4.2. A contra-ofensiva da tropa portuguesa e a propaganda colonial
Após o ataque à lancha Castor, a vandalização na Missão de Messumba e a sede do posto de Cóbuè no dia 25 de Setembro de 1965 a Companhia de Caçadores 612 não se fez esperar e iniciou o seu aquartelamento ofensivo.
Símbolo da Companhia de Caçadores 612 |
Tomaram o conhecimento de que a FRELIMO já andava a aliciar e recrutar a população local, principalmente os Nianjas porque, encontravam se até aí, mais fora da actuação da tropa colonial. Diante do sucedido, intensificaram as suas operações junto ao Lago o que lhes permitiu diminuir as acções de aliciamento e ter maior conhecimento da população residente ao longo da costa e a respectiva área geográfica”. No dia 26 de Setembro, assistiu-se a uma movimentação invulgar de agentes da dominação colonial (Marinha de Guerra e Agentes da PIDE) na região entre o Posto Administrativo de Metangula e o Posto Administrativo de Cóbuè com objectivo de localizar, identificar e prender os autores dos referidos ataques. Apercebendo-se da movimentação da tropa, os guerrilheiros decidiram sair de Thumbi para Ngombe onde criaram o segundo aquartelamento. Posteriormente, segundo relatórios sobre a situação no Distrito do Niassa, foram constituindo secções junto a fronteira e uma foi destacada para Mandimba junto a fronteira com o Malawi. Mais tarde, em Dezembro de 1965, outra secção foi para Olivença, junto à fronteira com a Tanzânia. Nos dois casos, existiam poucas condições para aquartelar o pessoal da tropa. Em Mandimba, tiveram de aproveitar, conjuntamente com o chefe do posto, as duas pequenas casas da administração aí existentes para se instalarem. Em Olivença, conseguiram construir quatro abrigos no solo em forma de quadrado, próximo das casas ocupadas. Fora dos perímetros militares, não muito distantes, existiam povoações, sendo a de Mandimba, pela sua situação fronteiriça com o Malawi, uma povoação de certa importância. Conforme relatos constantes no Relatório sobre incidentes em Moçambique, no final de 1964, concretamente no dia 29 Dezembro, pelas 24h:00, os guerrilheiros da FRELIMO atacaram o posto de Olivença sem danos mortais. Este foi o primeiro ataque dos guerrilheiros da FRELIMO às tropas portuguesas no Distrito do Niassa. Mais ataques foram-se desenvolvendo com o passar do tempo e no Relatório sobre ocorrências no distrito do Niassa no período de 25/09 a 31/12 de 1965, consta que no dia 14 de Fevereiro de 1965 pelas 02h:30, houve um novo ataque, demonstrando que já estavam em actividades de guerrilha intensa na zona do Niassa. Desta forma, a chefia da tropa portuguesa entendeu que havia necessidade de reforçar o pessoal por o considerar insuficiente, caso a FRELIMO pretendesse concretizar mais ataques. Olivença foi reforçada a partir de finais de Março com um grupo de combate. As autoridades coloniais portuguesas reconheceram a capacidade de resposta combativa da FRELIMO com o objectivo de acabar com a dominação colonial. Esse facto teve reflexos na moral da tropa portuguesa, que passou a desenvolver a sua ofensiva que se prolongaria por dois anos, causando baixas às forcas da ordem e convencendo as populações nativas de que era o mais forte.
O Aquartelamento de Olivença constituía a posição mais avançada, a cerca de 30 quilómetros da
fronteira com a Tanzânia e muito distanciada dos postos de defesa mais próximos de Pauíla e
Cóbue, pelo que nada impedia a infiltração dos abastecimentos da FRELIMO aos seus
guerrilheiros infiltrados no interior de Moçambique e evitar o contacto com as tropas portuguesas.
Por seu turno, os guerrilheiros da FRELIMO foram criando no interior do Niassa as designadas
áreas libertadas, sobre o qual faremos referência de seguida.
4.2.1. Os aldeamentos no Niassa
Quando iniciou a Luta de Libertação no Niassa, a administração
civil procurou reagir às tentativas de infiltração dos guerrilheiros da FRELIMO – tendo em vista http://gruposespeciais.blogs.sapo.pt- captado em 7 de Maio de 2019, proteger e controlar a população em áreas afectadas pela propaganda da FRELIM
O subsidiariamente promover a elevação sócio-económica dos mesmos.
Em colaboração com o comando da Região Militar de Moçambique (RMM),
a Administração
Civil inicia a construção de aldeamentos estratégicos, reunindo a população dispersa em núcleos
clandestinos delimitados com o objectivo imediato de promover a protecção e autodefesa dos
aldeados, tendo em vista a sua integração, desenvolvimento económico e convencer as pessoas de
que o seu futuro era em Portugal e não em uma causa perdida. Para além
disso, visava também, impedir o contacto das populações
com a guerrilha, mas conseguir também a sua adesão. Porém estes aldeamentos, construídos à
pressa e em situações de emergência, estavam longe de corresponder a todas as condições de
respeito pela dignidade humana.
