. Com a formação dos blocos opostos e em equilíbrios de força, surgiu uma nova estratégia, a penetração ideológica e a subversão revolucionária. A guerra vai transbordar do campo das armas para o campo das ideias e das reivindicações sociais e passou a processar-se em âmbitos territoriais nacionais com amplitude internacional. Também pode-se apontar a conferência de Bandung, em 1955, que reuniu os países não-alinhados como um dos antecedentes por ter marcado decisivamente o aprofundar do movimento anticolonialista africano ao aprofundar sobre a necessidade de se impulsionar a revolução africana através do seu comunicado de autodeterminação dos povos e nações tal como se referia na carta da Organização do Tratado Atlântico Norte da ONU, deplorando ainda as políticas e práticas segregacionistas e descriminação racial que estavam em voga nas bases dos governos e das relações humanas em grandes regiões de África. 


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1º Ministro Chinês Zhon Enlai discursa na Conferência de Bandung

 

Juntamente, no mesmo encontro, se reafirmou a condenação do colonialismo, afirmando-se que a sujeição dos povos a dominação e a exploração estrangeira constituía uma negação aos direitos elementares do homem, era contraria a carta das Nações Unidas e um entrave ao progresso da paz e da cooperação mundial, declarando-se, ainda, o apoio à causa da liberdade e da independência para todos os povos subjugados e convidando-se as potências em causa a acordarem a liberdade e a independência a esses povos. É neste contexto que foi apoiada e desenvolvida em África a acção de revolta ou “subversão” contra a dominação colonial que foi se propagando paulatinamente a partir dos anos 50 por todas regiões incluindo Moçambique onde se localiza a província do Niassa. Em cerca de 20 anos, as potências coloniais europeias foram cedendo, perante a pujança do movimento descolonizador, às reivindicações e a luta dos povos pela sua autodeterminação, o que acabou dando lugar a emergência de uma dezena de países em África, Extremo Oriente e no Médio Oriente. Depois de alcançadas as independências de países como Gana, Marrocos, Tunísia e Sudão, em 1968 já existiam em África 34 novos estados independentes, faltando os territórios africanos da Rodésia, do Saara Espanhol, o Sudoeste africano e os territórios de expressão portuguesa cujo governo de então insistia em lutar pela sobrevivência do tipo de colonialismo que preservava (de exploração, segregação, coerção). O regime de então (Salazarista) não tinha menor intenção de renunciar às suas colónias – pretendia incluí-las como seus territórios no ultramar, uma ideia utópica que com o passar do tempo, mostrou-se tarefa impossível, pois o nacionalismo africano estava estreitamente ligado a tomada de consciência negra e manifestava-se numa pluralidade de formas que permitiram o surgimento de movimentos anticoloniais. Inicialmente, no meio estudantil na diáspora e em menor escala em algumas escolas nos centros urbanos das principais colónias, sobretudo as pertencentes a igrejas. Comunicado final da Conferência de Bandung, protestantes, nas associações culturais e grupos recreativos, nas organizações religiosas, nas comunidades, todas como manifestações clandestinas. Estas manifestações terão sido as precursoras dos futuros movimentos independentistas e outros chamam de Nacionalismo, resultante de uma convergência cultural em que os dirigentes, atento a realidade, caminharam ao encontro do povo, principalmente os camponeses para incutir neles a ideia da necessidade de libertação. No seio de alguns africanos instruidos e alguns “assimilados” surgem indivíduos formados, educados e ocidentalizados que vão criar os movimentos independentistas, paulatinamente dando corpo aos movimentos nacionalistas. Em Moçambique, estes movimentos de opinião de resistência, tiveram alguma expressão inicial apenas nas zonas urbanas bem localizadas como foi o caso da zona sul do país, alicerçadas pelas missões protestantes que educaram basicamente alguns futuros dirigentes nacionalistas. A origem dos movimentos independentistas também esteve associada aos grandes aglomerados urbanos e a emigração aos países vizinhos dado que as condições de desenvolvimento e propagação dos ideais revolucionários nas cinturas dos grandes centros, propiciavam a liberdade de organização política. Esses centros foram também propícios ao recrutamento de apoiantes. O elevado número de comunidades africanas originárias dos territórios portugueses em países vizinhos, onde se consolidara os ideais independentistas e o transfronteirismo étnico e a existência de laços familiares entre eles, facilitaram a permeabilidade desses ideais. Em Moçambique, este fenómeno verificou-se nos centros urbanos do litoral, o que conduziu a uma rarefacção de estruturas administrativas no interior e de maneira geral nas proximidades das fronteiras, esta situação, levou a que a população dessas regiões fosse atraída para os centros urbanos dos países vizinhos não longe destas fronteiras. Para o caso de Moçambique, o desencadear da luta na Angola e a independência da Tanganica estimularam os sentimentos patrióticos, mas, foi o processo de evolução no interior de Moçambique que desencadeou o movimento unificador catalisado pela visita de Eduardo Chivambo Mondlane em 1961, quando este era ainda funcionário das Nações Unidas.

Eduardo Chivambo Mondlanne

 A colonização portuguesa, caracterizada por um sistema de culturas obrigatórias, remunerações deficientes, condicionamento de mobilidade geográfica, elevado imposto de palhota e de capitação, uso intenso do trabalho forçado e as desfavoráveis relações de troca com o comércio local favoreceram o desenvolvimento de actividades políticas de resistência anticolonial de cariz independentista. Em si, a colonização “precipitou a tomada da consciência nacional do colonizado (…) moderou o seu ritmo ao manter o colonizado fora das condições objectivas da nacionalidade contemporânea”. A acção dos colonizados perante o colonizador na perspectiva deveu se ao facto de este não lhe ser permitido desfrutar de atributo algum de nacionalidade; nem da sua, que era dependente, contestada, sufocada, nem, bem entendido, da nacionalidade do colonizador. Portanto, devido a colonização, o colonizado quase nunca fez a experiência da nacionalidade ou da cidadania a não ser de forma privada. Associado a esse conjunto de factores, temos o facto de após a IIª Guerra Mundial, terem surgido grandes potências mundiais como os EUA e a União Soviética que na disputa de zonas de influência vão apoiar a formação dos nacionalistas independentes contra a presença europeia nas suas colónias, apoiando ideológica, doutrinária e militarmente. Neste âmbito, a partir dos anos 1950/1960, nacionalistas africanos começam a estabelecer contactos com as massas. Em Moçambique, várias reivindicações foram feitas, através de canais democráticos disponíveis, mas a atitude negativa de Portugal relativamente a estas exigências desacreditou os métodos pacíficos dando como resposta as estas exigências, massacres como o de Mueda em 1960. Um outro factor é mencionado por  MOYANE então chefe da FRELIMO para Defesa e Secretário Regional de Acção na Província de Tete em 1972, na entrevista a Saul de carvalho (1976) em que faz referência ao seu lento desenvolvimento da consciencialização política como algo que foi alimentado pelos acontecimentos algures, este menciona: a acção do Nkruma no Gana, Nyerere na Tanzânia, a luta contra a federação, a independência do Congo, o alastrar das lutas em Angola e a dramática visita de Eduardo Mondlane a Moçambique (na altura em que este ainda estava a trabalhar nas Nações Unidas) em 1961. Este sentimento vivido por Moyane aconteceu com muitas outras pessoas, incluindo os residentes no então Distrito de Niassa de onde vários
 moçambicanos partiram com destino a Tanzânia a fim de se juntar a FRELIMO nos princípios da década de 1960. 

2,3,A fundação da FRELIMO 

As durissimas condições de vida impostas aos africanos, com base no estatuto do trabalho nas culturas obrigatórias e sobretudo na necessidade do seu deslocamento para todo o território ou na ida para o estrangeiro (como especialmente aconteceu em Moçambique), fizeram com que pudessem estabelecer-se condições de maior contacto entre as populações, o que favoreceu a solidariedade e a abertura à ideia do nacionalismo na diaspora. Esta acção contribuiu para a progressiva consciência da condição do africano e para a capacidade de realização de vários actos de protesto que tiveram lugar principalmente nos centros urbanos. Este ambiente esteve também na origem da criação do Núcleo dos Estudantes Africanos de Moçambique (NESAM), em 1949, que, apesar de vir a ser proibido, ajudou a difundir a ideia de independência, acabando muitos dos seus membros por se integrar na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), à semelhança de Eduardo Chivambo Mondlane. Em Moçambique, foi uma minoria de trabalhadores urbanos, quem primeiro desenvolveu uma resistência activa e organizada contra as autoridades portuguesas. Um dos fenómenos que despertou ideias reivindicativas com intuitos nacionalistas nos finais dos anos de 1950 em Moçambique e que pode ser considerado, é a greve dos estivadores do Lourenço Marque em 1956. Outro factor que pode ser elencado na senda do surgimento dos ideais reivindicativos patente em diferentes literaturas que abordam a luta de libertação nacional, e que precedeu a luta armada em Moçambique, foram os acontecimentos de Mueda, em Cabo Delgado, no dia 16 de Junho de 1960. O incidente de Cabo Delegado, foi interpretado como repercussão da independência do Congo, demonstrando a intranquilidade sentida pela população branca no Norte de Moçambique. Para MONDLANE (1995) é nestes incidentes onde se centra-se o mais amargo ódio contra os portugueses e terá sido esta a razão da decisão da criação de um movimento nacionalista militante forte. Para ele, a origem da unidade nacional justificava-se pelo sentimento maioritário da dominação efectiva portuguesa, pelo que, formar uma frente de luta comum, fazendo apelo a oposição colonial e pela necessidade de independência seria simples. Em torno dos factores decisivos para a fundação da FRELIMO, há três elementos fundamentais, nomeadamente o papel geoestratégico do território tanzaniano para a independência nacional de Moçambique, o envolvimento da TANU no processo da sua formação a 25 de Junho de 1962 em Dar-es Salaam, tanto como as relações desenvolvidas entre os dois movimentos. O terceiro elemento é o ato político geoestratégico da Tanzania, visto que, por força da repressão política de Portugal, o país constituiu local de encontro entre as principais elites revolucionárias moçambicanas, nomeadamente a elite académica, a elite literária e a elite fundadora dos principais movimentos nacionalistas que antecederam a FRELIMO. O terceiro e último elemento apontado, é o acto político ligado ao O movimento nacionalista moçambicano, a semelhanças dos outros das colónias portuguesas, implantou os seus santuários nos territórios vizinhos já independentes e dai, rapidamente levaram a cabo as suas acções de organização e oposição política ao governo colonial. No caso da FRELIMO, desenvolveu-se também nas populações emigradas na Tanzânia, Malawi e Zâmbia, países independentes desde o início da década de 1960 e cujos habitantes das zonas fronteiriças pertenciam muitas vezes aos mesmos grupos étnicos. A estes vieram a juntar-se, mais tarde, os exilados procedentes da pequena burguesia nativa das cidades do Sul, principalmente, Lourenço Marques (actual Maputo) e Beira, os quais viriam a converter-se nos principais dirigentes do movimento. Após a criação do movimento, juntam se outros populares residentes da região norte de Moçambique, principalmente provenientes das províncias do Niassa e Cabo Delegado. No seio dos moçambicanos colonizados, era, na   hesitação, insuficiência e ambiguidade de uma agressividade de vencido que, à sua revelia, admira seu vencedor. A revolta era tanta que não demoraria em chegar no meio deles ideias e acções nacionalistas pois era, para a situação colonial, a única saída, ruptura com o sistema colonial. As primeiras tentativas de se criar um movimento nacionalista foram levados a cabo por moçambicanos que trabalhavam nos países vizinhos que criaram diversas organizações. Os primeiros movimentos moçambicanos de resistência viriam a estruturar-se entre as populações emigradas nos países circunvizinhos e independentes em 1961 (Tanganica, actual Tanzania) e em 1964 (actuais Malawi e Zâmbia). Dentre os principais movimentos, destaca-se o Maconde African National Union, posteriormente transformado em Mozambique African National Union (MANU), fundado no Tanganhica, em 1958/1959, com o intuito de reunir os Macondes de Moçambique e libertar a sua região de acordo com os interesses da Tanzânia porque os seus líderes eram originários da Tanzânia, membros da TANU (Tanganica African Union) de Julius Nyerere, por falta de elites instruída no grupo. A MANU foi dirigida por Mateus Mmole, integravam cidadãos como Lourenço Milinga Milinga, Samuli Ndyankali e Daude Atupale,  A União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), organizada na Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), em 1960, e cujos membros procediam em grande parte de Manica e Sofala, Gaza e Maputo, foi criada por Adelino Gwambe

Eduardo Mondlane e Adelino Gwambe


Nesta organização, destacaram-se alguns cidadãos como Uria Simango, Feliciano Gundana, Mário Matsinha, Joao Munguambe e Lopes Tembe. A União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI), surgiu, em 1961, na antiga Niassalânda (actual Malawi), com base em emigrados das zonas de Tete, Zambézia e Niassa, esta descende da Associação Nacional Africana de Moatize criada em 1959 com intuitos aparentemente culturais que, na prática, prestavam finalidades políticas visando subverter o pessoal da região. Estes movimentos,incorporavam valores nobres dos seus antepassados e falhavam por possuírem biforcações em relação aos seus objectivos nacionais, dai a necessidade de criação de um só movimento que aglutinasse os ideais e anseios do povo moçambicano como um todo. Estes movimentos, tinha em comum o facto de seus militantes e seus dirigentes terem residido muito tempo no exterior, logo, não possuíam uma noção clara das condições reais do território, sendo todos eles largamente influenciados pelos tipos de organizações existentes na tradição colonial inglesa, com uma base étnica e regional. Eles tiveram de se organizar na clandestinidade ou em santuários.  O processo unificador destes movimentos foi assumido em especial pela UDENAMO que havia participado na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), realizada em Casablanca em 1961, em que se apelou à necessidade de congregar esforços contra o inimigo comum. Marcelino dos Santos, membro da comissão executiva da CONCP, era também dirigente da UDENAMO, movimento que convocou, em Janeiro de 1962, para Dar-es-Salam, o MANU e a UNAMI. Dessa reunião surgiu o Comité de Unificação dos Movimentos Nacionalistas de Moçambique, presidido por um dirigente da UDENAMO, Uria Simango, filho de pastor protestante, depois de diversos contactos, as três organizações, a 25 de Junho de 1962, foi assinado um protocolo que dissolveu os outros movimentos e constituiu a FRELIMO com uma direcção provisória encabeçada por Eduardo Mondlane, que ficou responsável por organizar o Iº congresso que viria a ser realizado de 23 a 28 de Setembro em Dares Salaam. Neste encontro, “foi eleito Eduardo Mondlane como presidente do movimento e foi consignado o programa e estatutos da FRELIMO. Portanto, os três movimentos acabaram por se fundir em nova organização, a FRELIMO, criada em 25 de Junho de 1962 e segundo os seus estatutos, “tratou-se de uma organização política constituída por moçambicanos, sem distinção de sexo, origem étnica, crença religiosa ou lugar de domicílio. Tinha por objectivo a liquidação total, em Moçambique da dominação colonial portuguesa e de todos os vestígios do colonialismo e do imperialismo, a conquista da independência imediata e completa de Moçambique e a defesa da realização das reivindicações de todos os moçambicanos explorados e oprimidos pelo regime colonial português. (Estatutos da FRELIMO, A formação da FRELIMO “representou o início e o fim do colonialismo Português em Moçambique”. Constituiu para a população do Niassa uma prancha que todos esperavam para orientar as suas acções tendentes a acabar com as diferentes formas de atrocidade perpetrados pelo regime colonial fascista. Como os seus grupos constitutivos eram de base étnica, a coesão revelou-se desde o início muito frágil, razão que levou à escolha de Eduardo Mondlane como presidente, por não proceder de 84 qualquer dos grupos anteriores, se olharmos para a composição da direcção dos movimentos que deram origem a FRELIMO, mas sabe-se que Eduardo Mondlane, antes de 1962 nutria boas relações com Nyerere. Assim, pode afirmar-se que a FRELIMO é produto de uma convergência cultural. Tendo em conta o quadro da sua realidade, da sua personalidade imediata e real, os dirigentes caminharam ao encontro do povo, sobretudo ao encontro dos camponeses e das populações rurais. Uma acção que, inicialmente, exigiu um esforço pessoal como aconteceu com vários indivíduos que percorreram e trilharam caminhos espinhosos para se juntarem ao movimento e levarem a cabo a acção revolucionária. Indivíduos inicialmente formados na Europa, tiveram de aprender ou reaprender a sua língua nativa, readaptar-se aos seus iniciais estilos de vida e tiveram de vencer o grande peso de preconceitos e hábitos por eles abandonados a anos atrás. Tiveram de reconverter as suas atitudes, comportamentos, ambições e perspectivas pessoais tanto como a dureza da vida nas matas. Tiveram de transpor o complexo de superioridade e de inferioridade por forma a se integrarem as fileiras do movimento de libertação e obter aceitação no meio rural, nas comunidades como estratégia para fazer chegar a elas os ideais da FRELIMO tendentes a libertação do país como um todo. Os primeiros dirigentes da FRELIMO (Eduardo Mondlane, Marcelino dos Santos e até Samora Machel e outros) “tiveram uma iniciação intelectual muito menos elaborado e foram um extraordinário exemplo daqueles que tiveram de abrir caminho para a claridade da teoria e da prática através das estreitíssimas fendas. Há que destacar a extraordinaridade de Eduardo Mondlane cuja formação era tudo menos marxista, cujo treino foi pelo contrário, o de um ortodoxo sociólogo americano, tendo-se tornado o arquiteto do desenvolvimento da FRELIMO no grupo dos exilados até ser um movimento popular, mas também o timoneiro durante alguns dos mais difíceis anos do movimento, Eduardo Mondlane tinha estudado antropologia e sociologia nos Estados Unidos, começando a prestar serviço na ONU em 1961. Já como funcionário das Nações Unidas, visitou Moçambique, vindo a ser convidado pelo Governo português para trabalhar na administração colonial, convite 85 que recusou. Nos Estados Unidos, foi ainda professor da Universidade de Siracusa, mas, no início de 1962, decidiu empenhar-se inteiramente na luta de libertação nacional. Foi, então, encarregado de organizar o I Congresso da FRELIMO em Dar-es-Salam, em Setembro de 1962, congresso que veio a consolidar a organização e a prepará-la para o início da luta armada. De 1962 até ao início das hostilidades, a FRELIMO fortaleceu a sua retaguarda na Tanganica (actual Tanzânia), contando com apoios diversificados, desde os Estados Unidos, no início, até à Argélia, países socialistas e China. Em 1963, várias centenas de militantes foram enviados para Argel, Moscovo e Nanquim, onde receberam treino militar. Após o seu regresso receberam a missão de iniciar a luta armada. No mesmo contexto de preparação da luta armada, a FRELIMO enviou voluntários para a Argélia, Tanzânia e mais tarde para a Ucrânia, sob supervisão e apoio chinês e soviético, algo que justificava os seus ideais comunistas e métodos militares fundamentalmente maoístas. Com isto, aquilo que nos primeiros anos seria um efectivo desorganizado passaria a, no final da década de 1960 e início de 1970, a ser um contingente na ordem dos 2.400 elementos, treinado para a guerrilha. A Luta armada levada a cabo pela FRELIMO foi uma luta revolucionária dos explorados contra os exploradores; uma luta política, ideológica, económica, cultural e social fundada no interesse das largas massas trabalhadoras oprimidas. É de notar que, a formação da FRELIMO resulta de um processo conjugado a factores externos e do próprio colonialismo em Moçambique e da conjuntura da época. Tratou se de um movimento que teve origem nas massas oprimidas, mas alicerçada numa elite instruída. A sua criação como movimento nacionalista que pretendia acabar com todas as formas de exploração e dominação em Moçambique foi notícia em diferentes órgãos de informação, nacional e internacional e chegou ao conhecimento da autoridade colonial portuguesa. Analisando os factos, entende-se que a formação da FRELIMO resulta da consciência do povo moçambicano sobre a necessidade da sua libertação do jugo colonial português; do aprimoramento dos ideais nacionalistas que paulatinamente foi partilhado e absolvido pela população e por último e a questão da irredutibilidade do regime colonial. 2.3

2.3.1. A implantação da FRELIMO no Niassa 


Major Costa Matos, Governador Geral do Niassa DE 1962 A 1964 e Daniel Roxo

2.3.1. A implantação da FRELIMO no Niassa O processo da implantação e preparação da Luta Armada de Libertação de Moçambique, encabeçada pela FRELIMO no Niassa, foi orientado pelo Comité Central que decidiu que a luta se iniciaria no dia 25 de Setembro de 1964. Esta acção contou com apoio de alguns indivíduos (regedores, pastores, entre outros) que, de forma directa ou indirecta, facilitaram as actividades dos primeiros emissários do movimento na região de diferentes formas (dando alimentos, abrigo, distribuindo panfletos, facilitando o recrutamento de jovens, sensibilizando a população a se juntarem ao movimento, fornecendo pistas da movimentação da tropa colonial e outras), conforme passamos a descrever, alguns casos que estão reportados em diferentes relatórios dos administradores coloniais constantes no Arquivo Histórico Diplomático e Arquivo Nacional Torre do Tombo em Lisboa com destaque a: Aidão Chitenge (regedor) e Aidane Cauela – estes, em 1963, enviaram a partir de Cóbuè para Tanzânia, 30 jovens que sabiam ler e escrever correctamente português. Realizavam reuniões no qual aconselhavam os participantes a contribuírem de diferentes formas visando apoiar a FRELIMO para que Moçambique se tornasse independente. Estes acabaram presos por causa das suas actividades como membros da FRELIMO e encaminhados para Vila Cabral. A denúncia, foi feita pelo regedor Mataca que tinha o regedor Chitenge como seu rival, numa manobra política visando eliminar o regedor Chitenge e ganhar as atenções do governo. Para além disso, existiam desavenças e inveja entre os dois que datavam do antigo regedor Chitenge, que acusava Mataca de ser feiticeiro por lhe roubar as águas da chuva, e quando morreu o regedor Chitenge, Mataca quis ver se conseguia ligar a regedoria Chitenge a sua regedoria. Segundo o mesmo relatório, o regedor Chitenge
 foi solto da suspeita de envolvimento em actividades subversivas através de uma carta. O processo da implantação e preparação da Luta Armada de Libertação de Moçambique, encabeçada pela FRELIMO no Niassa, foi orientado pelo Comité Central que decidiu que a luta se iniciaria no dia 25 de Setembro de 1964. Esta accão contou com apoio de alguns indivíduos (regedores, pastores, entre outros) que, de forma directa ou indirecta, facilitaram as actividades dos primeiros emissários do movimento na região de diferentes formas (dando alimentos, abrigo, distribuindo panfletos, facilitando o recrutamento de jovens, sensibilizando a população a se juntarem ao movimento, fornecendo pistas da movimentação da tropa colonial e outras), conforme passamos a descrever, alguns casos que estão reportados em diferentes relatórios dos administradores colonias constantes no Arquivo Histórico Diplomático e Arquivo Nacional Torre do Tombo em Lisboa com destaque a: Aidão Chitenge (regedor) e Aidane Cauela – estes, em 1963, enviaram a partir de Cóbuè para Tanzânia, 30 jovens que sabiam ler e escrever correctamente português. Realizavam reuniões no qual aconselhavam os participantes a contribuírem de diferentes formas visando apoiar a FRELIMO para que Moçambique se tornasse independente. Estes acabaram presos por causa das suas actividades como membros da FRELIMO e encaminhados para Vila Cabral. A denúncia, foi feita pelo regedor Mataca que tinha o regedor Chitenge como seu rival, numa manobra política visando eliminar o regedor Chitenge e ganhar as atenções do governo. Para além disso, existiam desavenças e inveja entre os dois que datavam do antigo regedor Chitenge, que acusava Mataca de ser feiticeiro por lhe roubar as águas da chuva, e quando morreu o regedor Chitenge, Mataca quis ver se conseguia ligar a regedoria Chitenge a sua regedoria. Segun assinada por nativos moçambicanos residentes em Blantyre, Malawi datada de 10 de Julho de 1964, dirigida ao Governador do Distrito do Niassa em que pedia-se a libertação desta autoridade tradicional com os seus rapazes como forma de manter a paz com a população de Cóbuè. Matias Cassonjola – natural de Chigoma, Pastor, foi quem recebia os cartões da FRELIMO e fazia as distribuições. Williade Quida- natural de Wiqui, vendedor de cartões da FRELIMO, depois da prisão de Mainade Paulo, Francisco Mucamba. Em Miandica – o regedor Maniamba permitia a realização de reuniões (banjas) em sua casa – O Chefe Abílio oferecia milho aos guerrilheiros da FRELIMO. Em termos práticos, a FRELIMO instalou-se no Niassa em Janeiro de 1963 com a implantação dos primeiros núcleos clandestinos. Portanto, três meses apoios a sua formação. Mainade Paulo Negumbe – treinado em diversos locais do estrangeiro, acomodou os guerrilheiros da FRELIMO depois dos ataques de Cóbuè e Metangula, em 25 Setembro, portanto, a partir do dia 11 de Outubro de 1964 a 25 de Novembro 1964, tendo-os mantido escondidos e fornecendo alimentação. 


Manteve a instrução de guerrilha, recebeu voluntários dos quais se destaca: Francisco Muapulo, Elias Mapelele, Andre Nzunja, Ezra Ezau Cágua, Alfredo Binaule, Tomás Jalafe, Tiago Juma, Mateus Futtalila e Jorge Ganangue. A permanência do grupo na região foi do conhecimento de pouca gente. Os habitantes da margem do Lago Niassa, dedicam se a pesca, criação de gado e em menor escala a agricultura. Desde sempre emigraram para territórios vizinhos demonstrando uma ânsia em viajar, vivendo sempre junto a uma importante via de comunicação que lhe possibilitasse a vida de intensos contactos com o exterior, reunido assim condições óptimas para ser sujeito a influências externas ou estranhas o que o tornava receptível a quaisquer ideologias. Tal facto, terá facilitado o contacto com povos de territórios vizinhos e constituído zona fértil para o início da Luta de Libertação Nacional, no Distrito de Niassa, concretamente na região do Lago, dado que as actividades do inimigo se iniciaram precisamente nesta região. As actividades preliminares da FRELIMO começaram na área do posto administrativo de Cóbuè, muito antes aos assaltos ali efectuados, no dia 25 de Setembro, segundo uma nota enviada pelo administrador do posto administrativo da região, datado de Janeiro de 1964, em que o mesmo garantia que em toda área da sua jurisdição estava infestada de nativos ligados a FRELIMO, desempenhando todos funções de relevo no movimento. Referiu, também, que a infiltração dos mesmos elementos se vinha efectivando há muito tempo alastrando de tal modo que era quase impossível exercer algum controle. Adiante, refere que as autoridades gentílicas nada faziam para conter a onda da movimentação dos mesmos porque, segundo este, tinham receio de os impedirem. Mas tarde, veio a saber que estes colaboravam com os elementos da FRELIMO na região. 


