4.6. As principais frentes de combate
De acordo com o trabalho político realizado, visando apurar as potencialidades das tropas portuguesas e identificar alvos a serem atacados, escolheu-se a Base Naval de Metangula, o Posto Administrativo de Cóbuè (situados no actual Distrito de Lago) e o Posto Administrativo de Nungo (actual Distrito de Marrupa). Entretanto, nem todos alvos definidos chegaram a ser atacados. “O Posto Administrativo de Nungo (em Marrupa) não foi alcançado por conta da distância que separa do primeiro acampamento militar (situado no Monte Thumbi) com aproximadamente 500Km (em linha recta)”. Por esta razão, considerando também que o “armamento chegou a esta base no dia 21 de Setembro e a orientação central era de inicio da luta as 00:00 horas do dia 25 de Setembro de 1964” e a distância a ser percorrida a pé, mostrou-se impossível alcançar o alvo. Por isso, foram atacados a Base Naval de Metangula e o Posto Administrato de Cóbue. Também foi vandalizada a Missão de Messumba
Efeitos de uma mina na linha férrea entre Belém e Catur ao Km. 673 |
A outra estratégia da FRELIMO foi, enviar para o interior de Moçambique alguns guerrilheiros para realizarem trabalhos de reconhecimento do terreno. Esta actividade visava levantar informações sobre:
1) posições e disposição dos aquartelamentos portugueses, capacidade militar em armamentos e efectivos, depósitos de armamentos e materiais de guerra;
2) identificação dos alvos a atacar;
3) identificar as melhores vias de entrada e saída dos alvos a serem atacados;
4) reconhecer zonas seguras para esconderijos e fixação de destacamentos e;
5) captar os sentimentos e opiniões das populações em relação ao apoio a FRELIMO e a luta armada.
Para a materialização destes objectivos, os guerrilheiros da FRELIMO mandavam aos postos administrativos um ou dois homens, com a alegação de que iam tirar cadernetas, mas a missão fundamental era observar as defesas e o ambiente militar e, a partir destes dados, elaboravam croquis da localização dos abrigos da tropa colonial. Os guerrilheiros procuravam sempre espalhar insegurança na região, dificultando a actividade rotineira das populações e pondo em causa as capacidades das autoridades portuguesa para exercerem o seu domínio. Neste período, a FRELIMO também procurou promover campanhas de divulgação junto das populações, fazendo referências constantes aos objectivos da luta. No concerto das suas acções militares, os guerrilheiros da FRELIMO realizavam frequentes raptos principalmente na área de Marrupa e Lugenda e estes indivíduos eram instruídos nas suas doutrinas politicamente para, posteriormente, através das ligações familiares e clânicas facilitarem a ampliação das actividades do movimento em outros sectores. Os guerrilheiros da FRELIMO eram acusados de espalhar boatos intimidatórios nas comunidades alegando que, se os portugueses constatassem que perdiam a guerra, iriam matar toda a gente civil, as populações das povoações junto a fronteira, nomeadamente Muigo, Nangali, Mandambuzi e Nipepe, Mandimba e Mutombotchi.