A administração decidiu materializar esta iniciativa com recursos inadequados gerando problemas
significativos. A urgência na sua execução foi instigada pela crença de que a população era o
campo de batalha em que a guerra seria vencida ou perdida. A
perspectiva do governo colonial com os aldeamentos foi baseada no princípio norteador insistente
e existente na documentação oficial, que refere: “(…) o factor essencial da guerra subversiva é a
população (…) a guerra subversiva, visa a conquista da população e nós podemos dizer, sem
errar, que aquele de dois partidos que estiver em luta e tiver a população do seu lado, será esse a
ganhar a guerra” (A H M, SE a.III p.10. n º 237-1). Assim, os aldeamentos foram erguidos visando
constituir-se vencedor da guerra. Em Moçambique, os primeiros aldeamentos foram construídos
em 1966 e até o final da guerra em 1975, já existiam 969 396 moçambicanos aldeados em 953
aldeias.
No Niassa, os primeiros aldeamentos foram construídos no mesmo período (1966), depois de ter
iniciado o projecto no planalto dos macondes. Tratou-se de um sistema de realojamento da
população, geralmente levada a cabo com o uso da força. Nestes aldeamentos, a autoridade
colonial, chegou a fornecer armas de fogo à população e, geralmente, aos chefes de confiança, que
passaram a ser alvos dos guerrilheiros. Sobre o fornecimento de armas,
Jorge Ribeiro, em entrevista ao jornal Notícias de Portugal (Flechas) do dia 15 de Fevereiro de 1996, revelou que, só ao régulo de Mecanhelas, em 1970, emprestou espingardas Mauser e mandou
ensinar a usar e manter as armas como forma de garantir a autodefesa das próprias populações.
Rotulados pelos guerrilheiros da FRELIMO como “Campos de concentração”, os aldeamentos em
Moçambique foram constituídos pelo General Augusto dos Santos, que substituiu General
Augusto Carrasco.
Constituiu uma táctica militar que visava cativar a população, subtraindo-as da
influência dos guerrilheiros e da acção da propaganda da FRELIMO no geral,:
“o programa dos aldeamentos foi uma das operações sociais mais controversas
das Forças Armadas Portuguesas, foi concebida no geral para fazer face a
subversão e tinha em vista resolver três funções no controle da população rural e
mantê-las separadas dos guerrilheiros e das suas exigências de informações,
alimento e abrigo”:
a) Administração dos programas económicos e sociais alargados;
b) Protecção da população relativamente a intimidação dos rebeldes,
c) Realização de operações psicológicas
Nas suas colónias, esta acção teve início no norte da Angola em 1964 e representava para a
população uma esperança de segurança e possibilidade de emprego nas vizinhas plantações de
café. A mesma política, foi
implementada pelos britânicos na Malásia, no Iémen e Quénia. Os franceses á usaram na Argélia
e os norte americanos no Vietname.
“Portugal não podia ficar afastado desta política e lançou-se com empenho,
embora com resultados diferentes, nas três frentes. De qualquer forma, baseava-se na concentração das populações em aldeamentos, subtraindo-as assim, a acção
da guerrilha, permitindo o seu controlo e dotando as de condições de
sobrevivência, nomeadamente de lavras de culturas tradicionais, e de auto-defesa,
com base em milícias, guardas rurais ou grupos especiais
No Niassa, os aldeamentos foram descritos por Rodrigues Júnior, num artigo do Jornal Notícias
de 24 de Setembro de 1969, como “locais habitacionais em que o governo colonial português
procurou criar condições mínimas para as populações nativas como uma forma de proteger estas
contra os ataques dos guerrilheiros e emissários da FRELIMO que exerciam pressão sobre as
populações que iam até à ameaça de morte que tantas vezes se concretizou, dos saques as aldeias
e de raptos a pessoas importantes de modo a que tudo obedecesse a princípios de ordem política,
económica e social e até mesmo cultural e religiosa. Vezes sem conta, segundo declarações do Duke de Valderano na entrevista conduzida por CANN
(1998), no dia 17 de Março de 1995, em Londres, este refere que:
“existiram novos aldeamentos que estavam situados em locais de fácil infiltração
dos elementos da FRELIMO, noutras, a milícia local formada por população
indígena para a defesa das aldeias, juntavam se a FRELIMO, levando consigo as
suas armas (…) por vezes, existiram graus de cooperação entre as aldeias e os
guerrilheiros em que as aldeias protegidas <> os ataques dos
inimigos, oferecendo lhes alimentos e por vezes armas em vez de lutarem para
defender a sua aldeia. Também existiram hostilidade relativamente a transferência
forçada de uma ladeia para outra.”
As populações aldeadas constituíam presas fáceis para os guerrilheiros da FRELIMO que as
intimidava, exigindo mão-de-obra, abastecimentos, informações sobre a movimentação das forças
governamentais e era a fonte do seu sustento, (PT/TT/SCCIM/A/23/4).
Os portugueses organizaram para cada aldeamento um sistema de segurança levado a cabo por
milícias, organizadas numa série de pelotões liderados por chefes de secção, que, por sua vez,
reportavam a um oficial do exército português. Se o aldeamento fosse atacado, o oficial conduzia
a sua defesa. Assim funcionava a estrutura, pelo facto de a maior parte dos aldeados serem
refugiados e era notável a falta de liderança do chefe tradicional, (CANN 1998, p. 217).
Para além da defesa contra a infiltração dos inimigos, os aldeamentos foram convencimentos de
benefícios sociais como o posto médico, cantina, escola, igreja ou mesquita, centro social, poço de
água ou fontenário e fora do aldeamento existiram as terras para o cultivo, cujos trabalhos de
amanho eram realizados na presença das forças armadas portuguesas, que garantiam a protecção
das populações, juntamente com elementos voluntários, recrutados juntos das próprias populações
e designados por milícias, podendo estes ser de protecção ou de intervenção conforme acumulam
a tarefa militar.