No mesmo informe, o administrador faz referência ao facto de as autoridades da Ilha de Likoma fornecerem asilo aos que exerciam propaganda revolucionária em Moçambique e, posteriormente, para lá se dirigiam, destacando os nomes de Matias Lituaua, Alberto Gaungue e Leonardo, que se encontravam na Ilha de Likoma sob a protecção das autoridades locais e que eram alimentados por Landeford Gaunge, filho de Alberto Gaunge, que residia em Mataca. Dadas as circunstâncias em que se entravam, de acordo com o mesmo relatório, o chefe do posto de Cóbuè solicitou uma embarcação a gasóleo para fiscalização da região. Solicitou também que a embarcação de carga e passageiros de nome Ilala II, para que estendesse o seu percurso até a Ilha de Likoma, à Cóbuè. Pediu ainda, a colocação de tropas ou outros elementos militares perto da fronteira com Tanzânia a fim de exercer fiscalização rigorosa da mesma e conter assim a movimentação dos militantes da FRELIMO para aquela região. Para conter a movimentação massiva da população, o chefe solicitou a abertura de um estabelecimento comercial na povoação de Lipoche para evitar que as populações se deslocassem frequentemente à Tanzânia a fim de efectuar compras e aí, clandestinamente, adquiriam cartões da FRELIMO, um cartão que chegou a ser exigido pelas autoridades Malawianas para entrar na Ilha de Likoma.  O chefe do posto exigia, ainda, a colocação urgente de uma parteira, alojamento dos guardas PSP e reparação urgente do posto sanitário que se encontrava em estado deplorável. Igualmente, pedia a vinda periódica de aviões da FAP (Força Aérea Portuguesa) como forma de marcar presença na região e encorajar os informadores assim como a realização de banjas (reuniões) periódicas a serem dirigidas pelo Administrador de Maniamba, desencorajando alianças com a FRELIMO e outros grupos que eventualmente realizavam propagandas revolucionárias na região. Todas estas benfeitorias visavam reduzir, se não mesmo acabar, com a movimentação da população para a Ilha de Lokoma, no Malawi, e a vizinha Tanzânia, onde entrariam em contacto com elementos da FRELIMO e organizassem a revolta na região. Constituiu uma estratégia tardia 89 de mostrar as populações que seriam capazes de prestar apoios, protecção contra os assédios dos agentes da propaganda e da perturbação nas suas povoações. O administrador da circunscrição de Maniamba em coordenação com o então Governo do Distrito do Niassa consentiu e levou a cabo acções visando materializar todas solicitações do chefe do posto de Cóbuè. Assim, se passou a realizar semanalmente visitas e realizar “banjas” com a população local, esclarecendo a necessidade de evitar aliciamentos de elementos da FRELIMO e passar a dar ouvido aos informadores locais. O modelo de desenvolvimento colonial de Portugal em Moçambique, nos qual a maior parte dos colonos portugueses radicou-se no litoral para prestar serviços às cidades portuárias e uma minoria instalou-se nos terrenos mais férteis do interior centro e do norte do país, permitiu que a guerra se desenrolasse inicialmente em zonas de reduzida presença de colonos europeus, com baixa densidade populacional de povos locais, com uma fraca malha administrativa e quase que ausentes ou frágeis infra-estruturas. Em termos gerais, o Niassa era uma região debilmente ocupado pela autoridade colonial portuguesa até finais de 1960. A quando da sua aparição no Niassa, através dos seus primeiros membros exilados na Tanzania, nomeadamente James Msadala, José Chitenji, Carlos Dewasi, Henrique Mwenda e Mandindique, que desenvolveram a experiência de luta política ao lado da Tanganyika African National Union (TANU), a FRELIMO foi analisada pelas autoridades coloniais portuguesas como uma organização que comandava a revolta em Moçambique e que não resultou da espontânea vontade das organizações e grupos que a integravam mas sim de uma imposição do exterior com destaque para os EUA, Este movimento implantou-se no Niassa através dos seus emissários, que, inicialmente, foram ao encontro das autoridades locais e criaram núcleos clandestinos com a tarefa de acelerar o recrutamento de jovens para engrossar as fileiras da FRELIMO na Tanzânia, estes núcleos tinham uma estrutura clandestina. O primeiro a ser criado localizava-se na região de Chigoma, Cóbué, foi o que mais se destacou na Província do Niassa. Reuniões  pelo número de jovens mobilizados e recrutados. Estes núcleos, também foram criados nas Missões, escolas e outros. A partir destes núcleos muitos outros foram surgindo ao longo do litoral do Lago Niassa até Messumba com influências na Vila Cabral- Lichinga, envolvendo professores, catequistas, alunos, enfermeiros e outros. Aperto ao cerco no Niassa - as prisões e a violência colonial

2.4. Aperto ao cerco no Niassa - 

As prisões e a violência colonial A autoridade colonial portuguesa, através do seu consulado geral em Salisbury, tomou conhecimento, através dos seus órgãos de espionagem, da movimentação de elementos da MANU e da UDENAMO tendentes a levar a cabo acções de revolta no território moçambicano e o apoio que Nyerere dava aos países como Moçambique e Angola no sentido de alcançarem a independência a partir de 1961 a 1962. A maior ameaça em torno de uma possível revolta no território moçambicano para as autoridades portuguesas em Salisbury residia no facto de em Dar-es-Salaam estarem presentes missões diplomáticas e consulares comunistas e americanas. Também constituía ameaça o regresso de africanos de Moçambique treinados em Gana. Por fim, o trabalho subversivo dos agentes indianos e goeses, gerava a hipótese de desembarque de armas indianas e de outras origens em Dar-esSalaa. A propaganda e organização levada a cabo no sul de Tanganica por pastores protestantes, principalmente os anglicanos como Michael Scott e Hudleston, engrossavam a lista de ameaça a uma possível revolta dos africanos em Moçambique. Estes factores obrigaram a autoridade colonial a imprimir uma maior atenção na região junto a fronteira com o Niassa. A partir de um ofício n.º 391 de 27 de Março de 1962, do Consulado Geral de Portugal em Salisbury, compreende-se a preocupação deste órgão consular com uma possível eclosão de revolta principalmente ao reportar sobre o apoio que as organizações nacionalistas africanas de Moçambique iam recebendo do Governo de Tanzânia, incluindo a declaração aberta de Julius Nyerere em conceder apoios aos nacionalistas africanos de Moçambique que se encontravam na Tanganyika. Olhando para a gama de ofícios que eram enviados para Portugal e outros que circulavam a nível do território colonial, é notório que a informação constituiu uma chave fundamental para a contrainsurreição. Tudo porque as autoridades coloniais compreenderam de início que o fluxo centralizado de informação era um elemento fundamental para as suas acções, visando garantir resposta a uma possível revolta armada, e que esta informação só podia vir da população. Consequentemente, planearam e montaram a sua máquina de recolha de informação para trabalhar neste meio especial. Esta estratégia foi usada pela tropa portuguesa no decurso da guerra na medida em que os guerrilheiros da FRELIMO capturados eram interrogados e forçados a dar informações sobre as acções, apoios, estrutura e meios do movimento de libertação. Outro elemento que evidencia o uso crucial de informação pelas autoridades coloniais neste contexto é o oficio em que o Governo-geral da Província de Moçambique, por determinação e através de um telegrama 505/GOV de 26 de Setembro de 1960 enviado ao Governo do Distrito do Niassa, após tomar conhecimento de que na região de Kota-Kota (Niassalândia) o Dr Kamusu Banda realizou no dia 01 de Outubro de 1960 uma reunião em que provavelmente estiveram presente de forma clandestina alguns moçambicanos.

 Diante desta informação, o Governo Geral da Colónia emitiu uma nota, orientando para prender todos os “indígenas” acusados de terem assistido do comício do Dr. Banda. Tendo também orientado a se instruir o processo a fim de apurar a veracidade dos factos. Jovens, concretamente os Nyanjas residentes ao longo da margem do Lago Niassa nas regiões de Messumba, Cóbuè, Lunho, Ngoo, Wikihi (Lipoche), tinham parentes a residir na Tanzânia, rapidamente, foram tomando conhecimento por diferentes vias (visitas aos parentes, emissoras radiofónicas tanzanianas, deslocação em férias e indivíduos que foram chegando a região de Cóbue com cartões da FRELIMO) da existência do movimento e paulatinamente souberam dos seus objectivos e tomaram consciências nacionalistas. 

Profº Amós Sumane

De seguida, elementos da FRELIMO, nomeadamente, professores como foi o caso de Amós Sumane, catequistas e outros que estiveram na Tanzânia, começaram a realizar reuniões clandestinas com alguns elementos da comunidade, sobretudo jovens estudantes das missões, concretamente em Messumba, onde abordavam assuntos ligados aos mecanismos de adesão ao  movimento, encorajamentos a apoiar de todas as formas a luta de libertação dos colonialistas portugueses e incluía escutas a emissoras radiofónicas da Tanzânia. Face a estes movimentos, as autoridades coloniais enviaram principalmente “para Cóbuè muitos agentes de espionagem. Mas mesmo assim, os militantes da FRELIMO continuavam a trabalhar clandestinamente”. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado - PIDE imprimiu acções de vigilância, detenções e repreensão contra todos indivíduos suspeitos de se envolverem em acções manifestamente expressas contra o regime colonial. Neste contexto, no então Distrito do Niassa, iniciaram-se as detenções, repreensões e torturas levadas a cabo por elementos da PIDE. Foi assim que na Vila Cabral foi detido João Massanche que, “este encontrava-se a beber num bar e tinha sido ouvido a dizer que os portugueses deviam imitar os outros países europeus e sair de África”. Depois de os companheiros o abandonarem, este foi apanhado pela polícia, fechado num armário sem espaço para se sentar durante alguns dias. Em Messumba, no mês de Agosto de 1963, alguns professores da Missão de Messumba com destaque para Amós Sumane, algum pessoal do hospital da Missão e ainda, alguns estudantes não regressaram das férias que teriam ido gozar na Tanzania, presumindo-se desta forma que tenham se juntado a FRELIMO. 

Igreja Anglicana de Messumba

Essa presunção afectou a atitude oficial do governo local em relação a Messumba de tal forma que o então administrador da Vila Cabral, Costa Matos, chegou a apelar aos padres de Messumba para manter uma vigilância estreita sobre os seus empregados de forma a evitar mais deserções para a FRELIMO. Nesta contenda, o Padre Paul foi suspeito pelo não regresso dos professores, pessoal do hospital e alguns estudantes da Missão que teriam ido a Tanzânia em gozo de férias. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado, foi criada pelo Decreto-Lei n.º 35 046 de 22 de Outubro de 1945, em substituição da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. Chegou a ser considerada como um organismo autónomo da Polícia Judiciária. No âmbito das funções de repressão e de prevenção criminal, tinha competências de realizar instrução preparatória dos processos respeitantes aos diferentes crimes, tanto como prendia e interrogava coercivamente os suspeitos. Outro indivíduo preso no dia 24 de Dezembro de 1963 foi António Chizoma, que teria ido de férias a Tanzânia na companhia de Amós e outros. Este, no seu regresso, levou alguns cartões da FRELIMO que estivera a vender a 17$50 cada em Messumba. Um informador da administração, depois de várias tentativas fracassadas, conseguiu comprar um desses cartões. No dia anterior, também tinham sido presas outras pessoas, incluindo o catequista de Metangula,mais duas pessoas de Chigoma. Estes foram levados para Maniamba de onde posteriormente foram encaminhados para Vila Cabral onde foram interrogados pela PIDE. Do interrogatório feito envolvendo torturas severas, Chizoma confessou tudo, tendo mencionado os nomes de todos que consigo compraram cartões da FRELIMO e de lá foi conduzido a Lourenço Marques. Salatathiel, foi solto alguns dias depois e seguiu rumo a Malawi. Outros indivíduos que também foram presos em Messumba foram Reggie e Mário, funcionários da Missão (operários) e que viajaram no barco a Metangula idos de Wikih, onde participaram numa visita pastoral com o padre Paul e coincidiu com a aparição de panfletos da FRELIMO na estrada entre Messumba a Metangula. Por este incidente, foram os dois operários acusados por terem estado na embarcação e, de seguida, foram presos em Vila Cabral quando para lá se deslocaram na companhia do Padre Paul. Aí, foram levados a cadeia, onde foram torturados até desmaiar e jogados água fria para voltar a si, uma acção que foi continuada durante uma semana e depois foram soltos sem nenhuma confissão de culpa. Outro professor da Missão, que também foi preso acusado de ter transportado panfletos da FRELIMO e espalhado em Messumba foi Alexandre Nkalamba. Disseram que foi ele quem trouxe os panfletos no barco e que tinha espalhado entre Messumba e Metangula e que também havia conseguido que o resto dos panfletos fosse levado por qualquer outra pessoa de bicicleta para Vila Cabral. Alexandre foi preso e levado para Lourenço Marques e só foi liberto em fevereiro de 1971 e de acordo com o seu testemunho apresentado por escrito a Comissão das Nações Unidas de Direitos Humanos em 11 de Agosto de 1972 em Dar-es-Salaam, nunca teria sido levado ao julgamento. Os soldados portugueses no início do conflito sempre que se sentissem traídos por conta de uma informação não exacta ou ainda inadequada, torturavam a pessoa ou família do informante. Em determinados casos, chegavam mesmo a cometer assassinatos ou mutilações deliberadas, tal como aconteceu em Ngoo, no ano de 1965, em que alguns meses depois do incidente da Base Naval de Metangula e Messumba, quando numa noite, alguns soldados portugueses pernoitaram na igreja e no dia seguinte partiram e, depois de percorrerem aproximadamente 10km, caíram na emboscada de guerrilheiros da FRELIMO. Na noite seguinte, regressam a Ngoo, extremamente zangados, foram a casa de Afonso Messossa. Este ao se aperceber da presença da tropa, fugiu pela porta traseira da casa. Os soldados foram a casa do Carlos Catatula e quando este respondeu a porta, mataram-no com vinte e seis tiros. Em seguida, foram apanhando outros empregados da Missão de Messumba e levaram para casa do padre Chizuzo tendo espancado e insultado a todos e na “ocasião perante os seus olhos, cortaram a cabeça a Catatula e num acto macabro foram jogando a cabeça deste como se fosse bola de futebol. Depois de eles se retirarem, toda a população da aldeia fugiu para as montanhas excepto o padre Chizuzu e Jacinto Mizaia”. Este acto obrigou o Padre Paul a se descolar a Vila Cabral para contactar o administrador Costa Matos a fim de se inteirar do sucedido e mostrar ao mesmo que se tratou de um acto macabro contra um indivíduo que não esteve envolvido na emboscada que as tropas portuguesas sofreram e nem se quer tinha tentado fugir. No seu regresso, Paul forçou os Padres Chizuzu, Afonso Messossa e Jacinto Mizaia a migrarem para o Malawi tanto como a ida de Bernardo Goi Goi para se juntar a FRELIMO. Os homens que assassinaram Catatula, supostamente, eram os fuzileiros que andavam constantemente pelas aldeias procurando furiosamente por elemento da FRELIMO que raramente apanharam. Neste acto, aterrorizavam os aldeões que, em princípio de 1965, foram migrando para a Ilha de Likoma no Malawi, Tanzânia ou para as colinas onde procuravam a protecção da FRELIMO. As aldeias que a população abandonava, eram sempre queimadas pela tropa portuguesa de forma que os guerrilheiros da FRELIMO não se aproveitassem de nada, à semelhança do que aconteceu em Manda-Mbuzi em que, segundo narrativas do Padre Odala ao padre Paul, “a tropa portuguesa queimou catorze casas”. Na mesma ocasião, visitaram a casa do Padre Odala, perguntaram-lhe se sabia da movimentação de unidades da FRELIMO ao que respondeu negativamente, mesmo sabendo que estes se escondiam nas colinas. Entraram na igreja tendo levado, castiçais, cruzes e pratos da igreja, galinhas e pertences do Padre Odala que, diante do sucedido, fugiu com o seu povo para as colinas e dois meses depois foi a Ilha de Likoma no Malawi. 



Mesmo acto aconteceu quando, segundo informações obtidas por PAUL, as tropas portuguesas foram a Ponta Mala e quando lá chegaram começaram a lançar fogo as casas e os que puderam fugiram para as colinas salvando as suas vidas. No entanto, cerca de uma meia dúzia de pessoas foram presas, incluindo o catequista aposentado Geldart Chisaca, e obrigados a caminhar para Cóbuè. Mas, a meio do caminho, foi-lhes ordenado que entrassem no lago e batessem as palmas e depois foram metralhados. Este acto macabro foi contado ao Padre Paul por um sipaio de Cóbuè que esteve na companhia das tropas portuguesas, como geralmente se procedia. O chefe do posto de nome Morais, em finais de 1965, ao chegar a Cóbuè encontrou, de acordo com relatos de PAUL, alguém que pensou que fosse agente da FRELIMO; e mandando juntar toda aldeia incluindo um padre anglicano aposentado, o Padre Polela, pai de Daniel Polela, e mandou matar o homem a tiro. Na mesma noite, a população da aldeia, o Padre Polela e a maior parte dos sipaios do Morais fugiram para a Ilha de Likoma tanto que o padre Pikito (português) foi para Metangula e desde essa altura a região não teve nenhum padre residente. Os portugueses entregaram-se a matanças indiscriminada. A FRELIMO apenas matava aqueles de que tinha razão para suspeitar” e tanto quanto soube fê-lo sem torturas nem qualquer outra brutalidade. Qualquer indivíduo que mostrasse simpatia de qualquer gesto ou mesmo mostrasse satisfação face às investidas dos guerrilheiros da FRELIMO contra os empreendimentos ou aquartelamentos portugueses era alvo das acções da PIDE, que podiam envolver prisões até mesmo torturas. A título de exemplo: Ernesto Alfredo Rachide (guarda auxiliar da P.S.P), Marques Aide (cozinheiro) Manuel Horta Massanho (empregado de telecomunicações) e João Tender (interprete da Administração) estando na Vila Cabral, estes funcionários assalariados manifestaram atitudes favoráveis ao ataque dos guerrilheiros a cantina de Chiulica – Maniamba. 

MANIAMBA Aquarelamento das tropas portuguesas

A P.S.P, em coordenação com os agentes da PIDE, deteve os mesmos logo de seguida, nos anos subsequentes a 1965, os professores da Missão de Messumba eram sempre chamados a Metangula pelas autoridades e não regressavam ou, se voltavam, eram convocados segunda vez e detidos por um grupo de agentes da PIDE de Nampula que se encontrava a trabalhar na região. Assim que qualquer indivíduo ou parente tentasse visitar o preso, era informado que o mesmo estava sendo mantido incomunicável, significava que o mesmo estava degradado fisicamente por conta das torturas que sofria como forma de persuadir a confessar o seu envolvimento com a subversão levada a cabo pela FRELIMO. No Niassa, as prisões prosseguiram e foram frequentes. Constituiu uma das principais armas do exército colonial português para conseguir progredir nas suas acções. Ao longo da escrita das suas memórias, PAUL  descreve o que ele chamou de “O sábado Negro” que se deu no dia 24 de Julho de 1965 quando por volta da madrugada ouviram-se tiros esporádicos e ele julgou tratar-se da acção da tropa portuguesa, brincando com espingardas. Pela manhã, depara-se com um homem sendo levado ao hospital com tiro na cabeça, abatido quando fazia necessidades biológicas numa mata a céu aberto. Por volta do meio-dia, foi recebendo notícias de detenções de homens que se deslocavam à Missão de Messumba naquela manhã, levadas a cabo pela tropa portuguesa. Tratou-se de uma operação comandada pelo inspector Campus, funcionário da PIDE em Nampula, acompanhado do Rosa também agente da PIDE. Na mesma tarde, os agentes pediram ao padre Paul para os acompanhar porque queriam ver as casas dos professores e, enquanto isso, dois aviões militares sobrevoaram a região. Nestas buscas, levaram os dois professores superiores que sobravam da missão, sob alegação de que estavam indo a Metangula para responder a certas questões e de lá só regressaram a Missão três anos e meio depois e outro, cerca de sete ano mais tarde. Eram professores com aproximadamente de 50 anos de idade. Naquele dia, a região de Messumba ficou toda cercada de soldados, a PIDE, “tinha prendido aproximadamente 350 pessoas” incluindo algumas da Missão católica romana da Nova Coimbra onde o superior era o padre Inácio Mondine.

 Todos os presos foram levados a Metangula, onde cerca de 50 foram soltos por não serem naturais. Em algumas aldeias, os soldados tinham levado toda a gente. Os cerca de 300 prisioneiros em Metangula eram mantidos ao ar livre rodeados de 97 arame farpado construído à pressa e guarnecido por soldados armados, expostos ao frio de Junho que ocorria na região do Lago, e não tinham direito a visitas.  Dias depois, os prisioneiros foram levados a Vila Cabral para mais interrogatórios e mantidos sem visita. Estas prisões eram executadas através de equipes de recolha de informações encabeçada pela PIDE. A PIDE foi montada em Moçambique em 1960, cuja Delegação em Lourenço Marques era dirigida por António Vaz, que, depois montou várias subdelegações na Beira, Vila Cabral, Porto Amelia, Nampula e Tete. 

Orlando Cristina

A região norte de Moçambique era dirigida por Orlando Cristina, que tinha sob a sua alçada um conjunto de oficiais milicianos fazendo pesquisas de informações em Cabo Delegado e Niassa. Os milicianos eram liderados por Manuel Gomes dos Santos. Analisando os factos, é notória a acção violenta da autoridade colonial portuguesa por meio da PIDE, face à acção política revolucionária, principalmente a partir de 1963, nas regiões de Cóbuè, e na Missão Anglicana de Messumba, dado o elevado número de indivíduos destas regiões que foram presos, torturados e até mortos. Tratou-se de uma acção de violência visando aterrorizar e acabar com as acções revolucionárias que já eram evidentes. Constata-se também que as autoridades coloniais portuguesas, assim que notassem a presença de indivíduos nativos com suspeitas de ligações ao movimento de libertação de Moçambique, intensificavam a vigilância na referida região através de seus informantes nas comunidades e toda sua máquina de pesquisa de informação com orientações para prendê-los, torturar e eventualmente obter maisinformação sobre o envolvimento de outras pessoas na acção revolucionária encabeçada pela FRELIMO.  

CAPÍTULO III OS MEIOS E DISCURSOS ANTES DA GUERRA 

Por conta da desumanização que ocorria em quase toda a parte do território moçambicano pelos portugueses, os nacionalistas decidiram extinguir a situação. Diante disso, acreditaram que a melhor solução que poderia ser encontrada perante a selvajaria a que estavam sujeitos seria de aderir a luta armada contra os colonizadores como forma de expulsá-los dentro do território moçambicano. Entretanto, em todas colónias portuguesas, os nacionalistas estavam dispostos às negociações políticas, antes que as armas fossem levantadas. Porém, aconteceu que Salazar, primeiro-ministro português na altura, não se mostrava aberto e nem queria ouvir quaisquer assuntos relacionados à descolonização. Para isso, bloqueou todas as possíveis vias negociáveis, vetando assim a emancipação desses territórios, como foi acontecendo. Sem soluções à vista, os nacionalistas decidiram aderir à luta, via armada, como solução viável para expulsar os colonizadores dos seus territórios, uma vez que não aceitavam a retirada pacífica e estavam indisponíveis aos diálogos. Em Moçambique, concretamente no Niassa, a situação não foi diferente, os nacionalistas criaram ambientes de debates e reflexões sobre a necessidade de luta, onde, por meio de discursos em grupos reduzidos, iam explicando à população sobre a necessidade de se verem independentes, definiam pontos estratégicos, logística para o início da guerra, recrutaram mais jovens para engrossar as fileiras da FRELIMO, entre outros aspectos. Contudo, Portugal não se apartou do cenário que já indiciavam o início de uma guerra, sempre estava presente para interromper as acções dos nacionalistas. Nisso, mandava tropas para acabar com os movimentos que estavam sendo criados pelos africanos na região. No presente capítulo, procura-se abordar os meios e os discursos usados por elementos da FRELIMO para formar a sua autoridade antes do inicio da guerra destacando-se os actos preparativos da Luta de Libertação de Moçambique (recrutamento dos guerrilheiros, formação militar e educação política). Far-se-á referência ao contexto do início da luta armada, as estratégias da guerrilha, as principais frentes de combate, a contra-ofensiva da tropa colonial, os aldeamentos e a propaganda exercida pelas partes beligerantes. 

3.1. Os Núcleos clandestinos 

A FRELIMO foi o grupo que desde logo, se mostrou estruturado e com possibilidade de absorver os outros grupos menores, por isso usufruiu imediatamente das facilidades de apoio em especial da Tanzânia, daí que se justifica a sua actuação a partir da área do Niassa, onde começa a se instalar através de núcleos clandestinos que eram pequenos grupos de indivíduos que, serviam de elo de ligação entre a população e os nacionalistas moçambicanos. Os núcleos clandestinos de elementos da FRELIMO no Niassa foram montados em Janeiro de 1963, por decisão do Departamento da Organização do Interior, com o objectivo de acelerar o recrutamento de jovens para ingressar nas fileiras da FRELIMO, e por meio destes, depois de um treinamento, desenvolverem actividades de reconhecimento para mapear zonas estratégicas para o início da luta armada e localizar posições do exército colonial. Para além destas actividades, os núcleos serviam de ponto de mobilização e distribuição de cartões da FRELIMO. Recebiam material propagandístico da FRELIMO proveniente da Tanzânia e disseminavam clandestinamente na comunidade. Estes núcleos também eram responsáveis por engrossar o número de guerrilheiros a serem formados pelos nacionalistas. O primeiro núcleo foi criado na área de Chigoma- Cóbuè, este recrutou a maior parte dos guerrilheiros da FRELIMO na Província do Niassa e foi a partir deste que se formaram muitos outros que se estenderam pela faixa litoral do Lago Niassa até Messumba, chegando mesmo a se implantar na Vila Cabral, em 1964. Neste processo, destaca-se o núcleo da Missão de Messumba na Circunscrição do Lago, que, a partir de Agosto de 1963, acolheu várias reuniões presididas pelo Padre Litumbe. 