Diziam, ainda, à população, como forma de a colocar contra a tropa colonial, que o sal que se vendia nas cantinas dos comerciantes estava envenenado pelos portugueses. Depois de cada ataque, os guerrilheiros deixavam o local dos seus encontros bem visíveis, mas armadilhados com explosivos para que as tropas pesquisadoras caíssem nelas ao seguirem os seus vestígios; por vezes, deixavam propositadamente rastos do seu percurso e ao longo da mesma colocavam explosivos que ceifaram muitas vidas das tropas portuguesas. Os guerrilheiros da FRELIMO, esforçavam-se a todo o custo para manter a persistência no controlo sobre a população com a finalidade de assegurar os meios de subsistência indispensáveis à sua presença nas frentes de combate. Esse controlo era caracterizado pela presença de elementos que se encontravam infiltrados nos acampamentos das populações e que exerciam uma discreta vigilância sobre as mesmas. Tratou-se de um sistema de segurança muito simples e eficaz, que consistia no disparo de determinados tiros de avisos ao ar. Os portugueses Amadeu Neves da Silva – Antigo Combatente da Guerra do Ultramar – Batalhão de Caçadores nº 1891, e Nataniel Lopes da Rosa – Antigo Combatente da Guerra do Ultramar – Companhia de Artilharia – Batalhão, assim como MARQUES, em relação ao que foi a guerra em Moçambique, são unânimes em afirmar que foi uma guerra injusta e inútil. (…) “Uma guerra de pobre sustentada por um país pobre, que tinha que repartir o chamado esforço da guerra por três frentes em simultâneo neste caso: Moçambique, Angola e Guiné” o que em termos práticos acarretava elevados custos humanos, financeiros, morais e políticos. Sobre a preparação militar, referindo-se ao contexto da sua ida a África, concretamente a Moçambique, Amadeu afirmou: “nos íamos a guerra em África com uma fraca preparação militar e sem nenhuma noção da guerra de guerrilha”. Em relação a este facto, Nataniel refere que, “entre a tropa portuguesa, grande parte saía da metrópole para Moçambique sem saber correctamente o que iam fazer”, percebe-se que os guerrilheiros da FRELIMO quase sempre lograram sucessos nas suas investidas, porque geralmente estas eram organizadas através de planos operacionais para uma guerrilha. Por consequência, havia dificuldades da parte da tropa portuguesa em compreender com precisão o que é que os guerrilheiros faziam até 153 ocorrerem os ataques aos seus acampamentos. Tornava-se difícil realizar os confrontos e, portanto, conseguir informações concretas e conter as incursões dos guerrilheiros da FRELIMO. Outros factores que dificultavam na íntegra a acção da tropa portuguesa na contenção dos guerrilheiros foram:
(1) o não uso de rádios de comunicação pelos guerrilheiros
(2) a variedade de dialectos que tornavam difíceis a comunicação entre os militantes
(3) o baixo nível educacional dos guerrilheiros que era de certa forma um impedimento para operar e manter equipamento de alta tecnologia. Sobre os saldos da guerra, até meados de 1973, em menos tempo de guerra morreram em Moçambique mais militares do que na soma dos conflitos armados na Guiné e Angola.Quantas vidas não se perderam em Moçambique só porque não existiam suficientes e capazes meios aéreos para rápidas evacuações”. A pobreza estendia-se principalmente nos meios para fazer a guerra.
Helicóptero a transportar feridos para o hopital
4.8. As práticas mágicas durante a guerra
As comunidades africanas desde sempre tiveram as suas crenças e tradições, umas ligadas aos seus ancestrais e ainda outras associadas ao uso de amuletos. Os bantos, concretamente constituem um povo que sempre receou aos seus saberes para evitar ser atingido em qualquer momento por agentes do mal que actuam incessantemente e de modo imprevisto no seu meio, dai que estes sempre têm medo, um medo que se manifesta como uma sombra densa que alerta a limpidez do calor humano nas suas relações sociais, trata-se de um medo resultante da experiência do mal, dado que o banto sofreu calamidades permanentes como doenças endémicas, opressões seculares e a inter-acção ambivalente. O medo entre os bantus constituiu uma deturpação de difícil superação e o indivíduo ao se ver perseguido, para se defender recorre aos meios mágicos, ao poder vital que nesse caso pode ser a magia que, segundo os mecanismos bantu, só pode ser combatida com poderes superiores e igualmente mágicos. Os guerrilheiros começaram a usar rádio de comunicação por volta de 1967 e nesta altura os portugueses começaram a escutá-los