Agosto de 1967, Furriel Amadeu Silva na rua principal de Messumba

Delas tomavam parte, para além de António Chizoma que fora encarregue por Alexandre Ngalamba de vender os cartões da FRELIMO que trouxera da Tanganica aos Padres; Guilherme José Macuenda, Pedro Chizuzu, Zefanias Ambessine, Tomás Polela, João Polela, João Sululo, Manuel Catequeta, Jaime Cassimo, os professores Aidão Lilinga, Jaime Caomba, Jaime Farahane, José Farahane, Salatiel Chizuzo, Samuel Caomba, Jaime Goiane, Guilherme Cadalamba, Tiago Metaiba e outros.  Diante da acção repressiva levada a cabo pela autoridade colonial portuguesa, o ódio dos moçambicanos contra estes, foi-se multiplicando dia após dia e os núcleos clandestinos da FRELIMO foram desenvolvendo a sua actividade com firmeza e coragem em todos os povoados, mobilizando jovens a aderirem ao movimento. Existiam na região, grupos culturais da dança Chioda, M’uganda e outros cujos coros se referiam à necessidade de se juntar ao movimento para o alcance da independência, apesar de agentes da PIDE estarem frequentemente a vigiá-los com o objectivo de deter os protagonistas destas ondas. Aos poucos, os núcleos foram se multiplicando desde Ngombe na fronteira com a Tanzânia, até Messumba na grande Missão Anglicana. É importante referir que os ideais nacionalistas em Niassa foram chegando por diversas vias e é claro que contou com os acontecimentos de Gana, as acções dos Mau-Mau, as emissoras de rádios clandestinas como foi o caso da Radio Moscovo, do Cairo, do Senegal, a rádio Brazzaville, a de Dar-es-Sallaam transmitidos em língua portuguesa, Ronga, Suaíli, Macua e Ajaua. Foi pelos núcleos clandestinos que escutavam diferentes emissoras radiofónicas que os residentes do Niassa foram se apercebendo da necessidade da unidade nacional, de libertação e independência. Ainda assim, a FRELIMO através destes núcleos clandestinos dispersos pela região foi mostrando a população a sua autoridade. Niassa é uma região com menor população a nível do território Moçambicano, mas estas, se prolongam até ao território tanzaniano. Dentre eles, assinalam-se três grupo, todos eles envolvidos no conflito armado: 1- Nianjas- no Niassa ocidental, com povoados e actividades não só na Tanzânia, mas também, em pequeno número no Malawi 2- Ajauas- no Niassa oriental e centro-ocidental, com ramificações importantes na Tanzânia e Malawi, passaram à acção, mas sem grande convicção, em virtude da pressão exercida pelos Nianjas e foi assim que colaboraram, a força, no preenchimento expressivo dos efectivos da guerrilha. Na região sul, encontram-se os Macuas espalhados pelo Marrupa, até Cuamba e misturados com a os Cheuas em Mecanhelas. A continuidade étnica permitiu a soliedariedade política, ideológica e pan-africana. Ela, também sugere a solidariedade dos países vizinhos de Moçambique que já se encontravam independentes como Malawi, Tanzânia e Zâmbia que vão autorizar a movimentação em seu solo, aos guerrilheiros da FRELIMO. Este facto foi bastante explorado pelos guerrilheiros da FRELIMO em diferentes momentos com destaque para a movimentação para Tanzânia, nas actividades de reconhecimentos do interior do Niassa, no momento de introdução de material bélico e até no contexto da indicação de pistas sobre a movimentação dos guerrilheiros da FRELIMO no interior. Diferentemente de Cabo Delgado, a dispersão da FRELIMO foi precedida pela execução de alguns chefes tradicionais por serem contra a guerra, no Niassa, o cenário na sua maioria foi receptível com alguma excepção ocorrida na região de Mecanhelas onde uma companhia que devia passar para Zambézia viu o seu plano abortado porque o régulo local recusou-se a colaborar com elementos da FRELIMO, tendo alertado as autoridades coloniais sobre a presença de guerrilheiros e sensibilizado a sua população para não apoiar os guerrilheiros em alimentos, abrigos e esconderijos. Nesta região, o clima de violência foi conhecido pelas autoridades coloniais porque estas tinham criado equipas especiais de recolha de informações cujo núcleo era constituído por militares que se faziam passar por caçadores profissionais, mais que, na realidade, tratava-se de uma rede de espiões e confidentes que cobriam especialmente as fronteiras do Norte. De acordo com Relatórios de Incidentes no Niassa, contra o habitual, os movimentos para esta região foram superiores aos de Cabo Delegado, traduzindo-se na infiltração de considerável quantidade de material de guerra sobretudo na região de Cóbuè. Portugal sempre teve grandes dificuldades em estabelecer nas suas colónias africanas uma população metropolitana branca. Grande parte da população que ia para as colónias africanas era constituída até ao principio dos anos 1950, por camponeses, exilados políticos mais conhecidos como degredados apoiados por verbas que eram atribuídos por fundos de colonização que lhes fornecia subsídio e pagamentos de passagens, apoio a sua instalação, reserva de terras e sua preparação tanto como instrumentos de trabalhos. A deficiente e fragilizada ocupação administrativa, associada a uma incipiente e mal preparada força militar (existente no Norte de Moçambique até 1964), de maneira nenhuma estava apta para o tipo de hostilidade a seguir, permitindo assim, com relativa facilidade que a FRELIMO desenvolvesse uma apreciável actividade de guerrilha e, simultaneamente, conseguisse o aliciamento das populações. A nível da região do Niassa sobretudo nas zonas do interior, sempre houve uma reduzida presença de população de origem europeia com quem as autoridades coloniais podiam contactar visto que, por exemplo, até 1960, o único sinal da presença portuguesa em Cóbuè era o chefe do posto que vivia numa casa do estilo mediterrânico e dependia da Missão anglicana da Niassalândia para a obtenção de muitos dos seus abastecimentos. 

Vila Cabral (Lichinga) no início dos anos 60

Na então Vila Cabral (Lichinga), até 1962, altura em que Padre Paul Padre da Igreja Anglicana de Messumba) se deslocou a região, havia menos de 50 europeus e um elevado número de indianos e muitos africanos, na sua maioria Yaos. Este elemento também pode ser apontado como o que facilitou a infiltração e movimentações de elementos da FRELIMO na região. Outro factor que permitiu o desenvolvimento de ideais nacionalistas, impulsionou e flexibilizou o contacto da população e tanto como a tomada de conhecimento sobre a existência da FRELIMO foi a escuta da emissora de rádios estrangeiras. Neste aspecto, destacou-se Amós Sumanel. Este, após regressar a Messumba em finais 1962, ido de Lourenço Marques (onde esteve a estudar), reunia um certo número de pessoas pensadoras da região ao seu redor, incluindo alguns estudantes da Missão de Messumba para ouvir as transmissões feitas pela Rádio Tanzânia. Este professor já teria ouvido falar, na segunda metade do Século 20 Em 1953, o decreto 20 887, de 13 de Fevereiro, aboliu a pena de degredo e substituiu pelo internamento numa colónia penal agrícola. Professor da Missão de Messumba, que como outros jovens da região, juntamente com alguns colegas, pessoal do hospital de Messumba, mais tarde, em 1963, se deslocou a Tanzania em gozo de férias e não mais regressou a Messumba, pois juntou- se a FRELIMO em 1962, da formação em Tanzânia da FRELIMO e os jovens com que se reunia mostravam-se interessados nas suas actividades. A recepção da transmissão de rádio vindas de Lourenço Marques era considerada muito má pelas autoridades coloniais e, nos seus comentários, Erasto FARAHANE referiu que não havia qualquer programa transmitido em língua Chinyanja até aos finais da década de 1960, dai que era natural que a população, sobretudo os jovens, ouvissem as transmissões da rádio Tanzânia e as provenientes de Niassalândia já independentes. Só que a partir de 1962, assim que as autoridades coloniais tomaram conhecimento destas escutas, a vigilância e repreensão foi accionado a todos que fossem suspeitos de estarem a acompanhar estas emissoras, eram alvos da PIDE. 

Filipe Samuel Magaia

Ao descreverem o envolvimento de Filipe Samuel Magaia na luta de libertação na frente do Niassa, afirmam que, antes de soar das armas, já haviam sido criadas algumas condições para o desenvolvimento da Luta no Niassa através das actividades de reconhecimento das frentes combativas com, localização das posições das tropas coloniais, localização das posições geoestratégicas para instalar as bases militares da FRELIMO, introdução dos materiais de guerra e dos guerrilheiros e, sobretudo, a mobilização das lideranças tradicionais e da população, através dos núcleos clandestinos, o que de certa forma, pressupõe que a população tinha alguma informação ou conhecimento da existência da FRELIMO e quais eram os seus objectivos. O reconhecimento foi uma actividade individual e coordenada, visando garantir o preparo do terreno para a infiltração do material bélico, guerrilheiros e consequente início da Luta armada. Incidiu, na definição dos itinerários, avaliação da capacidade ofensiva do inimigo, definição de locais para a fixação de bases e foram identificados os alvos para o lançamento da ofensiva. A título individual, Carlos Juma abrigava guerrilheiros e recolhia valores monetários de apoiantes da FRELIMO. Para além disso, ele encaminhava jovens aos guerrilheiros e realizava várias reuniões de planificação em sua residência na Vila Cabral. Entrevista feita em Dezembro de 2019 em Lichinga. Para materialização das suas actividades, os emissários da FRELIMO realizavam contactos interpessoais, geralmente na forma de visita familiar, como estratégia para contornar a vigilância das autoridades coloniais portuguesas. Desta forma, os focos de disseminação e acolhimento dos guerrilheiros foram se multiplicando conforme constata na narrativa de Chizoma: Durante as férias de Agosto de 1963 desloquei-me ao Tanganyika, com o meu colega Amós Sumane, ao encontro dos líderes da FRELIMO. Durante o pouco tempo que fiquei em Dar-es-Salaam, apresentei-me ao Presidente Mondlane. Depois de eu ter explicado as razões que me levaram a ir a Dar-es-Salaam e dos contactos efectuados com os meus camaradas em Cóbuè, houve a necessidade de eu voltar à Moçambique para continuar com o trabalho de mobilização e recrutamento de jovens para a FRELIMO em coordenação com os meus camaradas. De regresso, passei de Chigoma, onde reportei o sucesso da viagem a Alexandre Mchikoma e Sidney Namata, que me deram alguns cartões da FRELIMO para eu poder vendê-los em Messumba. Quando cheguei à Messumba, informei ao Padre Paulo Litumbi e o regedor Massange. Comecei a mobilizar as pessoas, principalmente os funcionários, professores e enfermeiros da Missão. A acção do Chizoma incentivou muitos professores, alunos, enfermeiros e jovens das comunidades a seguirem em direcção a Tanzânia a fim de se juntarem à FRELIMO e a título de vários exemplos, “uma equipa de futebol local, na altura sob o comando de Pedro Gaivão Odalah, com o pretexto de adquirir bolas, seguiu ao Malawi, mas ao invés de comprar bolas naquele território, o grupo rumou para Dar-es-Salaam, onde se juntou à FRELIMO. Estas acções não passaram despercebidas das autoridades coloniais e com base na sua ampla rede de informantes e colaboradores, a PIDE foi detendo indivíduos suspeitos de envolvimento com os nacionalistas onde Sidney Namate e António Chizoma foram os primeiros a cair nas suas malhas. Os núcleos clandestinos que já estavam implantados em grande parte da região costeira do Lago Niassa e na Vila Cabral, trabalhavam em estreita colaboração identificando jovens que pudessem engrossar as fileiras dos guerrilheiros. Pequenas células, ligando principalmente pessoas educadas e assimiladas, funcionários públicos, trabalhadores por conta própria e trabalhadores assalariados, desenvolveram atividades clandestinas que vão desde a tarefa política da organização até consciencialização política, propaganda e espionagem, até a tarefa. Antonio Chizoma, entrevista  Pedro Hodala, entrevista de 12/01/2010 – Lichinga, de recrutamento para treino militar no exterior e apoio material e moral aos guerrilheiros.

3.2. Panfletos e cartões da FRELIMO 

Estes meios discursivos, geralmente, insinuavam ódio contra os portugueses, apelavam a população e aos soldados moçambicanos que lutavam ao lado do exército colonial português a apoiar e juntar-se a FRELIMO como a única saída para a independência de Moçambique, e exortavam a independência, como se pode ver nos panfletos seguintes: 

Estes panfletos, estavam geralmente  escritos em português, por vezes, em línguas locais e para o caso do Niassa foram usadas as línguas yao, nianja, macua, angoni e kiswaili.

 


  A título de exemplo, um panfleto escrito em Ciyao encontrado na povoação do regedor Namaluesso, no posto de Unango, no dia 31 de Julho de 1965, constante no Relatório sobre os incidentes no distrito do Niassa, continha os seguintes dizeres: “meus filhos, não tenhais medo dos portugueses e ficais sossegados. Não andeis muito pelo mato porque, se assim fizeres, sereis mortos pelos portugueses. Este discurso constituiu um apelo à população para que esta soubesse das suas acções e evitasse colidir com as minas que eles colocavam pela mata adentro. Através de panfletos, os guerrilheiros da FRELIMO, procuravam desencorajar os moçambicanos que se filiaram ao exército colonial e milicianos dos aldeamentos, combatendo contra os guerrilheiros, mostrando-lhes que se tratava de uma traição à pátria. Desencorajavam o exército português com textos que eram deixados ao meio das picadas, apelando para que estes voltassem a Portugal e alguns destes textos, pode-se ler: “ Hô soldado português, nos não queremos matar-te, não somos teus inimigos, tu é que es nosso inimigo! Tu estas a matar o nosso povo! Volta para tua terra soldado português. Se não voltares, os guerrilheiros da FRELIMO vão te matar. La na tua terra deixaste teu pai, tua mae, teu filho, tua mulher e nunca mais hádes voltaras a ve-los, has-de morrer aqui numa emboscada sem glória como morreram já centenas de companheiros teus. Soldado português, tu não lutas pela defesa da pátria. A tua pátria é Portugal, não é Moçambique. Tu defendes interesses de capitalistas. Eles vivem riquíssimos como grandes senhores em Lisboa e mandam-te a ti morreres no mato. Vais morrer a defender a riqueza dos capitalistas em Moçambique. Estas meios discursivos, por vezes, surtiam efeito, pois, alguns milicianos confiados na defesa dos aldeamentos chegaram a juntaram-se à FRELIMO levando consigo as suas armas. Outros, ainda, prestaram informações aos guerrilheiros sobre a organização e tipo de armamento da tropa colonial portuguesa nos seus aquartelamentos. Outro exemplo de impacto dos panfletos da FRELIMO no Niassa foi o caso de Cambambe, que, tendo sido antigo soldado português e mais tarde radicou-se, por muitos anos, na Tanganica (natural de Nhamaluesso, posto administrativo de Unango). Este foi visto na povoação de Nachango, grupo de Matenda, a vender cartões da FRELIMO (que se chamavam de Cuacha que significa amanhecer) ao preço unitário de 10$ escudos


conforme se pode ver adiante. Para evitar que estes factos se replicassem largamente no seio da tropa colonial passou a efectuar-se um trabalho de sensibilização de todos recrutas e, segundo narrativas de Amadeu Silva, ex-membro da tropa colonial no Niassa, ao descrever a sua ida a Moçambique disse: “éramos doutrinados em Lisboa, que estávamos a ir a África (Moçambique) para defender Portugal, que na prática não era bem assim”. Quem estava a violentar e precisava de se defender eram os moçambicanos. Para comprovar a sua narrativa, destapou que, ao chegar em Gurué na região na Zambézia, “deparei-me com indivíduos africanos sendo transportados em camiões como de animais se tratassem e eram forçados a trabalhar nas plantações de chá, geralmente violentados”. Mesmo com estas acções, visando contrariar a táctica empreendida pela FRELIMO, militantes e guerrilheiros do movimento, empenharam-se na mesma direcção propagandística em diferentes momentos e usando todos meios possíveis conforme se pode confirmar na informação seguinte.


Apoios a FRELIMO 

Dada a acção eufórica da tropa colonial, a FRELIMO procurou apelar à consciência da população, às ideias de paz e de justiça, dirigindo a sua acção a grupos-alvos seleccionados como: trabalhadores, estudantes, sobretudo das missões, militares e mulheres, apresentando como ideias chave a guerra injusta, o direito a independência e a autodeterminação, o atraso económico provocado pelas despesas da guerra e os sacrifícios exigidos a juventude e a suas famílias. Por vezes, foram usados discursos intimidatórios como foi feito ao Regulo Majolela de Sanga, que chegou a ordenar a fuga da sua população para o mato por ter sido instigado por um elemento da FRELIMO que de passagem pela sua aldeia ameaçou a população dizendo: “se não fugissem iria buscar leão, abelha e cobras para fazer mal a população. Pela crença na superstição, a população abandonou a aldeia. 

3.3. A Propaganda, Mobilização e recrutamento de guerrilheiros 

A actividade de mobilização e propaganda foi desenvolvida imediatamente após a fundação da FRELIMO, em 1962. As acções de mobilização visavam inicialmente o recrutamento de militantes para engrossar as suas fileiras, distribuição ou venda de cartões e recrutamento de jovens para irem receber treinamento militar no exterior. Todas estas acções tinham como objectivo último a criação de condições para a guerra. Com este trabalho de base, a FRELIMO conseguiu estabelecer estruturas a nível dos distritos como núcleos clandestinos, células e comités no interior de Moçambique. A montagem destas estruturas a nível das comunidades, implicava uma aceitação e consideração, com isso, entende-se que a autoridade da FRELIMO no Niassa começa a forma-se quando os seus emissários começam a chegar as comunidades. Nesta altura, algumas comunidades imediatamente aderiram a causa fornecendo homens para engrossar as suas fileiras, dinheiro e viveras. A FRELIMO engajou-se no envio de jovens para estudarem no exterior através de bolsas de estudo. Com ajuda de parceiros estrangeiros, a FRELIMO estabeleceu a sua primeira escola secundária na Tanzânia. Todo este esforço demonstrava a importância que a FRELIMO dava para a educação e formação dos futuros líderes do Moçambique independente. Para a FRELIMO, a mobilização e propaganda constituiu um dos principais pilares de afirmação discursiva no seio das comunidades em Niassa. Inicialmente, este sector (Mobilização e Propaganda), foi dirigido por Osvaldo Tazama. O processo de mobilização política foi realizado de forma clandestina através de reuniões secretas em grupos ou de forma individual. Mesmo assim, a PIDE foi capaz de deter muitas pessoas consideradas suspeitas de envolvimento nestas acções. As Campanhas de mobilização estavam a cargo do Departamento de Organização do Interior. A actividade de mobilização levadas a cabo pelos primeiros elementos da FRELIMO a chegarem a região do Lago Niassa consistiu em contactar as autoridades locais, neste caso, foram os Régulos Lipoche, Chiteji e Massanche que foram receptivos ao estabelecimento de Namate e Polomola, concretamente em Chigoma, onde criaram as bases para a difusão dos ideais independentistas ao longo do litoral do Lago Niassa e fronteira com a Tanzânia, o que facilitaria a comunicação com os dirigentes da FRELIMO, consistiu também na realização de Banjas, venda de cartões do Movimento e a outros. Foi com base em diferentes estratégias que a FRELIMO mobilizou milhares de jovens das aldeias rurais para participarem como soldados na sua campanha político-militar. Nos diferentes grupos, centenas de meninas também foram integradas nas fileiras dos soldados guerrilheiros. Recebendo o mesmo treinamento militar que seus camaradas, as recrutas trabalhavam principalmente no transporte de material de guerra e nos hospitais e creches da FRELIMO. 

O Furriel Amadeu a confraternizar com habitantes de Messumba em Agosto de  1967

Em graus variados, “elas travaram combate directo com soldados homens. Uma outra forma propagandística de apelo à consciência levada a cabo pelos elementos clandestinos da FRELIMO, no Niassa sobretudo, à população que se encontrava concentrada em determinadas povoações, foi o discurso no qual faziam constar que os portugueses apelavam às pessoas para se concentrarem em determinadas povoações com o fim de lhes ser mais fácil. Este Departamento realizava campanhas de informação sob comando do Departamento de Informação e Propaganda que editava revistas e boletins como o ‘A voz a Revolução’, o ‘25 de Setembro’, ‘A luta continua’, ‘os heróicos’, o ‘3 de Fevereiro’, entre outros. Para além disso, ao nível da rádio emitia-se a ‘Voz da Frelimo. Por outro lado, sob comando do Departamento das Relações Exteriores realizaram-se campanhas de informação e propaganda no exterior para angariar apoios para a FRELIMO e motivar condenações a Portugal. Este discurso precipitou o abandono dos aldeamentos, incluindo parte da população residente na Vila Cabral, e a ida para as matas, onde a FRELIMO acolhia as pessoas nas suas zonas libertadas. Sob a forma de reportagem escrita e fotografias, a FRELIMO foi desenvolvendo a sua propaganda em diferentes vertentes e sempre que houvesse oportunidades, tendo até infiltrado no interior do Niassa elementos para registar e posteriormente espalhar as reportagens escritas, fotografar e filmar diferentes eventos da guerrilha e a forma como vivia a população. Esta prática foi continuada e difundida em órgãos de informação nacional e internacional, o que, de certa forma, ajudou a FRELIMO a solidificar a sua autoridade e a obter inúmeros apoios que foram chegando de diferentes quadrantes, conforme se pode ver adiante. A propaganda assentava na necessidade de lutar pela independência contra os abusos de poder e a exploração colonial, acabar com as antigas relações sociais, criar um poder novo, superior e mais progressivo que o antigo. Desenvolvia-se o discurso que levasse a crer que somente através da revolução se podia construir um Moçambique independente, livre e democrático, onde os cidadãos pudessem viver com dignidade, decência e segurança. A propaganda constituiu um dos meios, se não o mais usado pela FRELIMO, para cimentar a sua autoridade no Niassa. Ela não se limitou apenas ao distrito de Niassa, foi replicado na diáspora como foi o caso do Malawi onde foram distribuídos cartões da FRELIMO, concretamente na cidade de Limbe pelo moçambicano residente, Alberto Manhiça, natural de Lourenço Marques na vila de Manhiça. Na diáspora, era necessário mostrar à comunidade internacional que a FRELIMO era o legítimo representante do povo e que tinha uma autoridade formada. A acção propagandística também foi levada a cabo através de discursos dirigidos a grupos de indivíduos, como foi o caso da acção de Aquido Buana e Aquido Selemane em 1965, ambos naturais da povoação de Lulanga, que convidaram um grupo de jovens a se engajarem na FRELIMO dizendo que “Moçambique pertence aos africanos e para que todos ficassem a viver bem, tornava-se necessário fazer guerra contra os brancos portugueses, no sentido de expulsar desta província, que só aos pretos pertencia, pois efectivada tal expulsão e de uma vez, Moçambique independente, todos os africanos viveriam bem. De seguida, os mesmos deram exemplo dos países vizinhos que se encontravam independentes cujos governantes já tinham proporcionado a população melhor nível de vida. Em diferentes Banjas, realizadas pelos guerrilheiros da FRELIMO com as populações, de forma clandestina cujas actas podem ser encontrados em diferentes relatórios dos administradores coloniais - foi usado o discurso segundo o qual os impostos que estes (a população) pagavam não lhes davam nenhum benefício, antes pelo contrário, com aquele dinheiro, o governo português comprava aviões, carros e armas de guerra que estavam a ser usados para os matar. Para aliciar os presentes, diziam que o quantitativo dos impostos deveria, sim, ser empregue na construção de hospitais, escolas, estradas e outras infra-estruturas, e diziam ainda: “como sabeis, os portugueses até agora nada fizeram por nós. Como podemos constatar, a propaganda da FRELIMO foi feita com intensão de chamar a consciência da população para a necessidade de alcançar a independência que era negada pelas autoridades coloniais, ela foi materializada com uso de panfletos e consolidada com a distribuição de cartões do movimento às populações. Os panfletos eram geralmente usados para passar informações mais estruturadas e para um grupo de pessoas especificas, destacando-se professores, funcionários da administração colonial, catequistas e incluindo a tropa colonial portuguesa e de mais colaboradores desta. Apesar da intensificação da exploração colonial em benefício do capital português, repressão violenta, prisão e negação sistemática do exercício de direitos políticos para a maioria do povo moçambicano, a população do Niassa, aos poucos, foi tomando conhecimento da existência da FRELIMO e foi tendo um crescimento político clandestino activo, inspirado no ambiente político internacional. Os dirigentes da FRELIMO, na sua maioria originários da pequena burguesia (intelectuais e empregados) ou dos meios dos trabalhadores das cidades (motoristas, enfermeiros, professores e outros) procuraram viver o quotidiano da população. Partilharam as suas vivências, com as diversas camadas camponesas, junto das populações rurais, acabaram por compreender melhor o povo, descobrindo assim os seus valores culturais (artísticos, filosóficos, políticos e morais) o que 114 de certa forma os permitiu transmitir os ideais nacionalistas e edificar neste meio a sua autoridade. Nestes contactos, as massas trabalhadoras, principalmente os da missão de Messumba, os camponeses geralmente sem formação académica e que nunca tinham ultrapassado os limites da aldeia ou da povoação ou da região, passaram a ter contacto com outras categorias; os complexos que os limitavam nas relações com outros grupos étnicos e sociais, passando a compreender que eram elementos determinantes na luta; quebraram a dimensão da aldeia para se integrarem progressivamente no país e no mundo. Passaram a adquirir uma infinidade de conhecimentos úteis para a sua actividade imediata e futura no âmbito da luta, reforçaram a consciência política assimilando os princípios da revolução nacional e social postulada na luta, tornando-se mais aptos para desempenhar o papel decisivo de força principal do movimento de libertação, referem-se à adesão da população à FRELIMO na região do Lago Niassa como uma acção que foi facilitada pelo alargamento da base de pessoas instruídas, fruto da acção das escolas Missionárias Anglicanas na região, pois estas contribuiram para a criação de um ambiente receptível ao movimento nacionalista bem como o desencadeamento das acções concretas contra a dominação colonial portuguesa e que contou com o envolvimento massivo e activo dos professores da Missão São Bartolomeu de Messumba. Os mesmos, constatam a existência de núcleos clandestinos em Messumba que tinham o objectivo de incrementar a disseminação de informação e mobilização da população para a causa da luta, recepção de mensagens e material propagandístico da FRELIMO vindas de Tanzânia e transmitir as comunidades. A presença dos guerrilheiros da FRELIMO no Niassa não foi uma acção tao fácil. A titulo de exemplo, foi o caso do que aconteceu na região sul do distrito, junto ao Lago Amaramba (Mecanhelas) e um pouco ao redor da então Nova Freixo (Cuamba), pelo facto de a população.  


Uma espécie de elo de ligação entre a população e os nacionalistas moçambicanos – realizavam contactos interpessoais sob alegação de estar a realizar visita familiar ou social de formas a evitar suspeitas das autoridades colónias portuguesas. Os pioneiros e exercerem está tarefa na região foram Sidney Namate e Orlando Polomola, enviados pela direcção da FRELIMO de Dar-es-Salaam local, por orientação da autoridade tradicional (Regulo Mecanhelas), ter-se oposto e resistido a qualquer infiltração dos primeiros agentes da FRELIMO, tendo pegado alguns que os abordava e encaminhado as autoridades coloniais que deram conta de todos outros que que por ali entraram. Mesmo assim, com controlo serrado de todas as forças mobilizadas ao terreno, (tropa terrestres, fuzileiros fixados ao longo do Lago, esquadrilhas de aviões, por militares, por administrativos, por brigadas da polícia internacional da segurança pública e segurança fiscal), os agentes da FRELIMO, souberam encontrar estratégias adequadas de penetração nestas e outras regiões do vasto Niassa com adversidades ligadas ao fraco povoamento como falta de abrigo, alimentação e outras. O trabalho de mobilização e recrutamento de jovens foi materializado de forma clandestina e o mesmo precedeu o lançamento da luta armada e foi continuado no decurso da guerra, associado ao processo de formação da autoridade política da FRELIMO. Em determinadas circunstâncias o recrutamento de guerrilheiros, foi feito com recurso a métodos coercivos e, a título de exemplo, foram os recrutamentos na área de “cantina Dias em que João Mário, proprietário de uma loja que recusou violentamente a solicitação dos elementos da FRELIMO, reuniu sua família e avisou-lhes para não acreditarem nas suas palavras e não lhes dar auxílio nenhum”. Na mesma noite, João Mário foi raptado, amarrado, levado ao acampamento da FRELIMO, interrogado e torturado. Escapou porque houve um ataque das tropas coloniais em que os elementos da FRELIMO saíram em debandada e foi feito prisioneiro e contou o que lhe acontecera. Para além deste facto, em 1965, os guerrilheiros da FRELIMO entraram pela fronteira em Mandimba até a povoação de Chala, encurralaram a população em suas palhotas e recrutaram jovens que consideraram adequados para engrossar as suas fileiras. O recrutamento e a mobilização eram geralmente feitos na calada da noite mediante entrega de cartões do movimento e, segundo se descreve no Relatório dos incidentes ocorridos no distrito do Niassa, os guerrilheiros ou militantes da FRELIMO batiam às portas das casas dos residentes das aldeias e quando abrisse a porta diziam: “viemos convidar-te para pertenceres ao nosso grupo de Tanganica, o grupo da FRELIMO que quer fazer guerra ao branco”. Diante deste discurso, existiram muitos que aceitavam e partiam de imediato para se juntar ao movimento, outros recusavam alegando estarem a viver em paz, que não eram inimigos dos brancos e não queriam ter segredos. 116 Diante destes discursos, aparentemente intimidatórios, outros elementos das comunidades temendo a sua integridade e da sua família, sentiam-se aflitos e pressionados a aderir ao movimento e assim o fizeram. O aliciamento das comunidades também constituiu uma estratégia para recrutar jovens para as fileiras dos guerrilheiros da FRELIMO. Uma das evidências consta nos relatórios coloniais em que são frequentes narrativas de aliciamentos feitos por elementos ligados a FRELIMO, como foi o caso do filho do Regedor Miandica, de nome Lumbandar, que disse aos seus amigos que já era cipaio da FRELIMO, onde se ganha muito dinheiro – umas 15 libras por mês – e não se passava fome porque toda a gente da povoação de Tulo, próximo de Miandica, lhes fornecia toda comida necessária. Num outro informe da PIDE sobre as actividades da FRELIMO, citando uma fonte supostamente segura, refere-se que o recrutamento de elementos para a FRELIMO era feito com promessas falsas de bolsas de estudo para América, Rússia, Egipto, Gana ou Argélia. No caso, cita-se o exemplo do que acontecera com o grupo de 9 indivíduos que, a 14 de Junho de 1963 partiu de Niassa a Blantyre e daí para Dar-es-Salaam e que depois seguiram para Marrocos no campo militar de Marnia onde permaneceram 9 meses de instrução militar. Portanto, foram várias as estratégias adaptadas pelos guerrilheiros da FRELIMO para garantir o engrandecimento das suas fileiras a fim de fazer frente a equipada e organizada tropa colonial portuguesa no Niassa, destacando-se o aliciamento, o convite de forma passiva e o recurso a coerção.