Rádio e gravador usados na ESCUTA na Equipa do SRT de Nampula, nos anos 73/ 74. |
Nas comunidades do então distrito do Niassa, existiam desde sempre curandeiros que considera “cumulativamente mágico”, que, para além de curar diferentes enfermidades nos pacientes que os procuram contactar, fabricam e vendem diferentes amuletos, incluindo os para se defender dos seus inimigos e para provocar desgraças a outrem. Existiram também feiticeiros, homens ou mulheres, que têm a faculdade de, apenas por meio de concentração e orientação do seu poder psíquico para determinada pessoa a fim de lhe provocar doença, desgraça ou mesmo a morte. Os feiticeiros eram bastante temidos e odiados pelas comunidades No então distrito do Niassa, estes aspectos não constituíram excepção pois muitos destes elementos foram usados pelos guerrilheiros para se protegerem do inimigo tanto quanto para terem sucesso nas diferentes frentes de combate. A título de exemplo, foi uma carta deixada numa mata para o então Comandante das milícias do Niassa, de nome Francisco Daniel Roxo no qual chamavam-lhe de «diabo branco», com o seguinte recado: “O diabo Roxo, deves te afastar do Niassa, já pedimos todas maldições para si, se não o fizeres, morreras com todos os feitiços que já fizemos contra si
Daniel Roxo e as suas milícias no Distrito do Niassa |
A feitiçaria constituiu uma prática bastante empregada para cura, maldição, proteção das pessoas no Niassa. As autoridades coloniais, estacionadas nos diferentes pontos deste distrito, reportaram em inúmeras ocasiões à metrópole sobre a existência destes elementos descritos genericamente como feiticeiros. Existiram alguns que mais se destacavam pela influência que exerciam nas suas comunidades e pelo terror que infundiam. Existiram também alguns Padres Monhés africanos que tinham habilidades para a feitiçaria. A alguns destes supostos feiticeiros eram atribuídas capacidades/ poderes de fazer qualquer arma, de qualquer calibre, disparar água, conforme consta em uma Nota da PIDE enviada ao Governo do Distrito de Niassa que se pode ver em seguida.
Para além disso, alguns feiticeiros chegaram mesmo a cooperar com a actuação da FRELIMO, preparando os guerrilheiros com os seus remédios a fim de os tornar mais eficientes nos ataques aos aquartelamentos das tropas coloniais como aconteceu em 1964 o desenvolvia, teve de passar por tratamentos tradicionais com feiticeiros para se prevenir de ataques de animais ferozes e durante a luta de libertação, obteve outro tratamento que evitava alvejamento por balas, razão pela qual tornou-se num homem temido pelos guerrilheiros da FRELIMO. Um outro aspecto que evidencia envolvimento de práticas tradicionais locais na luta de libertação é o relato de MOIANE ao descrever a sua entrada efectiva na luta armada de libertação no Niassa. em Março 1965. Especificamente, no cumprimento da decisão da reunião do Comando Provincial do Niassa, realizado em Mipoxi em Junho do mesmo ano, em que decidiu-se que Moiane devia avançar para abrir a frente de Maniamba a norte da Província, com o objectivo de abrir caminho de passagem para Khathur, Meponda e uma base em Unango. Moiane refere que, chegado a Maniamba, entraram em contacto com as autoridades locais para sensibilizar a rainha Chá Ntima pois era ela quem tomava as decisões na região e, na ocasião, estes receberam garantias de que podiam operar naquela zona sem problemas e que iriam invocar os antepassados para lhes dar bênção nas suas actividades. Tratou-se aqui de uma acção visível de envolvimento da autoridade local na luta mediante o uso dos conhecimentos ancestrais e aceitação a causa da FRELIMO.