3.4. A educação política dos guerrilheiros O conceito de educação não é definido numa única perspectiva, mas sim em várias, dependendo sobretudo da base psicológica de apoio ou do tipo de aprendizagem, pode ainda ser definido em sentido amplo e estrito. De acordo com VIANNA (2008, p18), a “educação, em sentido amplo, representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, no sentido estrito, representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades”. Ou por outra, o sentido amplo refere-se à educação ao longo da vida do ser humano, enquanto, o sentido estrito corresponde às acções educativas que ocorrem na sala de aulas entre o professor e o aluno. É nesta segunda perspectiva que a FRELIMO procurou formar os seus guerrilheiros, na convicção de que, após a vitória, deveriam tomar as rédeas do desenvolvimento de Moçambique. No entender do antigo ministro da Cultura, Miguel Mkaima, “a educação desempenhou um papel determinante no desenvolvimento da consciência libertadora na população, facto que contribuiu para a independência do país”. Com este discurso, fica claro que a educação no processo de luta pela liberdade do povo moçambicano foi elemento fundamental por permitir que o povo tomasse consciência da liberdade e de pertença a uma pátria. De facto, a aposta na educação ajudou os moçambicanos na luta pela emancipação porque, na opinião das lideranças, não bastava treinar pessoas, era também preciso trabalhar as suas consciências para que tivessem noção de pertença, de pátria e de identidade como um povo uno. A FRELIMO insistiu na importância e necessidade de ter formação dos seus guerrilheiros e não só, para facilitar o avanço da própria luta. Foi assim que, para Eduardo Mondlane a educação era uma condição político-ideológica básica para o sucesso da luta, pois o problema do treino não envolvia apenas a componente físico-militar, mas também a formação integral do homem. Com esta perspectiva, no interior onde foram criadas as zonas semilibertas e libertadas, a FRELIMO preocupou-se em criar escolas e centros de ensino. A formação integral do homem compreendia três eixos da revolução, ao lado da produção e combate, orientados pela palavra de ordem: estudar, produzir e combater. É assim que a educação não era apenas uma tarefa exclusiva dos professores, mas sim de toda a sociedade, incluindo os próprios guerrilheiros”.  Em seu discurso, Mkaima, referiu que a ideia de apostar na educação como elemento crucial para o desenvolvimento das consciências não morreu com Mondlane, sendo que os dirigentes que se seguiram, deram a mesma importância a educação. De tal forma que, “a incomensurável importância da educação inspirou Samora Machel a compreender que a acção armada que se apresentou como a única alternativa para a conquista da independência nacional só lograria sucesso ao “fazer da escola uma base para o povo tomar o poder. É assim que criou a necessidade de ter gente com qualificações técnicas e um certo nível de educação básica para o domínio da luta em todas frentes”. Discurso na cerimónia de abertura das festividades dos 50 anos das escolas da FRELIMO, in Jornal O PAIS, de 17/09/2020. MACHEL, refere que as escolas ou centros de ensino existentes nas zonas libertadas, constituíam locais que iriam eliminar os complexos de superioridade dominante em alguns e que exprimiam o peso da mentalidade velha ainda presente. As escolas ou centros, tinham a tarefa de criar uma mentalidade nova e de um novo tipo de relações sociais em que a unidade era a palavra de ordem pois ela constrói e consolida a sociedade. Os alunos neste processo de educação política eram tidos como militantes da mesma causa.

 CAPITULO IV 

OS MEIOS E DISCURSOS DURANTE A GUERRA

A luta armada foi o caminho encontrado pela FRELIMO para o alcance da independência em Moçambique depois de esgotadas todas ferramentas pacificas de negociações. Criadas condições mínimas para o início dos confrontos e tendo como a retaguarda segura a Tanganica, os guerrilheiros contaram ainda com apoios das populações com as quais estabeleceu os primeiros contactos para o início da guerra que constituiu um caminho de formação da sua autoridade. Com o início da guerra, a FRELIMO foi comunicando às populações no Niassa as suas conquistas e imprimindo maior dinâmica no campo militar através de alguns comunicados oficiais e não oficiais. Enquanto isso, acampou as populações em pequenas áreas do interior, distante das acções combativas e do controlo da autoridade colonial onde foram criadas mínimas condições de vida para as populações, ao que chamou de Zonas libertadas. 

4.1. A preparação da luta armada no Niassa As actividades preliminares da FRELIMO começaram a verificar-se na área do posto administrativo de Cóbuè muito antes aos ataques ali efectuados, no dia 25 de Setembro de 1964, segundo uma nota enviada pelo Chefe do posto de Cóbuè, datada de Janeiro de 1964, no qual afirmava que “em toda área da sua jurisdição estava infestada de nativos ligados a FRELIMO, desempenhando todos, funções de relevo no movimento”. O mesmo documento refere também que a infiltração dos elementos da FRELIMO vinha-se efectivando há muito tempo, alastrando paulatinamente de tal modo que era quase impossível de exercer algum controle. Afirma-se, ainda, no mesmo relato, que “as autoridades gentílicas, nada faziam para conter a onda da movimentação dos mesmos, porque tinham receio de os impedirem”. Mais tarde veio a saber que estes colaboravam com os elementos da FRELIMO na região. No mesmo documento, faz-se referência ao facto de as autoridades da Ilha de Likoma como as que davam asilo aos que exerciam propaganda revolucionária em Moçambique, destacando-se Matias Lituaua, Alberto Gaungue e Leonardo Leonardo que se encontravam na Ilha de Likoma sob a 120 protecção das autoridades locais e que eram alimentados por Landeford Gaunge, filho de Alberto Gaunge que residia em Mataca. Dada a circunstância em que se encontravam na regi~q0, o chefe do posto de Cóbuè, solicitou uma embarcação a gasóleo para fiscalização da região e da embarcação Ilala 2 que se deslocasse da Ilha de Likoma à Cóbuè e a colocação de tropas ou outros elementos militares perto da fronteira com Tanzânia, para exercer fiscalização rigorosa da mesma e conter assim a movimentação dos militantes da FRELIMO para aquela região. Solicitou, também, a abertura de um estabelecimento comercial na povoação de Lipoche para evitar que as populações se deslocassem frequentemente à Tanzânia a fim de efectuar compras e aí clandestinamente comprarem cartões da FRELIMO. Exigia ainda a colocação urgente de uma parteira, alojamento dos guardas PSP e reparação urgente do posto sanitário que se encontrava em estado deplorável. A vinda periódica de aviões da FAP (Força Aérea Portuguesa) como forma de marcar presença na região e encorajar os informadores. A realização de banjas (reuniões) periódicas a serem dirigidas pelo administrador de Maniamba, desencorajando alianças com a FRELIMO e outros. 

4.1.2. A luta armada de libertação no Niassa A tradição da guerra em África, é muito antiga e prevaleceu durante todo o processo de evolução do Estado tradicional africano ao particularizar a questão das lutas de libertação em África, refere que: os africanos das colónias portuguesas tentaram a mudança pacífica, mas verificaram ser impossível. Os homens compreenderam que somente o emprego construtivo da violência ou melhor, da contraviolência como réplica da violência dos seus dominadores racistas poderia proporcionar a mudança que tinha de se fazer. Caso contrário as coisas continuariam na mesma para a grande maioria do povo ou então mudaria para o pior. A luta de libertação era uma guerra prolongada, com o período de combates apenas de algumas horas e por vezes alguns dias mais curto. Foi desencadeada em prol da descolonização do povo moçambicano. Caracterizou-se pela busca da autodeterminação, mediante o fim da dominação de uma força política e militar estrangeira, no caso, o sistema que se apresentava na forma colonial ou de invasão, seguida de ocupação militar do território. A acção beligerante em Moçambique foi antecedido de vários incidentes que enfureciam as populações, com destaque para os acontecimentos de Mueda no dia 16 de Junho de 1960, como resultado das reivindicações justas dos trabalhadores agrícolas que foram respondidas pela brutalidade da administração colonial e o assassinato do Padre Daniels Boorman (Holandês) da Missão de Nangololo (Cabo Delegado – no norte de Moçambique). Segundo um relatório colonial do Distrito de Cabo Delegado, no dia 24 de Agosto de 1964 as 20:00 horas, um grupo integrante da MANU nomeadamente Lucas Fernandes, que teve conhecimento da saída do padre à caça que na companhia de Lucas Mbunda, Atanásio Tomás, Herriques João, Matéus Cundo e outros, através de uma flecha tiraram a vida do padre. 


O assassinato do Padre Daniel foi um engano pelo facto de ele ter usado uma viatura da Marca Jeep, igual ao do Chefe do Posto. Após o incidente, o ambiente na região tornou-se lúgubre. É provável que este assassinato tenha acelerado os planos da FRELIMO ao assumir a dianteira nas suas acções de revolta ao ponto de a Direcção do movimento tomar a decisão de iniciar a luta armada volvido um mês, portanto, no dia 25 de Setembro de 1964, com o ataque a casa do chefe do posto de Chai, em cabo Delegado, sem danos mortais. A FRELIMO começou com a instalação dos seus guerrilheiros no Niassa em Janeiro de 1963, com a montagem de núcleos clandestinos a partir da fronteira com Tanzânia até às proximidades da vila de Metangula, que só foi alcançada nos finais do mesmo ano. Sobre este aspecto, que o desenvolvimento da luta de libertação nacional foi antecedido de um conjunto de acções visando criação de condições logísticas e humanas. Esta foi suprida através de incrementos nas actividades de campanha e mobilização a jovens, de modo que estes aderissem a luta envolvendo-se nas actividades político-militar. Foi neste contexto que, ao nível do distrito do Niassa, vários jovens juntaram-se a FRELIMO nas bases inicialmente instaladas. no Niassa foi um caso específico, quando se analisa as quatro províncias onde se iniciou a luta armada. As quarto províncias que iniciaram a Luta Armada são: Niassa, Cabo Delegado, Zambezia e Tete ter sido nesta que, após realização de trabalho de reconhecimento, foram definidos os alvos para o lançamento da ofensiva. O grupo dos primeiros guerrilheiros da FRELIMO a seguir para frente do Niassa era constituído por 11 elementos que saíram de Kongwa a Dar-es-Salaam, no dia 23 Agosto de 1964, e dai seguiram para Songueia, onde permaneceram 10 dias aguardando armamento vindo de Dar-esSalaam. Daqui seguiram para Mbamba-Bay onde, por razões de ordem estratégica subdividiramse em dois grupos estruturados da seguinte forma: o grupo de Daniel Polela (Comandante), Osvaldo Assahel Tazama (Adjunto Comandante), Matias Paulo Macoco, Mateus Kassonjola e Tomás Seleia tinha a missão de atacar a casa do Chefe do posto de Cóbue. 

Cóbué, aquartelamento das tropas portuguesas

O segundo grupo, que devia atacar a base Naval de Metangula, era chefiado por Mateus Bernabe Malipa (Comandante) e tinha como adjunto José Teodoro Ntauma; chefiava o material o Henriques Calumbaine; integravam também o grupo Timóteo Matéus Matumba e Casimiro Malimbane. Os dois grupos entraram no Niassa por vias diferentes, o primeiro usou a via fluvial partindo de Mbamba-Bay a Ilha de Likhoma e daqui para Chigoma. O segundo grupo usou via terrestre fazendo a trajectória Chiwindi, atravessando a fronteira até Ntumba, Ngofi e Chigoma em Cóbue, onde deviam se encontrar, através da intermediação do Régulo de Chitenje, o que veio a ocorrer no dia 21 de Setembro no povoado de Mbweka, de onde seguiram para o Monte Thumbi, onde instalaram a primeira base da FRELIMO no Niassa. Para a materialização deste plano, os guerrilheiros contaram com apoios de Régulos (Chigoma e Chitenji), elementos de diversas comunidades, alguns missionários anglicanos na Ilha de Likoma, Padres da igreja anglicana com destaque para os seguintes: Macuenda, Muenda, Zefanias Hansini e outros. É necessário também considerar as acções de outros nacionalistas, na sua maioria radicados fora de Moçambique, que procuraram sempre que possível levar a cabo acções de denúncia das atrocidades levadas a cabo pela autoridade colonial portuguesa em Moçambique como forma de angariar apoios internacionais e consciencializar os moçambicanos a se revoltarem contra estes. A título de exemplo, segundo um relatório sobre a subversão no exterior, “Uria Simango, no dia 25 de Janeiro de 1962, falando a emissora do Tanganica, declarou que o governo português continuava a manter o sistema de força, com prisões aos nacionalistas de Moçambique e que  também não lhes era permitido saber das actividades da FRELIMO no Tanganica. Portugal chamou a luta de libertação nacional em Moçambique de guerra subversiva que para eles, visava combater os insurgentes. Uma revista da FRELIMO, cujo título é 25 de Setembro, refere que a definição da luta de libertação nacional de Moçambique foi uma luta anti-imperialista, tratou-se de um conflito que foi assumido pela FRELIMO no seu Primeiro Congresso realizado entre os dias 23-28 de Setembro em Dar-es-Salaam na Tanzânia. Foi uma decisão baseada na análise das realidades concretas do país no contexto do África Austral e do colonialismo português. Segundo a mesma fonte, a FRELIMO e o povo moçambicano acharam que a liberdade é mais necessária para a humanidade do que a vida sob a escravatura imperialista. Depois do necessário trabalho político e clandestino, sobretudo com as populações localizadas nas regiões junto a fronteira com a Tanzânia, com destaque para Matchedje e outras ao longo da margem do actual distrito do Lago e rio Rovuma, com objectivo de lhes explicar o que pretendiam fazer e porquê que alguns indivíduos estavam sumidos da região, cuja resposta era porque foram juntar-se à FRELIMO antes do início da luta armada e que, para tal, alguns homens precisaram ser treinados política e militarmente. A Direcção da FRELIMO avaliou a situação no interior do país e constatou que já tinham sido criadas condições mínimas para o inicio da luta. Em seguida, desencadearam-se os primeiros ataques nos quais o elemento surpresa, colocação de minas e sabotagem a infra-estruturas foram as principais tácticas. Foi graças ao trabalho político para obtenção de diferentes informações que foi possível organizar a infiltração do primeiro material de guerra e dos primeiros grupos de guerrilheiros bem como a determinação do momento e dos lugares exactos para o início da luta armada.A luta armada no Niassa, foi desencadeada em 25 de Setembro de 1964, a região do Lago Niassa, concretamente com o ataque a casa do Chefe do Posto de Cóbue e a Base Naval da Marinha. Paulatinamente as acções foram se desencadeando em direcção ao sul nas regiões de 124 Catur, seguindo a margem do Lago Niassa e indo ao interior até Mavago conforme o croqui que se segue: 


 A província do Niassa é bastante extensa e quando a estrutura do comando provincial foi reorganizada, em 1966, a frente do Niassa, foi dividida em três sectores de combate nomeadamente: o Sector ocidental (Niassa Ocidental), Sector Oriental (Niassa Oriental) e o Sector Sul (Niassa Austral). Com o início da guerra em Moçambique, Portugal viu-se obrigando a equipar suas forças militares a um ainda maior esforço na luta contra os movimentos independentistas africanos. Esta acção impôs ao governo colonial a necessidade de um maior incremento da presença das forças especiais. Para o início da luta armada, era imperioso envolver toda a população, pelo que a guerrilha teria de desempenhar um papel de destaque na sua politização, “a ideia da independência nacional não foi, no início da luta armada, um objectivo político e ideológico universal entre os moçambicanos, tendo a adesão à luta armada por alguns chefes políticos locais sido objectivamente articulada para reforçar a autoridade política, nem sempre consentânea com a ideologia revolucionária da FRELIMO de libertação de todo o país” O objectivo da guerra era acabar com a exploração, derrubando o sistema colonial português que passava por colocar as forças inimigas incapazes de continuar a combater; garantir a ocupação do território e retirar ao inimigo a vontade de combater. As actividades de guerrilha no então Distrito do Niassa tiveram o seu epicentro, segundo o Relatório dos Incidentes ocorridos no Distrito do Niassa no período de 25 de Setembro a 31 de Dezembro de 1964, na Circunscrição do Lago, mercê da sua proximidade com a então Tanganica. O relatório referia concretamente aos ataques ao posto administrativo de Cóbuè. A guerrilha espalhou-se daí para toda região do Lago em direcção a Vila Cabral, alcançando Mecanhelas na região sul, contando sempre com o apoio dos núcleos clandestinos. 

O ataque a base naval de Metangula, 

Conforme consta no relatório do administrador da circunscrição de Metangula sobre os primeiros episódios de Incidentes no Niassa, um grupo de guerrilheiro chegou a Cóbue no dia 23 de Setembro, vindo da Ilha de Likoma num barco a vela, o qual regressou imediatamente, seguindo por Mataca e Chilola na circunscrição de Maniamba, e, posteriormente, seguiram para Chuanga.

Aldeamento de Chuanga em 1972

Na noite do dia 25 de Setembro de 1964, fizeram a sua espionagem e pela madrugada iniciaram um ataque com rajadas de pistola-metralhadora de calibre 12mm à Lancha Castor da capitania do Lago Niassa ancorado na praia da baía de Metangula (Augusto Cardoso) circunscrição de Maniamba, próximo do ajudante de pecuária, quando eram cerca de meia-noite, não tendo causado danos na embarcação. O grupo era composto por 5 guerrilheiros, nomeadamente Mateus Malipa (chefe) Timóteo Matumba, Calubaine e dois do Porto Amélia. O objectivo deste ataque ficou literalmente materializado, pois, segundo declarações do Mateus Malipa feitos no dia 27 de Setembro de 1964 em Ngoo, numa “Banja” ele e sua equipe, pretendiam “fazer estragos em instalações, impressionar as populações para ganhar gente que os acompanhasse, pois necessitavam de 3.000 soldados para os quais já tinham armas”. Na mesma ocasião, descreveu o roteiro que tomaram para chegar ao ataque, afirmando que eles saíram de Likoma no dia 23 de Setembro numa embarcação a vela tendo passado por Mataca, Chilola e chegando a Cóbuè e que o barco era tripulado por Leuine Cune irmão do chefe Mataca e Medine Cataua, que após os incidentes fugiram com os guerrilheiros para Likoma. O grupo era chefiado por Daniel Polela que usava o pseudónimo de “Santos”. Nesta incursão, os guerrilheiros contaram com o apoio principal do Padre anglicano Jemussane Muenda que residia há 6 anos na Ilha de Likoma; um activo propagandista de ideias subversivas, tendo chegado a comprar o cartão da FRELIMO por livre vontade e afirmou que colaboraria com o movimento se viesse para Moçambique como fora o seu desejo. Natural de Cóbuè, filho de Padre Polela (então reformado) e ex-aluno da Missão Anglicana de Cóbuè e antigo primeiro-cabo do exército – Prestou serviços militarem na Vila Cabral em 1959-1960. Foi Praça de 3ª (batalhao de caçadores nº 160) com maior grau de instrução. Foi punido por cinco dias de prisão por ter escrito nas paredes da prisão da companhia as seguintes palavras: “9 de Setembro de 1961 -2 de prisão sem razão justificada. Apenas por ser preto. 

O Assalto a residência do Administrador do posto de Cóbuè

 e à secretaria do mesmo posto, segundo o Relatório dos incidentes ocorridos no distrito do Niassa, ocorreu no dia 26 de Setembro de 1964 pelas 01:00 hora, no qual foram atacadas a pistola-metralhadora a residência do administrador do posto de Cóbuè e a secretaria do mesmo posto por 6 guerrilheiros. O chefe do posto não morreu porque na altura encontrava-se fora da residência com uma nativa, 

A vandalização da Missão de Messumba

foi protagonizado pelo grupo de Matéus Malipa com pseudónimo “Sale’’. Segundo relatório dos incidentes no Niassa, Malipa e seus companheiros, atacaram no dia 26 de Setembro de 1964, por volta das 03:00 horas, o Internato da Missão de Messumba tendo derrubado e partido o mastro de bandeira da mesma Missão e no seu regresso, obstruíram a estrada que vai de Metangula a Povoação comercial de Nova Coimbra (Michumua) com muitas pedras grandes.

Vista aérea da picada Nova Coimbra (Michuma) para Metangula


O padre PAUL, que, no momento do ataque, se encontrava a dormir na sua residência junto a Missão de Messumba, retrata este episódio no seu livro, Moçambique – memória da revolução nos seguintes termos: Na noite de sexta-feira, 25 de Setembro de 1964 estava eu deitado na cama a pensar se conseguia dormir qualquer coisa pois havia muito barulho por causa de um casamento que estava a ter lugar não muito longe da minha casa (…) fui acordado por tiros a ser disparado. Diante do sucedido, este pensou que se tratava da tropa portuguesa que se juntara à festa como nos últimos tempos faziam e cometiam algumas indisciplinas fazendo disparos ao ar. Ao levantar-se, deparou-se com o guarda da missão absolutamente aterrorizado na sua varanda, os tiros eram disparados para o ar no lado da escola; questionado ao guarda sobre o que viu, este apenas comentou que cinco ou seis soldados, vindos da direcção da festa, tinham atravessado a cozinha e começaram a disparar. Posto isso, o padre convidou o guarda a entrar. Pela manhã, viu que o pau da bandeira havia sido derrubado, achando ele que se tratava de uma acção da tropa colonial, escreveu uma carta ao chefe do posto de Metangula queixando-se da acção por si vivida. Dos tiroteios, alguns projécteis, atingiram a camionete da marca Peugeot pertencente a missão. Ainda não tinha ouvido dizer que a FRELIMO começara com operações militares, pois ele previa que estes fossem a iniciar apenas junto a fronteira em Cóbuè ou outra região próxima a fronteira, e não em Messumba, por esta região ficar pelo menos a 80 milhas da fronteira com a Tanzânia. Esta acção que envolve Mateus Malipa, foi também confirmada pela Missionária Susan Andrew que no dia 26 de Setembro de 1964, chegou a Missão de Messumba vindo de Ngoo. Após o Padre Paul contar-lhe o sucedido na noite anterior, ela respondeu nos seguintes termos: “tem graça (…) em Chia cruzei-me repentinamente com cinco ou seis soldados. Um deles era Mateus Malipa”. Dai que o Padre Paul confirmou a sua suspeita de que Malipa teria se juntado a FRELIMO. Estas acçoes militares constituíram as primeiras incursões dos guerrilheiros da FRELIMO no Niassa, de acordo com o que teria sido planificado e orientado aos guerrilheiros que para esta região foram orientados a se dirigir e dar inicio a luta armada. A sequência de incidentes ocorridos no distrito no período de 25 de Setembro de 1964 a 31 de Dezembro de 1964 teve lugar em Nantuego, Nungo, Metangula, Messumba, Ngôo, Maniamba, Vila Cabral, Mecanhelas, Nova Coimbra, Lichinga, Matamanda e Olivença (actual Lubiliche) na fronteira com a Tanzân

A região de Metangula é descrita no Relatório da Inspecção Ordinária a Circunscrição do Lago pelo Inspector Administrativo Mário de Albuquerque e Castro Freira como a das “mais infectadas de elementos subversivos que ali nas cercanias, se acoitam em bastantes bases. As primeiras acções militares da FRELIMO foram nesta primeira fase, categorizadas, pelo estado colonial, como actos de terrorismo pois visavam o assassinato das lideranças administrativas portuguesas, destruição das estruturas.Pela impossibilidade de digitalização do Mapa (Escala 1/1000.000) no AHD, não se apresenta em anexo, o referido Mapa – PT/AHD/3/UM-GM/GNP-RNP/S133 Cx nº5 Relatório sobre ocorrências no distrito do Niassa no período de 25/09 a 31/12 de 1965, Folha 36. Administrativas, ataque aos colonatos, emboscadas a soldados portugueses, ataques sobre populações que apoiavam aos portugueses, entre outros. Em termos práticos, tratou-se de uma guerra de guerrilha, é “um tipo de guerra não convencional na maior parte das vezes rural no qual, o principal estratagema é a ocultação e extrema mobilidade dos combatentes, chamados de guerrilheiros”. A mesma acção também é considerada por um tipo de guerra de resistência onde os insurgentes se opõem a uma força de ocupação” o que no caso se observava em Moçambique com a presença colonial portuguesa. De forma geral, as guerras de guerrilhas, quase em sua totalidade, e se observarmos os factos que tiveram lugar em África, na sua maioria buscaram a independência de determinada região ou grupos, utilizando quase sempre armamentos leve e de fácil deslocamento. A guerra levada a cabo pela FRELIMO, numa primeira fase, envolveu um reduzido número de guerrilheiros, com escassez de armamento (grande parte era equipamento usado pelos guerrilheiros argelinos durante a sua luta de libertação e que foi cedido a FRELIMO), o número de ataques era bastante reduzido e temporalmente bastante intercalado. Os principais objectivos da FRELIMO, eram muito limitados. A sua preocupação centrava-se na unidade das várias correntes que constituíam o movimento, no sentido de as disputas não colocarem em causa a sua própria sobrevivência. O conflito envolvia os quadros urbanizados e cultos que entendiam Moçambique como um todo (sem valorização da sua pertença e qualquer grupo étnico) e os muitos militares e dirigentes que provinham de estruturas mais tradicionais tendiam a valorizar as reivindicações dos povos de onde provinham, sendo de destacar a disputa de poder entre Lazaro Kavandame e Eduardo Mondlane. 

Lázaro Kavandame


Estrategicamente, a FRELIMO não se engajava na guerra pela conquista dos centros urbanos, prevalecendo durante toda a luta como uma guerrilha rural”. Esta posição devia-se ao facto de o movimento não possuir qualquer treinamento para a guerrilha urbana, não possuir condições materiais e humanas para combater as Forças Armadas Portuguesas e pelo facto da sua doutrina excluir o ataque a alvos civis. A nível da província do Niassa, a FRELIMO pautou por uma guerra de guerrilha a alvos militares, instalações e casas da administração colonial. Para materializar as suas acções, procurou tirar proveito da floresta densa que existe em diferentes locais da província, como algumas montanhas ou pontos elevados, onde estabeleceu as suas principais bases militares. No decurso da guerra, alguns guerrilheiros da FRELIMO encontravam nas comunidades do Niassa, concretamente na região da circunscrição do Lago, onde se desenvolveram os primeiros confrontos, indivíduos que eram aparentemente uma barreira para as suas acções por estarem ligadas a autoridade colonial ou supostamente serem informantes, fazendo denúncias das suas movimentações. Daí que estes, foram alvos de repreensão e tortura tal como aconteceu com o Professor Basílio Farahane da Missão de Messumba, que “foi atacado a tiros por soldados da FRELIMO” tendo sido alvejado com um tiro. Foi suspeito de ter sido ele que informou as autoridades sobre o grupo de Malipa em Ngoo enquanto na realidade tinham sido os sipaios. Analisados os trechos acima, entende-se que a autoridade política da FRELIMO no Niassa forma-se de forma contínua e com a o início da luta armada, esta obedeceu a novos contornos, caracterizados pela sua solidificação no seio das comunidades e, acima de tudo, apresentar-se abertamente com o discurso de libertação e unidade nacional. Com a guerra, a autoridade colonial passou a ter conhecimento de que de facto, a FRELIMO era o movimento que lutava para a independência de Moçambique. O discurso dos guerrilheiros no decorrer da guerra foi assinalado pela tendência de incutir nas comunidades, ideias e acções revolucionarias contra a autoridade colonial e com elas, o movimento foi conquistando espaços não ocupados no intervir, obtendo mais informações sobre as acções e planos do exercito e algumas acções do sistema colonial português em Moçambique, o que permitiu ao movimento fazer denuncias internacionais e com elas obter mais apoios para continuar com a guerrilha. Foi com base em discursos mobilizadores que a FRELIMO conquistou massas. Era um angoni, Professor superior e disciplinador estrito. Não era popular, razão para que não gostassem dele. Os portugueses tinham no olhado como um cidadão português. nas comunidades e engrossou as suas fileiras e foi se firmando inicialmente nas comunidades e paulatinamente chegou a Vila Cabral.  

4.2. A contra-ofensiva da tropa portuguesa e a propaganda colonial 

Após o ataque à lancha Castor, a vandalização na Missão de Messumba e a sede do posto de Cóbuè no dia 25 de Setembro de 1965 a Companhia de Caçadores 612 não se fez esperar e iniciou o seu aquartelamento ofensivo. 

Símbolo da Companhia de Caçadores  612

Tomaram o conhecimento de que a FRELIMO já andava a aliciar e recrutar a população local, principalmente os Nianjas porque, encontravam se até aí, mais fora da actuação da tropa colonial. Diante do sucedido, intensificaram as suas operações junto ao Lago o que lhes permitiu diminuir as acções de aliciamento e ter maior conhecimento da população residente ao longo da costa e a respectiva área geográfica”. No dia 26 de Setembro, assistiu-se a uma movimentação invulgar de agentes da dominação colonial (Marinha de Guerra e Agentes da PIDE) na região entre o Posto Administrativo de Metangula e o Posto Administrativo de Cóbuè com objectivo de localizar, identificar e prender os autores dos referidos ataques. Apercebendo-se da movimentação da tropa, os guerrilheiros decidiram sair de Thumbi para Ngombe onde criaram o segundo aquartelamento. Posteriormente, segundo relatórios sobre a situação no Distrito do Niassa, foram constituindo secções junto a fronteira e uma foi destacada para Mandimba junto a fronteira com o Malawi. Mais tarde, em Dezembro de 1965, outra secção foi para Olivença, junto à fronteira com a Tanzânia. Nos dois casos, existiam poucas condições para aquartelar o pessoal da tropa. Em Mandimba, tiveram de aproveitar, conjuntamente com o chefe do posto, as duas pequenas casas da administração aí existentes para se instalarem. Em Olivença, conseguiram construir quatro abrigos no solo em forma de quadrado, próximo das casas ocupadas. Fora dos perímetros militares, não muito distantes, existiam povoações, sendo a de Mandimba, pela sua situação fronteiriça com o Malawi, uma povoação de certa importância. Conforme relatos constantes no Relatório sobre incidentes em Moçambique, no final de 1964, concretamente no dia 29 Dezembro, pelas 24h:00, os guerrilheiros da FRELIMO atacaram o posto de Olivença sem danos mortais. Este foi o primeiro ataque dos guerrilheiros da FRELIMO às tropas portuguesas no Distrito do Niassa. Mais ataques foram-se desenvolvendo com o passar do tempo e no Relatório sobre ocorrências no distrito do Niassa no período de 25/09 a 31/12 de 1965, consta que no dia 14 de Fevereiro de 1965 pelas 02h:30, houve um novo ataque, demonstrando que já estavam em actividades de guerrilha intensa na zona do Niassa. Desta forma, a chefia da tropa portuguesa entendeu que havia necessidade de reforçar o pessoal por o considerar insuficiente, caso a FRELIMO pretendesse concretizar mais ataques. Olivença foi reforçada a partir de finais de Março com um grupo de combate. As autoridades coloniais portuguesas reconheceram a capacidade de resposta combativa da FRELIMO com o objectivo de acabar com a dominação colonial. Esse facto teve reflexos na moral da tropa portuguesa, que passou a desenvolver a sua ofensiva que se prolongaria por dois anos, causando baixas às forcas da ordem e convencendo as populações nativas de que era o mais forte. 

Aquartelamento de Olivença
O Aquartelamento de Olivença constituía a posição mais avançada, a cerca de 30 quilómetros da fronteira com a Tanzânia e muito distanciada dos postos de defesa mais próximos de Pauíla e Cóbue, pelo que nada impedia a infiltração dos abastecimentos da FRELIMO aos seus guerrilheiros infiltrados no interior de Moçambique e evitar o contacto com as tropas portuguesas. Por seu turno, os guerrilheiros da FRELIMO foram criando no interior do Niassa as designadas áreas libertadas, sobre o qual faremos referência de seguida. 

4.2.1. Os aldeamentos no Niassa 
Quando iniciou a Luta de Libertação no Niassa, a administração civil procurou reagir às tentativas de infiltração dos guerrilheiros da FRELIMO – tendo em vista http://gruposespeciais.blogs.sapo.pt- captado em 7 de Maio de 2019, proteger e controlar a população em áreas afectadas pela propaganda da FRELIM
O  subsidiariamente promover a elevação sócio-económica dos mesmos. 

Ao centro o General Caeiro Carrasco com 2 instrutores dos 1º e 2º Grupos de Comandos da Namaacha

Em colaboração com o comando da Região Militar de Moçambique (RMM), 
a Administração Civil inicia a construção de aldeamentos estratégicos, reunindo a população dispersa em núcleos clandestinos delimitados com o objectivo imediato de promover a protecção e autodefesa dos aldeados, tendo em vista a sua integração, desenvolvimento económico e convencer as pessoas de que o seu futuro era em Portugal e não em uma causa perdida. Para além disso, visava também, impedir o contacto das populações com a guerrilha, mas conseguir também a sua adesão. Porém estes aldeamentos, construídos à pressa e em situações de emergência, estavam longe de corresponder a todas as condições de respeito pela dignidade humana. A administração decidiu materializar esta iniciativa com recursos inadequados gerando problemas significativos. A urgência na sua execução foi instigada pela crença de que a população era o campo de batalha em que a guerra seria vencida ou perdida. A perspectiva do governo colonial com os aldeamentos foi baseada no princípio norteador insistente e existente na documentação oficial, que refere: “(…) o factor essencial da guerra subversiva é a população (…) a guerra subversiva, visa a conquista da população e nós podemos dizer, sem errar, que aquele de dois partidos que estiver em luta e tiver a população do seu lado, será esse a ganhar a guerra” (A H M, SE a.III p.10. n º 237-1). Assim, os aldeamentos foram erguidos visando constituir-se vencedor da guerra. Em Moçambique, os primeiros aldeamentos foram construídos em 1966 e até o final da guerra em 1975, já existiam 969 396 moçambicanos aldeados em 953 aldeias. No Niassa, os primeiros aldeamentos foram construídos no mesmo período (1966), depois de ter iniciado o projecto no planalto dos macondes. Tratou-se de um sistema de realojamento da população, geralmente levada a cabo com o uso da força. Nestes aldeamentos, a autoridade colonial, chegou a fornecer armas de fogo à população e, geralmente, aos chefes de confiança, que passaram a ser alvos dos guerrilheiros. Sobre o fornecimento de armas, Jorge Ribeiro, em entrevista ao jornal Notícias de Portugal (Flechas) do dia 15 de Fevereiro de 1996, revelou que, só ao régulo de Mecanhelas, em 1970, emprestou espingardas Mauser e mandou ensinar a usar e manter as armas como forma de garantir a autodefesa das próprias populações. Rotulados pelos guerrilheiros da FRELIMO como “Campos de concentração”, os aldeamentos em Moçambique foram constituídos pelo General Augusto dos Santos, que substituiu General Augusto Carrasco. 
Constituiu uma táctica militar que visava cativar a população, subtraindo-as da influência dos guerrilheiros e da acção da propaganda da FRELIMO no geral,: “o programa dos aldeamentos foi uma das operações sociais mais controversas das Forças Armadas Portuguesas, foi concebida no geral para fazer face a subversão e tinha em vista resolver três funções no controle da população rural e mantê-las separadas dos guerrilheiros e das suas exigências de informações, alimento e abrigo”: 
a) Administração dos programas económicos e sociais alargados; 
b) Protecção da população relativamente a intimidação dos rebeldes, 
c) Realização de operações psicológicas Nas suas colónias, esta acção teve início no norte da Angola em 1964 e representava para a população uma esperança de segurança e possibilidade de emprego nas vizinhas plantações de café. A mesma política, foi implementada pelos britânicos na Malásia, no Iémen e Quénia. Os franceses á usaram na Argélia e os norte americanos no Vietname. “Portugal não podia ficar afastado desta política e lançou-se com empenho, embora com resultados diferentes, nas três frentes. De qualquer forma, baseava-se na concentração das populações em aldeamentos, subtraindo-as assim, a acção da guerrilha, permitindo o seu controlo e dotando as de condições de sobrevivência, nomeadamente de lavras de culturas tradicionais, e de auto-defesa, com base em milícias, guardas rurais ou grupos especiais 

O Tenente Bigone comandante do GE 101, situado em Nova Coimbra

No Niassa, os aldeamentos foram descritos por Rodrigues Júnior, num artigo do Jornal Notícias de 24 de Setembro de 1969, como “locais habitacionais em que o governo colonial português procurou criar condições mínimas para as populações nativas como uma forma de proteger estas contra os ataques dos guerrilheiros e emissários da FRELIMO que exerciam pressão sobre as populações que iam até à ameaça de morte que tantas vezes se concretizou, dos saques as aldeias e de raptos a pessoas importantes de modo a que tudo obedecesse a princípios de ordem política, económica e social e até mesmo cultural e religiosa. Vezes sem conta, segundo declarações do Duke de Valderano na entrevista conduzida por CANN (1998), no dia 17 de Março de 1995, em Londres, este refere que: “existiram novos aldeamentos que estavam situados em locais de fácil infiltração dos elementos da FRELIMO, noutras, a milícia local formada por população indígena para a defesa das aldeias, juntavam se a FRELIMO, levando consigo as suas armas (…) por vezes, existiram graus de cooperação entre as aldeias e os guerrilheiros em que as aldeias protegidas <> os ataques dos inimigos, oferecendo lhes alimentos e por vezes armas em vez de lutarem para defender a sua aldeia. Também existiram hostilidade relativamente a transferência forçada de uma ladeia para outra.” As populações aldeadas constituíam presas fáceis para os guerrilheiros da FRELIMO que as intimidava, exigindo mão-de-obra, abastecimentos, informações sobre a movimentação das forças governamentais e era a fonte do seu sustento, (PT/TT/SCCIM/A/23/4). Os portugueses organizaram para cada aldeamento um sistema de segurança levado a cabo por milícias, organizadas numa série de pelotões liderados por chefes de secção, que, por sua vez, reportavam a um oficial do exército português. Se o aldeamento fosse atacado, o oficial conduzia a sua defesa. Assim funcionava a estrutura, pelo facto de a maior parte dos aldeados serem refugiados e era notável a falta de liderança do chefe tradicional, (CANN 1998, p. 217). Para além da defesa contra a infiltração dos inimigos, os aldeamentos foram convencimentos de benefícios sociais como o posto médico, cantina, escola, igreja ou mesquita, centro social, poço de água ou fontenário e fora do aldeamento existiram as terras para o cultivo, cujos trabalhos de amanho eram realizados na presença das forças armadas portuguesas, que garantiam a protecção das populações, juntamente com elementos voluntários, recrutados juntos das próprias populações e designados por milícias, podendo estes ser de protecção ou de intervenção conforme acumulam a tarefa militar. 

Aldeameto de CHUANGA. Inauguração do posto Escolar em 1972

Tratou-se de uma estratégia com a qual Portugal procurou criar um ambiente propício com a acção social, que visava elevar o nível de vida das populações, para as cativar, e originando condições mais receptivas à acção psicológica. A nível do então Distrito do Niassa, existiram 123 aldeamentos habitados por um total de 276 795 habitantes. Eram uma espécie de grandes vilas 136 implantadas em terras que outrora eram florestas, mas já com alguns arruamentos e casas que tinham números e cada uma tinha fichas com a identificação dos seus moradores de modo a controlar a presença de todos, num acto de segurança pessoal. A movimentação das pessoas para os aldeamentos no Niassa pode ser considerada como um acto forçado e emocional, devido ao apego que as populações podiam ter às suas terras ancestrais o que é comum nas comunidades africanas. Por vezes, estas operações tornavam-se inúteis, pois, em certas circunstâncias, podiam ser movimentados no conjunto da população indivíduos com ligações a FRELIMO. A estes casos, no norte de Moçambique a população foi realojada em aldeamentos, muitas vezes a força” visto que “esta operação impunha sofrimento as pessoas e de certeza perturbante para as populações itinerantes”. Diante da actuação dos elementos da FRELIMO, visando atrair para si a população, a autoridade colonial portuguesa realizava audiências nos aldeamentos onde procurava fazer referências às suas realizações, medir o nível de satisfação das autoridades presentes, aferir o estado de espírito das populações e conhecer as suas aspirações e desejos, reclamações ou queixas. Nestas ocasiões, à semelhança da audiência que aconteceu no dia 02 de Julho de 1971, no aldeamento de Miranda, dirigido pelo administrador Mário de Albuquerque e Castro Ferreira e Nuno de Alvares Marçal de Almeida Ribeiro, o inspector, no final, fez a sua intervenção aconselhando a todos a uma maior vigilância quanto à infiltração de desconhecidos ou outros com ideias “más” e que, sempre que casos destes ocorressem, deviam entregar às autoridades porque a actuação desses iria resultar em desordem e miséria no aldeamento. Dissecando outros relatórios das diferentes visitas realizadas pelos inspectores aos diferentes aldeamentos situados na frente do Niassa, como foram os casos das povoações de Unango, Sanga, Circunscrição de Valadim, Regedoria de Maua, também se pode compreender que, em todas ocasiões das visitas de inspecção, se realizavam Banjas ou audiências a todas as autoridades e à população em geral, com os objectivos referidos anteriormente. É possível entender nas entrelinhas das actas das reuniões que, para além dos apelos a vigilância quanto à infiltração de desconhecidos, as banjas também visavam fortificar o sistema administrativo colonial nos aldeamentos, na medida em que, no final do encontro, o inspector lançava apelos a necessidade de se respeitar a figura dos Régulos e outros Chefes, pois estes eram segundo eles, seus representantes e que também eles (os 137 inspectores), os respeitavam, tanto que a prova deste respeito era a sua presença (do Inspector) no local. Folhando a diversa documentação colonial sobre os aldeamentos, pode-se constatar que a criação dos aldeamentos, até certo ponto, constituiu uma barreira a transpor, pois, dificultou a acção dos agentes da FRELIMO no processo de recrutamento de homens para engrossar as suas fileiras tanto como na construção da sua autoridade. Constituiu uma acção cívica as populações e levou milhões de pessoas a fixarem-se em zonas supostamente seguras. O impacto imediato dos aldeamentos para algumas das populações africanas, foi a sua deslocação forçada para outras regiões, pois as Forças Armadas Portuguesas não escaparam evidentemente à tentativa de transferência maciça de populações como objectivo de isolar das guerrilhas.


As setas a azul indicam as zonas de infiltração dos guerrilheiros da FRELIMO Como se pode observar, na região sul de Olivença, até finais de 1965, não existia qualquer Aquartelamento colonial, pelo que não foi difícil à FRELIMO, continuar a realizar as suas operações militares pois eram praticamente despovoadas, estas áreas estavam livres da dominação colonial portuguesa. A presença do poder colonial nestas áreas só estava representada por meio de pequenos postos cercados e isolados. Entretanto, face à reacção colonial, aliada ao reduzido número de guerrilheiros e à grande desproporção em armamento militar, os guerrilheiros da FRELIMO viram-se forçados a recuar até a fronteira com a Tanzânia para se proteger das crescentes perseguições da tropa colonial, particularmente da PIDE e se reorganizar (solicitar reforço em homens e armamento militar). Teixeira (2019), Amadeu (2019) e Nataniel (2019), ex-elementos da tropa colonial portuguesa, em entrevista para presente tese, afirmaram que a formação militar da tropa portuguesa era extremamente deficiente, uma vez que era dada por cabos ou furriéis milicianos, sem nenhuma qualificação ou experiência em teatro de guerra, pelo que pouco ou quase nada podiam ensinar, daí o fraco desempenho da tropa colonial portuguesa numa primeira fase. As armas de defesa do Aquartelamento de Olivença, eram até finais de 1965, poucas e de eficácia duvidosa, em caso de ataque em massa pela FRELIMO. As operações militares pela mata adentro obrigavam a tropa portuguesa a percorrer distâncias enormes até às zonas de infiltração e as suas movimentações eram facilmente detectadas pela população onde estavam infiltrados elementos ligados a FRELIMO, que comunicavam aos guerrilheiros tudo que viam. Daí que, para os guerrilheiros da FRELIMO, a acção da tropa colonial não constituísse qualquer perigo, porque tinham uma vasta área para se movimentarem. Outro constrangimento para as tropas portuguesas, era a travessia do Rio Messinge


Outro constrangimento para as tropas portuguesas, era a travessia do Rio Messinge feita de bote de borracha, o que também constituía um outro perigo, já que era feita, sempre, no mesmo local e que poderia ser aproveitada pelos guerrilheiros da FRELIMO, para provocar sérios danos às tropas. 

Travessia do Rio Messinge com botes dos Fuzileiros


Diante da actuação dos guerrilheiros da FRELIMO principalmente no recrutamento da população para os seus acampamentos onde iriam produzir alimentos e desenvolver outras actividades do seu interesse, a tropa portuguesa levou a cabo o programa que ficou designado por acção psicossocial que foi caracterizada pela distribuição de alimentos, medicamentos e pelo contacto social que foi granjeando alguma simpatia por parte da população onde a tropa era acolhida. Analisando as diversas documentações militares a que se teve acesso, observa-se que a tropa portuguesa na região do Niassa não chegou desenvolver uma estratégia militar destinada a impedir o acesso dos guerrilheiros ao território, focando a luta, em primeiro lugar, as regiões de Mitomone, Miandica, Olivença e Lunho, onde tinham os seus aquartelamentos e, em segundo lugar, preocupando-se com a construção de vias-férreas que garantisse o apoio logístico. 

Aquartelamento do Lunho
Aquartelamento de Miandica


Para a execução das suas acções visando conter as incursões dos guerrilheiros da FRELIMO, o exército português contou sempre com apoio da população que representava, uma fonte-chave de informação e era na verdade o campo de batalha primordial da insurreição”. O soldado português era doutrinado em termos clausewitziano, o “centro de gravidade” baseado em conter a subversão inimiga e era instruído para, nas suas relações com a população, ter sempre de procurar informações sobre o momento de reencontro, sobre a natureza do armamento e o número das forças guerrilheiras. Não só devia estar em alerta a toda a informação acerca do inimigo, como também devia proteger a sua principal fonte de intimidação dos guerrilheiros. Esta estratégia, por vezes, resultou e quanto mais alto fosse o nível de confiança da população na capacidade de protecção dos soldados portugueses, maior era a quantidade de informação fornecida. Mas, por outro lado, havia que contornar a intimidação que os guerrilheiros faziam à população para que se mantivesse em silêncio, uma acção que obrigava a paciência, tempo e boa vontade. A captura de guerrilheiros da FRELIMO representou, um potencial, pois eles eram a melhor fonte de informação para o exército português e, por isso,  A doutrina clausewitziana da guerra ou a apologia política do militarismo estatal em função da "raison d’état" e tem como referencial histórico empírico o "concerto" dos Estados-Nações europeus cuja liderança política tem a supremacia frente à liderança militar dos respectivos estados. A partir daí, constrói um modelo teórico onde propõe que a ratio da guerra é a destruição militar do adversário e a sua consequente submissão política ao vencedor. um guerrilheiro capturado vivo era muito mais valioso para fins de recolha de informação do que morto”. Daí que, para materializar estes actos, as patrulhas de reconhecimento eram muitas vezes incumbidas, como segunda missão, de capturar prisioneiros, o que exigia uma preparação cuidadosa e treino especial. Quando capturado, o guerrilheiro da FRELIMO, era imediatamente interrogado de modo a se retirar informações actuais acerca da região, da presença de outros guerrilheiros, dos seus acampamentos e pontos de actuação, do seu equipamento, linhas de avanço e de retirada”. Estas informações eram imediatamente testadas para confirmar a sua solidez. Também constituía preocupação do exército português no Distrito do Niassa, de acordo com Relatório dos incidentes ocorridos nesta região, a existência de minas e as armadilhas. Geralmente, pedia-se aos guerrilheiros capturados para localizar e desarmar estes dispositivos para que fossem destruídos. Nem todos chegaram a cooperar, dependendo do seu medo e da proximidade dos guerrilheiros seus camaradas. Desacreditar a FRELIMO ou o inimigo, tido pelo exército colonial como “terrorista ou turras”, constituiu uma estratégia ideológica adoptada pelo exército colonial com o objectivo de “fragilizar o movimento nacionalista, serviam cabalmente a propaganda portuguesa a nível internacional. Com isso, várias foram as investidas, desde campanhas para demonstrar às comunidades que a Direcção do movimento vivia muito bem e as bases (as milícias) viviam na miséria. 

Campanhas de boatos foram realizadas para denegrir a integridade e honestidade dos dirigentes da FRELIMO; as dificuldades e sacrifícios vividos pelos guerrilheiros eram por eles imputados aos dirigentes do movimento, visando, assim, promover um ambiente de desconfiança no seio dos guerrilheiros. Os dirigentes da FRELIMO, por seu turno, visando contrariar as acções do exército colonial em geral, empreenderam inúmeros esforços para erguer e manter a autoridade na frente do Niassa, dada a presença massiva dos diferentes organismos de segurança colonial na região. O descrédito sobre a acção da FRELIMO ocorreu de várias formas e contou com diversos sistemas de actuação das autoridades coloniais no seu todo e constituiu uma estratégia relevante para que as comunidades de algumas aldeias rejeitassem a FRELIMO como um movimento libertador, pois 141 a tropa colonial comunicava à população que, na prática, a FRELIMO pretendia mergulhar ainda mais o povo na miséria. Para justificar o seu discurso de acusação, a tropa colonial propalava que: “o dinheiro que vem da Tanganica e dos Chineses é para comprar coisas que os africanos estimam que é a terra que também é dos negros, deveria ser usado no sector de trabalho, lavoura, pesca e outras actividades. Portanto, através de vários discursos psicossociais, a estrutura militar portuguesa procurava, de todas as formas possíveis, mostrar à população que existia igualdade profissional, laboral e na remuneração entre os brancos e negros na região, o que, em termos práticos, não passou de estratégia visando granjear simpatia da população. Uma outra estratégia usada pela tropa portuguesa no Niassa com vista a descredibilizar a actuação da FRELIMO foi, conforme análise feita ao Relatório dos incidentes ocorridos no distrito do Niassa, o uso da acção psicossocial que, posteriormente, foi designada por Apsic ou simplesmente por Psico. Tratou-se de uma acção que visava influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos, sobretudo, isolar os guerrilheiros da FRELIMO das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito, quer na sua acção, quer na dos seus chefes.

Para o efeito, utilizaram-se cartazes e panfletos que foram lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso às povoações, o uso de emissões de rádio, apelando à sua rendição e entrega a forças militares ou administrativas, garantindo-lhes bom tratamento e explicando-lhes que a participação na guerra constituía um acto praticado de má-fé com objectivos de lesar ou ludibriar o povo moçambicano. Dos panfletos analisados, e que foram atirados às aldeias por um avião na circunscrição de Cóbuè, Metangula e Maniamba, escreviam-se, de facto, palavras visando desencorajar a população, usando a língua portuguesa e ci-nhanja em que podiam se ler expressões como: “Gente foi trabalhar, FRELIMO- FRELIMO engana- FRELIMO esta a perder Guerra- Força FRELIMO esta acabar – Toda gente deixar FRELIMO, acaba milando mesmo com governo português” Em outros panfletos, pode-se ler: “Vai apresentar autoridades governo: Autoridade é administrador, chefe de posto, tropa e milicia – Quando apresentar, o governo vai perdoar, ninguem castiga – Quando apresentar, acaba fome, acaba frio, acaba doença, acaba sofrer”. 142 “Quando apresentar, tem mulher, tem filho, tem amigo, tem machamba, ninguem chateia. Muita gente FRELIMO enganou, já deixou mato, acabou milando, vive bem, tem sorte Governo português tem muita força para defender toda gente. Gente fugiu mato e gente fez serviço – Guerra FRELIMO só pode apresentar quando ver dia, para mostrar direito – Deixou mesmo FRELIMO. 

Estas acções de propaganda anti-FRELIMO levadas a cabo pela tropa portuguesa foram alvo de denúncias por Pedro Juma na imprensa Mozambique Revolution, nº 45, de Outubro/Dezembro de 1970, cujas cópias tivemos acesso. No mesmo jornal, Juma revela que as autoridades coloniais transmitiram por meio de altifalante de aviões que voavam a baixa altitude e lançaram milhares de panfletos exortando o povo a abandonar a FRELIMO e a regressar aos portugueses, pois que a população tinha sido forçada a sofrer por causa das actividades dos combatentes que não eram das terras, mas que vinham do Niassa ocidental e até de outros distritos. Mas, o povo não lhes prestou atenção. Observando a estratégia adoptada pela tropa colonial portuguesa no processo, visando inviabilizar a acção da FRELIMO, é notório que houve necessidade de obter o apoio da população para desmoralizar e captar a actuação do inimigo tanto como para fortalecer a moral das suas forças mediante três princípios estritamente relacionados nomeadamente: a acção psicológica, a acção social e psicossocial e a acção de presença. Uma outra medida adoptada pela autoridade colonial no Niassa para evitar que as comunidades aderissem as orientações e se juntassem as fileiras da FRELIMO foi a necessidade de prevenção e instrução as comunidades, na qual foi apelado aos chefes das povoações para escolherem, 4, 5 ou 6 homens bons e valentes para defenderem as suas povoações. As mulheres e jovens para que fossem mais vigilantes e, sempre que notassem a presença de indivíduos estranhos nas suas actividades diárias, que denunciassem às autoridades o mais rápido possível e seria premiada. Quem não comunicasse, a mão do governo ser-lhe-ia muito pesada. Visando desacreditar cada vez mais a FRELIMO, as autoridades coloniais, procuraram valer-se dos dissidentes do movimento, usando estes nas suas campanhas de sensibilização, tanto como recorrendo a diferentes serviços militares como a PSIc. O regime colonial pretendia que os dissidentes da FRELIMO se tornassem numa arma afectiva, desmoralizando os guerrilheiros e promovendo contradições e tribalismo no seu seio, principalmente na zona oriental como descreveu o comandante militar Pedro Juma na imprensa da FRELIMO, Mozambique Revolution nº 45 de Outubro / Dezembro de 1970. Nesta correspondência, segundo a mesma fonte, a partir do Niassa, Pedro Juma descreve a sua digressão a Niassa, concretamente às áreas de Mataca, Unango e Maniamba, na companhia de cineastas brancos onde constatou que o povo descrevia os portugueses como Bebedor de sangue. Juma procura mostrar o trabalho que vinha sendo desenvolvido pelos Comissários Políticos da FRELIMO, nomeadamente, denuncia das acções de atrocidades das autoridades coloniais, visando angariar mais membros e de mais actividades nas zonas consideradas libertadas. Revelou às comunidades que a FRELIMO estava cada vez mais confiante na força da sua organização, na educação e nas responsabilidades confiadas pelo povo. Abordou a extensão da guerrilha que já alcançara os 30 ou 40% para o interior do território nacional, o que estava forçando a população portuguesa, tanto civis como militares, a se confinar a uma reduzida área guarnecida, nomeadamente Metangula, Maniamba, Cóbuè, Olivença (Lubiliche) e Nova Coimbra (actual Machumua). 