Serra Mepotxi no Niassa |
4.9. Traições e deserções A luta armada de libertação,
Desencadeada como resposta a agressão colonial, foi uma acção dolorosa, mas eficaz para o alcance da libertação do jugo colonial. Tratou-se de uma marcha forçada no caminho para a libertação. Seria impossível fazer a tal marcha sem reversões e esforços vãos. Dai que no Niassa, durante a luta, ocorreram traições e deserções que de seguida passamos a apresentar evidências destas práticas. As deserções e traições caracterizaram as guerras em todo o mundo, sendo que as suas causas dependem de factores de natureza social, política, económica e cultural das sociedades envolvidas em contendas. Na luta de libertação em Moçambique, era necessário transpor os problemas que sobreviveram à fusão da FREIMO, sobretudo ao relacionado ao tribalismo que a ele se associa a fraca maturidade política, a ambição e a incorporação de infractores fugitivos das autoridades administrativas coloniais .Alguns dirigentes do movimento, não souberam construir a sua ponte e atravessá-la e que, tendo falhado, se perderam no autoisolamento, no abandono da luta ou na deserção para o lado do poder colonial”. Em Moçambique, concretamente na região do Niassa, verificaram-se traições, deserções associadas a ambições que comprometeram determinadas acções do movimento no campo militar e outros. Foram guerrilheiros aos quais se confiava, mas caíram no oportunismo. Será feita aqui a descrição de alguns factos que revelam as atitudes de traição e ambição que causou deserção por parte de alguns elementos da FRELIMO durante a luta na frente do Niassa. De referir que alguns destes elementos desertaram por temer sanções disciplinares, o que da a entender que nas fileiras da FRELIMO existia uma disciplina rigorosa e rígida. No decurso da luta, que era, era um conflito armado entre duas linhas políticas opostas que reflectiam interesses antagónicos mais”, ocorreram vitórias e derrotas de ambas a partes. Os fracassos sofridos pelo inimigo, neste caso o exército português, com certeza o tornavam mais cruel, refinado e criminoso, tendo, então, adoptado novos métodos que foi a subversão. Para levar a cabo esta acção, contou com dois elementos principais que foram:
I) Os agentes infiltrados e traidores- aqueles que se camuflavam de combatentes da FRELIMO e foram cometendo crimes contra as populações, criaram confusões sobre os objectivos e métodos do movimento, vivendo no seu seio, desencorajando politicamente os seus elementos, espionando e cometendo crimes contra sua organização e direcção. Dividindo as massas através do tribalismo, racismo, superstição e religião
II) As insuficiências da FRELIMO: o regionalismo, o racismo e o tribalismo. Estes três elementos impediram significativamente a FRELIMO de assumir a grandeza do país na luta, confundiu o inimigo e o sentido da luta e quem eram os seus aliados naturais. No decorrer da luta, a tropa portuguesa, no rol das suas acções, procurou continuamente minar a estrutura organizacional da FRELIMO durante as suas campanhas no Niassa através de uso das informações dos desertores. Por outro lado, a existência de variados grupos etnolinguísticos na região de certa forma dificultou a manutenção da ordem no movimento tanto como para os portugueses, de tal forma que qualquer acção constituía uma ofensa sem perdão e uma transgressão insuportável contra outro grupo. Algumas autoridades tradicionais chegaram a trair os guerrilheiros da FRELIMO, denunciando suas acções, contactos que estes estabeleciam com elementos da sua jurisdição e outros. Os guerrilheiros da FRELIMO, tomando conhecimento destas acções, repreendiam os envolvidos e, em casos extremos, alguns foram assassinados como aconteceu com o Régulo Mataca da área de Cóbuè, que era fiel à autoridade colonial e foi ele quem, em 1963, denunciou a rede da FRELIMO infiltrada na sua área e levou à prisão de vários dos seus agentes. Por este acto, no dia 17 de Maio de 1965, o régulo Mataca (Daude Inchito), estando em sua residência, foi abordado por um grupo de 4 elementos da FRELIMO que a ele solicitaram o caminho para Cóbuè. Este na sua boa-fé pós se a acompanhá-los e percorrido 50 metros foi morto. Para além de autoridades tradicionais, existiram os sipaios que acompanhavam as tropas coloniais como guias para localizar os acampamentos dos guerrilheiros situados em locais distantes a troco de bebida alcoólica (vinho). Outros chegaram a fazer parte do exército português combatendo contra os guerrilheiros da FRELIMO.