Vista parcial do aquartelamento de Nova Coimbra (Mevchuma)

Na mesma ocasião, Juma referiu-se também a formas de actuação militar dos guerrilheiros que eram maioritariamente baseadas em sabotagem e emboscadas. Explicou que a FRELIMO estava diariamente a receber novos combatentes provenientes do interior de Moçambique e que as suas operações militares iam se expandindo de modo a atingir todo o distrito do Niassa. Apelou à população portuguesa a revoltar-se contra o seu governo, que, segundo ele, tratava-se de um governo de exploradores e assassinos, pelo facto de este ter enviado uma bomba escondida numa encomenda a um comerciante de nome Manuel, proprietário de uma cantina em Malica, que, ao abrir, explodiu e danificou-lhe as mãos, pois este era suspeito de colaborar com a FRELIMO. Em um outro desenvolvimento, explicou o significado da expressão “Reconstrução Nacional” que, para a FRELIMO, significava uma modificação ideológica; rejeição de estado de atraso e a dedicação a uma nova vida e sociedade. Denunciou o fraco empenho das autoridades coloniais  com vista a desenvolver a província no que diz respeito a educação e assistência médica da população o que a FRELIMO já estava a fazer nas zonas libertadas. Com estas acções, é notória a preocupação dos guerrilheiros da FRELIMO e da sua direcção em contrapor a actuação da tropa colonial para consigo, ter a população. 

4.4. As zonas libertadas 

O primeiro Congresso da FRELIMO criou uma estrutura organizativa para o interior do país visando o envolvimento de todo o povo moçambicano na luta multiforme pela conquista da independência do povo moçambicano. O Congresso mandatou o Comité Central para analisar a situação política, económica e social de todo o país. Como resultado, desenhou o quadro político estratégico que foi implementado através do Departamento de Organização do Interior (DOI). Este departamento procurou encontrar mecanismos que permitisse encontrar uma rápida mobilização das populações, considerando as diferentes camadas sociais. Depois de estabelecidas as condições sociais e políticas pelo DOI, estabeleceu-se o resto dos programas de acção em cada região de Moçambique que culminou com a intervenção militar contra as forças armadas portuguesas. Os primeiros guerrilheiros da FRELIMO (que iniciaram a luta armada) sobreviveram a repressão militar subsequente e, gradualmente, aumentaram a sua influência e eficiência nas comunidades por onde passavam. Os mais jovens ingressam imediatamente nas fileiras do exército da FRELIMO, ao mesmo tempo que outros elementos das comunidades participaram nos programas de apoio a luta com a produção agrícola, carregamento de material de guerra e medicamentos enquanto vigiavam a movimentação da tropa colonial. Mas ainda não tinham uma área libertada, mas, sim, pequenas áreas contestadas. Nenhum dos dois lados, exercia um controlo geral de segurança nessa área contestada, mas cada um procurava mecanismo de conseguir, o que só viria a acontecer, em finais de 1965 quando a direcção máxima da FRELIMO constatou que as vias terrestres que facilitavam a ligação de um posto para o outro estavam totalmente sob seu controlo. Portanto, havia um entendimento de que a ligação de um posto ao outro só era possível por aviões e barcos. A actuação das massas populares residentes nas zonas rurais, visando garantir todo o tipo de apoio aos guerrilheiros da FRELIMO, permitiu que o movimento passasse a valorizar mais estas zonas. A partir de 1965-1966, os combates conheceram uma grande intensidade devido ao uso de bazzokas. Ocorreram progressivos abandonos de territórios por parte das instituições socio-económicas e administrativas coloniais. Neste contexto, impôs-se a criação de mecanismos de retenção imediata das populações e o funcionamento normal da vida das populações sob controle da FRELIMO em Niassa, surgindo assim as chamadas Zonas Libertadas. As primeiras zonas libertadas abarcavam, as regiões de Lago, Sanga, Muembe, Mavago, Mecula, Majune e pequenas áreas de Lichinga, Ngauma, Maua, Marrupa e Mandimba.



 Nestas regiões, a FRELIMO, paulatinamente foi organizando a vida das populações, providenciando educação, estruturas económicas e serviços de saúde. Através de órgãos de comunicação no exterior, a FRELIMO ia anunciando que estava a conseguir o controlo de determinadas áreas. Quando os guerrilheiros passaram a constituir unidades móveis de combatentes em tempo integral; quando esta força se tornou suficientemente forte em determinada área e com capacidade de induzir o inimigo a dispersar as suas próprias forças por certo número de guarnições fixas em acampamentos defendidos; e quando esses acampamentos foram contínua e eficazmente cercados de tal modo que as suas guarnições só podiam atacar no exterior abrindo caminho para deles saírem por meio da luta, então a zona em questão podia justamente chamar-se de área libertada. Pode chamar-se de zona ou área libertada a partir do momento em que esta obedece a duas condições essenciais para o trabalho de renovação social e política como: A primeira tem a ver com a situação militar da área contestada que se tornou área libertada, como defender dos ataques dos inimigos. Trata-se da variável contraofensiva do exército da ocupação. O segundo reside no desenvolvimento da luta, aprofundar o trabalho político entre as forças armadas evitando o comodismo militar, heroísmo e manter o espírito de unidade. Para estas áreas, no geral, foram criados os comissários políticos que tinham como tarefa assegurar que o exército continuasse a ser um exército político e a colocar sempre os factores políticos em primeiro lugar, quer em relação ao inimigo ou a população civil, quer em relação as atitudes e hábitos no seio dos familiares. As milícias garantiam a segurança destas áreas, pelo que houve necessidade de aprovisionar algum armamento. Nestas zonas, a FRELIMO tinha a tarefa de realizar actividades como o ensino e aprendizagem, a promoção de cuidados de saúde assim como a organização de toda cadeia produtiva e comercial. Assim, as Zonas Libertadas constituíam uma espécie centro da logística dos guerrilheiros em que a palavra de ordem era Combater, Produzir e Estudar. O exército português tentou anular estes esforços por duas vias, nomeadamente: através de bombardeamentos massivos às zonas tidas como libertadas e redobraram esforços para encurralar as populações rurais no interior do arame farpado de campos defendidos, precisamente para impedirem os guerrilheiros da FRELIMO de tirarem partido das zonas deixadas livres do seu controlo por meio dos aldeamentos. A FRELIMO, ao longo da luta armada, procurou resolver as contradições políticas da luta de libertação pela via da conquista de zonas libertadas e pelo discurso textual, pelo qual desenvolvia, por textos oficiais e meios do Departamento de Informação (DI), a escrita da história de libertação nacional do país. De forma geral, as zonas libertadas constituíram uma espécie de um novo Moçambique que ia tomando forma no seio dos moçambicanos e visitantes que para lá iam a fim de apurar a veracidade das informações sobre a sua existência. Nelas, existia uma imagem de uma sociedade revolucionária em elaboração. Os guerrilheiros procuravam promover uma estrutura organizacional que se assemelhava a uma sociedade pretendida. De forma geral, olhando para os objectivos do movimento de libertação, e para as acções em curso até ao período do surgimento das primeiras zonal libertadas, pode-se afirmar que estas constituíram um sinal de que a FRELIMO começava a ser uma autoridade. 

 4.5. As reuniões nas comunidades “banjas”. Para construir a sua autoridade no território do Niassa, a FRELIMO teve de montar um sistema que antecede o início da guerrilha, marcado pelo envio de emissários que deveriam contactar a população de formas a constituir a sua principal base de apoio. A sua estrutura ia até ao nível da aldeia, conselhos, distritos e a nível regional, onde o trabalho dos representantes eleitos era conduzido de modo perfeitamente notável como o dos funcionários, designados pela FRELIMO. Todos estes órgãos baseavam-se em princípios emanados do movimento, concretamente o esforço na responsabilidade de mobilização, respeito e confiança pelo povo, pois sem o povo a FRELIMO não poderia fazer nada. A ligação que os guerrilheiros procuraram sempre estabelecer com os camponeses na região do Niassa foi com vista a garantir ajuda aos guerrilheiros no transporte de material de guerra o que era fundamental na constante confrontação com as tropas portuguesas e ainda no fornecimento de produtos agrícolas. Este ambiente, garantiu maior segurança aos movimentos dos guerrilheiros da FRELIMO e um recrutamento mais acabado de novos militantes a tempo inteiro, dado que existiam elementos que faziam a selecção dos jovens nas comunidades na base de autoconfiança existente, seleccionavam-se os que participavam activamente das reuniões (Bjanjas). Os encontros (banjas) realizadas pelos guerrilheiros da FRELIMO em determinadas aldeias e de forma clandestina constituíram meios para a difusão dos seus objectivos e acima de tudo implantação da sua autoridade nas comunidades, a título de exemplo é a banja realizada no dia 23 de Maio de 1965, pelas 15:00 horas na povoação do chefe Lessile Cambone, em que cerca de 20 guerrilheiros da FRELIMO, realizaram uma “banja” na qual falou apenas um dos chefes dos guerrilheiros ( em língua Nianja do Malawi) e disse entre outras coisas; “(…) esta terra é nossa; temos, portanto, de combater os portugueses, que serão expulsos. Se os portugueses quiserem, podem ficar, mas debaixo das nossas ordens. Agora, já não há-de haver mais << capricórnios >>(informadores) porque os que haviam foram já eliminados. A população das povoações tem de nos dar de comer,  pois, se o não fizer, dão a conhecer que estão do lado dos portugueses, serão mortos. Se os portugueses não cederem, hã- de vir aviões de Tanganhica, que nós temos para lançar bombas e outros explosivos. Nos temos muito material de guerra. Quem faltar as banjas será morto. É possível notar a presença de um discurso coercivo nesta “Banja” tendente a forçar a população a ser leal ao movimento. Outra banja foi realizada no dia seguinte, 24 de Maio do mesmo ano, no regedor Miandica, dirigido por 7 guerrilheiros, que se apresentavam fortemente armados empunhando Metralhadoras, granadas e pistolas, esta, contou com a participação de um elevado número de populares . Mabote realizou uma reunião com cerca de quarenta pessoas em Ngôo, em Setembro de 1964, na qual transmitiu as palavras dos dirigentes da FRELIMO (Eduardo Mondlane, Uria Simango e Filipe Magaia), afirmando que estava aí para angariar simpatia das populações, pregar a doutrina daquela organização e recrutar elementos para a guerra e outros para auxiliar os guerrilheiros. 

2º Congresso da FRELIMO, foi realizado em Matchedje,
Distrito de Santarém junto à fronteira da Tanzânia

Na mesma ocasião, pediu para que ninguém os denunciasse às autoridades portuguesas pois a FRELIMO estava a trabalhar para o bem de todo o povo de Moçambique. Disse ainda no seu discurso, aliciando os presentes, que os soldados da FRELIMO na Tanganica, ganhavam muito dinheiro e que também precisavam de muito mais soldados para lutar e que em pouco tempo estes soldados estariam na povoação e que a comunidade deveria acolher com alegria pois vinham defender a terra dos africanos. Antes de se retirar desta região, Mabote escolheu como “Chairman em Ngôo o Senhor Catonga da povoação de Chissanga e como auxiliar o Chissanga Luembe e Cazembanje, que passaram a ser responsáveis no abastecimento de farinha a um grupo de Guerrilheiros que acampara em Manda Mbuzi.

Sebastião Mabote

Refira-se que esta farinha era angariada pelas diversas pessoas das povoações e, quando tinham dois ou três cestos cheios, eram levados a casa do Catonga para onde os guerrilheiros se dirigiam para levar até a sua base. Individuo que tem a missão de receber os guerrilheiros em sua casa quando se deslocam as povoações e angariar alimentos entre as populações e depois com ajuda de seus auxiliares os transporta para os locais previamente combinados com os guerrilheiros. Alguns clérigos que colaboravam com FRELIMO, chegaram a realizar “banjas” visando mobilizar os mais jovens para o movimento. A título de exemplo, na área de Mecanhelas, em Dezembro de 1974, o padre protestante nativo de nome Izaque Arela realizava reuniões de caracter político com os seus crentes com objectivo de criar um núcleo de pequenos chefes da FRELIMO e já vinha encaminhando os seus fiéis a incorporarem-se no movimento através da compra de cartões, porque, segundo ele, “na FRELIMO, estava a salvação dos pretos em Moçambique”. Este e outros padres e missionários das diferentes missões sediadas no Niassa chegaram a realizar diversas reuniões a fim de tomarem uma decisão sobre a necessidade de vigilância e perseguição de que eram alvos pela tropa e administração colonial e decidirem sobre a permanência ou saída do Distrito. Destes encontros, destaque vai para os Padres italianos da Missão de Unango que até 1966 já teriam abandonado a região e a mesma não foi encerrada por ter se deslocado para la o Padre Jorge Camejo. Padre Mário Terruzzi - Teruzzi (Italiano) se recusou a fazer parte da mesa de uma banja que fora realizada pelo Administrador da Circunscrição de nome Sanja. 

Missão de Unango

Este padre, Superior da Missão dos Santos Anjos de Cóbuè, chegou a ser afastado da Missão por determinação do governador do distrito do Niassa, ao ser acusado de encobrir actividades subversivas (acusado de fazer propaganda e aliciar indivíduos para a FRELIMO). O seu afastamento foi feito por um aparato policial na presença dos fiéis dentro da paróquia, o que causou um surto de ódio das populações para com as autoridades, e que constituiu mais uma vitória para os guerrilheiros da FRELIMO, que procuravam os erros da autoridade colonial para mostrar à população a necessidade de combater a administração colonial portuguesa na região. Essa atitude foi disseminada aos jovens alunos da Missão Católica de Cóbuè, que passaram a recusar assistir as cerimónias do içar da bandeira portuguesa. Analisados os relatórios de informação das banjas realizadas, entende-se que estas constituíram espaços e ocasiões para mobilizar as massas a colaborar de diferentes formas com a FRELIMO, respeitando e considerando como o único movimento que iria libertar o homem e a terra do jugo colonial. Como a autoridade que iria substituir o sistema colonial e que todos deveriam obedecer as suas orientações.  

 4.6. As principais frentes de combate 

De acordo com o trabalho político realizado, visando apurar as potencialidades das tropas portuguesas e identificar alvos a serem atacados, escolheu-se a Base Naval de Metangula, o Posto Administrativo de Cóbuè (situados no actual Distrito de Lago) e o Posto Administrativo de Nungo (actual Distrito de Marrupa). Entretanto, nem todos alvos definidos chegaram a ser atacados. “O Posto Administrativo de Nungo (em Marrupa) não foi alcançado por conta da distância que separa do primeiro acampamento militar (situado no Monte Thumbi) com aproximadamente 500Km (em linha recta)”. Por esta razão, considerando também que o “armamento chegou a esta base no dia 21 de Setembro e a orientação central era de inicio da luta as 00:00 horas do dia 25 de Setembro de 1964” e a distância a ser percorrida a pé, mostrou-se impossível alcançar o alvo. Por isso, foram atacados a Base Naval de Metangula e o Posto Administrato de Cóbue. Também foi vandalizada a Missão de Messumba 


4.7. As estratégias de guerrilha da FRELIMO

As estratégias de guerrilha da FRELIMO A actividade táctica da FRELIMO consistiu em ataques esporádicos aos aquartelamentos, colocação de minas e algumas acções contra a população, visando forçar estas a abandonar as suas zonas e juntarem-se ao movimento. O emprego de engenhos explosivos constituiu a principal táctica e era conciliado com ataques, sobretudo, a viaturas militares, vias férreas e comboios como forma de dificultar os movimentos logísticos principalmente para a Vila Cabral A outra estratégia da FRELIMO foi, enviar para o interior de Moçambique alguns guerrilheiros para realizarem trabalhos de reconhecimento do terreno. Esta actividade visava levantar informações sobre: 

1) posições e disposição dos aquartelamentos portugueses, capacidade militar em armamentos e efectivos, depósitos de armamentos e materiais de guerra; 

2) identificação dos alvos a atacar; 

3) identificar as melhores vias de entrada e saída dos alvos a serem atacados. 

4) reconhecer zonas seguras para esconderijos e fixação de destacamentos e; 

5) captar os sentimentos e opiniões das populações em relação ao apoio a FRELIMO e a luta armada. Para a materialização destes objectivos, os guerrilheiros da FRELIMO mandavam aos postos administrativos um ou dois homens, com a alegação de que iam tirar cadernetas, mas a missão fundamental era observar as defesas e o ambiente militar e, a partir destes dados, elaboravam croquis da localização dos abrigos da tropa colonial. Os guerrilheiros procuravam sempre espalhar insegurança na região, dificultando a actividade rotineira das populações e pondo em causa as capacidades das autoridades portuguesa para exercerem o seu domínio. Neste período, a FRELIMO também procurou promover campanhas de divulgação junto das populações, fazendo referências constantes aos objectivos da luta. No concerto das suas acções militares, os guerrilheiros da FRELIMO realizavam frequentes raptos principalmente na área de Marrupa e Lugenda e estes indivíduos eram instruídos nas suas doutrinas politicamente para, posteriormente, através das ligações familiares e clânicas facilitarem a ampliação das actividades do movimento em outros sectores. Os guerrilheiros da FRELIMO eram acusados de espalhar boatos intimidatórios nas comunidades alegando que, se os portugueses constatassem que perdiam a guerra, iriam matar toda a gente civil, as populações das povoações junto a fronteira, nomeadamente Muigo, Nangali, Mandambuzi e Nipepe, Mandimba e Mutombotchi. Diziam, ainda, à população, como forma de a colocar contra a tropa colonial, que o sal que se vendia nas cantinas dos comerciantes estava envenenado pelos portugueses. Depois de cada ataque, os guerrilheiros deixavam o local dos seus encontros bem visíveis, mas armadilhados com explosivos para que as tropas pesquisadoras caíssem nelas ao seguirem os seus vestígios; por vezes, deixavam propositadamente rastos do seu percurso e ao longo da mesma colocavam explosivos que ceifaram muitas vidas das tropas portuguesas. Os guerrilheiros da FRELIMO, esforçavam-se a todo o custo para manter a persistência no controlo sobre a população com a finalidade de assegurar os meios de subsistência indispensáveis à sua presença nas frentes de combate. Esse controlo era caracterizado pela presença de elementos que se encontravam infiltrados nos acampamentos das populações e que exerciam uma discreta vigilância sobre as mesmas. Tratou-se de um sistema de segurança muito simples e eficaz, que consistia no disparo de determinados tiros de avisos ao ar. Os portugueses Amadeu Neves da Silva – Antigo Combatente da Guerra do Ultramar – Batalhão de Caçadores nº 1891, e Nataniel Lopes da Rosa – Antigo Combatente da Guerra do Ultramar – Companhia de Artilharia – Batalhão 7260, em relação ao que foi a guerra em Moçambique, são unânimes em afirmar que foi uma guerra injusta e inútil. (…) “Uma guerra de pobre sustentada por um país pobre, que tinha que repartir o chamado esforço da guerra por três frentes em simultâneo neste caso: Moçambique, Angola e Guiné” o que em termos práticos acarretava elevados custos humanos, financeiros, morais e polític Sobre a preparação militar, referindo-se ao contexto da sua ida a África, concretamente a Moçambique,  afirmou: “nós íamos a guerra na África com uma fraca preparação militar e sem nenhuma noção da guerra de guerrilha”. Em relação a este facto, Nataniel (2019) refere que, “entre a tropa portuguesa, grande parte saía da metrópole para Moçambique sem saber correctamente o que iam fazer”, éramos apenas informados, segundo depoimentos dos dois combatentes entrevistados em Lisboa, (Amadeu e Nataniel), que iam defender Portugal, enquanto que os guerrilheiros da FRELIMO, para eles, cada bala que disparavam, sabiam o que pretendiam e era equiparado a um grito de liberdade rumo a independência. Analisando várias documentações aprendidas pela tropa portuguesa existente no Arquivo Histórico Militar e Torre do Tombo, em Lisboa, percebe-se que os guerrilheiros da FRELIMO quase sempre lograram sucessos nas suas investidas, porque geralmente estas eram organizadas através de planos operacionais para uma guerrilha. Por consequência, havia dificuldades da parte da tropa portuguesa em compreender com precisão o que é que os guerrilheiros faziam até ocorrerem os ataques aos seus acampamentos. Tornava-se difícil realizar os confrontos e, portanto, conseguir informações concretas e conter as incursões dos guerrilheiros da FRELIMO. Outros factores que dificultavam na íntegra a acção da tropa portuguesa na contenção dos guerrilheiros foram: 

(1) o não uso de rádios de comunicação pelos guerrilheiros 

(2) a variedade de dialetos que tornavam difíceis a comunicação e 

(3) o baixo nível educacional dos guerrilheiros que era de certa forma um impedimento para operar e manter equipamento de alta tecnologia. Sobre os saldos da guerra, até meados de 1973, baseando-se em dados estatísticos, revela que “em menos tempo de guerra morreram em Moçambique mais militares do que na soma dos conflitos armados na Guiné e Angola. Quantas vidas não se perderam em Moçambique só porque não existiam suficientes e capazes meios aéreos para rápidas evacuações”. A pobreza estendia-se principalmente nos meios para fazer a guerra. 

4.8. As práticas mágicas durante a guerra As comunidades africanas desde sempre tiveram as suas crenças e tradições, umas ligadas aos seus ancestrais e ainda outras associadas ao uso de amuletos. Os bantos, concretamente constituem um povo que sempre receou aos seus saberes para evitar ser atingido em qualquer momento por agentes do mal que actuam incessantemente e de modo imprevisto no seu meio, dai que estes sempre têm medo, um medo que se manifesta como uma sombra densa que alerta a limpidez do calor humano nas suas relações sociais, trata-se de um medo resultante da experiência do mal, dado que o banto sofreu calamidades permanentes como doenças endémicas, opressões seculares e a inter-acção ambivalente. O medo entre os bantus constituiu uma deturpação de difícil superação e o indivíduo ao se ver perseguido, para se defender recorre aos meios mágicos, ao poder vital que nesse caso pode ser a magia que, segundo os mecanismos bantu, só pode ser combatida com poderes superiores e igualmente mágicos. Os guerrilheiros começaram a usar rádio de comunicação por volta de 1967 e nesta altura os portugueses começaram a escutá-los. Nas comunidades do então distrito do Niassa, existiam desde sempre curandeiros que “cumulativamente mágico”, que, para além de curar diferentes enfermidades nos pacientes que os procuram contactar, fabricam e vendem diferentes amuletos, incluindo os para se defender dos seus inimigos e para provocar desgraças a outrem. Existiram também feiticeiros, homens ou mulheres, que têm a faculdade de, apenas por meio de concentração e orientação do seu poder psíquico para determinada pessoa a fim de lhe provocar doença, desgraça ou mesmo a morte. Os feiticeiros eram bastante temidos e odiados pelas comunidades No então distrito do Niassa, estes aspectos não constituíram excepção pois muitos destes elementos foram usados pelos guerrilheiros para se protegerem do inimigo tanto quanto para terem sucesso nas diferentes frentes de combate. A título de exemplo, foi uma carta deixada numa mata para o então Comandante das milícias do Niassa, de nome Francisco Daniel Roxo no qual chamavam-lhe de «diabo branco», com o seguinte recado: “O diabo Roxo, deves te afastar do Niassa, já pedimos todas maldições para si, se não o fizeres, morreras com todos os feitiços que já fizemos contra si”. A feitiçaria constituiu uma prática bastante empregada para cura, maldição, protecção das pessoas no Niassa. As autoridades coloniais, estacionadas nos diferentes pontos deste distrito, reportaram em inúmeras ocasiões à metrópole sobre a existência destes elementos descritos genericamente como feiticeiros. Existiram alguns que mais se destacavam pela influência que exerciam nas suas comunidades e pelo terror que infundiam. Existiram também alguns Padres Monhés africanos que tinham habilidades para a feitiçaria. A alguns destes supostos feiticeiros eram atribuídas capacidades/ poderes de fazer qualquer arma, de qualquer calibre, disparar água, conforme consta em uma Nota da PIDE enviada ao Governo do Distrito de Niassa. Para além disso, alguns feiticeiros chegaram mesmo a cooperar com a actuação da FRELIMO, preparando os guerrilheiros com os seus remédios a fim de os tornar mais eficientes nos ataques aos aquartelamentos das tropas coloniais como aconteceu em 1964 ou 1965 quando o curandeiro Chicaungaunea, residente na povoação de Barra próximo de Fort Johnston, foi solicitado por Orlando Mwagumba da Base Catur para preparar os guerrilheiros com os seus remédios.


Em 1963,Major Costa Matos Governador do Niassa acompanhado por Daniel Roxo

Daniel Roxo, integrante do exército colonial que inicialmente chegou a Niassa onde dedicava-se a caça do norte ao sul da Distrito, pela actividade que  desenvolvia, teve de passar por tratamentos tradicionais com feiticeiros para se prevenir de ataques de animais ferozes e durante a luta de libertação, obteve outro tratamento que evitava alvejamento por balas, razão pela qual tornou-se num homem temido pelos guerrilheiros da FRELIMO. Um outro aspecto que evidencia envolvimento de práticas tradicionais locais na luta de libertação é o relato de MOIANE  ao descrever a sua entrada efectiva na luta armada de libertação no Niassa. em Março 1965. Especificamente, no cumprimento da decisão da reunião do Comando Provincial do Niassa, realizado em Mipoxi em Junho do mesmo ano, em que decidiu-se que Moiane devia avançar para abrir a frente de Maniamba a norte da Província, com o objectivo de abrir caminho de passagem para Khathur, Meponda e uma base em Unango. Moiane refere que, chegado a Maniamba, entraram em contacto com as autoridades locais para sensibilizar a rainha Chá Ntima pois era ela quem tomava as decisões na região e, na ocasião, estes receberam garantias de que podiam operar naquela zona sem problemas e que iriam invocar os antepassados para lhes dar bênção nas suas actividades. Tratou-se aqui de uma acção visível de envolvimento da autoridade local na luta mediante o uso dos conhecimentos ancestrais e aceitação a causa da FRELIMO. 

4.9. Traições e deserções A luta armada de libertação, desencadeada como resposta a agressão colonial, foi uma acção dolorosa, mas eficaz para o alcance da libertação do jugo colonial. Tratou-se de uma marcha forçada no caminho para a libertação. Seria impossível fazer a tal marcha sem reversões e esforços vãos. Dai que no Niassa, durante a luta, ocorreram traições e deserções que de seguida passamos a apresentar evidências destas práticas. As deserções e traições caracterizaram as guerras em todo o mundo, sendo que as suas causas dependem de factores de natureza social, política, económica e cultural das sociedades envolvidas em contendas. Na luta de libertação em Moçambique, era necessário transpor os problemas que sobreviveram à fusão da FREIMO, sobretudo ao relacionado ao tribalismo que a ele se associa a fraca maturidade política, a ambição e a incorporação de infractores fugitivos das autoridades administrativas coloniais. Alguns dirigentes do movimento, “não souberam construir a sua ponte e atravessá-la e que, tendo falhado, se perderam no autoisolamento, no abandono da luta ou na deserção para o lado do poder colonial”. Em Moçambique, concretamente na região do Niassa, verificaram-se traições, deserções associadas a ambições que comprometeram determinadas acções do movimento no campo militar e outros. Foram guerrilheiros aos quais se confiava, mas caíram no oportunismo. Será feita aqui a descrição de alguns factos que revelam as atitudes de traição e ambição que causou deserção por parte de alguns elementos da FRELIMO durante a luta na frente do Niassa. De referir que alguns destes elementos desertaram por temer sanções disciplinares, o que da a entender que nas fileiras da FRELIMO existia uma disciplina rigorosa e rígida. No decurso da luta, que era, “um conflito armado entre duas linhas políticas opostas que reflectiam interesses antagónicos mais”, ocorreram vitórias e derrotas de ambas a partesOs fracassos sofridos pelo inimigo, neste caso o exército português, com certeza o tornavam mais cruel, refinado e criminoso, tendo, então, adoptado novos métodos que foi a subversão. Para levar a cabo esta acção, contou com dois elementos principais que foram: 

I) Os agentes infiltrados e traidores- aqueles que se camuflavam de combatentes da FRELIMO e foram cometendo crimes contra as populações, criaram confusões sobre os objectivos e métodos do movimento, vivendo no seu seio, desencorajando politicamente os seus elementos, espionando e cometendo crimes contra sua organização e direcção. Dividindo as massas através do tribalismo, racismo, superstição e religião e

 II) As insuficiências da FRELIMO: o regionalismo, o racismo e o tribalismo. Estes três elementos impediram significativamente a FRELIMO de assumir a grandeza do país na luta, confundiu o inimigo e o sentido da luta e quem eram os seus aliados naturais. No decorrer da luta, a tropa portuguesa, no rol das suas acções, procurou continuamente minar a estrutura organizacional da FRELIMO durante as suas campanhas no Niassa através de uso das informações dos desertores. Por outro lado, a existência de variados grupos etnolinguísticos na região de certa forma dificultou a manutenção da ordem no movimento tanto como para os portugueses, de tal forma que qualquer acção constituía uma ofensa sem perdão e uma transgressão insuportável contra outro grupo. Algumas autoridades tradicionais chegaram a trair os guerrilheiros da FRELIMO, denunciando suas acções, contactos que estes estabeleciam com elementos da sua jurisdição e outros. Os guerrilheiros da FRELIMO, tomando conhecimento destas acções, repreendiam os envolvidos e, em casos extremos, alguns foram assassinados como aconteceu com o Régulo Mataca da área de Cóbuè, que era fiel à autoridade colonial e foi ele quem, em 1963, denunciou a rede da FRELIMO infiltrada na sua área e levou à prisão de vários dos seus agentes. 

O Régulo Mataca e o Major Costa Matos

Por este acto, no dia 17 de Maio de 1965, o régulo Mataca (Daude Inchito), estando em sua residência, foi abordado por um grupo de 4 elementos da FRELIMO que a ele solicitaram o caminho para Cóbuè. Este na sua boa-fé pós se a acompanhá-los e percorrido 50 metros foi morto. Para além de autoridades tradicionais, existiram os sipaios que acompanhavam as tropas coloniais como guias para localizar os acampamentos dos guerrilheiros situados em locais distantes a troco de bebida alcoólica (vinho). Outros chegaram a fazer parte do exército português combatendo contra os guerrilheiros da FRELIMO. A estes, em jeito de apelo a consciencialização, a FRELIMO foi lançando panfletos com discursos apelativos para abandonarem as fileiras da tropa portuguesa e juntarem-se a FRELIMO, Segundo a entrevista feita por DE MELO ao então Chefe Distrital de Reconhecimento da FRELIMO no Niassa de nome Armando Buraímo, em 1966, transcrito em seu livro  Armando Buraímo, filho de Buraimo Matenda, foi chefe Distrital de Reconhecimento da FRELIMO no Niassa, nasceu em Malema e estudou na Missão de Unango. Juntou-se a FRELIMO em 1965 na base Nachingwea a convite do seu irmão e alguns enviados da FRELIMO, treinado na Russia, no Niassa, foi destaco a base de Unango com o cargo de Sereco que corresponde a função de chefe distrital de reconhecimento.

Daniel Roxo e os seus cipaios a preparam-se para mais uma  operação

Foi aí em que num ataque levado a cabo pelos comandos portugueses foi “capturado” pois entregou-se por medo de em próximas ocasiões ser alvejado Moçambique, Norte – Guerra e Paz, Buramo relata o seguinte: “ dentro dos quadros da FRELIMO não há entendimento possível e isso vai sempre reflectir-se nas bases”. Adiante, apresenta o tribalismo como o centro do conflito, pois numa base em que o chefe fosse do sul, os Macondes não lhe obedeciam e vice-versa. Para ele, tratou-se de um cenário que se replicou em quase todas as bases ao ponto de, por vezes, em decorrência de um ataque das milícias ou da tropa colonial, na confusão que se gerava, por ódio ou ganância, (milandos/conflito), alguns aproveitavam a ocasião para tirar a vida do outro ou mesmo do chefe, na perspectiva de alcançar o cargo de chefia ou mesmo para se vingar dos conflitos/milando que tivera anteriormente. Para confirmar os seus relatos na entrevista, ele descreve o contexto em que foi capturado pelas tropas coloniais em que, na ocasião, o seu Chefe geral do Distrito, o Senhor Calunga Burema, foi morto a tiro num ataque surpresa por seus elementos. Ele permaneceu escondido numa palhota, depois de outros seus companheiros terem saído em debandada, até ser capturado pelas tropas coloniais. A acção de Buraimo segundo o qual, “o inimigo, explorando o regionalismo e o espírito de conforto, procura ainda provocar deserções das zonas de avanço para a retaguarda, duma região para outra”. A deserção do Buraimo pode ser entendida na perspectiva de ambição pois, segundo SAMORA (1975), em alguns casos, os ambiciosos podem aliar-se ao inimigo principal para conquistar o poder. Quando descoberto ou quando vê que já não tem campo para a suas manobras, deserta, como foi o caso. Outros cenários de deserção tiveram lugar na área de Cantina Dias- Unango, no coração do Niassa. 

Aquartelamento de Cantina Dias

Neste aquartelamento, associado aos factos anteriormente relatados, alguns guerrilheiros começaram a desertar as fileiras da FRELIMO por diferentes razões por eles mencionadas na pelos seus elementos, visto que assumia um cargo de chefia que de certeza era de alguma forma ambicionado. Colaborou com as tropas coloniais portuguesas se oferecendo para guiar as milícias e a tropa no geral a grande base de Mepotche onde justamente se encontrava o maior arsenal de material bélico existente no distrito. 

Miandica, Novembro de 1967. Ataque à base Mepotxo (Gungunhana)

A esse facto, Iassibo Taíbo, Guarda Costa do Calunga depois de se render as tropas colonias portuguesa, explicou numa reportagem feita “foram mesmo os do acampamento que o devem ter morto e não o comando que o atacaram. É sempre assim, quando há milandos dentro das bases entre chefes e entre os homens uns com os outros: Se há um ataque, logo se aproveita a altura para matar o outro com quem há milando, depois faz de conta que foram os soldados”. São eles Américo Assano, (secretario da base de Unango), Mamud Ali (chefe da polícia) Iassibo Taíb (Guarda costas e adjunto chefe da base), Atanazio, Uaite Quintana, Mario Joao, Buana Congo, Achimo Agissa, João Mário Issa, todos estes relataram como causa da sua deserção a questão das falsas promessas com que os elementos da FRELIMO os convencera a aderir ao movimento, escassez de alimentos, falta de dinheiro, medicamentos, cobertores e abrigos tanto como a fadiga das caminhadas nocturnas, fugindo dos inimigos. Entretanto, ao se apresentarem à administração de Cantina Dias, pediram para que a tropa colonial os acompanhasse até um determinado ponto da estrada que eles sabiam ter sido recentemente minado e procederam o levantamento das minas colocadas pelos homens da sua base. Alguns membros das comunidades, quando levados à força e mantidos em cativeiro pela FRELIMO, produziam cartas contendo informações com indicações da localização dos acampamentos dos guerrilheiros e a pedirem que os localizem para os libertarem e jogavam pela mata. No seio dos guerrilheiros da FRELIMO na frente do Niassa, não raras vezes, ocorriam deserções associadas a traição, geralmente quando faltavam alimentos, como foi o caso de Chaibo Abudo que se apresentou ao Posto Administrativo de Muembe – Circunscrição de Valadim no dia 17 de Dezembro de 196

DO -- Avião de transporte d víveres e correio. Nova Coimbra  (Mevchuma)

Segundo um boletim de informação, “Chaibo Abudo ao ouvir o seu chefe de nome Ungalica, lendo panfletos em público e comentando sobre os panfletos que os aviões atiravam pelas aldeias, afirmou que aquilo era tudo mentira e que se alguém fosse apresentar-se às autoridades portuguesas era pura e simplesmente morto. Chaibo não acreditou no que o seu chefe dizia, decidiu ir apresentar-se para ver como seria recebido. Depois de ver o resultado, segundo se narra na informação, Chaibo foi bem recebido e bem tratado, tanto que foi lhe pago a gratificação respectiva, pediu autorização para se ausentar as matas e foi novamente ao local de onde saiu, tendo trazido a população que viu nas machambas e a arma que tinha deixado enterrada juntamente. Segundo eles, ao serem contactados pelos elementos da FRELIMO, estes diziam que a FRELIMO estava a fazer guerra contra Portugal e que em três meses estes iriam sucumbir e viria a independência, com isso, o melhor era apoiar a guerra para depois evitar castigos. Outros foram aliciados para irem estudar com uma bolsa de estudo em país como EUA, Franca etc, o que não chegou a acontecer mas sim foram submetidos a treinos militares e ao se confrontarem com o campo de batalhas e guerras prolongadas acima do tempo que lhes foi garantido, fugiram com as suas armas tendo apresentado se nas administrações coloniais. 162 com as granadas. Em seguida, Chaibo indicou outra base localizada nas margens do riacho denominado Caundesse nas margens do rio Luatize que não chegou a ser alcançando porque este esquecera as coordenadas. Como Chaibo, existiram na Frente do Niassa, tantos outros guerrilheiros que em grupos ou de forma individual, por falta de alimentos ou fartando de se alimentar de frutos silvestres, desertaram das fileiras da FRELIMO com seus armamentos para se apresentar as autoridades coloniais tendo desvendado algumas tácticas militares, aquartelamentos, nomes dos seus chefes e outros aspectos inerentes ao funcionamento do movimento de libertação. Outra evidência de que no seio das fileiras do movimento existiram infiltrados é o Boletim de Difusão de Informações (Secreto) de 18 de Novembro de 1964 que faz referência a uma fonte que esteve em finais de Outubro de 1964 em Dar-es- Salaam – Tanganica, afirmando que tinha conhecimento de que os guerrilheiros da FRELIMO iriam desenvolver nos primeiros tempos acções e ataques durante a noite, procurando sempre encontrar os pontos fracos e que nos seus ataques iriam usar os métodos adoptados na Argélia e que seriam escolhidos horas e momentos em que as pessoas estariam em festas ou cinemas ou ainda afastadas das residências habituais. Em um outro outro documento, classificado como muito secreto e enviado ao Gabinete dos Negócios Políticos ao cuidado do Senhor Ministro do Ultramar datado de 30 de Outubro de 1964, percebe-se que houve fuga de informação recolhida pelo SCCI (Serviços de Centralização e Coordenação de Informações) sobre o plano de introdução de armas e explosivos em Moçambique elaborado pela FRELIMO. No contexto da segurança militar, principalmente na área da disciplina do segredo no seio dos guerrilheiros eram frequentes situações de fugas de informação principalmente em conversas com amigos civis, cartas que eram enviados aos familiares em que nelas faziam referência a sua localização, nome dos seus chefes e outros dados úteis como a qualidade de material de que dispunham ou ainda planos militares. Há que não deixar de lado o facto de, no seio dos guerrilheiros, por vezes, ocorrerem competições e várias facções que originavam fissuras que, geralmente, levavam a multiplicação de informadores e encorajavam os agentes. Os guerrilheiros descontentes da FRELIMO provaram ser uma fonte fértil de recrutamento e uma oportunidade para a PIDE lançar estratégias de dissensão. Até 1972, na FRELIMO existia uma dissidência entre os adeptos do socialismo revolucionário e os conservadores. 

CAPITULO V 

OS DISCURSOS DE AUTORIDADE, UNIDADE E LEGITIMAÇÃO 

O presente capítulo procura apresentar elementos e factos que evidenciam o processo de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa, considerando que este processo tem inicio, quando os primeiros emissários chegam as regiões de Cóbuè, Metangula, difundindo para as comunidades, ideais do movimento, vendendo cartões e explicando clandestinamente os objectivos da FRELIMO. Estas e outras acções discursivas incentivaram jovens a juntarem-se a FRELIMO e rapidamente, evidenciou-se como uma autoridade diante das populações. Nos estudos desenvolvidos sobre a Luta de Libertação em Moçambique e, em particular, sobre o Niassa, tanto quanto obras de memórias de combatentes, aproxima-se da ideia de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa. No seu primeiro capítulo, intitulado População do Niassa adere à FRELIMO, aborda episódios vivenciados pelos guerrilheiros que remetem a um processo de formação de autoridade. O processo de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa teve início depois da fundação da FRELIMO e se desenvolveu com o início da luta armada, durante a luta e teve a sua continuidade com a criação das zonas libertadas, onde a FRELIMO passou a ter algum controlo das populações. O processo de mobilização da população para aderir a sua causa da FRELIMO sinaliza a formação da autoridade, com isso, algumas comunidades imediatamente aderiram a sua iniciativa libertaria. Outros, como foi o caso de clérigos, catequistas e professores sobejamente conhecidos, aderiram a iniciativa, mostrando disponibilidade em apoiar na mobilização, disseminação de mensagens e vendas de cartões nas comunidades, uma acção que foi levada a cabo por diferentes indivíduos e alguns chegaram mesmo a ser presos

É possível perceber que a construção da autoridade política da FRELIMO no Niassa procedeu através da mentalização e encorajamento da população local, na medida em que ocorreram infiltrações de diversos agentes da FRELIMO provenientes de Dar-es- Salem Os primeiros guerrilheiros esperavam pelo lançamento da insurreição armada desdobraram-se nos esforços de mobilização popular. Através de propaganda feitas em diferentes emissoras radiofónicas e textos que eram laçados em diferentes locais, disfarçando-se no seio das populações, os quais, de povoação em povoação, foram disseminando a propaganda do movimento, fazendo promessas de liberdade, paz, ocupação de cargos e outros. Este discurso era conjugado com dois factores, nomeadamente: religioso e respeito a ancentralidade. O religioso consistia em manter respeito a religião predominante na região sempre que se juntasse a comunidade e o respeito pela ancentralidade era mantido mediante demonstração de respeito aos rituais locais ao estabelecer primeiros contactos suas autoridades. Dai que a necessidade de inclusão de indivíduos nativos nos grupos de mobilização local. Analisando as acções dos elementos do movimento tendentes a obter autoridade na região, percebesse que o principal objectivo foi a conquista do poder político simbólico e material. Nesta perspectiva, refira-se o poder político simbólico equiparado ao que  alude como a conquista da simpatia das populações onde estes grupos actuam. Um processo que pode acontecer de duas principais formas, nomeadamente: “intimidação e a construção de narrativas”. Portanto, a intimidação da população visa a conquista da simpatia através da intimidação que ao longo prazo se transforma em síndroma de Estocolmo- estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor”. O poder simbólico é aquele que “faz ver e faz crer”, transforma a visão e a acção dos agentes sociais sobre o mundo. Trata-se de um poder “quase mágico que permite obter o equivalente ao obtido pela força física ou económica, e só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, um poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Portanto, em certa medida, o poder exige a cumplicidade do outro e a violência simbólica, para ser exercida, precisa do reconhecimento do dominado. A construção de narrativas pelos elementos da FRELIMO visava a conquista das mentes e dos corações da população, para que estes se posicionassem contra o Governo colonial. As mesmas narrativas visavam, também, o recrutamento de novos membros para o movimento (um processo que foi levado a cabo de forma individual e colectiva, influenciado por factores, locais como a língua, ambiente político e outros). Um aspecto importante nas narrativas é que elas, :ganham cada vez mais importância e força quanto mais recontadas”, por essa via, as narrativas se tornam verdades incontestáveis aos olhos dos contadores, neste caso os guerrilheiros que realizavam estas acções, procuravam recontar com frequência as mesmas narrativas em todos locais que pudessem.



 Olhando para a perspectiva anterior e analisando as reportagens, visualizasse que a construção da autoridade política da FRELIMO nesta região também contou com algumas acções ou métodos coercivos! A título de exemplo, foram os recrutamentos na área de Cantina Dias (Actual Aldeia de Mbemba) no Distrito de Sanga, em que o Sr. João Mário, proprietário de uma cantina no local, recusou a solicitação dos elementos da FRELIMO. Para além disso, reuniu a sua família e avisou-a para não acreditar nas suas palavras e não lhes dar auxílio nenhum. Na mesma noite, foi raptado, amarrado, levado ao acampamento da FRELIMO, lá foi interrogado e torturado. Escapou porque houve um ataque das tropas coloniais em que os elementos da FRELIMO saíram em debandada. Um outro exemplo de coercividade neste processo são as áreas libertadas que eram controladas pelos “Chairmen” no qual este tinha poderes quase ilimitados nas áreas que lhe confiara o então Comité Dirigente, desde o controlo da movimentação da população (saídas e entradas), a população devia prestar todos os serviços por eles determinados para o benefício do guerrilheiro (arranjar alojamento, comida, e em caso de tentativa de fuga o Chairman tinha a prerrogativa de juiz). Portanto, entende-se nesta narrativa de Victor Jorge, que a FRELIMO procurou a dado momento recorrer a medidas rígidas que pudessem garantir o seu reconhecimento como autoridade e que tinha capacidade organizacional. Diferentes estratégias foram adoptadas por guerrilheiros e seus apoiantes visando fazer com que a FRELIMO se constituísse como uma autoridade. O uso de emissoras radiofónicas clandestinas e não clandestinas, não passou despercebida. A título de exemplo, foi a notícia difundida em 1967 sobre a Morte de um temido comandante das milícias no Niassa de nome Francisco Daniel Roxo. Nomenclatura hierárquica da FRELIMO, espécie de governador da área em que actuam os guerrilheiros Francisco Daniel Roxo, natural de Magadouro - Bragança que chegara a Niassa em 1955 fez se caçador.



 No início da Luta Armada, ofereceu-se a servir a sua pátria, Portugal como elemento da Psico-social. A seu pedido, foi-lhe dito  “Roxo morreu (…) ferido pelos valorosos militares da FRELIMO numa operação. Os verdadeiros responsáveis pela morte do Roxo, foram os colonialistas de Moçambique que nem souberam salvá-lo, pois, pedido auxílio a tropa portuguesa, esse auxílio não foi prestado, acabando o Roxo por morrer por falta de socorro, abandonado a sua sorte” Na verdade, o Daniel Roxo, não morrera naquele confronto, mas sim ficara ferido com um estilhaço na coxa e foi transportado pelos seus homens para uma povoação mais próxima de onde foi evacuado para Vila Cabral, hospitalizado e tratado. Com essas informações, a FRELIMO, para além de ir fortificando sua credibilidade no seio populacional, pretendia também dar a entender à população que não havia coesão no seio da tropa portuguesa e desencorajar os moçambicanos a se envolverem no apoio e eles. Pode se incorporar no processo de formação de autoridade política da FRELIMO a actuação do Coronel Mateus Oscar Kida, num episódio que teve lugar no Niassa em 1966, em que, depois da abertura de um posto de saúde na região de N`kalapa, surgiu a necessidade de se deslocarem à Tanzânia, concretamente a Xipamanine, a fim de reforçar o estoque de material hospitalar. No decurso da viagem, dos 31 integrantes do grupo, 05 eram guerrilheiros e estavam armados, foram interpelados pelas TPDF na região de Licewo.  Os militares tanzanianos procuraram saber do destino dos membros do grupo, mas não houve compreensão por parte destes, tendo a guarda tanzaniana decidido, na ocasião, encarcerar os guerrilheiros numa esquadra em Songueia e confiscar as suas armas. Os outros elementos civis do grupo foram levados para um campo de refugiados no mesmo distrito, concretamente em Hanga Mputa onde a ACNUR estava acolhendo refugiados. Este incidente gerou agitação no seio das populações, sobretudo no interior, que questionavam sobre as razões da detenção dos guerrilheiros, atribuído uma verba que lhe permitiu formar um grupo de contra-guerrilhas constituídos por 17 elementos por si recrutados, na sua maioria, antigos caçadores, pisteiros e soldados nativos passados a reserve com prática de manejo de armas. Comandou o primeiro grupo de intervenção armada no Niassa que, lançou-se contra os guerrilheiros da FRELIMO, organizando emboscadas e raptando informadores. Era um espécie de comando autónomo dentro do quadro das milícias organizadas. Na documentação colonial aparece descrito como  Tanzania People’s Defense Force ou Forças Populares de Defesa Tanzaniana. Alto Comissariado das Nações Unidas Para Refugiados visto que a Tanzânia apoiava de todas as formas as causas da Luta de Libertação em Moçambique. A agitação chegou a ser intensa ao ponto de surgirem tentativas de emigração para Tanzânia, caso os seus compatriotas não fossem libertados e devolvidos para o Niassa, uma acção que era contrária as estratégias da FRELIMO. Movidas várias negociações pelo enviado Mateus Oscar Kida, então secretario particular de Willis Kadewele (Secretário Provincial), os seus compatriotas foram libertados e Mateus Kida foi novamente incumbido a missão de acompanhar o grupo ao interior de forma a explicar a população que não havia motivo de alarme e que apenas se tratara de um mero equívoco da parte da tropa tanzaniana e que todos que teriam sido presos estavam de volta. Procurou encorajar a população a manter-se firme e a não se refugiar a vizinha Tanzânia. Chegados ao Niassa oriental, Mateus Kida realizou reuniões com a população, exortando-a a garantir o seu apoio a luta de libertação a partir de Moçambique e que a FRELIMO iria apoiar de todas as formas a população com vista a registar os sucessos até então testemunhados. Também teve encontros com oficiais militares com vista a explicar-lhes o que teria sucedido e como foi resolvido. Esta acção levada a cabo por Mateus Kida entende-se como um processo de demonstração de preocupação que a FRELIMO tinha em ser conhecida, transmitir confiança e ser considerada pela população de que se tratava de um movimento com objectivos concretos e que pretendia contar com o apoio da população para a materialização dos seus objectivos de libertação da terra e do povo. De forma geral, o processo de formação da autoridade política da FRELIMO no Niassa definiu-se como um processo histórico que usou textos, transmissões radiofónicas, banjas, canções nas línguas locais e discursos nas zonas libertadas. Por seu turno, a FRELIMO, viu-se reconhecida e aceite pelos moçambicanos no seu discurso de libertação e independência nacional de Moçambique a nível local, nacional e internacional. A aceitação as suas iniciativas libertarias foram visíveis na medida em que a população passou a colaborar com o movimento nas suas diferentes acções e programas. A autoridade política da FRELIMO foi formada por meio de núcleos clandestinos, distribuição de cartões, transmissões radiofónicas, distribuição de panfletos, sensibilização das populações nas aldeias, nas zonas libertadas e outros locais, de forma contínua. 

5.1. O discurso de legitimidade, unidade, libertação e independência no Niassa 

Os discursos de legitimidade foram levados a cabo por militantes e guerrilheiros do movimento que se empenharam de diferentes formas e momentos, como foi caso do Mateus Bernabé Malipa. Mesmo antes do início da luta armada, ele realizou actividades de reconhecimento e recrutamento de novos membros para a movimento na Frente do Niassa. Na povoação de Ngoo, Malipa manteve contacto com alguns jovens na calada da noite em que ele dizia (sensibilizando) aos pais dos jovens o seguinte: “A FRELIMO, é um partido que esta para libertar Moçambique da dominação colonial portuguesa. Existem soldados que treinaram em vários países e estão prontos para combater em Moçambique. O Presidente da FRELIMO é Dr. Mondlane. É um homem que estudou muito. Aqui em Moçambique ninguém estudou como ele. Uniu os moçambicanos de todas as tribos num só povo. O objectivo dele não é expulsar os brancos, mas sim acabar com a colonização e o sofrimento dos moçambicanos. Brancos e pretos viverão em harmonia. Com este discurso da necessidade de libertação de Moçambique, percebe-se que Malipa estava a mobilizar e sensibilizar as pessoas a aceitarem a organização como aquela em que se deveriam congregar as aspirações de libertação dos moçambicanos contra a dominação colonial, pelo que deveriam aderir aos seus discursos e objectivos políticos, como a única saída para o alcance da independência de Moçambique. Mostrando que se tratava de uma autoridade estruturada. Moçambique é caracterizada por uma grande diversidade étnica e não contava com uma unidade linguística, possuindo vários dialectos. Portanto, tais condicionantes mobilizavam a sua caracterização como uma sociedade tradicional, formada por diferentes tribos e, consequentemente, possuidora de diferentes linhagens e chefes tribais. Mesmo com a opressão portuguesa, essas tribos mantêm-se com muita luta, estruturadas dentro da sua própria cultura e sendo relativamente respeitadas. A sociedade era dividida nas seguintes categorias: brancos descendentes de portugueses, negros assimilados e negros considerados como indígenas ou nativos. Realça-se, contudo, que as coerções sofridas pelos negros naturais ou assimilados não se diferenciavam substantivamente, facto este que gerou, ao longo do século XX, um desejo muito forte de luta pela libertação nacional. A ideia de unidade nacional em Moçambique nasce com o surgimento da FRELIMO, pois a sua aparição implicou o silenciamento dos grupos minoritários e divergentes (internos e externos) que eventualmente discordavam com os princípios da luta levados a cabo pela FRELIMO. A memória nacional homogénea continha certa unilateralidade, quando contrastada com a miríade de sentidos e valores que permeavam um tecido social em ebulição revolucionária. Os grupos ou movimentos unilaterais, perceberam a dimensão do território moçambicano e absorveram a necessidade de se unirem para a causa libertária aprimorando várias ideias de libertação. Desde o I Congresso da FRELIMO (1962), se tornou evidente que o movimento deveria se contrapor a toda forma de colonialismo (o inimigo externo) e às ameaças contra a unidade popular moçambicana (o inimigo interno/ o colonialismo). No Niassa, diversas foram as formas encontradas pela FRELIMO para pôr em marcha as suas acções discursivas de unidade e nacional e libertação e independência por forma a garantir a formação da autoridade. Dentre elas, realçar o uso das propagandas efectuadas sempre de forma clandestina, com discursos visando desencorajar a população a aderir às políticas coloniais portuguesas. As autoridades coloniais, na base dos seus dispositivos de segurança, procuraram sempre interpelar a atuação do movimento no seio populacional. Os discursos de propaganda da FRELIMO encontrados pela autoridade colonial no período (1966 em diante) eram apresentados em cartazes ou manuscritos com diferentes teores. Estes, por vezes, eram colocados sobre faixas de cores branca, preta, amarela sucessivamente de cima para baixo com dizeres como: 

“Um só fim: Independência – Uma só força: O povo – Uma só guia: FRELIMO” – Simbolizando a bandeira da FRELIMO.


 O teor constante nos manuscritos era por exemplo: “Os soldados salazaristas intensificam o seu grau de imbecilidade com matar e violar o povo moçambicano. Reconheçam que a FRELIMO nunca fez nenhuma violação ao povo português no sexo feminino, porque sabe o papel da sua luta. Nós moçambicanos de hoje, não lutamos contra o povo português, porque sabemos e aprovamos que não é ele que nos oprime, mas sim o governo fascista de Salazar. O português é irmão da mesma classe oprimida que também revolta hoje contra o governo de Salazar. O governo fascista sustenta a guerra de agressão contra os povos de África (…) A FRELIMO, nunca se renderá até ao último moçambicano. Senhores salazaristas, vamos lutando. O Salazar, o chamado Dr. António O Salazar na qualidade de ser dr. ainda não sabe a geografia de África. Há! Há!Há! Deve ir mais a escola porque por ele ser burro, está a ensinar os burrinhos a não compreender a geografia. (…) Viva FRELIMO, Viva Moçambique, abaixa salazaristas, Viva a revolução moçambicana, Viva África, A baixo colonialismo Português. Analisando os manuscritos a que se teve acesso, entende-se que a preocupação da nata política da FRELIMO era mostrar à população as barbaridades levadas a cabo pelo exército colonial e, na mesma ocasião, cimentar a sua imagem. Por seu turno, pretendia, também mostrar à comunidade portuguesa residente em Moçambique que o inimigo, não eram eles, mas sim o sistema colonial que oprimia os moçambicanos e sustentava a guerra contra os moçambicanos. Esta acção também foi desencadeada além-fronteiras. 