Um pelotão de cipaios |
A estes, em jeito de apelo a consciencialização, a FRELIMO foi lançando panfletos com discursos apelativos para abandonarem as fileiras da tropa portuguesa e juntarem-se a FRELIMO a semelhança do que se pode constatar no documento que se segue: Segundo a entrevista feita por DE MELO ao então Chefe Distrital de Reconhecimento da FRELIMO no Niassa de nome Armando Buraímo, em 1966, transcrito em seu livro Armando Buraímo, filho de Buraimo Matenda, foi chefe Distrital de Reconhecimento da FRELIMO no Niassa, nasceu em Malema e estudou na Missão de Unango. Juntou-se a FRELIMO em 1965 na base Nachingwea a convite do seu irmão e alguns enviados da FRELIMO, treinado na Russia, no Niassa, foi destaco a base de Unango com o cargo de Sereco que corresponde a função de chefe distrital de reconhecimento. Foi aí em que num ataque levado a cabo pelos comandos portugueses foi “capturado” pois entregou-se por medo de em próximas ocasiões ser alvejado Moçambique, Norte – Guerra e Paz, Buramo relata o seguinte: “ dentro dos quadros da FRELIMO não há entendimento possível e isso vai sempre reflectir-se nas bases”. Adiante, apresenta o tribalismo como o centro do conflito, pois numa base em que o chefe fosse do sul, os Macondes não lhe obedeciam e vice-versa. Para ele, tratou-se de um cenário que se replicou em quase todas as bases ao ponto de, por vezes, em decorrência de um ataque das milícias ou da tropa colonial, na confusão que se gerava, por ódio ou ganância, (milandos/conflito), alguns aproveitavam a ocasião para tirar a vida do outro ou mesmo do chefe, na perspectiva de alcançar o cargo de chefia ou mesmo para se vingar dos conflitos/milando que tivera anteriormente. Para confirmar os seus relatos na entrevista, ele descreve o contexto em que foi capturado pelas tropas coloniais em que, na ocasião, o seu Chefe geral do Distrito, o Senhor Calunga Burema, foi morto a tiro num ataque surpresa por seus elementos. Ele permaneceu escondido numa palhota, depois de outros seus companheiros terem saído em debandada, até ser capturado pelas tropas coloniais. A acção de Buraimo enquadra-se no pensamento de segundo o qual, “o inimigo, explorando o regionalismo e o espírito de conforto, procura ainda provocar deserções das zonas de avanço para a retaguarda, duma região para outra”. A deserção do Buraimo pode ser entendida na perspectiva de ambição pois, em alguns casos, os ambiciosos podem aliar-se ao inimigo principal para conquistar o poder. Quando descoberto ou quando vê que já não tem campo para a suas manobras, deserta, como foi o caso. Outros cenários de deserção tiveram lugar na área de Cantina Dias- Unango, no coração do Niassa.
Vista aérea do aquartelamento de Cantina Dias |
Neste aquartelamento, associado aos factos anteriormente relatados, alguns guerrilheiros começaram a desertar as fileiras da FRELIMO por diferentes razões por eles mencionadas na pelos seus elementos, visto que assumia um cargo de chefia que de certeza era de alguma forma ambicionado. Colaborou com as tropas colonias portuguesas se oferecendo para guiar as milícias e a tropa no geral a grande base de Mepotche onde justamente se encontrava o maior arsenal de material bélico existente no distrito.
A esse facto, Iassibo Taíbo, Guarda Costa do Calunga depois de se render as tropas coloniais portuguesa, explicou que foram mesmo os do acampamento que o devem ter morto e não os comandos que o atacaram. É sempre assim, quando há milandos dentro das bases entre chefes e entre os homens uns com os outros: Se há um ataque, logo se aproveita a altura para matar o outro com quem há milando, depois faz de conta que foram os soldados. São eles Américo Assano, (secretario da base de Unango), Mamud Ali (chefe da polícia) Iassibo Taíb (Guarda costas e adjunto chefe da base), Atanazio, Uaite Quintana, Mario João, Buana Congo, Achimo Agissa, João Mário Issa, todos estes relataram como causa da sua deserção a questão das falsas promessas com que os elementos da FRELIMO os convencera ma aderir ao movimento, escassez de alimentos, falta de dinheiro, medicamentos, cobertores e abrigos tanto como a fadiga das caminhadas nocturnas, fugindo dos inimigos. Entretanto, ao se apresentarem à administração de Cantina Dias, pediram para que a tropa colonial os acompanhasse até um determinado ponto da estrada que eles sabiam ter sido recentemente minado e procederam o levantamento das minas colocadas pelos homens da sua base. Alguns membros das comunidades, quando levados à força e mantidos em cativeiro pela FRELIMO, produziam cartas contendo informações com indicações da localização dos acampamentos dos guerrilheiros e a pedirem que os localizem para os libertarem e jogavam pela mata. No seio dos guerrilheiros da FRELIMO na frente do Niassa, não raras vezes, ocorriam deserções associadas a traição, geralmente quando faltavam alimentos, como foi o caso de Chaibo Abudo que se apresentou ao Posto Administrativo de Muembe – Circunscrição de Valadim no dia 17 de Dezembro de 1967.