5.1.2. O discurso de unidade e de legitimidade no campo internacional O apelo a unidade visando garantir a legitimidade e fazer propaganda política da FRELIMO, também foi realizada fora do território nacional, incluindo na então metrópole por seus membros usando diferentes meios e mecanismos. No exterior, o objectivo circunscrevia-se a: desacreditar a política ultramarina portuguesa, fazer crer que a guerra desencadeada pelas forças armadas portuguesas era injusta; mostrar a comunidade internacional que a guerra levada a cabo pelo movimento estava a ter sucessos; atribuir às forças armadas portuguesas todas acções de atrocidades cometidas contra as populações e mostrar o descontentamento das populações em todo território nacional. Foram também usados alguns jornais publicados fora de Moçambique e em diferentes línguas (Inglês e Francês), para denunciar ao mundo as atrocidades levadas a cabo pelo governo Português contra o povo moçambicano. A título de exemplo, uma informação do Consulado português em Nairobi, de 31 de janeiro de 1963, reporta que o jornal “Sunday News” de Dar es Salaam, num dos seus números do mês de Janeiro de 1963, noticiou que teria sido distribuído por Uria Simango  cartazes que procurava despertar emoção da opinião pública e chamar atenção para Moçambique. 

Palestra de Uría Simango a novos militantes da FRELIMO.

Tratou-se de um comunicado que acusava Portugal de maus-tratos sobre os africanos, inclusivé o recurso a supostas injecções de sal. Estas atrocidades também foram difundidas por meios radiofónicos. Ainda no estrangeiro, a FRELIMO, através de comunicados, promovia acções de denúncias procurando isolar Portugal e convencer a comunidade internacional sobre a existência de áreas libertadas. Empolavam nos seus comunicados de guerra, os resultados das suas acções militares e de subversão. Ainda, a título de exemplo desta forma de actuação no campo internacional, Eduardo Mondlane em 1967 deslocou-se a Inglaterra, onde deu conferências de imprensa e tomou parte em várias reuniões discursando em torno do que se vivia em Moçambique e em diferentes ocasiões denunciou os diferentes actos bárbaros cometidos pelo exército português durante a luta. Um outro elemento comprovativo das campanhas da FRFELIMO contra a actuação colonial e a em Moçambique no exterior e com o objectivo de fragilizar a acção das tropas portuguesas na região foram as notícias que circulavam em jornais internacionais. Exemplo disso foi a notícia de que os guerrilheiros da FRELIMO em Moçambique renovaram os seus ataques sobre os alvos portugueses, pela primeira vez desde que o novo regime tomou conta do poder em Lisboa. Informou ainda que estava a controlar uma terça parte de Moçambique e metade dos seus 8 milhões de habitantes. Outro acto não menos importante nas acções da FRELIMO, visando demonstrar e apelar a unidade a comunidade local e internacional, foi a informação de que já tinha um certo controlo sobre o território e implantado a sua autoridade sobre estes. O movimento difundiu comunicado em que supunha-se que existiam cerca de 1000 a 3500 guerrilheiros nas suas actividades, respectivamente, nos distritos nortenhos do Niassa e Cabo Delegado, apesar de os portugueses afirmarem que as suas actividades estavam largamente contidas. De maneira geral, toda essa acção exercida sobre a população pela FRELIMO e pelas tropas coloniais foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação radiofónica e escrita, observando sempre as finalidades de cada uma destas áreas: a primeiro, pretendeu impor à opinião pública, certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversaria; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitavam sempre de encontrar ambiente favorável para a implementação dos seus princípios ou projectos. Durante a guerra, muitos discursos que a FRELIMO emitia através da rádio, visavam fragilizar a tropa portuguesa,  consciencializar sobre a injustiça da guerra tanto como os dividir

Eduardo Chivambo Mondlane

                         5.2. O papel de Eduardo Mondlane, Eduardo Chivambo Mondlane, nascido a 20 de junho de 1920, em Manjacaze, província de Gaza, a sul de Moçambique, no seu percurso académico, estudou Antropologia e Sociologia na África do Sul e teve também uma passagem rápida por Portugal onde conheceu líderes da luta anticolonialista africana como Amílcar Cabral, que lutou pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, e Agostinho Neto, de Angola. Mais tarde, completou os seus estudos nos Estados Unidos da América (EUA), onde obteve o seu doutoramento e deu aulas na Universidade de Syracuse, tendo também integrado, depois (1957), o Conselho de Curadoria das Nações Unidas, onde trabalhou como investigador de questões relacionadas com a independência dos países africanos, nesta altura, centrando a sua atenção para a opressão que crescia em Moçambique. Como funcionário das Nações Unidas, Eduardo Mondlane, deixou a organização para atender ao convite de alguns nacionalistas que queriam libertar Moçambique, e ao retornar as suas origens em Moçambique em visita apoiada pela Missão Suíça e pela Missão Metodistas Episcopal, em 1961, a coberto das suas actividades, espalhou ideias independentistas entre os jovens e incitou-os a revolta contra o colonialismo. 

Missão Suissa em Ricatla, Moçambique em 1894

Para além desta, foram inúmeras as suas acções que contribuíram para transformar o pensamento dos estudantes africanos na metrópole, concretamente na então Casa dos Estudantes do Império, no Centro de Estudos Africanos, na Casa de África e Clube Marítimo Africano, para Mondlane, “não foi sua a decisão de lutar pelo seu povo, mas sim ter sabido integrar-se na realidade do seu país, identificar-se com o seu povo”, portanto, a capacidade de transpor o abismo entre os poucos e muitos e de suscitar a participação de massas  conduziu a FRELIMO ao êxito. Daí que se torna não só arquitecto do desenvolvimento da FRELIMO, mas também do grupo dos exilados até ser um movimento popular e também o timoneiro durante alguns anos mais difíceis da FRELIMO. Em 1962, Mondlane, muda-se então para a Tanzânia, onde se torna um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Aqui, no seu programa de acção, largamente anunciado, na sua instalação em Dar-es-Salaam promoveu o aparecimento dos primeiros panfletos subversivos de propaganda da FRELIMO no Niassa apelando a população para a necessidade da luta e envolvimento de todos nela porque constituíam base indispensável para o êxito de toda a guerra de libertação. O impulso nacionalista e de unidade em Moçambique exigia a confirmação da existência de um povoamento na região do Niassa o que se mostrou exíguo e exigiu maior sacrifício por parte dos guerrilheiros da FRELIMO ao passarem por privações de alimentos, frio por falta de abrigo e muito mais. Analisando as acções de Mondlane, principalmente nos seus apelos feitos por meio de panfletos com teor de propaganda da FRELIMO no Niassa, em que este apelava à população para a necessidade de apoio e entrega à luta de libertação de Moçambique, podemos concluir que este, para além de expandir os ideais do movimento de libertação, procurava apresentar a FRELIMO às comunidades como uma futura autoridade a qual todos deviam se juntar para o sucesso dos seus objectivos que era a independência, em seus discursos apresenta-se claro o apelo a unidade para que se alcance o sucesso da luta. 

CAPITULO VI 

OS CAMINHOS PARA A INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE 

A independência dos países africanos constituiu o culminar de um processo de descolonização que assumiu múltiplas formas, de acordo com os contextos, através dos quais, um regime colonial formal chega ao fim. Obviamente, não se tratou de um processo suave pois houve uma série de dificuldades inerentes ao processo que ocorreu na sua maior parte no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Apresentar os contornos gerais para o alcance da independência em Moçambique e os passos observados pelas partes beligerantes na região do Niassa, constitui objectivo do presente capítulo. Para os povos africanos no geral, a independência era o sonho a ser materializado face ao sistema colonial que vigorava nos seus territórios. Ela devia ser alcançada de qualquer forma mesmo que custasse as suas vidas, pelo que em determinadas colónias, para se alcançar a independência, recorreu-se ao uso da força das armas de fogo, enquanto em outras, as negociações por via de diálogo constituíram a arma fundamental. Tratou-se de “um dos fenómenos políticos mais espetaculares da segunda metade do século XX que teve início na África Ocidental Britânica, estendendo-se rapidamente aos Estados francófonos, depois a África Belga e os territórios britânicos da África oriental e central e finalmente às colonias portuguesas”. Sobre este processo, existe uma vasta literatura com narrativas bastante e que explicam os contornos das independências africanas de forma geral e até de casos particulares e regionais, fazendo referências a detalhes conjunturais que impulsionaram a libertação de várias nações em África no contexto da conjuntura mundial. Em termos de conveniência e considerando os meios usado para garantir a exploração e dominação do continente, pode-se referir que a descolonização da África negra,“foi tardia e relativamente controlada, pois as potências coloniais se anteciparam à radicalização dos protestos e puderam encaminhar as independências”. O caracter tardio da descolonização portuguesa que culminou com as independências, particularmente em África, definiu os contornos assumidos no período pós-colonial bem como atraso português em não iniciar o processo de descolonização mais cedo, ou seja, em não seguir o caminho trilhado por outras potências coloniais e perceber que o colonialismo já não era aceitável na nova ordem das coisas e que a descolonização seria o passo seguinte para uma mudança no panorama global. Apesar de tardia, foi oportuna e careceu de preparo dos africanos para assumir a liderança dos seus países e construírem noções estruturadas. O contexto global e continental exigiu mudanças pelo que paulatinamente começaram as iniciativas de libertação. Enquanto decorriam processos de libertação face aos sistemas coloniais, estudantes oriundos das elites locais, foram enviados para estudos superiores nas metrópoles para que no seu regresso, assumissem e tornassem a administração paulatinamente africanizada apesar de assessorada por técnicos europeus, enquanto a autonomia política era concedida progressivamente a uma burguesia nativa previamente cooptada. 



Edifício onde funcionava a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa


 Em 1957, Gana libertou-se da Inglaterra, e o Primeiro-Ministro Nkrumah, adoptou uma política de neutralismo activo, aproximou-se da URSS e da China Popular e declarou-se partidário do Panafricanismo. No ano seguinte, a Guiné separou-se da França, e o Primeiro-Ministro Sekou Touré recebeu apoio dos países socialistas por sua linha política próxima à de Nkrumah. Em 1960, o “ano africano”, a maioria dos países do continente tornou-se independente da França e da Grã-Bretanha, dentro da linha “pacífica”, gradual e controlada: Camarões, Congo-Brazzaville, Gabão, Chade, República Centro-africana, Togo, Costa do Marfim, Daomé (atual Benin), Alto Volta (atual Burkina Fasso), Níger, Nigéria, Senegal, Mali, Madagascar, Somália, Mauritânia e CongoLeopoldville (atual Zaire). Entre 1961 e 1966 foi a vez de outros países na zona tropical africana e posteriormente outras nações juntam-se aos movimentos independentistas. 


Vários Estados africanos, face à sua debilidade, tentaram associar-se em nível continental, dentro dos postulados pan-africanistas, ou federar-se pragmaticamente em escala regional, mas a falta de mínimas condições objectivas impediu a realização dessas aspirações. A caminhada para as independências deveu-se não apenas aos princípios consagrados nas Cartas do Atlântico e das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, mas também a outros factores, destacando-se a vitória dos Aliados sobre o eixo Roma-Berlim-Tóquio que não foi apenas uma vitória militar, mas sim, uma vitória da liberdade e das democracias . O processo da independência de Moçambique enquadra-se no contexto de dissolução do império africano de Portugal, que teve lugar num tempo histórico preciso: o terceiro quartel do século XX e foi marcada por uma conjuntura de intersecção das descolonizações europeias e o conflito Leste/Oeste – a Guerra Fria – que desde a década de 1940 configurou, em larga medida, a geopolítica mundial. ̋É, no fundo, o período em que a ascendência europeia, progressivamente afirmada desde a Era Moderna, conhece o seu canto de cisne, com isso abrindo caminho para uma redistribuição do poder à escala global. Tratou-se de um processo que teve lugar concretamente a partir de 1974, quando uma inesperada reviravolta política ocorreu em Lisboa, na sequência do derrube da ditadura de Caetano, que após seis anos no poder fora incapaz de encontrar uma “saída com honra” para um exército impaciente com os bloqueios políticos na metrópole e nas colónias africanas. No mesmo período, a estrutura imperial portuguesa enfrentou várias dificuldades de ordem administrativa que se vivia na Guiné e Moçambique. Associado a estes elementos, Portugal mostrava-se como uma das economias mais débeis da Europa Ocidental, deparava-se com dificuldades crescentes para responder às exigências próprias de uma guerra em três frentes, separadas por milhares de quilómetros de distância. A inflexibilidade de Salazar relativamente a qualquer solução diplomática para pôr fim ao conflito em África abriu um fosso claro entre o regime político, de um lado, e a sociedade e a opinião pública portuguesas do outro. O golpe revolucionário de 25 de Abril de 1974 conduziu rapidamente a uma série de medidas tendentes a terminar com o controlo político formal sobre os territórios coloniais. Na forma pratica, o golpe significou “o fim do compromisso entre as várias fracções das classes dominantes na altura em que estas se mostraram incapazes e sem vontade de representar a nova constelação de interesses que se tinha formado ao longo das ultimas décadas, perigando assim os interesses do capitalismo português no seu todo”. A guerra colonial e o descontentamento com o estado constituíram o principal motivo que levou o Movimento das Forças Armadas ao golpe de estado a 25 de Abril de 1974 e à consequente independência das colónias. A este factor, junta-se a forte oposição interna que o regime fascista teve de enfrentar por estar a mover a guerra colonial. Por outro lado, muitas famílias portuguesas também se opunham ao envio para as colónias dos seus filhos, irmãos e outros parentes. Contestavam, igualmente, o gasto de elevadas somas em dinheiro em despesas militares, diante da pobreza extrema que assolava Portugal. Depois do 25 de Abril, a descolonização tornou-se um facto irreversível, apesar de ″a sociedade portuguesa de então, passar a conter no seu seio elementos dinâmicos suficientes para impedir que voltasse a ser a sociedade bloqueada que foi nos últimos séculos”. A colonização europeia ou, por outra, da expansão ao fim do colonialismo, até a data da publicação do seu livro “passavam-se 560 anos, durante os quais a vida económica, política, administrativa, mental e social dos portugueses esteve condicionada por um factor preponderante que transcendia a sua própria e genuína nacionalidade (…) ocupando territórios que não os pertencia, transformando assim a colonização num fenómeno de longa duração”. A guerra nas três frentes exigia para Portugal um alargamento exponencial do exército o que obrigou a recorrer a mais largas camadas da população civil e algumas delas “já politizada e que devido a sua posição social e dentro do exército, passaram a ter acesso ao círculo de convívio dos oficiais” o que permitiu de certa forma a politização do exército que já vinha confrontado com uma guerra que não conseguia vencer, começando assim a pôr-se a si próprio a questão do sentido da tal guerra e o seu valor político, esta foi a razão da criação do MFA (Movimento das Forças Armadas) que viria organizar o golpe de Estado militar. Analisado os elementos acima, pode-se referir que o golpe militar de 25 de Abril, a contestação popular face a guerra em Moçambique e nas restantes colónias, sobre a qual pouca informação a população tinha, e a decisão do governo de então cogitaram de forma preponderante para o término da luta de libertação em Moçambique e nas outras colónias portuguesas. A presença da guerra colonial na memória da democracia portuguesa constituiu, durante muito tempo, algo próximo daquilo que a Michael Taussig chamou de “segredo público”, ou seja, “algo que é comummente conhecido, mas que não pode ser articulado”. Negociações e correspondências entre os guerrilheiros da FRELIMO e o exército colonial no Niassa. 

Rui Vergueiro,Alferes Milº, os padres Camilo e Menegon,da Missão de Vila Cabral, em confraternização com elementos da FRELIMO

No primeiro semestre de 1974, tiveram lugar em Lisboa, Lusaka (05 de Junho), Dar –es-Salaam, Amesterdão, Mueda e Montepuez, várias negociações tendentes a alcançar uma aproximação entre as partes beligerantes, sobre o fim da guerra. Portanto, existiram negociações encabeçadas pelo Movimento das Forças Armadas Central, isto é, por emissários vindos ou representantes directos de Lisboa, e as que eram da iniciativa dos comandos locais, entre interlocutores regionais e dos próprios quartéis coloniais. Estas negociações foram infrutíferas pela ambiguidade apresentada por Portugal visando chegar a uma plataforma de entendimento rumo a independênci. Em termos práticos, para a FRELIMO, “a independência, não era matéria para negociar, o que estava em causa era apenas os mecanismos de transferência de poder para a FRELIMO como legítimo representante de Moçambique . Em relação ao Niassa, este processo é pouco documentado ou quase que não existe informação nas literaturas de memórias dos combatentes até então produzidas e alguns relatórios de ocorrências da época, escritos pelos comandantes das comissões e quartéis tanto como narrativas da tropa colonial portuguesa e combatentes da luta de libertação de Moçambique que foram entrevistados. Todos entrevistados estiveram em algumas bases da FRELIMO e aquartelamentos da tropa portuguesa até finas da Luta de Libertação de Moçambique no Niassa.


Em Lussanhando, onde o exército colonial, o exército colonial tinha um aquartelamento sem grandes condições de defesa, composto por algumas casernas no meio do capim e vivendo-se um clima de incerteza, decorriam acções de contacto entre o exercito colonial e os guerrilheiros da FRELIMO para conversações. Mas por outro lado, a FRELIMO aproveitava esta situação para arranjar pressões para as negociações em Lusaka. 


Alguns locais onde decorreram negociações no Niassa

 Alguns locais onde decorreram conversações entre a tropa colonial portuguesa e os guerrilheiros da FRELIMO – Lussanhado. Em Agosto de 1975, guerrilheiros da FRELIMO, representados pelo responsável no Niassa, deslocaram se a Valadim para conversações que culminou com um convívio entre os Furriéis e os guerrilheiros da FRELIMO e dai alguma vontade e confiança entre ambas partes. “Houve dificuldades de se tomar decisões locais, mas o ambiente que se vivia, era de paz e não de guerra”. ̋Soubemos mais tarde que tinham ido a Valadim cerca de 500 guerrilheiros da FRELIMO com intensão de tomar o Aquartelamento. No entanto, a segurança montada e os canhões 122 que os guerrilheiros da FRELIMO viram logo que passaram a porta de armas, não se atreveram a fazer nada e abandonaram a operação”. Ao que tudo indica, os guerrilheiros da FRELIMO pretendiam tomar de assalto a base, aproveitando-se da existência de algum contacto entre as partes beligerantes. Uma outra narrativa do Relatório de Accão da 3ª CÇAC assinado pelo Comandante Pedro Joaquim de Almeida, refere que no dia 04 de Setembro de 1974, Cerca das 14h30, “estando o pessoal empenhado só em carregar as viaturas com todo o material menos o de guerra, em virtude de partir no dia seguinte para o Chiulézi, onde se encontrava a sede da companhia, apareceram quatro  elementos da FRELIMO, vindos do lado da pista com as armas em bandoleira”, tendo o sentinela de vigia alertado um colega que se dirigiu ao limite do arame farpado, que ficava a 10 metros distanciados do quartel, para os receber conforme ordens recebidas anteriormente via mensagem. “Como entre eles havia elementos conhecidos de um dos nossos graduados pareceu-nos fácil a conversação e sem problemas, pois eram os mesmos que tinham ido a Valadim, e queriam conversar em paz”. O pessoal reunido na pista desconfiou-se logo do caso de Omar, e já estava a tomar as devidas medidas de segurança, quando de repente ouviram-se vozes em volta de todo o Destacamento gritando que davam um minuto para reunir o pessoal na pista ou queimariam tudo, imediatamente invadiram o quartel, “eram cerca de 450 elementos escondidos no meio do mato sem que nós os tivéssemos detectado. Não tendo a tropa, visto qualquer possibilidade de resistir olhando à surpresa, quantidade de forças e armamento das mesmas decidiu-se que o pessoal seguisse para o local orientado e o oficial da tropa portuguesa, tentou dirigir-se para o local onde estava o material para proceder à sua destruição, mas foi impossibilitado de o fazer pelos guerrilheiros que já tinham invadido o destacamento. Ao fundo da pista com o pessoal todo formado tiveram uma conversação com o comandante de artilharia, Pedro Canísio, que na ocasião, pediu que os deixasse regressar ao quartel e que iriam abandoná-lo no dia seguinte, tendo sido respondido que as forças da FRELIMO não tinha ordens de finalizar as operações e teriam de os levar para mostrar aos seus superiores os resultados das suas operações, mas que não queriam mais derramamento de sangue por isso utilizaram o plano de capturar a tropa, estando seguros que eles não fariam fogo a não ser em legítima defesa. Por conta das conversações feitas em Valadim com o seu comissário político, Manuel Majice, depois da reunião, dirigiu-se para um local distanciado do destacamento, a cerca de 3Kms, onde pernoitaram. No dia seguinte, apareceram elementos da população para carregarem todo o material do destacamento, cerca das 11h apareceu dois bombardeiros da FAP (Forcas Armadas Portuguesa) para se certificarem da nossa situação, sobrevoaram o destacamento e imediatamente retiraram-se. No dia 06 de Setembro, a tropa capturada seguiu em direcção a base central M`zumbig de onde partiram no dia 8 de Setembro de 1975 em direcção a Tanzânia, tendo escalado Vila de Songuea, campo político de Thunduru, até a cidade de Nashinguea onde foram colocados com o pessoal de Omar no quartel tanzaniano, num pátio rodeado de arame farpado e soldados tanzanianos. (. 

Presidente Samora, em Mkunya, falando com os soldados capturados em Omar


No dia 19 de Setembro de 1975, as tropas portuguesas receberam a visita do presidente Samora Machel que cumprimentou um por um os homens, tendo afirmado o seguinte: ̋pedimos ao governo português que elaborasse uma lista de prisioneiros de guerra e a resposta que nos deram foi a seguinte: "não temos nenhum". Vocês são uns assassinos! Mataram-nos todos.! Mas a FRELIMO entrega-vos ao vosso governo e partem hoje mesmoo. No dia 20 de Setembro de 1975, a tropa Partiu em direcção a Nangade e no dia 21, de Nangade num avião da FAP em direcção a Nampula, onde se encontravam entidades superiores para nos receberem.Sobre os acontecimentos do final da Luta de Libertação em Moçambique, Jaime Bondo(2021) referiu que, em Junho de 1974, os contactos com comandantes de alguns quartéis portugueses já vinham decorrendo de acordo com orientações emitidas do comando provincial. O comandante provincial da região do Niassa emitiu uma carta com orientações para o início de cessar-fogo na nossa região. Nos encontros realizados para o alcance de um entendimento/cessa r-fogo o que mais se aflorava era o interesse da FRELİMO que tinha a ver com o termino da guerra desde que a contraparte colaborasse. Em seus comentários relatou que do lado da tropa colonial era visível a fadiga ocasionada pela guerra e o desejo ardente de se livrarem daquelas matas onde enfrentavam um conflito que grande parte, considerava de injusto e injustificável. Mesmo nas cartas enviadas pelo comando da Região Militar de Moçambique era notório a afirmação de que já havia um reconhecimento de legitimidade da luta levada a cabo pela FRELIMO, o forte desejo do fim da guerra colonial para qual se solicita a colaboração dos guerrilheiros. Percebe-se que o ambiente das negociações entre o exercito colonial e os guerrilheiros da FRELIMO no Niassa, foi marcado por aproximações tímidas de ambas partes,  Combatente da luta de libertação de Moçambique (entrevistado)  visto que pairava em ambas partes o espirito e sentimento da duvida sobre o calar das armas de forma efectiva. Os guerrilheiros da FRELIMO recebiam diferentes informações sobre fim da guerra e alguns comandantes da guerrilha, olhando para a atuação ou movimentação da tropa colonial e não se confortavam de imediato com o fim da guerra, optando por montar estratégias de cerco e tomada de algumas posições da tropa colonial a semelhança do que se deu em Lussanhando em princípios de Setembrde 1974 conforme se pode ver no texto seguinte, enviado ao Comandante da Base do mesmo nome.



No dia 4 de Setembro de 1974, na Base Ngungunhana, foi dado o primeiro passo para o cessar fogo das hostilidades militares entre a FRELIMO e o exército colonial português. Como mediador nas negociações de paz, esteve presente uma comissão militar mista composta pelo Capitão Miliciano Alberto Cardoso Salaviza da Companhia de Artilharia 7260, instalada em Nova Coimbra e um representante do Governo Civil do Distrito do Niassa. 

O Cap. Salavissa comandante da CART. 7260 a confraternizar na base Mpotxi (Gugunhana) com soldados  da FRELIMO

Pela FRELIMO, esteve o Comandante do Sector de Niassa, Pedro Juma. Depois de algum tempo reunido acordaram localmente o cessar-fogo com vista ao estabelecimento da paz, correspondendo assim as aspirações profundas do povo moçambicano e português. Para o efeito, ambas as partes deram instruções necessárias as suas respectivas forças combatentes. No dia 7 e 8 de Setembro do mesmo ano, continuavam as conversações no quartel de Nova Coimbra com a presença de uma delegação da Marinha portuguesa que se deslocou a Metangula. No dia 9, encontraram-se na Aldeia de Nova Coimbra as Forças Armadas Portuguesas (Companhia de Artilharia 7260) e da FRELIMO e realizou-se um convívio entre ambas as forças. David Chimalizane descreve o seguinte: Estando na base de Metarica, “recebemos uma mensagem via radio a orientar para ocupar o quartel da tropa portuguesa de Metarica, deslocamo-nos a uma aldeia próxima, informamos a população local, através de nossos emissários para informar ao chefe do Posto que os Guerrilheiros estavam na Aldeia. Este comunicou ao Furriel e juntos deslocaram-se a aldeia onde estavam os guerrilheiros, mas ao chegar encontraram apenas a população porque a desconfiança era eminente. No local, estava indicado um idoso da comunidade que iria levar o Furriel e o chefe do Posto ao encontro dos guerrilheiros, numa mata próxima da comunidade. Depois da conversa, um grupo de 15 guerrilheiros juntaram-se aos outros e dirigiram-se ao Quartel de Metarica e no percurso, a população local, aplaudiu os guerrilheiros que se deslocavam na viatura JIP do Chefe de Posto em direcção a sua casa e dai apareceu a tropa colonial que juntamente com os guerrilheiros seguiram para o quartel de Metarica onde foram cedidos uma Cazerna onde ficaram durante 2 semanas até a retirada da tropa colonial. 
Dai seguiram para ocupara a Base Aerea da Nova Frecho (Cuamba). Combatente da Guerra do Ultramar (entrevistado). Furiel Miliciano CART 7260 e Combatente da Luta de Libertação de Moçambique (entrevistado)  onde encontraram a base já vasia, havia apenas infraestruturas militares, alguns veículos avariados e armamento obsoleto. Em Muembe, nos finais de Setembro de 1974, de acordo com José Gabriel Messão , os guerrilheiros da FRELIMO, deslocaram-se a um funeral, cercaram os presentes e orientaram alguns a irem a vila para informar a tropa colonial que teriam avistado os guerrilheiros e estes em número de 6, trataram de tirar a farda e foram ao local de encontro e renderam-se aos guerrilheiros. Na ocasião, ofereceram açucar e outros alimentos e seguiram a Base Dindiza onde aguardaram novas orientações superiores. Da base Dindiza, Messão e Lizalho, foram enviados para receber o Quartel de Muembe onde existiam, viaturas, armas, casernas e outros elementos militares. Neste quartel, permaneceram um mês em ambiente de desconfiança. Enquanto isso, os guerrilheiros haviam minado a estrada de Muembe a Lichinga e foi avisado ao Capitão para não movimentar a força até as ordens superiores, mas alguns elementos da tropa colonial seguiram em direcção a Lichinga, tendo contraído danos a viaturas militares, lesões graves, mutilações e até mortes.






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