Vista aérea do aquartelamento de Muembe |
Segundo um boletim de informação, “Chaibo Abudo ao ouvir o seu chefe de nome Ungalica, lendo panfletos em público e comentando sobre os panfletos que os aviões atiravam pelas aldeias, afirmou que aquilo era tudo mentira e que se alguém fosse apresentar-se às autoridades portuguesas era pura e simplesmente morto. Chaibo não acreditou no que o seu chefe dizia, decidiu ir apresentar-se para ver como seria recebido. Depois de ver o resultado, segundo se narra na informação, Chaibo foi bem recebido e bem tratado, tanto que foi lhe pago a gratificação respectiva, pediu autorização para se ausentar as matas e foi novamente ao local de onde saiu, tendo trazido a população que viu nas machambas e a arma que tinha deixado enterrada juntamente. Segundo eles, ao serem contactados pelos elementos da FRELIMO, estes diziam que a FRELIMO estava a fazer guerra contra Portugal e que em três meses estes iriam sucumbir e viria a independência, com isso, o melhor era apoiar a guerra para depois evitar castigos. Outros foram aliciados para irem estudar com uma bolsa de estudo em país como EUA, Franca etc, o que não chegou a acontecer mas sim foram submetidos a treinos militares e ao se confrontarem com o campo de batalhas e guerras prolongadas acima do tempo que lhes foi garantido, fugiram com as suas armas tendo apresentado se nas administrações coloniais. com as granadas. Em seguida, Chaibo indicou outra base localizada nas margens do riacho denominado Caundesse nas margens do rio Luatize que não chegou a ser alcançando porque este esquecera as coordenadas. Como Chaibo, existiram na Frente do Niassa, tantos outros guerrilheiros que em grupos ou de forma individual, por falta de alimentos ou fartando de se alimentar de frutos silvestres, desertaram das fileiras da FRELIMO com seus armamentos para se apresentar as autoridades coloniais tendo desvendado algumas tácticas militares, aquartelamentos, nomes dos seus chefes e outros aspectos inerentes ao funcionamento do movimento de libertação. Outra evidência de que no seio das fileiras do movimento existiram infiltrados é o Boletim de Difusão de Informações (Secreto) de 18 de Novembro de 1964 que faz referência a uma fonte que esteve em finais de Outubro de 1964 em Dar-es- Salaam – Tanganica, afirmando que tinha conhecimento de que os guerrilheiros da FRELIMO iriam desenvolver nos primeiros tempos acções e ataques durante a noite, procurando sempre encontrar os pontos fracos e que nos seus ataques iriam usar os métodos adoptados na Argélia e que seriam escolhidos horas e momentos em que as pessoas estariam em festas ou cinemas ou ainda afastadas das residências habituais. Em um outro outro documento, classificado como muito secreto e enviado ao Gabinete dos Negócios Políticos ao cuidado do Senhor Ministro do Ultramar datado de 30 de Outubro de 1964, percebe-se que houve fuga de informação recolhida pelo SCCI (Serviços de Centralização e Coordenação de Informações) sobre o plano de introdução de armas e explosivos em Moçambique elaborado pela FRELIMO. No contexto da segurança militar, principalmente na área da disciplina do segredo no seio dos guerrilheiros eram frequentes situações de fugas de informação principalmente em conversas com amigos civis, cartas que eram enviados aos familiares em que nelas faziam referência a sua localização, nome dos seus chefes e outros dados úteis como a qualidade de material de que dispunham ou ainda planos militares . Há que não deixar de lado o facto de, no seio dos guerrilheiros, por vezes, ocorrerem competições e várias facções que originavam fissuras que, geralmente, levavam a multiplicação de informadores e encorajavam os agentes. Os guerrilheiros descontentes da FRELIMO provaram ser uma fonte fértil de recrutamento e uma oportunidade para a PIDE lançar estratégias de dissensão.Até 1972, na FRELIMO existia uma dissidência entre os adeptos do socialismo revolucionário e os conservadores.